O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 423

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 35

EM 29 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

José Vaz Correia Seabra de Lacerda
Francisco José Machado

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — O Digno Par Pedro de Araujo apresenta diversas considerações sobre a questão vinicola.— O Digno Par Sebastião Baracho envia para a mesa um requerimento, pedindo documentos pela Secretaria da Camara. Expedido.

Ordem do dia. — Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa. Usa da palavra o Digno Par José Maria de Alpoim, e responde a S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas. — O Digno Par Sebastião Baracho pede a comparencia do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros para saber o que ha de verdade n'uma noticia que se refere á troca de notas entre o nosso representante em Buenos Ayres e o Ministro das Relações Exteriores da Republica Argentina, acêrca das viagens rapidas entre a Republica Argentina e a Europa. Tambem deseja saber se é exacta uma noticia que diz estar o Sr. Marquez de Soveral encarregado de negociar um tratado de commercio com a Inglaterra. — O Sr. Presidente informa que o titular dos Estrangeiros se comprometteu a assistir á sessão seguinte.— O Sr. Ministro da Marinha assegura que transmittirá ao seu collega as perguntas do Digno Par. Em seguida, e em virtude de indicações feitas pelo Digno Par José de Azevedo Castello Branco, o mesmo Sr. Ministro promette comparecer á sessão de segunda feira proximo, para tratar da questão das pescarias. — Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 30 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio da Camara dos Senhores Deputados, enviando a proposição de lei que tem por fim approvar o contrato celebrado em 11 de fevereiro de 1905 com as companhias exploradoras de cabos submarinos, para a prorogação dos privilegios exclusivos a estas concedidos.

Para as commissões reunidas de obras publicas e do ultramar.

O Sr. Pedro de Araujo: — Sr. Presidente: tendo lido hontem á Camara a ordem de serviço transmittida ás alfandegas inglezas, prohibindo o despacho de vinhos com o nome de Porto, quando não fosse comprovada a sua proveniencia de Portugal, darei agora conhecimento do officio, a que, ao tempo, se deu larga publicidade, dirigido em março d'este anno a Sir E. Grey, Ministro dos Negocios Estrangeiros da Gran-Bretanha, pela Port Wine Shippers Association, de Londres, em que se acham agremiados os exportadores inglezes de vinhos do Porto, que teem succursaes armazens em Villa Nova de Gaia.

Diz esse officio:

«Nós abaixo assignados, negociantes britannicos, negociando com Portugal, carregadores de vinho do Porto, da idade do Porto, pedimos licença para informar a V. Exa. de que estamos sendo muito prejudicados pelo facto de se usar a denominação Port para vinhos simples ou lotados vindos de paizes que não sejam Portugal, d'este modo illudindo o publico com imitações de vinho do Porto e desacreditando o vinho do Porto genuino.

Tomamos a liberdade de lembrar a V. Exa. que a palavra Port é derivada de Porto, Oporto; the Port é a designação de um typo especial do vinho produzido em Portugal e carregado do Porto.

É certo que, pela lei the Merchandise Marcks Act de 1877 e regulamento das alfandegas de 1 de janeiro de 1906, se a palavra Port for empregada para vinhos que não forem importados de Portugal, é necessario addicionar uma qualificação de uma maneira clara, indicando juntamente com a palavra Port o logar ou o paiz onde os vinhos foram feitos ou produzidos.

Por exemplo: Spanish Port (Porto Hespanhol), French Port (Porto Francez) ou German Port (Porto Allemão); mas essa qualificação é muitas vezes omittida, ou só particularmente feita, ficando assim o comprador logrado.

Tomamos a liberdade de lembrar a V. Exa. que é absolutamente injusto para os requerentes, e para Portugal, que o nome de um vinho, que é o producto unicamente do clima e solo de Portugal, seja usado para promover a venda de imitações.

Consta-nos que actualmente proseguem negociações para se effectuar um tratado commercial entre a Gran-Bretanha e Portugal e cremos que a restricção da designação Port para vinhos carregados do Porto seria muito bem recebida pelo Governo de Portugal, como uma concessão valiosa, favorecendo o genero de maior valor exportado de Portugal, e podia dar em resultado que este nosso velho alliado cedesse algumas vantagens á importação em Portugal de productos britannicos; e por isso pedimos ao Governo de Sua Majestade Britannica que acceda a este nosso pedido para o beneficio duradouro das relações commerciaes entre as duas nações.

Temos a honra de nos assignarmos, etc. (Seguem-se as assignaturas)».

Página 424

424 ANNAES DA CAMARA DOS DIGKNOS PARES DO REINO

Mezes depois a mesma associação tornou tambem publico que obtivera no High Court of Justice, de Londres, uma sentença contra uma firma commercial de vinhos, prohibindo-lhe o uso da designação commercial de Puré Vintage Port ou qualquer outra designação em que entre a palavra Port ou Port Wine., a não ser para Red Wine (Vinho tinto) de Portugal, embarcado do Porto, que é geralmente e commercialmente conhecido como Port ou Port Wine, excepto se a essa designação commercial for addicionado por forma inilludivel o verdadeiro nome ou nomes do paiz ou paizes em que o vinho tiver sido preparado ou produzido; bem como de vender, offerecer, expor ou possuir para vencia vinho com aquellas designações, fora das condições acima mencionadas.

Como a Camara viu, em nenhum d'estes documentos se associava a palavra Douro ao vinho do Porto, o que, seja dito de passagem, seria uma profunda injustiça, porque poderia haver vinho do Porto que não fosse exclusivamente feito de uvas do Douro, e já as chronicas do tempo do Marquez de Pombal constatavam que o vinho de Oeiras era excellente para lotar com o do Douro, mas vinho do Porto sem uvas do Douro é o que me não consta que possa produzir-se.

Ha quasi meio seculo que a Associação Commercial do Porto defende incansavelmente, perante os poderes publicos, os principios de liberdade de commercio e, n'essa orientação, já foi ella quem mais influiu em 1865 para abolição do regimen restrictivo da barra do Porto. E as estatisticas ahi estão para attestar a justiça das suas reclamações.

De facto, no ultimo quinquiennio do regimen de restricção a exportação de vinhos licorosos e communs pela barra do Porto foi em pipas de 534 litros:

Pipas

Em 1861 26:908

Em 1862 27:910

Em 1863 34:905

Em 1864 35:619

Em 1865 39:208

Total 164:550

ou seja uma media annual de 32:910 pipas; ao passo que no ultimo quinquiennio a exportação total de vinhos pela mesma barra foi:

Pipas

Em 1901 97:704

Em 1902 107:585

Em 1903 95:775

Em 1904 84:786

Em 1905 105:580

Total 491:430

correspondentes a uma media annual de 98:286 pipas, ou seja mais do triplo do que no regime da restricção. Como acabo de declarar, quer nos algarismos relativos á exportação de 3861-1865, quer nos da de 1901-1905, estavam incluidos tanto os vinhos licorosos como os de consumo, cuja separação só começou a fazer-se nas nossas alfandegas em 1887; mas, considerando mesmo como licorosos todos os vinhos exportados em 1861-1865, embora entre elles houvesse avultadas quantidades de vinhos de consumo, a exportação de vinhos licorosos é actualmente superior á de 1861-1865, como se verifica pelas seguintes notas de exportação pela barra do Porto, relativas, exclusivamente, a vinhos licorosos:

Pipas

Em 1901 50:504

Em 1902 51:905

Em 1903 48:288

Em 1904 40:689

Em 1905 44:451

Total 235:837

que correspondem a uma media annual de 47:167 pipas, ou seja mais quarenta e tantos por cento do que a exportação de 1861 a 1865, e isto não obstante termos actualmente de luctar com regimens fiscaes desfavoraveis, com a propaganda contra as bebidas espirituosas, etc. Certo é que por causas mais ou menos conhecidas tem havido uma baixa sensivel na exportação dos dois ultimos annos, mas já este anno a situação melhorou, e é de esperar que a normalidade em breve se restabeleça.

Estes são os factos e não admira, pois, que á vista d'elles a Associação Commercial do Porto mantenha inalteravelmente a sua orientação tradicional.

Tive durante muitos annos a honra de presidir áquella respeitavel corporação e durante esse largo periodo não tenho a menor ideia de jamais ali se ter praticado qualquer acto ou sequer feito a menor referencia á conveniencia de uma modificação d'aquella attitude.

Como já hontem disse, a questão que fundamentalmente foi tratada no comicio do Porto — a da restricção da barra — estava posta pelo menos desde o começo do anno.

Houvera então a assembleia geral ordinaria d'aquella corporação para a apresentação do relatorio da gerencia de 1905, e meses depois uma reunião para a discussão d'aquelle trabalho. Em nenhuma d'ellas, porem, se proferiu a menor palavra que pudesse significar adhesão a semelhante doutrina. Mais tarde, no mez passado, realizou-se uma assembleia geral expressamente convocada para apreciar as propostas ministeriaes sobre os vinhos generosos, e por demais sabe a Camara e que ali se passou.

Em taes condições qual podia ser a, attitude da Associação Commercial do Porto, e d'aquelles que a acompanham, senão a que consta da representação que tive a honra de apresentar á Camara em fins do mez passado?

Posteriormente deram-se factos que de algum modo pareciam contrariar áquella orientação. Um d'elles foi e officio dirigido pela Port Wine Shippers Association á Associação Commercial do Porto dizendo que «comquanto approvasse o desejo do Governo Portuguez de limitar o embarque de Port Wine ao genuino producto do Douro, confiava em que não fossem impostas restricções desnecessarias á liberdade do commercio».

Outro foi o officio dirigido ao Sr. Ministro das Obras Publicas pelos membros estrangeiros da commissão nomeada em janeiro passado para apreciar as reclamações do Douro e em que se dizia textualmente o seguinte:

«Foi-nos communicado pelo Sr. Dr. Julio Vasques que S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho lhe manifestara desejos de que nós, como membros da commissão nomeada pela portaria de 25 de janeiro passado, dissemos o nosso parecer sobre as propostas apresentadas ao Parlamento relativamente á crise duriense. Cumprimos o nosso primeiro dever agradecendo ao Sr. Presidente do Conselho esta honrosa preferencia, e passamos a expor singelamente as conclusões a que chegámos acêrca das referidas propostas, apesar de não deixar de ser uma tarefa ingrata para estrangeiros o criticar um trabalho do Governo Portuguez.

Na nossa opinião, já expressa no parecer da minoria da commissão acima mencionada, o principio de restringir a exportação pela barra do Porto a vinhos produzidos exclusivamente no Douro não é provavel que tenha como resultado grande beneficio para esta região, a não ser que o Governo Portuguez consiga, por meio de tratados ou convenções, que os Governos estrangeiros dêem pratica confirmação a essa definição, legislando no sentido da prohibição da venda como vinhos do Porto (Port Wine) de todos aquelles que não forem assim classificados pelo Governo Portuguez. Posto isto, acolhemos com contentamento a expressa definição de vinho do Porto como sendo vinho produzido no Douro».

Seguem-se varias considerações sobre algumas bases do projecto e conclue-se assim:

Página 425

SESSÃO N.° 33 DE 29 DE NOVEMBRO DE 1906 425

«Finalmente faremos notar a V. Exas. que este nosso parecer é emittido por nós como exportadores de vinho, não nos incumbindo apreciar se as bases de que se trata irão ou não offender os interesses de outras classes).

Mas os officios a que acabo de referir-me estariam realmente em contradicção com o que a Port Wine Shippers Association dirigiu em março ao Sr. Ministro dos Estrangeiros da Gran-Bretanha, em que se dizia que vinho do Porto era um typo especial de vinho produzido em Portugal e carregado do Porto? A Camara o avaliará.

Ha pouco mais de uma semana publicaram os jornaes telegrammas de Londres, dizendo que, em um banquete promovido pela Camara do Commercio de Liverpool em honra do illustre representante de Portugal em Inglaterra, o Sr. Marquez de Soveral, fora por S. Exa. annunciava a proximo realização de um tratado de commercio entre os dois países, conforme as bases lançadas pelo seu illustre amigo o Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, que com tanta distincção geriu a pasta dos Estrangeiros quando acompanhou os Reis de Portugal na sua visita á Côrte ingleza.

Desnecessario será encarecer a importancia de semelhante noticia, mormente ao momento em que a questão de vinhos do Porto, de que a Inglaterra absorve 60 por cento, prende todas as attenções. Esperei, pois, pela chegada a Lisboa dos jornaes ingleses do dia immediato áquelle em que tivera logar o referido banquete, para ver se no discurso ali proferido pelo Sr. Marques de Soveral havia qualquer referencia a semelhante respeito. Infelizmente nos jornaes inglezes que pude obter, inclusive o Times, não vi referencia ao banquete de Liverpool Encontrei-a, porem, no Jornal do Commercio de terça feira. Vou ler á camara a parte do discurso do Sr. Marquez de Soveral que se refere ao assumpto e que é concebida nos seguintes termos:

«Antes de partir de Lisboa recebera instrucções para negociar com o Governo Britannico um tratado de commercio relativo ao vinho do Porto, o rei dos vinhos, tão famoso na historia d'aquelle paiz. Elle esperava alcançar protecção adequada contra a concorrenda inferior de liquidos espurios, que eram tão nocivos ao corpo como á alma».

É evidente que, falando de vinho espurios, o nosso illustre representante na Côrte de Saint James referia-se á imitações que em differentes paizes se fazem dos nossos vinhos do Porto, e não quaesquer vinhos licorosos portuguezes que, embora não possuam as qualidade nobres dos vinhos do Porto, são comtudo justamente apreciados nos differentes mercados consumidores.

Certamente S. Exa. zelaria por igual os legitimos interesses das diversas regiões do paiz, embora se criasse, se esse possivel, ao vinho do Douro uma situação especial, como consequencia do exclusivo da barra do Douro, caso Parlamento approvasse o respectivo projecto.

Assim o primeiro objectivo do negociador portuguez seria, sem duvida, obter a modificação do actual regimen iscai, que nos é extremamente desfavoravel, porquanto, carecendo os nossos vinhos licorosos, especialmente os do Porto, de uma alcoolização superior 30 graus Sykes, ou sejam 17,20 graus centesimaes, teem de pagar em Inglaterra a taxa de 3 shillings 675 réis) por galão, em vez de 1 hilling e 3 pence (281 réis), que pagam os vinhos licorosos estrangeiros, que não carecem de alcoolização igual aos nossos, o que corresponde a um differencial contra nós de 10,10 libras 4õi5225 réis) em pipa de 034 litros.

É claro que a modificação d'esse regimen fiscal, beneficiando por igual todos os vinhos licorosos portuguezes, nenhuma vantagem dá ao Douro sobre os vinhos do centro e sul do paiz, é assim, ainda que se conseguisse que a Inglaterra considerasse officialmente orno vinho do Porto unicamente o que fosse produzido no Douro, a vantagem para esta região não seria tão grande como pareceria á primeira vista, pois que, não tendo o Douro senão uma quantidade relativamente restricta de vinhos finos, era evidente que os vinhos de 2.ª e 3.ª categorias teriam de soffrer a concorrencia dos vinhos licorosos do centro e sul do paiz, que teem localidades onde existem incontestavelmente qualidades excellentes, que o commercio procuraria valorizar, em prazo mais ou menos curto, habituando o paladar da sua clientela a novos typos, que viriam a luctar com vantagem com as de qualidades inferiores do Douro, pois é preciso não esquecer que tambem nos vinhos ha modas, e que os actuaes typos superiores de vinho do Porto nem de longe se pareciam com os de 1.ª de 50 ou 100 annos.

Mas supponhamos, e é talvez o mais provavel, que a Inglaterra não modificava officialmente a sua definição de vinho do Porto; era natural que as casas inglezas exportadoras cuja sede é em Londres, como é sabido, embarcassem no Porto o vinho do Douro e em Lisboa o vinho do sul e centro do paiz, lotando um com o outro em Inglaterra, o que não podiam fazer nos armazens alfandegarios, mas facilmente fariam nos seus armazens particulares, para o que teriam vasilhame apropriado mais, do que sufficiente, como é obvio.

Em tudo isto, que lucrava o Douro, cujo mal era fundamentalmente o do
excessivo custo da sua cultura, pelo que não pode luctar com a concorrencia do
sul e centro do paiz, a menos que lhe fosse criado um regimen de excepção,
mas regimen realmente efficaz e não meramente illusorio, como aquelle que
tão enthusiasmada traz aquella infeliz região?

Sou negociante desde os 21 annos, e o logar que tenho n'esta Camara importa uma triste certidão de edade; tenho percorrido muito mundo, por causa dos meus negocios commerciaes, pois declaro á Camara que nunca ouvi, senão agora no meu paiz, que o preço do genero deixasse, de ser um factor fundamental para a sua collocação.

Pense bem o Douro no que vae fazer, pois talvez não tenha jamais um ensejo tão favoravel de fazer vingar as suas legitimas reivindicações. Se persistir, porem, no seu actual proposito, apressará a sua reina, e quando a triste experiencia das coisas lhe demonstrar que os seus defensores, evidentemente na melhor intenção, o levaram por mau caminho; o remedio talvez já chegue tarde.

Por ultimo, e a proposito do officio dirigido á Camara dos Senhores Deputados por alguns exportadores de vinho do Porto, e lido na sessão de terça feira pelo Sr. Teixeira de Sousa, declaro que de modo algum contesto a sua importancia, embora elles não representem a maioria d'aquella classe nem em numero, nem em quantidade de vinho exportista, segundo as notas que casualmente tenho á mão, da exportação de vinhos licorosos do Porto, respeitante ao segundo semestre de 1905 e primeiro semestre de 1906.

Pouco importa, porem, que elles constituam ou não a maioria da sua classe; o que é para lamentar é que a maioria dos signatarios reservasse para tão tarde a exposição da sua opinião, pois que se o tivesse feito a tempo e horas era possivel que a orientação da Associação Commercial do Porto, de que elles faziam parte, não tivesse sido a mesma.

Parece-me, porem, e não affirmo, porque nesta questão só affirmo o que consta de algarismos e documentos inilludiveis, que a attitude assumida agora por aquelles exportadores se deveria filiar principalmente no receio de que fossem por deante algumas medidas que ultimamente foram recommendadas, taes como o regime do alcool, regime dos cereaes applicado ao Douro, restricção de plantio e garantias de juros a companhias privilegiadas, o que o commercio de vinhos reputa com razão ainda mais prejudicial do que a

Página 426

426 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

restricção da barra do Douro, com a qual não será talvez ella a mais prejudicada.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo archivo da camara dos Dignos Pares, me seja fornecida, com urgencia, copia dos inventarios dos bens da Coroa, a que se referem o artigo 8.° da lei de 16 de julho de 1855, o artigo 5.° da lei de 23 de maio de 1859, e outras quaesquer disposições legaes subsequentes ás duas leis supracitadas. = Sebastião Baracho.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. José de Alpoim: — Ao entrar na. sala das sessões recebeu uma carta do nobre Presidente do Conselho em que lhe diz «que fora sua tenção comparecer na Camara, mas deveres do seu cargo, e porque Sua Majestade a Rainha mostrara desejos de com S. Exa. conversar, não pode comparecer, pelo menos no começo da sessão».

Agradece ao illustre Presidente do Conselho a honra que lhe deu com essa carta e com essa explicação, e pede aos collegas de S. Exa. presentes que lhe transmitiam este agradecimento.

Era realmente preciso que o nobre Presidente do Conselho se achasse presente, porque foi em virtude da sua ausencia que na sessão passada não póde o orador entrar na ordem de considerações que queria apresentar. Como, porem, o seu discurso é propriamente para a Coroa, vae fazer essas considerações, respondendo ao Discurso de El-Rei.

Inscreveu-se por entender que cumpre a todos os homens publicos, n'este momento, principalmente áquelles que teem atrás de si um agrupamento partidario, exporem a El-Rei o que pensam sobre a causa nacional.

Fora por isso que elle se inscrevera. Pouco, porem, depois de o haver feito, arrependia-se. Succedera naquella Camara um acontecimento que lhe lançara no coração o desfallecimento e o desanimo. Fora o famoso debate, e votação, sobre a pessoa de El-Rei. Falar, para quê?... Luctar, de que serve?!... Os fados hão de cumprir-se! Vêem-se no céu signaes que não falham !... Nas pessoas, como nas collectividades, passa ás vezes um vento de loucura, que é presagio da morte. Para quê?... Se os homens querem, e se as instituições querem tambem, porque despertar áquelles que tacteiam com o pé a beira do abysmo, como somnambulos, de
olhos abertos e fixos, que se obstinam em não ver? Para que V.. . Chegara a descer da sua cadeira, a subir o estrado, a fim de pedir ao Sr. Presidente da Camara que o riscasse na inscripção. Depois, reconsiderara. Não tinha o direito de o fazer. Por si e por áquelles amigos queridos que á sua volta deram o grande e nobre exemplo de lealdade aos homens e de fé ao principios. Seria um desmentido ao seu passado. Quem, como elles, os dissidentes, não baqueou com o embate da Coroa, que lhe foi arremessada ao peito; quem, como elles, viu em face, sem empallidecer, o bando sinistro das invejas, dos rancores e das indifferenças; quem chegou a encontrar-se só e não receou; quem, jogando as suas posições e o seu futuro, luctou e venceu na defesa de um grande serviço nacional, não tinha o direito de desfallecer nem recuar. Seria uma traição.

Elle, orador, representava na Camara a parte avançada e radical do partido progressista; d'esse partido que, n'um dia de revolução, teve a interpretar o seu temperamento de liberal e de monarchico a grande e inigualavel voz de Passos Manoel, e que, rosto a rosto, disse a um Rei que os povos lhe não obedeciam porque elle mandava o que não devia nem podia. Ficar silencioso seria um crime. É por isso que hoje se encontra ali, como representante do grupo dissidente, na firme resolução de se dirigir a El-Rei, no cumprimento do seu dever, com aquelle respeito que a elle e a si deve, com aquelle espirito de verdade e de sinceridade que tambem deve animar os membros de um poder do Estado, falando a outro poder do Estado.

El-Rei viera ali, entre pompas e grandezas, rodeado dos seus fidalgos, no velho prestigio das antigas realezas. Não haja mal por isso! A tradição é uma grande força moral, e deve mesmo exteriorizar-se por demonstrações que impressionem o espirito popular. Não ha Côrte mais tradicional que a da Inglaterra; n'ella existem formulas ainda medievaes de respeito ao Rei; e não ha comtudo, monarchia nem republica onde os direitos do cidadão sejam mais profundamente acatados, e onde o poder legislativo seja mais independente e forte, represente mais a força indomavel da opinião.

Em França, nas primeiras epocas da monarchia constitucional, quando Luiz XVI vinha ao Parlamento, ao cimo de um estrado, em duas cadeiras, uma a par da outra, ambas á mesma altura, ambas perfeitamente iguaes, sentavam-se o Rei e o Presidente da Assembleia Legislativa. Era essa a maneira symbolica de irmanar os dois poderes: o popular e o real. Conta-se que esse Rei, regressando aos seus Paços, dissera á Rainha, n'um afogo de magua e dor: «Ah! Minha Senhora, tudo está perdido!... como eu folguei que não fosseis para não serdes testemunha da minha humilhação». Tristes consequencias da velha educação absolutista, que dizia aos réis serem elles os representantes de Deus sobre a terra!

Fez-se isto em França, nunca se praticou em Inglaterra: e comtudo este povo, tão respeitador da tradição, foi quem estabeleceu a monarchia constitucional na Europa, foi quem fundou a grande e poderosa Republica dos Estados Unidos na America. Tanto é verdade que as formulas externas, conformes á tradição, nada significam quando na alma e no coração dos homens está o orgulho do seu legitimo poder, a fé profunda das convicções publicas e a indomavel resolução de defender, antes de tudo, a liberdade, a honra, os direitos dos seus concidadãos. Veio aqui o Chefe do Estado, entre festas e pompas, entre os esplendores externos da tradição. Bemvindo foi! Nada importa á causa liberal esse esplendor destoante das simples e singelas formulas democraticas. Isso não fará que elle, n'aquella casa que não é sala do paço, no seu modesto vestuario plebeu, que não é farda de cortesão, membro do poder legislativo, que é um poder do Estado como o poder moderador, não diga em seu nome e dos seus amigos o que entende que deve dizer á Coroa. E assim dirá que as palavras finaes do Discurso da Coroa, em que se convida o Parlamento a collaborar «n'uma obra do larga regeneração social que abra á nossa patria uma nova era de prosperidade e grandeza moral», não podem significar que o passado e o presente do seu Governo, e o futuro que elle nos annuncia, sejam garantias de que o Parlamento possa collaborar com elle em uma obra por que aliás tanto anceia a alma nacional. Para essa regeneração seria necessario que a acção parlamentar fosse elevada e nobre, que o Governo contribuisse para arrancar o Parlamento Portuguez a todas as causas de depressão que o teem abatido. E elle dirá á Coroa que se o Parlamento, força indispensavel e basilar de uma verdadeira monarchia constitucional continuar a perder a sua força e prestigio, que prosegue a sua queda no espirito publico, e que essa queda compromette o futuro politico, economico, e financeiro do paiz e põe em risco as instituições. E a culpa d'essa queda progressiva é do Governo.

O Sr. Presidente do Conselho tem. dito que quer fazer uma revolução legalista: tem asseverado, até pela sua honra pessoal, que acabou o antigo desprezo pelo Parlamento, não se repetindo portanto as dictaduras vergonhosas, as

Página 427

SESSÃO N.° 33 DE 29 DE NOVEMBRO DE 1906 427

interrupções parlamentares que roubaram ao povo o mais sagrado dos seus. direitos - o de votar, annualmente, o imposto. Todo se faria pelo Parlamento e nunca contra o Parlamento! Que importam porem essas palavras, se os factos brigam com os promettimentos? Que importa porem isso se o prestigio parlamentar continua a esmorecer e a cair?

O Sr. Presidente do Conselho, falando em Gladstone e Peei para justificar as contradicções da sua vida publica - e não será elle que lh'as censure, porque não é erro o renegar um passado de violencias e de desprezo pelos principies liberaes - invocou a Inglaterra, e disse que a sua ambição seria modelar as liberdades publicas, a vida politica portuguesa, pela grande monarchia britannica. Se é assim, porque applaudiu, ha dias - e incitou, e concordou - que naquella sala soassem affirmações que jamais soariam na alta e nobre Camara dos Lords, de Inglaterra?

Quando é que, ali, com applauso do Governo, poderia dizer-se que era só vida particular do Rei tudo quanto occorria a dentro dos seus paços, que era anti-constitucional, e anti-parlamentar, o referir-se a esses actos chamados pessoaes e que essa referencia representava um ataque á pessoa sagrada e inviolavel d'El-Rei? Quando é que se proclamaria como um crime de lesa-Majestade, não o discutir a pessoa do Chefe do Estado - o que seria uma má acção emquanto se não dessem as circunstancias designadas no artigo 96.° da Carta Constitucional - mas documentos seus, entregues ao Parlamento e dos quaes tomara a responsabilidade o Sr. Presidente do Conselho, que ao Rei solicitara essa publicação?

Antes de se referir aos outros pontos, queria fazer uma affirmação á Camara, por conhecer a dicacidade da nossa terra. As suas referencias ao pessoal da Côrte, a questão do secretariado em Inglaterra, assumptos tão versados pelos tratadistas de direito parlamentar, são apenas um argumento para demonstrar a sua these. Não tem duplo intuito. Não visam a outro fim. Não se referem a cargos ou personalidades portuguesas. Por um conjunto até de circunstancias particulares e de affectos pessoas, não teria essa intenção.

Vae ainda, em abono da sua these, referir-se ás luctas envolvendo o nome do Principe Consorte e da Rainha Victoria, travadas no Parlamento Britannico e na Camara dos Lords.

Não houve memoria na Inglaterra de um enthusiasmo tão louco como aquelle que saudou a Rainha Victoria quando ella foi ao Parlamento communicar a sua alliança matrimonial. Pois! sabe-se o que aconteceu? Logo no dia immediato se travou um grande debate sobre a lista civil do Principe, sobre as suas crenças religiosas, sobre a sua hierarchia social - até sobre o logar que devia ter nas festas da Côrte!

Tão vivos se travaram os ataques que elles feriram, no mais fundo, o coração da Rainha e do seu noivo! Não foram as vozes dos radicaes que soaram vehementes e fervorosas, reduzindo de 50:000 libras os apanagios do Principe Consorte: foram os grandes senhores da Inglaterra os menos cortezes e os mais ardentes: foram os poderosos e realistas conservadores: foi o Duque de Wellington, a viva personificação do espirito tradicional, o grande adversario da revolução e de Bonaparte, esse que, pela batalha de Waterloo, mudou a face do mundo, aquelle que a Rainha de Inglaterra fez padrinho de um dos seus filhos como a suprema honra concedida ao maior de todos os inglezes e ao mais leal de todos os amigos.

Lord Danay foi sujeito a uma accusação criminal, discutindo-se o nome do Hei, por se defender, a proposito de ordens dadas, com uma carta contendo um post-scriptum em que o Rei declarava, pelo seu proprio punho, que ella fora escripta por ordem sua. No Parlamento Portuguez, n'esta Camara, com os costumes de hoje, perguntava: Dignos Pares do Reino, Sr. Presidente do Conselho, nobre Presidente da Camara, tereis coragem para seguir o exemplo da nobre e grande Inglaterra?

Por ultimo, o Sr. Presidente do Conselho disse que o mais profundo anceio da sua vida seria, se não igualar, pelo menos imitar o grande e glorioso Gladstone. Nobre desejo por certo. É em verdade raro encontrar na historia da humanidade uma mais bella e nobre figura de elevação moral, de amor pela sua patria, de paixão pela grande causa humana dos fracos e dos opprimidos. A elle podia applicar se a grande phrase de Bousset: "Nós não podemos nada, fracos oradores, para a gloria das almas extraordinarias". Pois bem: esse poderoso espirito, em pleno Parlamento da Inglaterra, estabeleceu em 1871 - no nosso tempo, nos nossos dias! - a doutrina de que as questões parlamentares sobre a maneira por que os Soberanos cumprem os seus deveres publicos não são inconvenientes; mas o que é preciso é que sejam formuladas n'uma linguagem respeitosa e parlamentar.

O Sr. Presidente do Conselho governa á ingleza: para isso a nossa Camara. Alta ouviu doutrinas que jamais aqui se escutam e que, se não são um palacianismo humilde, relevam um pavor que recorre ao mysterio e á sombra para defender a monarchia. - Pois elle, como monarchico, pensa que a monarchia só pode viver e durar, se a sua existencia for á luz vivida, perante os olhos da nação inteira, illuminada dos clarões da mais austera probidade e absolutamente identificada com as mais avançadas e radiosas ideias da liberdade politica e da justiça social!

Não é á ingleza que se governa: é á portugueza. A portugueza? Sim, mas á portugueza moderna, dos tempos de hoje, de agora, dos ultimos dias d'este Governo que se diz liberal - e não á portugueza antiga! Pois, quando é que a Camara dos Pares nos apparece, no passado, como o Sr. Presidente da Camara- um velho liberal outr'ora quasi com tradições de jacobino! - no-la quer converter hoje? Não é necessario consultar, folha por folha, as chronicas parlamentares para ali minerar fartos incidentes demonstrativos de que a Camara Alta não foi nunca a repousada e silenciosa assembleia que o Sr. Presidente do Conselho quer que ella seja, nem de si abdicou o discutir os actos e as pessoas reaes quando a causa publica o reclamava.

Basta conhecer a obra - que foi um grande serviço á historia patria! - tão vivida e palpitante, de Barbosa Colen, nos seus trabalhos historicos desde o desembarque do Mindello até á epoca da regeneração. Ali se vê o que foram as sessões d'esta Camara quando, vivo ainda o Imperador, aconchegado dos labios o lenço em que no Theatro de S. Carlos cuspira os primeiros e ensanguentados farrapos do seu pulmão, desfeito pelas canseiras phisicas e pelas agonias moraes, os seus marechaes e os seus mais eminentes homens publicos aqui se travaram em confusas contendas, por motivo da regencia.

Ali se ennovelou o famoso debate sobre o affidavit, ao tempo que sobre a varonil e virtuosa Rainha Senhora D. Maria II caiu a accusação repugnante e odiosa de traidora á sua fé conjugal - tão verdade é a phrase de Hamlet - "Sê pura como a neve e casta como as estrellas e serás sempre calumniada!" Ali, o Duque de Saldanha, mordomo-mór do Paço, votou por que esse debate proseguisse, sem julgar que com isso se offendesse a majestade d'esta casa do Parlamento.

Ali se envolveram em asperrima peleja, então, os homens como o Duque de Loulé, tio dos nossos Reis, o Conde do Lavradio, honra da diplomacia portuguesa, com o Conde de Thomar e os seus parciaes; ali, o grande mordomo da Senhora D. Maria II disse ao Duque de Saldanha - textuaes palavras ! - "que o não podia accusar a elle quem fora em publico, na imprensa, acoimado de ladrão".

Aqui, o forte e glorioso estadista que, quando atacado se defendia como uma

Página 428

428 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

fera no fojo, de olhos accesos e anavalhados colmilhos, esfarrapando e estriaçando os que combatiam, provocou a phrase que á opposição era preciso dar-lhe e dar-lhe deveras! Foi aqui que o Cardeal Patriarcha, então Presidente d'aquella Camara, por vezes ergueu a sessão entre o alarido das galerias e o ruido dos Pares que tumultuavam!

Foi ali que o Visconde de Sá da Bandeira, o Bajard da retirada das tropas liberaes para a Galliza, o heroico mutilado da Serra do Pilar, pronunciou um discurso tão revolucionario que o Governo prohibiu a sua publicação na Folha Official.

Foi ali que se disse que o Rei é irresponsavel e impecavel dentro do uso do poder moderador: mas não é irresponsavel nem impecavel no abuso d'esse poder. Para que dizer mais?

Foi ainda nos nossos dias que se pediu responsabilidade á Corôa, directamente ao Chefe do Estado, por actos politicos do seu Governo. Não diz os nomes. Eram de Pares filiados nos actuaes partidos. Acodem aos labios de todos. E hoje, agora, sob o Governo do Sr. João Franco, nos tempos da concentração, é malsinada esta Camara - onde se não ouviu uma palavra de menoscabo pessoal para o Rei - de agitada e inquieta.

Amigos do Governo, liberaes de tomo, democratas de pulso, radicaes de maço e mona, reclamam a sua reforma. Venha ella! É preciso expulsar os Pares que perturbam o Governo e não teem lampada accesa nas ante-camaras do Paço? Temos então um novo episodio na politica do poder pessoal!

O Sr. João Franco accusou o Sr. Hintze Ribeiro de haver pedido á Corôa força para expulsar do Parlamento Portuguez e anniquilar, politicamente, os seus amigos. Elles, os dissidentes, accusaram a Coroa de se haver tornado cumplice, até contra o voto do Conselho de Estado, dos desejos de quem os queria arredar do Parlamento e exterminar para a vida publica. Agora, é o Sr. João Franco que os seus amigos, democratas ardentes, solicitam para ir mais longe - o que se praticou é pouco! - e expulsar, para descanso da Coroa, d'aqui, aquelles que reclamam as liberdades publicas, a estricta observancia do regimen constitucional, e que ousam votar pela discussão de actos e documentos dos quaes se proclamou responsavel o poder executivo.

A obra de perseguição pessoal e politica prosegue agora como no tempo do rotativismo, no tempo dos partidos convertidos em castas, e vivendo apenas do favor do Paçô. Alargue-se essa perseguição á Camara dos Pares: complete-se a obra; appareça um Governo fazendo na Camara Alta, por odio a homens publicos, o que se fizera na Camara dos Deputados por perseguição a outros homens.

Forme-se mais um grupo de personalidades expulsas do Parlamento e podendo justamente dizer que os impelliram Ministros, cujas mãos impotentes e molles eram movidas pela força omnipotente do poder real. Haverá, na realeza, os que são officialmente amigos do Rei e os que foram officialmente alçapremados á altura dos seus inimigos. Que esplendor para o regimen? Venha mais isso! Os fados, repete, hão de cumprir-se...

A decadencia do Parlamento accentuou-se como nunca na origem da actual Camara dos Deputados, na lei de onde ella promanou, e nas resoluções que ella já tomou. E antes permitta-lhe a Camara que accentue um ponto: e é que, mal chegado o nosso soberano ao throno. surgiu - Deus perdoe a quem a inventou! - a theoria do en grandecimento do poder real.

Com ella coincidiram dois factos: o engrandecimento despotico dos partidos, o amesquinhamento gradual e calculado do Parlamento Portuguez. Ha um facto que caracteriza bem, até pela sua feição tão odiosa que chega a ser cómica, a morte moral do nosso parlamentarismo. E que, desde que El-Rei o Senhor D. Carlos subiu ao poder, foram dissolvidas pelo Chefe do Estado dez Camaras de Deputados. Durante esse periodo fizeram-se doze eleições geraes, acrescendo ainda que n'um anno, o de 1895, sendo Ministro do Reino o Sr. João Franco, não houve sequer Parlamento, e agora ainda vigora o orçamento de 1904-1905!

Durante esses 16 annos houve ainda nove adiamentos e tres encerramentos dictatoriaes. A não ser n'um paiz ideal de buffoneria o comedia; onde a nação que tal presenciasse? Apontem-na, se são capazes! Monarchia ou republica, na Europa ou fora d'ella, onde um paiz em que n'um espaço de tempo de 16 annos, e um d'elles sem Parlamento, o Chefe do Estado fosse solicitado pelos seus Ministros para esses golpes parlamentares, tão profundos que irritam, tão repetidos que entram no regimen demolidor do ridiculo? Inventou-se uma theoria constitucional absolutamente nova. Foi a de justificar a dissolução das Côrtes e o seu encerramento dictatorial por motivo de tumultos parlamentares.

Quando é que isto se viu ? Na Inglaterra, no seu Parlamento, teem os tumultos rompido - por exemplo, a proposito da questão da Irlanda - com espantosa violencia. Em França, um Ministro da Republica, Constans, aggrediu physicamente um membro do Parlamento que, á frente de um grupo, o insultara na sua honra pessoal, nas longas sessões de ruidosissimo tumulto.

Em Italia, as luctas entre socialistas e monarchicos teem explodido na camara com o maior alvoroço e ruido. Em Hespanha; trinta Deputados republicanos soltaram vivas á republica n'uma formidavel peleja com os Deputados da monarchia.

Transformou o Presidente da Republica Franceza o seu cordão da Legião da Honra em latego para flagellar a expulsar os discolos? Foram os Reis d'aquelles paizes trocar o seu sceptro e o seu manto pelo espadim dos guardas e pela farda dos continuos, intervindo policialmente na vicia intima das assembleias legislativas? Como isto é amesquinhar as grandes e augustas funcções de um Chefe de Estado! Elle, orador, assistira, em tempo de El-Rei o Senhor D. Luiz, a sessões parlamentares que é impossivel exceder em violencia. Espedaçavam-se as mesas dos Deputados, irrompia-se pelo estrado acima contra a Presidencia, aggrediam-se pessoalmente os Ministros, interrompia-se durante semanas inteiras, dia a dia, a sessão; falava-se para as galerias, excitando as suas paixões. O Governo progressista viveu quatro annos assim. Viveu e governou!

A Camara dos Deputados eleita depois da dissolução, contra o voto do Conselho de Estado, foi dissolvida ainda antes de se constituir, antes sequer de haver sido discutida no tribunal a eleição de alguns dos seus membros. Porque? Quaes os fundamentos? Porque n'aquella Camara não foi eleito o Presidente que o Governo desejava e em que, por indicação sua, os seus amigos votaram; porque, na Camara Alta, o Digno Par Sr. Pimentel Pinto declarara que elle e os seus correligionarios não podiam dar apoio ao Governo.

Na sua simplicidade, estes fundamentos constituem uma irrisão ao systema parlamentar! Quando é que um Governo nobre e sinceramente liberal, respeitador dos direitos dos representantes do povo, ousou querer impor um Presidente a uma assembleia parlamentar de eleição popular? Quando é que semelhante doutrina se arvorou em base, para um Governo reclamar da Coroa a dissolução, como castigo d'esses que zelaram as suas prerogativas de escolha? Quando é que as palavras pronunciadas n'uma casa do Parlamento, de eleição popular, justificam um acto de violencia para outra casa do Parlamento, que é da nomeação regia? Temos a inversão profunda de todos os principios constitucionaes.

Oppoz-se o Governo a um pedido de inquerito parlamentar. Disse-o aqui o Sr. Presidente do Conselho. A Camara dos Deputados recusou-o!

Está a faculdade de inquerito na nossa Carta Constitucional como se encontra na Constituição de outros povos

Página 429

SESSÃO N.° 33 DE 29 DE NOVEMBRO DE 1906 429

e como deriva dos direitos geraes dos representantes da nação. Porque foi recusado? Com o pretexto de que o poder judicial inquiria dos factos sobre que se solicitara o inquerito! É a doutrina opposta á adoptada em todos os paizes livres: é contraria ás tradições democraticas do nosso passado parlamentar. No seu tempo, com Ministerios que não eram a cristallização diamantina da virtude, vira ordenarem-se inqueritos parlamentares ao mesmo tempo que os tribunaes exerciam as suas funcções sobre o mesmo assunto. Lembra-se da questão das obras do porto de Lisboa; lembra-se da grave questão do pagamento dos titulos de D. Miguel. Por causa da segunda, fora elle depor ao tribunal; por ella, fez parte da commissão parlamentar. Foi necessario estar no poder o Governo da concentração liberal, é ironia! para esse Governo arrancar ao Parlamento o abandono dos seus direitos e para o fazer votar a sua propria exauctoração!

Ha mais e, infelizmente, mais grave. O Sr. Presidente do Conselho declarou, em pleno Parlamento, que havia adeantamentos illegaes á Casa Real. Fê-lo pela sua propria iniciativa, pois o illustre Deputado o Sr. Dr. Antonio Centeno perguntou apenas se um artigo da proposta de lei da contabilidade publica encobria a legalização de quaesquer adeantamentos, que era voz publica existirem feitos áquella Casa. Se o Sr. João Franco entendia que razões de Estado o inhibiam de referir logo a existencia d'esses adeantamentos, bastava expor a doutrina do artigo e dizer que n'elle nada mais havia.

O Sr. João Franco respondeu que não envolvia esses adeantamentos illegaes que confessou; disse que havia realmente esses adeantamentos, folgando - e agradecendo até! - que a pergunta lhe houvesse sido feita. Interrogado sobre a importancia d'esses adeantamentos, disse que a elle cabia a opportunidade de trazer á Camara uma proposta, legalizando essas contas. D'aqui não saiu! Recusou ao Parlamento, á Camara dos Deputados, as informações que ella tem direito a exigir sobre a maneira como são gastos os dinheiros publicos; arrancou-lhe o direito de inquirir sobre uma irregularidade gravissima e publicamente confessada.

O Sr. João Franco, por si proprio, que já foi Ministro no tempo do chamado rotativismo e n'uma epoca de favores assombrosos da Coroa, o Sr. João Franco devia trazer ao Parlamento o conhecimento da verdade.

Fala tambem por elle, orador. Já na Camara dos Senhores Deputados e na imprensa houve referencias aos dissidentes. Elle não acredita - não pode acreditá-lo - que qualquer Governo progressista houvesse entregue á Casa Real, ou a qualquer membro da Real Familia, sommas illegalmente concedidas.

O chefe progressista affirmou-o; deve crê-lo. Não pode haver artificios em assumptos tão graves. No seu tempo de Ministro, não se deram. Ou então ao Conselho de Ministros nunca foi levado conhecimento d'esse facto. Elle, orador, não o soubera. Limita-se a falar por si. Nem o illustre Chefe do Ministerio a que pertencera, nem o seu collega da Fazenda lhe haviam falado em tal assumpto.

Na sua veleidade de affirmações democraticas o Governo referiu-se á urgencia da reforma, da Carta Constitucional e Actos Addicionaes.

Em que sentido é essa reforma?

Nem um vislumbre de indicação em assumpto tão grave!

Os dissidentes progressistas, por intermedio do talentoso Deputado e seu amigo Sr. Moreira de Almeida, censuraram já essa omissão e expuzeram algumas ideias concretas sobre o assumpto.

Assim, essa reforma fará inscrever na Constituição, como em varias Constituições se acha inscripto, o principio nitido e claro da soberania nacional - a definição da liberdade de ensino, com a correlativa responsabilidade; o principio terminantemente definido do direito de resistencia ao pagamento dos impostos não votados annualmente pelo Parlamento, assim como a outras quaesquer providencias governativas não fundadas na lei - a garantia do direito de segurança individual, de liberdade de expressão do pensamento e de direito de associação - o reconhecimento do direito de petição das corporações administrativas de eleição popular - o direito de o poder judicial apreciar a constitucionalidade de leis e decretos dictatoriaes e de lhes recusar applicação á hypothese, excepto no caso de suspensão de garantias - a caducidade dos decretos dictatoriaes para que não for pedido bill de indemnidade na primeira sessão legislativa - transferencia da Camara dos Pares, para outro tribunal, das attribuições de julgamento da mesma Camara - remodelação do privilegio dos membros do Parlamento quanto á prisão em flagrante delicto, por forma a conciliar esse privilegio parlamentar com a ordem e segurança social e aspirações democraticas - reconhecimento do direito de autonomia local, por maneira a acabar a conhecida e ominosa oppressão do poder central - descentralização colonial e sujeição á discussão e votação do Parlamento das providencias legislativas tomadas pelo Governo no interregno parlamentar-votação annual e obrigatoria dos impostos - modificação organica da Camara dos Pares, com introducção do elemento electivo, conformemente á tradição progressista e aos principios exarados na proposta da reforma constitucional de 1900 - a reunião das Côrtes por direito proprio - restricção das faculdades do Poder Moderador quanto á dissolução e adiamento, estabelecendo-se, no caso da dissolução da Camara dos Deputados e da parte electiva da Camara dos Pares, o prazo maximo para a concessão e o prazo maximo para as eleições, e prohibindo-se que novas Curtes possam ser dissolvidas sem as outras estarem pelo menos reunidas algum, e fixado, tempo; estabelecendo-se, quanto ao adiamento, um pequeno prazo, e a prohibição d'esse adiamento se repetir sem assentimento previo das Côrtes, como prescrevem a lei hespanhola e belga - transformação do veto - remodelação do Conselho de Estado - inscripção do principio de que o Rei não pode sair do Reino sem consentimento das Côrtes, como já era preceituado no artigo 77.° da Carta Constitucional.

Quanto á lei eleitoral, temos a lei liberal de 1884. Ella podia ser tomada para ponto de partida de uma nova lei, elaborada por uma commissão parlamentar da Camara dos Senhores Deputados com representação de todos os agrupamentos politicos. Essa commissão podia discutir os problemas do voto obrigatorio, proporcional, e outros pontos sobre os quaes conviria, para o seu estudo, interessar a Camara inteira; podia fixar por exemplo as seguintes bases: alargamento do direito do suffragio, concedido aos que sabem ler e escrever e aos que pagam 500 réis de contribuição, de uma ou mais contribuições do Estado, concelhias ou municipaes; restricção do direito de voto ás praças da policia militarmente organizada; remodelação do processo de organizar os recenseamentos eleitoraes; entrega, a commissões eleitoraes, da missão de organizar o recenseamento de cada freguesia, enfeixando-se os seus trabalhos nas mãos de uma commissão concelhia com um membro eleito pela camara, outro nomeado pelo juiz e a terceiro pelas commissões parochiaes; representação das classes operarias, dando o direito de elegibilidade aos operarios que, durante cinco annos, em empresa industrial, collectiva ou individual, hajam exercido o logar de chefes de officina, ou encarregados, de repartição especial, de qualquer arte, mester ou officio; eleição por lista uninominal, mas criação de pequenos circulos com minorias e eleição por lista plurinominal nos concelhos que tiverem por sede uma cidade (capital de districto) com mais de 10:000 habitantes; restauração do subsidio aos Deputados, pois sem isso é uma irrisão o dar direito de elegibilidade a operarios.

Página 430

430 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Passou depois a occupar-se de questões sociaes, narrando o que se passou na revolução francesa.

Temos alguma cousa, tal como medidas sobre o trabalho dos menores e das mulheres, sobre hygiene e segurança dos operarios, sobre associações operarias e profissionaes, sobre os conflictos entre patrões e operarios. É pouco: e algumas leis aproveitaveis não são cumpridas por falta de regulamentos. Ha mesmo instituições criadas por lei, regulamentadas, que o desprezo dos Governos pela lei tem posto de lado: taes são as Bolsas de Trabalho. Não é o actual Governo que inicia a applicação da acção official sobre as questões sociaes. E, pelo que promette, vê-se que não tem sequer uma comprehensão elevada e pratica da situação e necessidades do operariado. Uma lei de aposentações para operarios, é esta medida como inicio de providencia quanto á questão social ? Mas não sabe o Governo que essa lei de aposentações é, por assim dizer, a corôa de uma legislação e o remate de successivas providencias, as quaes como que se moldam pela vida physica do operario? O dever social de protecção ao operario deve começar, por assim dizer, quando elle se acha no ventre materno, pela protecção dada á mãe. Para acudir ao futuro da raça, cumpre ao Estado proteger a mulher e a criança.

Analysa a obra social na França e na Belgica, pondo em evidencia como ali se protegem as classes trabalhadoras.

Os dissidentes entendem que a justiça social manda olhar ás questões do operariado, á vida dos desprotegidos da fortuna.

Na outra casa do Parlamento já foram apresentados dois projectos de lei que affirmam os seus principios, ambos elles práticos e exequiveis a breve prazo: o projecto referente á assistencia á primeira infancia e o projecto estabelecendo indemnizações sobre accidentes do trabalho.

Fazer reformas sociaes não é tracejá-las, pouco menos que inconscientemente, n'uma folha de papel e clamá-las espectaculosamente á multidão.

É preciso proceder com methodo, adequando-as a cada povo, olhando as suas condições financeiras e procurando que n'ellas caibam, pela remodelação tributaria, essas reformas que demandam um largo quinhão nas despesas publicas.

Falara ha pouco em impostos e em remodelação tributaria. A um espirito democratico, para quem queira iniciar uma politica liberal, a situação dos impostos, tão profundamente desiguaes, não pode ser indiferente. Ella é fundamental, a mais vivamente reclamada pela opinião. Qual é a solução democratica dos nossos impostos? A esse respeito, absoluto silencio no Discurso da Corôa!

Para os que consideram o imposto meio de remediar ás injustiças economicas, actuando sobre a distribuição das riquezas, por meio do systema tributario, em que o superfluo do rendimento particular, o excesso das accumulações provejam ás despesas publicas e revertam em beneficio dos menos favorecidos da fortuna, pela assistencia em todos os desastres physicos e até desfallecimentos moraes, o Governo nada fez, nada indica, nada reforma. E diz-se liberal! Pelo contrario! O que temos visto o Sr. João Franco fazer? Manter, aconselhar, o systema de governo de classes, criando no moderno mundo social o regresso aos processos de privilegio e especialização para determinados grupamentos das sociedades, o que provoca os conflictos dos interesses.

E acêrca das reformas militares indispensaveis para que o exercito sei a uma instituição democratica e não uma classe privilegiada? O exercito deve identificar-se com a nação.

Este principio, ainda ha pouco expresso n'um discurso de Clemenceau, é o que inspirou a lei francesa, de dois annos de serviço; a reforma dos quadros, em conformidade com os fins a que essa lei visou; a suppressão dos conselhos de guerra, fazendo entrar o exercito no direito commum, reservando aos tribunaes militares só o conhecimento dos delictos militares; a substituição dos conselhos de guerra por conselhos de disciplina. O glorioso Ministro, cujo nome anda ligado a paginas dolorosas e brilhantes na questão Dreyfus, o general Picquart, o nobre espirito em que a perseguição politica mais apurou a fé e a paixão democraticas, vae reformar o Codigo de Justiça Militar, introduzindo-lhe a suppressão da pena de morte, a diminuição das penas, a rehabilitação de direito, as circumstancias attenuantes applicaveis a todos os casos.

Se este Governo fosse liberal poderia um instante subsistir o nosso Codigo de Justiça Militar com a sua pena de morte, com o julgamento nos tribunaes militares de cidadãos portugueses estranhos- á jurisdição militar? Não! E, pelo contrario, as reformas do Sr. Ministro da Guerra obedecem no seu principio fundamental, em alguns pontos, a um sentimento de palacianismo, e n'outros ao principio conservador de considerar o exercito como uma classe privilegiada e não como uma prolongação do paiz.

Fez depois uma synthese dos actos do Governo, mostrando que nenhum se inspira no programma liberal nem de rasgadas medidas administrativas.

O Sr. Presidente do Conselho chegou ao poder entre uma alvorada de esperanças. Não ha negá-lo! Os dois ultimos annos da vida portuguesa haviam sido tão agitados e tão funestos, que a entrada de elementos novos na politica portuguesa, com um programma de destruição do passado, fora festivamente saudada. O Sr. João Franco podia dizer como o Duque de Decazes, o Ministro de Luiz XVIII: "É preciso que este paiz esteja bem doente para que eu n'elle seja tão importante".

Sim! O paiz esqueceu os seus erros de outr'ora; doente, ferido da politica do engrandecimento do poder pessoal, recebeu o Sr. João Franco com uma impressão de libertamente e um sentimento de esperança. Como os tempos teem mudado! Essa impressão e esse sentimento vão se apagando. Dizem-lh'o elle e os seus amigos politicos, que não serão opposição systematica e dura, que o prefeririam tal como é, ao regresso ao passado, se este tem de voltar com os seus grandes e criminosos erros.

Dizemos, os dissidentes, que aqui falamos ao Rei, ao Governo e ao paiz, com desassombro que se não rebuça em formulas hypocritas e dobles biocos. E o que é que lhes dá a elles o direito de assim falarem? Podem responder paraphraseando um grande amigo da monarchia francesa. Em plena convenção, Malesherbes curvava-se perante o Rei, sentado á barra como um criminoso, e tratava-o por sire como nos dias do seu esplendor e poder. "O que é que te dá o direito de assim falar no seio da representação nacional?" "O desprezo da vida!" - respondeu Malesherbes. Elles, os dissidentes, podem responder tambem: "o desprezo do poder!"

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador não revia este extracto nem as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Guarde-me Deus de fazer quaesquer reparos, accusações ou censuras á forma por que o Digno Par entendeu dever orientar as suas considerações; mas, em boa verdade, acudiu ao meu espirito a declaração que eu ha dias ouvi aqui ao Digno Par e distinctissimo politico o Sr. Veiga Beirão, a proposito das difficuldades em que S. Exa. se encontrava para responder a discursos que, por completo, se alheavam ou estavam distantes do projecto em ordem do dia.

Para mim as difficuldades são maiores, porque se o Digno Par hoje nos annunciou perigos proximos e aterradores, não era assim que se expressava outr'ora.

Estive ausente do Parlamento cerca

Página 431

SESSÃO N.° 33 DE 29 DE NOVEMBRO DE 1906 431

de 6 annos, com o consenso de muitos que me escutam, mas lembro me d( tempo em que a voz do Digno Par, uma das vozes mais eloquentes, mais bem modeladas, e com todas as refulgencias de forma, essa voz sempre vigo rosa, sempre ardente e sempre suggestiva, sustentava exactamente o contrario do que hoje lhe escutei.

Quem hoje levanta e alça com palavras tão profundas e vehementes essa bandeira das reclamações politicas sociaes, estava então de peito corajoso e robusto, de palavra temivel e forte de temperamento vibrante e ardente ao pé dos erros e vicios d'esse passa do, que agora calorosamente condemna aqui.

Não accuso, não tenho o direito de fazer. Mas desde o momento em que S. Exa., perante a Camara e perante o país, que o deve escutar com particular attenção, assim ergue o pendão revoltoso, tambem eu tenho o direito de, em nome do Governo, dizer que posso repellir com igual desassombro, com igual energia, as accusações de felonia e traição por parte do Governo. Atrás de nós está o passado, o nosso passado em que fomos perseguidos e corridos do Parlamento Portuguez, por violencias de que me não queixo, por actos que não classifico.

Agora entramos aqui, unicamente dominados pela intenção de fazer alguma cousa em bem do país, esquecendo odios e aggravos antigos, que no nosso espirito não duram nem pousam largamente, mas animados do desejo sincero de, com o nosso esforço, humilde sim, mas convencido, se fazer alguma cousa verdadeiramente util, verdadeiramente pratica, para aquellas reclamações que de toda a parte nos chegam. O Digno Par apresentou, por assim dizer, um discurso da Corôa, com um certo numero de providencias que constituem o ideal do agrupamento politico que n'esta Camara representa. É facil apresentar uma longa serie de medidas, mas o mais difficil é executal-as.

Não se pode fazer tudo d'uma vez, mas é necessario que todos os actos obedeçam aos mesmos deveres contrahidos perante o paiz.

Creia o Digno Par, e a Camara toda, que porfiadamente e constantemente se trabalha para que se consigam os beneficios, melhoramentos e transformações que todos sinceramente desejam, não sem pequenos nem desvaliosos esforços d'aquelles que essa santa cruzada quizeram tomar, porque o caminho é cheio de abrolhos e difficuldades; quando a gente julga que avança por plenario, desfile por cumiadas; quando imagina que caminha por estrada franca e aberta, não faltam estorvos e obstaculos.

Não falta tambem quem nos deprima, quem nos fira, implacavel e odientamente, e quem queira impedir, com a mesma furia e com a mesma loucura demolidora e destruidora, que triumphe essa obra em que nos empenhamos devotadamente.

O Digno Par, n'um rasgo da sua eloquencia, na dicção inflammada da sua rhetorica, abriu um parenthesis, dizendo que, se o Governo seguir o caminho que traçou, não é o seu apoio que o Digno Par lhe promette, não é o seu concurso que o Digno Par lhe assegura, é, contrariamente, uma hostilidade, que aliás não será severa nem odienta.

O Sr. José de Alpoim: - Que diz. V. Exa.?

O Orador: - V. Exa. não disse "hostilidades que não sejam severas nem odientas"?...

O Sr. José de Alpoim: - Perdão, eu não disse o que V. Exa. me attribue, nem proferi a palavra "apoio" porque dizer essa palavra com o actual Governo no poder é uma cousa que escalda um pouco.

Eu não prometti hostilidade nenhuma. Foi uma cousa diversa, e creio que V. Exa. acredita na minha rectificação.

Eu de forma nenhuma seria capaz de dizer uma cousa d'essas.

O Orador: - Eu esperava que o Governo, cumprindo as leis, teria o concurso, a dedicação e o apoio de todos os meus amigos, e, embora tivesse interpretrado mal as palavras do Digno Par, é certo que de tal arte lhe escaldava os labios a promessa d'esse apoio ao Governo feita, cumprindo os preceitos, os lemmas, as tenções da sua signa e do seu pendão, que lhe repugnou dizer, com aquella palavra tão impressiva, que eu e toda a Camara escutamos com o mais particular agrado, que esse Governo, viesse de onde viesse, fossem quaes fossem as incompatibilidades com os homens, fosse qual fosse o reduzido merecimento dos que n'este logar se encontravam, bem merecia de todos aquelles que norteassem o seu espirito, tivessem apenas no eu coração esta idolatria apaixonada que todo o cidadão deve ter pelos interesses, pela prosperidade, pela fortuna pela honra pela independencia do seu paiz.

Cuida o Digno Par que hoje, mais do que hontem, é difficil, é perigoso falar a verdade. Hoje, mais do que mnunca, é mister falar a verdade.

O que é absolutamente indispensavel perante a attenção do paiz para aquillo que mais de perto lhe interessa, o que é absolutamente indispensavel é que os homens publicos se apoiem sobre esta consideração, sobre esta confiança, sobre esta distincção, que o espirito publico, na sua solercia, sabe fazer dos motivos que a cada um impulsionam, das razões que a cada um determinam, dos impulsos que a cada um movimentam.

É mister falar a verdade sem receios, sem hesitações, sem medo, e simultaneamente procurar sempre que as palavras se ajustem singularmente ás intenções, que a nenhum espirito possam ficar resaibos de duvida, e que todo o paiz, todos os cidadãos possam saber que nenhuma outra inspiração existe no animo aos que são chamados a governá-lo, que não seja obedecer, cuidar, attender aos legitimos interesses nacionaes.

Chegámos ao Governo - e eu alludi incidentemente, ha pouco, a esse assumpto - chegámos ao Governo, perseguidos, depois de longos annos de uma lucta que contra nós se havia travado.

Qual era o nosso dever, qual era a nossa obrigação? Era esquecer todas as más vontades, era recordarmo-nos apenas que o concurso de todos os homens dedicados á nação, e cujos serviços e talentos ninguem pode desconhecer nem amesquinhar, se tornava absolutamente indispensavel para esta obra eminentemente patriotica, em que todos são faceis em confessar desvarios antigos, mas em que todos são difficeis em enveredar pelos novos caminhos e novas sendas, obra que se impõe ao espirito de todos que teem a missão de governar este paiz, obra que se ha de impor aos que nos succederem; porque esse é já o grande resultado adquirido pelo nosso esforço, é que eu creio firmemente que não haverá já Governo algum que possa a seu talante, por seu arbitrio ou por seu interesse, desviar-se de normas claras de administração rigorosa, franca e aberta ao exame e verificação de todos.

Sr. Presidente: eu não accuso ninguem, nem censuro, já o disse, mas pela minha parte sou o primeiro a ponitenciar-me dos erros passados.

Desprestigio do Parlamento! E então este Governo, que ha cerca de dois meses collabora com o Parlamento, o réu impenitente do seu desprestigio? E quantos de longe vinham e vieram, accumulando erros uns, praticando erros outros a fazer esse desprestigio, demolindo-se a si proprios, transformando-se em debil vara de clientela que tudo manda, pondo de parte todas as energias que distinguem um cidadão de um escravo, esquecidos d'aquillo que o Parlamento traçou, sobrepondo o seu interesse pessoal aos grandes interesses da nação!

Não são esses os culpados?

Não são esses os que, querendo ser-

Página 432

432 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

vir desejos pessoaes, aggridem, malsinam e atacam?

Não são esses que, levados pelo desejo de cada um talhar para si o logar que julga caber-lhe, que fazem o desprestigio do Parlamento? Não são aquelles que, esquecidos do logar que occupam, allucinados e desvairados pelas auras da popularidade, abatem o prestio do Parlamento?

E se me fôra dado na minha situação, visto não ter a honra de pertencer a esta casa do Parlamento, fazer um pedido, para incutir animo nos que me escutam, para que nós todos, no cumprimento de um dever contraindo para com o paiz, que tão alto nos colloca e que em alto logar nos considera, de uma vez para sempre, ponhamos de parte as luctas esteréis da politica, de vicios perigosos para uns e para outros, para que indefessamente se trabalhe para lançar as bases de uma nova edificação governativa, que é tão indispensavel para o proveito do paiz. Não é funcção nossa transformar de uma vez, miraculosamente, em lance imprevisto de prestidigitação, toda a administração, todo o modo de ser do paiz, porque não falta quem se opponha a quem quer seguir por caminho direito, levantando á cada passo dificuldades e obstaculos.

Aquelles que devem guardar o prestigio dó Parlamento são muitas vezes os proprios que se servem d'elle só com o proposito unico de derrubar Governos.

Eu commetti tambem essa injustiça para os que se sentaram n'estas cadeiras.

Mas os que passaram já pelos bancos do poder sabem e podem avaliar quaes serão as difficuldades, sobretudo de se impor uma acção nova, inteiramente differente da que se tem seguido; sabem quanto isto demanda de forças, de exercicio de acção, de energia decidida, de inquebrantavel temperamento.

O que é preciso é revogar as velhas formas, que faziam com que os Ministros tivessem de espalhar benesses, como se fossem umas cornucopias de graças e beneficios, cuidando assim que por esta forma se manteria o edificio da sua prosperidade politica.

A cada um de nós a responsabilidade proporcional d'esta administração; cada um de nós pode confessar os erros passados, que isto dá maior direito de convencer o paiz, que quer realmente enveredar por caminho differente.

Os fados hão de se cumprir desde o momento em que o paiz se convença que é necessario apoiar-nos na causa estricta da boa administração.

Repito, os fados hão de se cumprir quando o paiz esteja convencido de

quanto é precioso pensar em modificações profundas, de forma a assegurarem a fortuna e a tranquillidade.

Um unico dever tem o Governo a cumprir; é trabalhar porfiadamente para que a riqueza nacional se desenvolva, para quedos dinheiros publicos tenham a applicação que as leis lhes asseguram.

E preciso, porem, para assegurar uma boa administração economica e financeira, não só empregar todos os esforços, mas que todos concorram com a sua adhesão aos novos principios em que deve assentar o trabalho e o concurso d'aquelles que desejam o bem do paiz.

Para Be manter a liberdade é preciso haver tolerancia.

Para se conseguir o maximo respeito pela liberdade, não é logo mandar passar pelas armas qualquer individuo que haja exorbitado. Tem que haver liberdade e tolerancia para que se respeitem as convicções de uns e sejam respeitadas as convicções dos outros. (Apoiados).

Mas quando forem em demasia, é dever do Governo reprimi-los com toda a decisão.

Todas as arguições, por mais violentas que ellas sejam, não offuscam a obra do Governo, quando ellas forem injustas.

A violencia dos ataques quebra-se por completo ante as manifestações da opinião publica.

Nada, fizemos contra o prestigio do Parlamento, digo-o em minha consciencia e em minha fé.

A opinião publica está identificada com a orientação do Governo, interessando-se pela sua marcha e dando evidentes testemunhos de agrado, para que o Governo prosiga na sua obra pela causa do paiz e da liberdade.

O Governo mais uma vez appella para o concurso dos homens eminentes, que se encontram na primeira assembleia legislativa do paiz.

É perigoso fazer profundas alterações no regimen em que assentam as instituições, mas deve proceder conforme os interesses da nação. (Apoiados).

O Governo deseja caminhar conformemente aos interesses publicos, acompanhados e dirigidos pela necessidade de iniciar uma serie de medidas de caracter administrativo, essenciaes e indispensaveis.

Quando um espirito tão lucido, tão arguto, tão dicaz, se affeiçoa e apega a uma argumentação tão fraca, tão fragil, tão infundada, pode d'ahi deduzir-se que a obra do Governo será mesquinha, se assim o quizerem, desvaliosa, se assim o entenderem; mas sem duvida orientada no proposito de fazer que o paiz obtenha aquellas melhoras

que ha muito tempo baldadamente reclama.

Deixo agora este ponto, e vou entrar na parte final do discurso do Digno Par, brilhante como a outra; mas de uma ductilidade extrema.

Gostei mais de ouvir o Digno Par quando S. Exa. viajava pela Inglaterra e nos descrevia tão graciosa e tão encantadoramente, com a sonoridade da sua voz, que imprime um brilho notavel á sua primorosa rhetorica, diversos factos para os ajustar, para os amoldar a cousas do nosso paiz.

Gostei muito de ouvir o Digno Par? digo-o muito sinceramente; mas senti pesar quando S. Exa., na segunda parte do seu discurso, deixando então a Inglaterra, deixando os primeiros tempos do nosso constitucionalismo, abandonando o que se passou na Convenção, investiu de lança em riste, irado e facundo, contra a audacia desmesurada do Sr. Presidente ao Conselho, por este affirmar no Discurso da. Coroa que as questões sociaes merecem ao Governo o maximo desvelo, o maior cuidado, a mais seria e preoccupada attenção.

S. Sxa. foi, como sempre, de uma nitidez de palavra que enebria e encanta, mas não fez a demonstração de que o Governo era criminoso nu réu de um grande crime, por haver ingerido no seu programmas esses sacrificios que hoje se impõem a todos os Governos.

Não vi argumento que o levasse a riscar do seu programma esses principios que nenhuns governantes podem actualmente esquecer, porque são das taes questões que interessam a toda a humanidade, são das grandes reclamações do pai?;, são as que attenuam e soffrimento do pequeno e enxugam as lagrimas do invalido (Apoiados), diminuem as angustias do que não tem pão.

É necessario attender á situação dos humildes, que pedem, aquelles que estão em cima, protecção para a sua desventura, piedade para o seu soffrimento. (Apoiados).

S porque de mais se gastou, talvez, e porque pouco permitte o nesse orçamento, é o Digno Par, o grande reivindicador dos mais formosos direitos dos que falam e choram, que accusa um Governo porque no orçamento, que antigamente era tão depauperado por velhos processos, se aparta uma pequena quantia para attender a essa obra redemptora e de justiça, em favor d'aquelles que com tanto direito o reclamam e solicitam.

Isto me convenceu francamente de quanto houve de apaixonado na aggressão sempre temivel do Digno Par.

O Sr. Presidente: - Lembro a V.

Página 433

SESSÃO N.° 33 DE 29 DE NOVEMBRO DE 1906 433

Exa. que faltam apenas quinze minutos para se encerrar a sessão e que estão ainda dois Dignos Pares inscriptos, que desejam fazer uso da palavra.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Perdoem-me os Dignos Pares o tempo que vou ainda occupar a sua attenção, mas não é meu intento reservar a palavra para outra sessão, nem me parece que deva demorar-me mais largamente nas explicações, que, como homenagem de respeito e affirmação da minha muita consideração, quiz dar ao Digno Par, porque em brevissimas palavras atacarei e responderei ás accusações mais concretas feitas a proposito do Discurso da Co roa pelo illustre orador a quem respondo.

A uma cousa só, e é a ultima, desejo ainda responder.

É a ter S. Exa. dito que o Sr. Presidente do Conselho podia affirmar que o paiz devia estar muito doente para que d'elle se lembrasse, como grande homem, paraphraseando o dito do Duque de Decazes, Ministro de Luiz XVIII.

Quer-se signal mais evidente de que o paiz estava doentissimo e sentia as angustias que ficam sempre em seguida ás grandes enfermidades?

Disse mais S. Exa., um homem publico tão altamente cotado no seu paiz, costumado a escutar as opiniões nas suas reclamações, que a gravidade enorme d'esse soffrimento se espelhou em reclamações que instantemente impuzeram - porque é um pouco por direito de conquista que nós nos encontramos aqui (Apoiados) - instantemente impuzeram o nosso chamamento ao poder, para desempenharmos, para cumprirmos, com aquella probidade e hombridade propria de homens que se respeitam, o nosso programma politico, as affirmações concretas, os compromissos solemnes que em longo periodo de opposição tinhamos tomado para com o paiz.

E acha V. Exa. que o paiz não soffria uma d'estas doenças gravissimas, desde muito chronica, desde pouco aguda, em que todas as loucuras e todas as epilepsias se comprehendem e se adivinham?

Foi ainda por esta grande necessidade que o Governo se inspirou e prosegue no seu proposito inabalavel de cumprir, sem precipitações que possam pôr em risco a obra administrativa, mas sem se desviar do caminho que a si proprio se traçou - de cumprir absoluta e inteiramente as suas affirmações feitas na opposição, os seus compromissos tomados desde que se apresentou neste logar.

Desculpe-me a Camara pelo tempo que lhe tomei e o sacrificio que lhe infligi.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra aos Dignos Pares que a pediram para antes de se encerrar a sessão.

Peço a S. Exas. que restrinjam a suas considerações.

O Sr. Sebastião Baracho: - Pedi a presença do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, por ter de lhe fazer perguntas sobre assumptos que correm pela sua pasta. Não se encontrando S. Exa. na sala, rogo a qualquer dos seus collegas que se acham presente que o informem das questões que vou succintamente versar.

O Sr. Presidente: - Convidado a comparecer á sessão em virtude do pedido de S. Exa., o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros respondeu que lhe era impossivel fazê-lo hoje, mas que viria ámanhã antes da ordem do dia fornecer as informações que o Digno Par desejasse.

O Orador: - Agradeço as explicações de V. Exa., que em cousa alguma alteram as minhas recommendações feitas aos Srs. Ministros presentes, nem tão pouco os meus propositos, que vou succintamente explanar.

Segundo li hoje no Diario de Noticias, em 9 do corrente foi expedido um telegramma de Buenos-Ayres para o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, e cujas affirmações reputo importantes. N'elle se assegura que o nosso Ministro, Sr. Constancio Roque da Costa, enviou uma segunda nota ao Sr. Montes de Oca, Ministro das Relações Exteriores, procurando justificar a sua attitude, na questão das viagens rapidas entre a Republica Argentina e a Europa.

Consoante o mesmo informador, o Sr. Montes de Oca respondeu que não aceitava as explicações dadas pelo Sr. Roque da Costa, repellindo simultanea, mente a intervenção do representante diplomatico portuguez, em assumpto de competencia administrativa do Estado.

Em presença do que fica exposto, pretendo saber se são verdadeiros os factos constantes do telegramma a que alludo.

Desejarei que a resposta, que venha a dar-me o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, seja de molde a collocar o paiz em boa situação, justificativa do proceder do nosso representante.

Dito isto, recordarei que a imprensa periodica noticiou ha dias, sem desmentido de especie alguma, que o Sr. Marquez de Soveral, usando da palavra n'um banquete que lhe foi offerecido em Inglaterra, asseverara que estava encarregado de negociar um tratado de commercio com este paiz.

Pergunto: é isto exacto?

Se é, desejo saber mais se o tratado em negociações se refere simplesmente á metropole, ou se tem tambem o caracter de colonial, abrangendo reciprocamente as possessões ultramarinas.

Ficam precisamente formuladas as minhas perguntas, para que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros as possa conhecer, a fim de por ellas modelar as suas respostas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - é apenas para asseverar ao Digno Par, o Sr. Baracho, que communicarei ao meu collega dos Estrangeiros as perguntas que S. Exa. tenciona dirigir-lhe e estou certo de que elle virá ámanhã a esta Camara.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Azevedo: - Sr. Presidente: eu devo á Camara e em especial ao Sr. Ministro da Marinha uma explicação.

Hontem, ao terminar a sessão, eu tive ensejo de pedir a V. Exa. a fineza de communicar ao Sr. Ministro da Marinha que desejava conversar com S. Exa. sobre a questão das pescarias.

Vejo que V. Exa. communicou os meus desejos ao Sr. Ministro da Marinha, mas eu é que não pude comparecer porque, havendo hoje sessão do Conselho Superior de Instrucção Publica, não podia faltar ali, visto que tinha de relatar alguns projectos.

Dou esta explicação para que se não possa suppor que foi falta de menos cortezia para com S. Exa.

Em qualquer outro dia, quando o Sr. Ministro da Marinha puder aqui vir para versar este assumpto, eu aqui estarei tambem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Sr. Presidente: cumpre-me agradecer ao Digno Par o Sr. José de Azevedo a explicação que S. Exa. acaba de me dar, assegurando-lhe ao mesmo tempo que eu nunca poderia attribuir a falta de S. Exa. a outra cousa que não fosse uma questão de serviço publico. Aproveitando
este ensejo, direi a S. Exa. que ámanhã, caso o Digno Par possa, virei a esta Camara, para tratarmos do assumpto a que S. Exa. se referiu.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Como o Digno Par Sr. Baracho

Página 434

434 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pediu o comparecimento do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros á sessão de ámanhã, talvez podessemos adiar para segunda feira a discussão do assumpto á que me referi.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Estou perfeitamente de acordo.

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é ámanhã e a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 29 de novembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Marquezes: Barão de Alvito, de Avila e de Bolama e de Penafiel; Arcebispo de Calcedonia; Condes: de Arnoso, de Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty e de Villar Secco; Viscondes: de Monte-Sãò e de Tinalhas; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira da Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amo rim, Poças Falcão, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×