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N.º 34

SESSÃO DE 16 DE MARÇO DE 1881

Presidencia do exmo. Sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva (presidente supplementar)

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente: — A correspondencia é enviada ao seu destino. — O digno, par o sr. Mendonça Cortez, propõe que a mesa mande organisar no archivo da camara duas collecções de todos os documentos publicados pelos ministerios quer durante as sessões, quer nos seus intervallos. — Approvação desta proposta. — O digno par, o sr. Henrique de Macedo, propõe que no regimento desta camara sejam inseridas algumas disposições addicionaes ao artigo 37.° do mesmo regimento. — Reflexões dos dignos pares os srs. Serpa Pimentel, Henrique de Macedo e visconde de Chancelleiros. — Troca de explicações entre os srs. visconde de Chancelleiros e visconde de Soares Franco a respeito do contrato de navegação para a Africa. — Considerações do sr. visconde de Chancelleiros ácerca dos tumultos em Lisboa. — Resposta do sr. ministro do reino (José Luciano). — Discursos dos dignos pares, os srs. visconde de Chancelleiros e Barjona de Freitas, que envia para a mesa uma moção de ordem. — O sr. ministro do reino usa da palavra sobre esta moção. — Discursos dos dignos pares, o sr. Vaz Preto e Pereira Dias, a quem fica a palavra reservada.

Ás duas horas da tarde, sendo presentes dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo os documentos requeridos pelo digno par Ornellas.

Para a secretaria.

Outro, do ministerio da guerra, remettendo uma rectificação á nota enviada em 17 de fevereiro ultimo.

Teve o mesmo destino.

(Entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho, e ministros da marinha, da guerra e do reino.

O sr. Mendonça Cortez: — Mando para a mesa a seguinte proposta:

(Leu.)

A rasão d’esta proposta é por que, tendo tido precisão de procurar no archivo d’esta camara alguns documentos, não os encontrei.

Não creio que se deva attribuir esta falta a menos diligencia dos empregados que têem a seu cargo o archivo, mas é necessario que este serviço esteja devidamente organisado.

O sr. Presidente: — Vae-se ler na mesa a proposta apresentada pelo sr. Mendonça Cortez.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

«Proponho que a mesa mande organisar no archivo desta camara duas collecções, tão completas quanto seja possivel, de todos os documentos publicados pelos ministerios não só durante as sessões como nos seus intervallos.»

O sr. Presidente: — Está em discussão.

(Pausa.}

O sr. Presidente: — Como ninguem pede a palavra, vae-se votar.

Submettida á votação, foi approvada.

O sr. Margiochi: — Cumpre-me participar que, em virtude da missão de que fui encarregado pela mesa, desanojei o digno par, o sr. general Palmeirim, e que s. exa. me incumbiu de agradecer á camara a attenção que teve para com elle.

S. exa. tambem me encarregou de communicar a esta camara, que não comparecerá a algumas sessões por incommodo de saude.

O sr. Presidente: — A camara fica inteirada das declarações feitas pelo sr. Margiochi.

Como não ha mais ninguem que peça a palavra antes da ordem do dia, vae continuar a discussão do parecer n.° 154, relativo ao bill de indemnidade.

Tem a palavra o sr. Camara Leme, que ficou com ella reservada na penultima sessão.

O sr. camara Leme: — Supponho que deve continuar a discussão sobre o incidente que hontem se suscitou; mas, ainda mesmo que devesse continuar a discussão do parecer u.° 154, eu não podia fazer uso da palavra sem estar presente o sr. ministro da guerra.

O sr. Vaz Preto (sobre a ordem): — Sr. presidente, o incidente de hontem não acabou. Um sr. ministro pediu a palavra para responder ao sr. visconde de Chancelleiros, e eu pedi a v. exa. que me inscrevesse para fallar sobre o assumpto.

As accusações que se fizeram ao governo são graves, gravissimas, e não póde elle por fórma alguma eximir-se a dar explicações.

Peço, portanto, que se espere pela presença de algum dos srs. ministros, porque sem a sua presença não se póde continuar na discussão do incidente nem entrar na ordem do dia.

Aproveito a occasião de ter a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte.

«Requeiro que, pelo ministerio da guerra, se remetta a esta camara nota exacta da força que está em armas e da que está licenciada, e bem assim uma nota do numero dos cavallos que faltam em cada regimento de cavallaria para estarem completos.»

Este requerimento foi expedido ao governo.

(Entraram os srs. ministros da marinha, guerra e reino.)

O sr. Henrique de Macedo: — Pedi a palavra para, mandar para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.}

E se v. exa., sr. presidente, e a camara mo permittem, vou fundamental-a com brevissimas considerações.

Na sessão de hontem fui duramente increpado por um illustre membro d’esta casa, e meu distincto e antigo pollega no professorado, por ter infringido em curto espaço mais de uma disposição do regimento.

Não admirava, sr. presidente, que, estando eu de ha tão poucos dias n’esta camara, não conhecesse mais algumas miudas prescripções do regimento d’ella; mas não succedia assim, e eu vou proval-o.

Tinha eu lido com a maxima attenção, e antes que ousasse tratar nesta assembléa do mais insignificante assumpto, as disposições do regimento d’ella, e reli-as ainda com mais attenção no intervallo da sessão de hontem á de hoje. Não encontrei, porem, em nenhuma dellas base em que o meu respeitavel collega, o sr. Serpa, se podasse fundar para, me arguir, e muito menos para o- fazer com a violencia de phrase de que usou.

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É verdade que pedi a palavra sobre a materia dos requerimentos do sr. visconde de Chancelleiros. Procedendo assim, porém, estava no meu pleno direito, porque o regimento desta casa, no seu artigo 37.° e seguintes, confunde requerimentos, proposições e indicações sob a denominação generica de propostas, e submette a discussão de todas ellas aos mesmos preceitos, sem que em todo o capitulo se encontre disposição alguma especial ácerca dos requerimentos.

As modificações do regimento, que ora proponho, fundam-se na pratica, que me honro de ter, das discussões da outra casa do parlamento, donde venho, e mais especialmente nas disposições do regimento d'ella que se referem aos requerimentos, disposições em que naturalmente se fundou, por engano, o sr. Serpa para me arguir. Essas disposições são, segundo creio, justas, bem fundadas, apropriadas á boa direcção das discussões e a melhor garantir o direito das minorias, como o das maiorias, no tocante ao discreto uso da palavra.

D'ellas aproveitei o que a pratica me mostrou ser mais rasoavel.

Mando para a mesa a minha proposta, para a qual não peço urgencia.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no regimento desta camara sejam inseridas as seguintes disposições addicionaes ao artigo 37.°:

l.ª Os pares que pedirem a palavra com expressa declaração de que o fazem para formular requerimento, preferirão na ordem da inscripção aos que a tiverem pedido sobre a materia em discussão ou sobre a ordem.

2.ª Os requerimentos não podem ser fundamentados pelos seus auctores, nem discutida a materia d’elles pela camara, e serão immediatamente votados, salvas as hypotheses de occorrer discussão sobre o modo de propor ou votar, ou a de ser interposto e approvado novo requerimento para que o primeiro seja considerado proposição ou indicação. = Henrique de Macedo.

Foi remettida á commissão respectiva.

O sr. Serpa Pimentel: — Eu não argui o digno par, o sr. Henrique de Macedo. O que fiz no começo das palavras que pronunciei na sessão a que se referiu s. exa., foi perguntar a v. exa. se o regimento permittia que os requerimentos se discutissem. Já se vê que, por esta pergunta, eu mostrava a duvida que tinha a tal respeito.

A pratica seguida constantemente n’esta casa sabia eu qual era, isto é, não discutir os requerimentos que se apresentavam; o que sempre vi fazer foi, depois de apresentados os requerimentos, a mesa submettel-os logo á votação, e nunca se abriu debate sobre elles.

Esta tem sido sempre a pratica repito; mas querendo-me esclarecer perfeitamente a respeito das disposições regimentaes, com relação a este pente, foi a rasão por que dirigi aquella pergunta a v. exa. Aqui estão as explicações que tenho a dar.

Se de alguma cousa eu poderia ter arguido o digno par, fôra de pedir a palavra sobre o modo de propor e fallar sobre a materia do requerimento.

A todos é permittido nesta casa pedir a palavra sobre o modo de propor; mas quando isso acontece, nunca se usa da palavra senão para propor ou requerer que a votação seja de uma ou de outra maneira, por sentados ou levantados, ou seja nominal, ou, se ha mais de uma proposta, sobre a ordem por que devem ser submettidas á votação.

Agora, pedir a palavra sobre o modo de propor e fallar no assumpto em discussão, é que nunca foi pratica.

Portanto, se houve arguição nas minhas palavras, foi só com referencia a essa circumstancia.

O sr. Henrique de Macedo: — A parte da argumentação do sr. Serpa, a que me é licito responder sem que me refira menos convenientemente á mesa, repousa certamente sobre um equivoco, ou sobre uma errada reminiscencia ao digno par.

A camara toda, ou, pelo menos, aquelles dos meus collegas que assistiram ao começo da sessão anterior, são testemunhas, que eu, na occasião a que o digno par se referiu, comecei como mo permitte o regimento desta casa, por pedir a palavra sobre a materia do requerimento mandado para a mesa pelo sr. visconde de Chancelleiros; e só depois, como houvesse duvida em me dar a palavra sobre a materia, a pedi, forçado, sobre o modo de propor, no intuito de garantir o direito que julgava ter de expender a minha opinião sobre um assumpto manifestamente discutivel.

Sou obrigado a conhecer o regimento, disse s. exa.; é verdade, e provei que o conhecia, usando justamente das disposições d’elle; mas as praxes d’esta camara, que o alteram essencialmente, essas realmente não era natural que as conhecesse, nem sou obrigado a conhecei-as, estando aqui ha tão pouco tempo.

No entanto, são precisamente essas praxes, e por isso que se me afiguram justas e bem fundadas, que eu procuro pela minha proposta transformar de direito consetudinario, que são, em direito escripto que merecem ser.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Vejo pela propria confissão do digno par, que s. exa. só tivera conhecimento das disposições regimentaes depois de as ter visto a noite passada.

O sr. Henrique de Macedo: — Não confessei similhante cousa; o que eu disse foi que já conhecia o regimento, e que o tornara a estudar em a noite passada.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Admira-se que o sr. Henrique de Macedo, que ainda ha poucos dias tomou assento n’esta camara, venha propor alterações n’um regimento que a maioria e a opposição nunca impugnaram. Parecia-lhe mais conveniente que s. exa. levasse um exemplar do regimento para casa, e tratasse de o remodelar, apresentando depois o resultado do seu trabalho e estude.

Concluiu instando pela necessidade de se verificar a sua interpellação ácerca do contrato de navegação para a Africa, e pela impressão do parecer da commissão de legislação sobre o mesmo assumpto,

(Os discursos de s. exa. serão publicados logo que os devolva.)

O sr. o Visconde de Soares Franco: — Pedi a palavra sobre a ordem, para dar um esclarecimento ao digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, e é, que a commissão de marinha já se reuniu hoje peia segunda vez para tratar do assumpto a que s, exa. se referiu; não é negocio caie deva ser resolvido senão com a maior attenção, por isso não posso dizer definitivamente o dia era que a commissão apresentará o seu parecer, mas creia s. exa. que será com brevidade»

Direi tambem a s. exa. que é costume, sempre que qualquer commissão manda um parecer para a mesa, mandar-se imprimir; mas tendo, como este, que ir a duas commissões, são os dois pareceres impressos; e este negocio passou da commissão de legislação immediatamente para a commissão de marinha, e tem sido tratado n’esta com toda a brevidade, para que não haja demoras«

É o que tenho a dizer.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Agradeceu ao sr. visconde de Soares Franco a informação que deu em nome da commissão de marinha.

Como vê presente o sr. ministro do reino, pede a s. exa. que lhe declare se considera em vigor a portaria publicada n’uma ordem do exercito do anno passado, na qual se regulam as relações entre as auctoridades militares e administrativas. N’esta portaria determina-se expressamente que a forca publica nunca poderá arremetter contra as multidões sem que estas sejam intimadas tres vezes para dispersar.

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Insiste em querer uma resposta do sr. ministro a este respeito; porque, se; desgraçada e fatalmente para o governo e para o paiz, se repetissem os successos que tiveram logar na tarde de domingo, isto é, se a forÇa publica carregasse outra vez sobre a multidão incauta e desprevenida, havia de propor um voto de censura ao governo; se esse voto não fosse approvado, proporia então uma mensagem á corôa; e se esta tambem não fosse approvada, julga desnecessario dizer agora á camara o que é que lhe restava fazer.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Leu a informação que lhe foi enviada pelo commandante da guarda municipal, e disse que pela leitura que acabava de fazer se via que a forca publica tinha sido insultada e apedrejada, e se vira forçada a repellir a aggressão.

Lamenta que houvesse ferimentos, ainda que leves.

Que não era este o caso da força publica poder fazer os avisos previos, de que trata a portaria do ministerio da guerra, a que o digno par se referiu, porque a força foi aggredida sem que tivesse occasião de intimar a multidão a dispersar.

Se houve excesso da parte da força, está certo que o digno commandante da guarda ha; de proceder contra os que se excederam; mas afiança que os soldados não deram cutiladas, mas sim pranchadas, porque no caso contrario deveria ter havido ferimentos graves, o que não succedeu, porque ao hospital apenas foram curar-se cinco individuos, todos elles com ferimentos muito leves.

Tem dado as mais terminantes ordens para que haja toda a prudencia, e para que se não empregue a força senão depois de estar perdida a esperança de se conseguir restabelecer a ordem sem esse meio.

(Os discursos de s. exa. serão publicados quando os devolver.)

O sr. Marquez de Vallada: — Requeiro que sejam impressos no Diario do governo os importantes %documentos que o sr. ministro do reino acaba de ler.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Declarou que não havia duvida nenhuma em que se votasse a impressão requerida pelo digno par.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. marquez de Vallada, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — De proposito e muito reflectidamente não pediu explicações ao sr. ministro sobre os acontecimentos que tiveram logar no domingo, e limitou-se apenas a perguntar se, dadas as mesmas circumstancias, a forca publica obraria do mesmo modo.

S. exa. não respondeu precisamente á sua pergunta, e por isso não está satisfeito.

Tem o testemunho de pessoas insuspeitas que confirmam os factos em sentido contrario áquelle em que os apresentou o sr. ministro, e entre essas pessoas contam-se militares distinctos, que achavam o procedimento da força injustificado e injustificavel.

Não sabe se houve apenas pranchadas, como disse o sr. ministro; mas, se assim foi, pergunta se as espadas da guarda municipal são de dois gumes, porque é facto que houve ferimentos graves.

Como governador civil, que teve a honra de ser, ainda que por pouco tempo, póde avaliar as condições difficeis em que esse magistrado se encontra muitas vezes. Estava á frente da administração do districto em uma epocha de carnaval, e lembrou ao commandante da guarda municipal o cumprimento do seu dever, que era não deixar nunca desacatar os direitos individuaes nem a dignidade da força publica. Houve n’essa occasião um conflicto nas proximidades do Chiado; alguem exagerou as providencias tomadas, e o orador tomou a responsabilidade d’ellas. .

Quem assim procedeu, não póde querer tirar hoje ao governo os elementos de forca, não póde querer que não haja ordem, mas tambem não quer que em nome da ordem se provoque a desordem, e que em nome das garantias individuaes se attente contra ellas.

Lembra ao sr. ministro que não estão suspensas as garantias; que o paiz não está em estado de guerra; que a força que attentou contra as garantias dos cidadãos foi a guarda municipal, e que esta é paga pelo municipio.

Concluiu declarando que não quer tomar tempo á camara, mas que precisa que o sr. ministro do reino declare terminantemente se1 tenciona dar cumprimento á portaria a que se referiu, para que se não repitam successos iguaes aos de domingo.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): — Declara que reconhece a força da portaria, e que tem dado as ordens para que ella se cumpra todas as vezes que as circumstancias o permitiam.

O sr. Barjona de Freitas (sobre, a ordem): — Apresenta a seguinte moção:

«A camara dos pares, affirmando a necessidade da manutenção da ordem sem detrimento das liberdades publicas, e não julgando o actual governo á altura da gravidade das circumstancias, passa á ordem do dia.»

Não ignora que esta sua moção ha de ser considerada como de censura, e que ha de levantar-se contra ella uma excepção de incompetencia, como aconteceu com a questão do bill que tem estado em discussão.

Passou a mostrar como, na sua opinião, ha uma deploravel confusão de idéas da parte d’aquelles que negam a esta camara direitos que lhe pertencem, querendo confundir com a responsabilidade judicial o que pertence á responsabilidade politica, como são os votos de confiança, as moções de censura ou os bills de indemnidade; não se lembrando que no proprio projecto de responsabilidade ministerial, apresentado pelo governo e approvado pela outra casa do parlamento, se sustenta esta mesma doutrina, porque, como se sabe, nem todas as violações de lei constituem crime.

Acha que na conjunctura gravissima que o paiz está atravessando os perigos são imminentes, principalmente se continuar á frente da administração um governo sem força e sem prestigio, porque não póde ter força nem prestigio um governo que, depois de duas fornadas seguidas, obtem dois votos de, maioria na primeira votação politica que houve n’esta camara.

Pergunta á consciencia de todos se uma maioria de dois votos habilita um governo qualquer a governar.

Portanto, um .governo que resuscitou o arrematante do real de agua, que hasteou um pendão revolucionario, o que o rasgou apenas subiu ao poder, não está na altura de gerir os negocios publicos.

Não quer referir-se a nenhum facto particular; mas entende que não estamos no tempo em que se possam tolerar as arrogancias de ninguem, principalmente quando ellas significam um ataque aos direitos individuaes.

Sabe que o povo foi acutilado sem previa intimação da parte da auctoridade. Não serve de desculpa o dizer-se que a0 força foi apupada, porque esse facto tem-se dado muitas vezes, e a ordem tem-se restabelecido sem ser preciso derramar sangue. A responsabilidade do. facto pertence ao governo e não á guarda municipal, porque esta não acutilou ninguem emquanto não teve instrucções.

Espera, pois, que a sua moção seja approvada, e tanto mais o deve ser quanto é certo que as vistas do povo estão voltadas para esta camara.

Leu-se na mesa a seguinte moção:

«A camara dos pares, affirmando a necessidade da manutenção da ordem sem detrimento das liberdades publicas, e não julgando o actual governo á altura da gravidade das circumstancias, passa á ordem do dia. = Barjona de Freitas.»

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á

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discussão a moção que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar,

Foi admittida.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro:— Nunca negou nem nega a esta camara o direito de votar censuras aos actos do governo; o que não julga é que ella tenha o direito de votar bills de indemnidade.

É do interesse da camara usar discretamente da faculdade de votar censuras.

A situação do paiz é tranquilla. A agitação só existe nos partidos. Não ha fundamento rasoavel para essa agitação extra-legal.

Falla-se em meetings e representações, mas o governo não póde caír perante elles, porque assim como ha quem represente contra o governo, tambem ha quem represente a favor.

(Sussurro nas galerias.}

O sr. Presidente: — Eu peço ás galerias que não sejam impassiveis, para eu não ter que mandar executar o regimento desta camara. Eu desejava não ter de empregar meio algum alem d’esta admoestação.

O Orador: — A arruaça, ou a praça publica, ou as galerias não constituem argumento que possa convencer.

O governo ha de cair quando chegar a sua hora, não póde nem deve cair diante das arruaças que insultara a força publica, ou pela agitação promovida por aquelles que cobiçam as pastas.

A voz do paiz ainda não se fez ouvir pelos seus orgãos legaes; quando isso acontecer o governo não será surdo; o que não póde consentir é que a força militar seja injuriada e apedrejada. De certo que os dignos pares não terão a pretensão de se collocar ao lado dos ainotinadores.

Foi pequena effectivamente a maioria que o governo teve nesta camara na votação do additamento á resposta ao discurso da corôa, mas não é a primeira vez que governos muito illustrados se conservam sem ter maioria na segunda camara.

Se o ministerio não tem caminhado tão larga e desas-sombradamente como desejaria, deve-se á politica impeditiva que a opposição tem seguido nesta «asa.

Concluiu dizendo que a opposição não se occupa da questão mais momentosa, que é a de fazenda, e depois do governo actual a ter melhorado em beneficio do paiz, limita-se a pedir a demissão dos ministros que tiveram de arcar com as difficuldades que esses que o accusam lhes legaram.

O sr. Conde de Linhares: — Mando para a mesa um parecer da commissão de marinha.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Regueiro a v. exa. me diga quaes os projectos da iniciativa ao governo que estão sobre a mesa para serem dados para a ordem do dia.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Em vista do requerimento que acaba de ser feito, peço tambem a v. exa. queira mandar ler a relação dos projectos do lei não só dos que estão dados para a ordem do dia, mas tambem dos que estão nas respectivas commissões.

O sr. Vaz Preto: — Visto o governo pretender lançar sobre a opposição a responsabilidade de não ter a camara feito até agora cousa alguma, e antes de começar as minhas reflexões direi a esta assembléa, e a todos que me ouvem, que me consta que na illustre commissão de fazenda não tem encontrado a mais leve difficuldade o sr. ministro da fazenda; e com respeito ás outras commissões, se ellas não se têem reunido, ou é por lá não haver projectos para discutir, ou é porque o governo não comparece para tratar dos projectos sujeitos ao seu exame. (Apoiados.)

Se alguns projectos se têem demorado nas commissões é porque o governo quer que elles ali se conservem.

Se o governo não tem nas commissões nem na mesa propostas de valor para entrarem em discussão, a culpa não é nossa.

O celebre contrato do caminho de ferro de Torres Vedras, em que o sr. ministro das obras publicas tem compromettida a sua dignidade, se jaz ali sepultado tambem não é por culpa nossa, mas sim do sr. ministro das obras publicas, cuja susceptibilidade avariou com os espinhos cãs cadeiras ministeriaes.

O bill dado pela o atra camara ao governo por ter assumido a dictadura, se se acha demorado nas commissões é tambem por culpa do governo que não quer que de lá saia. E não obstante ainda ousa asseverar o governo que não teem passado n’esta casa os projectos de lei, e que não o deixâmos trabalhar!

De quem é, pois, a culpa? Não era do seu dever primeiro que tudo sair da dictadura que conserva ante o parlamento? Este systema de governar é inimitavel, é sem igual. N’este estado de cousas cumpre tambem perguntar o que é que tem feito o governo, e o que é que se vê?

O que ou vejo, e o que o paiz sente e soffre, é que elle tenha perturbado a ordem publica, esgotado as fontes de receita, sem melhorar a nossa situação financeira, que a meu ver é mais grave e mais assustadora agora, porque o déficit persiste enorme ainda apesar dos onerocissimos impostos lançados ao povo, e a divida fluctuante renasceu não obstante o monstruoso emprestimo ultimamente contrahido. O que eu vejo, e o paiz sente e soffre, é que o governo viciasse a representação nacional, que fizesse correr o sangue dos eleitores junto da urna, e mostrasse a maior intolerancia demittindo e nomeando arbitrariamente funccionarios publicos, e praticando as maiores violencias e perseguições. É isto o que o governo tem feito. E isto o que eu vejo, são as consequencias d’este nefasto systema que o povo está soffrendo.

Sendo isto assim, como é, sr. presidente, e difficil conter a indignação ao ouvir das cadeiras do governo o que todos com pasmo acabámos de ouvir.

É difficil conter a indignação ante asserções tão absurdas e declarações tão audaciosas e tão contrarias á verdade dos factos que escandalisam os animos, e provocariam da minha parte já um desmentido formal, se a posição especial em que me encontro para com o sr. ministro do reino, que não tem imputação, não me inhibisse de o fazer.

Sr. presidente, reprimirei os impetos de momento, a indignação espontanea, que de mim se apoderou ao ouvir tanto desacerto das cadeiras do governo, tanta inexactidão, e tanto cynismo em desfigurar a verdade dos factos; e esforçar-me-hei per ser moderado quanto possa nas reflexões e commentarios que vou fazer, porque o meu intento é convencer a camara, e mostrar que o actual ministerio não está á altura das circumstancias no momento em que o para exige e carece de um governo energico, serio e grave.

Sr, presidente, é necessario muita audacia para vir aqui affirmar o que todos sabem não ser a verdade dos factos.

O sr. ministro do reino... já me ía esquecendo, não posso discutil-o, nem discutir com elle.

Não irei por diante. Vou dirigir-me simplesmente á entidade governo, sentindo que o sr. ministro das obras publicas, que é o mais culpado nos attentados contra a constituição do estado, não esteja presente.

Ouvi ler da parte do governo um relatorio da auctoridade civil narrando o que se tinha passado nos ultimos dias.

E é para lamentar, sr. presidente, que o governo não conheça a lei, nem a saiba sustentar, e esteja aqui a apresentar idéas subversivas que não se podem sustentar, em face das leis, nem dos principios de direito publico, administrativo e penal.

Sabe v. exa. o que diz o codigo penal?

Eu vou lel-o ao governo, para elle ter conhecimento da

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lei que tinha obrigação de saber, porque se a soubesse não teria dado ordens em contrario á lei.

Diz o artigo 179.° do codigo penal:

(Leu.)

E o artigo 175.° diz o seguinte:

(Leu.}

Por estes artigos vê-se e reconhece-se que nos crimes de sedição, mas de sedição já declarada, aquelle que se retirar depois de avisado e admoestado não é considerado criminoso, e que a auctoridade, antes de proceder, corre-lhe o dever de fazer as advertencias do costume.

Nos ultimos tumultos qual foi a intimação, advertencia, ou aviso da auctoridade que se fez?

Qual foi essa intimação? Responda o governo.

Como se justifica do facto da tropa, com ordem ou sem ella, ter accommettido o povo, que apenas pelas das soltava alguns gritos misturados com assobios?

Provavelmente a auctoridade, atemorisada, suppunha estas pequenas manifestações o preludio de uma grande revolução, e sem mais nem menos acutilou o povo inerme.

Sr. presidente, esta é a verdade dos factos; basta narral-os simples e singelamente como elles existirem, para se reconhecer a inépcia do governo, ou antes a sua maldade, porque os tumultos se existiram devem-se a alguns dos srs. ministros.

Isto não deixa a mais leve duvida; a imprensa tem derramado muita luz; e os illudidos fazem revelações importantes.

Na verdade é muito audaciosa a declaração por parte do governo, de que não houve ferimentos nem contusões de gravidade, quando eu vi, sr. presidente, um pobre desgraçado levado em braços com uma cutilada na cabeça, que, se é verdade o que dizem os jornaes, já morreu.

Este facto presenciei eu e muitos dos dignos pares que aqui se acham.

Espero que o governo não se atreverá a contestal-o.

Sr. presidente, eu accuso o governo, porque foi o auctor de todos os tumultos que tiveram logar, porque foi o promotor das arruaças.

Já se sabia anteriormente ao meeting, já a imprensa o tinha annunciado, que o governo havia de mandar gente para fazer ali vozearia e barulho.

Assim foi.

Lá estavam empregados do ministerio, lá estava o secretario particular do sr. ministro das obras publicas, um administrador de concelho bem conhecido, tudo gente affecta a estes ministros; a desordem começou, mas foi reprimida a principio; e como a opinião publica se indignasse, os arruaceiros lançaram mão dos republicanos, que se lhes uniram, o que já estava pactuado entre o governo e elles, e, segundo se diz, entre outras promessas o governo promettera-lhes uma candidatura por Lisboa.

Sr. presidente, o governo que emprega estes meios diz-se pertencer ao partido monarchico!

E é um ministerio monarchico, que abriga os republicanos, que lhe offerece candidaturas, que elogia o seu procedimento e a sua cordura!

Sr. presidente, eu fallo assim por que conheço perfeitamente os manejos d’este governo e sei as ligações que elle tinha e tem com os republicanos.

Fallo assim por que presenciei as manifestações por elle preparadas nas galerias das camarás, quando todos eramos opposição ao sr. Pontes, o que eu nunca approvei, porque eu desejo que as galerias assistam silenciosas e com respeito ás discussões d’esta casa.

Mas, se eu então e agora condemno e censuro a falta de respeito das galerias, outro tanto não o póde fazer quem procedia por aquella fórma, quem mandava gente para as galerias das camarás, para fazer manifestações de desagrado ao sr. Fontes, esse por certo não tem direito a levantar-se contra essas manifestações que agora nascem espontaneamente da indignação geral que se manifesta por todos os modos e fórmas. (Apoiados repetidos.}

Sr. presidente, eu desejo que as galerias sejam estranhas á discussão, que moderem as suas impaciencias, e que prestem ao parlamento o respeito que lhe é devido; comtudo. não posso deixar de confessar que a indignação das galerias se ostenta principalmente quando vê os assalariados do governo perturbar a ordem.

O governo tem querido suffocar as expansões da opinião publica, enchendo as galerias de gente sua, que eu bem conheço, e nem assim o tem conseguido, porque é impossivel abafar o que é espontaneo, e o que está no espirito e no sentimento de todos.

É necessario que o governo esteja obcecado e cego de todo, para não ver e reconhecer que a força da opinião publica é tão grande, e manifesta-se contra elle por tal fórma, que até nas galerias não tem sido possivel reprimil-a, apesar do governo, alem dos policias visiveis e dos policias disfarçados, ter as galerias pejadas de arruaceiros e de assalariados.

Sr. presidente, é mister que os desatinos deste governo fossem muitos e grandes, que as inconveniencias se succedessem em tropel umas ás outras, que a direcção dos negocios e a marcha governativa fosse muito desgraçada, para que um governo, que subiu ao poder sob os melhores auspicios, adquirisse em pequeno espaço de tempo uma impopularidade tão grande.

Eu creio que a animadversão contra alguns dos seus ministros é de tal ordem que, se fossem a algumas terras das provincias, seriam arrastados pelas das publicas.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): — Pela minha parte protesto contra as palavras que o sr. Vaz Preto acaba de proferir.

O Orador: — O sr. ministro da marinha sabe perfeitamente que eu não quero alludir a s. exa.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): — Faço parte do governo, tomo para mim toda a responsabilidade dos seus actos.

O Orador:—Acho muito honroso para o sr. ministro o acudir em defeza dos seus collegas, o que me não impede de persistir convicto na minha opinião.

Eu estou no uso do meu direito exprimindo n’esta camara as minhas convicções como entendo, como quero e como posso.

As minhas opiniões, as convicções que tenho podem ser eivadas, podem ser contrariadas por qualquer dos dignos pares ou dos illustres ministros, mas nem por isso deixam de ser convicções intimas, baseadas no que tenho ouvido e presenciado, e fundadas na excitação que vae pelo paiz contra o actual governo.

Sr. presidente, voltemos á questão.

Hontem. referi-me a uma carta publicada nos jornaes, em que um cidadão declarava que tinha sido alliciado por um dos srs. ministros para fazer barulho no meeting, a fim delle não produzir effeito.

Ainda não vi que esse facto fosse desmentido; ainda não vi que o governo se justificasse e desse explicações.

Não conheço o auctor da carta; não sei quem é; sei apenas que é um cidadão, e que a sua declaração vem assignada e reconhecida.

Apresentando-se uma asserção de tal gravidade, tão clara, tão positiva, cumpria ao governo e á sua imprensa desmentil-a immediatamente e proceder contra o calumniador, se acaso o fosse. Não me consta que se empregasse nenhum d’estes meios. O que vejo, pelo contrario, é que o governo e a sua imprensa, ao mesmo tempo que condemnam o partido monarchico que livremente pretendia manifestar a sua opinião, não ha elogio que não façam ao partido anti-dynastico, o qual, se porventura tem. crescido e tomado um vulto tão grande em Lisboa, é porque effectivamente o partido progressista lhe deu apoio quando estava na opposição e lh’o dá agora no governo. Foi este governo que fez

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com que elle afirmasse a sua existencia n’este paiz como partido.

Esta é a verdade. Podia adduzir muitos argumentes em favor d’esta asserção e contar varios factos a esse respeito, porque os presenciei; mas não o farei n’esta occasião, posto que convenha que toda a gente os conheça, e que saiba ao mesmo tempo que as pessoas que auxiliaram a arruaça no meeting de S. Carlos eram affectas ao governo.

Ao partido republicano, aos seus adeptos de boa fé, de profunda convicção e de inteireza nos seus principios, direi que se illudem ácerca da conveniencia da republica em Portugal; que se tivéssemos a infelicidade do a ver aqui implantada, breve perderiamos a nossa autonomia, e seriamos annexados á Hespanha.

A republica em Portugal é correlativa da annexação á Hespanha. O verdadeiro portuguez nunca o póde querer. Pense o povo bem n’isto, e creia que os que lhe dizem o contrario o illudem.

É necessario dizer estas verdades ao povo, que ama o seu paiz, e que tem sido illudido constantemente. E eu posso de cabeça erguida dizer-lhe estas verdades, porque nunca especulei com os governos, a na minha vida publica tenho constantemente pugnado pelos interesses do meu paiz sem nunca pedir nem querer cousa alguma para ruim. (Apoiados.)

Se, porventura, tivermos a infelicidade de ver implantar a republica em Portugal, podemos contar que desde esse momento a nossa autonomia e a nossa independencia terão desapparecido; deixaremos de ser portuguezes para nos tornarmos hespanhoes. (Muitos apoiados.}

Esta é que é a verdade; estejam certos d’isso os srs. republicanos. É necessario dizer a verdade toda inteira, e eu nunca me recuso a dizei-a com todo o desassombro, embora não agrade. É este é meu dever, nunca adulei o povo, nem o farei jamais; prefiro o seu desagrado a faltar-lhe á verdade.

Aquelles que são verdadeiros amigos do paiz, e da nossa nacionalidade; aquelles que prezara verdadeiramente a independencia da patria, não se devem deixar illudir com certas miragens, que podem dar logar a uma aspirado cajá realisação seria de funestas consequencias, das quaes uma das primeiras e das mais graves seria a annexação á Hespanha como resultado immediato do estabelecimento da republica em Portugal.

E haverá algum portuguez tão degenerado que queira perder a sua nacionalidade, e que se não lembre dos oppressores de Hespanha e da escravidão? (Apoiados.)

Eu pela minha parte direi — nasci portuguez, e quero morrer portuguez. — (Vozes:—Muito bem.)

Sr. presidente, quero a liberdade juntamente com a ordem, e não creio que haja paiz no inundo onde se gose mais liberdade do que em Portugal. (Apoiados.)

Quero Portugal livre e independente; quero Portugal afirmando a sua gloriosa autonomia entre as nações da Europa; não quero jamais ser hespanhol. (Apoiados.)

A proclamação da republica seria a proclamação da escravidão em Portugal. A historia dá-nos documento eloquente do quanto soffremos outr’ora quando estivemos sob o jugo da nossa vizinha Hespanha.

Durante esses ominosos tempos em que vivemos aviltados e opprimidos, perdemos as mais preciosas jóias da corôa portuguez a.

A Inglaterra possue hoje as nossas melhores e mais ricas colonias.

Sr. presidente, nem eu quero lembrar-mo do muito que soffremos, nem abrir de novo essas feridas que ainda hoje sangram. Voltarei, pois á questão dos meetings, o afirmarei que foi o governo quem promoveu as desordens; que, ligando-se e dando força aos republicanos, desacredita a monarchia e os partidos que a sustentam; e que a sua ligação e combinação com os republicanos foi clara e manifesta, como se evidencia das arruaças, das vozearias, dos gritos que empregados do governo, misturados com os republicanos, soltavam em S. Carlos para fazer abortar o meeting; que começados os tumultos, pelo governo fomentados, foi o proprio que mandou acutilar o povo inerme, que não tinha culpa e que da melhor boa fé percorria as das da capital no exercicio pleno ao seu direito.

O procedimento do governo é altamente censuravel, porque não cumpriu o seu juramento, fazendo manter a constituição, e respeitar a monarchia. O procedimento do governo, mandando acutilar o povo inerme, é altamente censuravel, porque não fez as intimações do estylo que a lei exige.

Sr. presidente, custa a crer, mas é a verdade; nesta lastimavel manifestação, até os soldados da municipal, sem fazerem caso das ordens, nem attenderem á disciplina, saíram da forma para acutilar o povo!

Este triste acontecimento é um mau symptoma. Quando a anarchia e a indisciplina invadem a guarda municipal, que tem servido de modelo, revela que o mal tem feito lá grandes progressos.

Sr. presidente, eu fui testemunha presencial, assisti ás scenas que se deram no Chiado, e vi com os meus proprios olhos os soldados furiosos perseguirem os cidadãos indefezos, vi os cavallarias perseguil-os até pelos passeios, dando-lhes pranchadas, apesar de se retirarem e de fugirem. Perguntarei, pois, ao governo será isto manter a ordem, e sustentar os bons principios?

Estes é que são os factos, esta é que é a politica do governo, centra a qual não posso deixar de me pronunciar da fórma por que o fiz.

Disse a verdade como costumo sempre fazer; e appellando para a consciencia dos srs. ministros, pergunto-lhes se não voem que a opinião publica lhes é adversa; que as suas manifestações começam a fazer-se sentir por todas as formas e modos, não podendo mesmo o governo, apesar de apparato bellico o da immensa policia, impedi: as expansões espontaneas das galerias!

O momento psycologico de deixarem aquellas cadeiras chegou, e se não vêem a onda revolucionaria, a vaga embravecida que vae crescendo, e se estão tão obcecados que não ouvem os clamores geraes, que se expandem de um ao outro angulo do paiz, talvez seja tarde quando quizerem pôr um dique á torrente caudal que se despenha, e que esmagará no seu percurso o governo e as instituições.

O sr. Pereira Dias: — Não vê o governo representando o seu partido, vê que se trata de uma questão que é de ordem publica, que interessa a todos os governos e ao paiz principalmente.

Por mais que queiram disfarçar a moção do sr. Barjona, ella é uma censura ao governo por ter sustentado a ordem publica.

Qual é o resultado de uma votação de censura n’estas circumstancias?

Alludiu ao que se passou em Coimbra ha quatro ou cinco annos com os estudantes chamados caloiros, que não queriam ser examinados por certos professores, e que foram victimas de uma carga de cavallaria e de uma descarga de fuzilaria, de que resultou uma morte e varios ferimentos graves.

Disse que a anarchia que vae no paiz corresponde á que vae em certos partidos contra a vontade dos chefes.

A culpa do que está acontecendo não é d’este governo, é de todos os governos e de todos os homens politicos.

Deseja que se liquidem as responsabilidades, para que se saiba quem promove a ruina das instituições; e lembra que o sr. Vaz Preto já accusava o governo transacto d’este mesmo crime.

Como désse a hora, pediu para ficar com a palavra reservada.

(O discurso de s. exa. será publicado guando o devolver.)

O sr. Presidente: — A primeira sessão será na pro-

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xima sexta feira, e a ordem do dia a mesma que estava dada para, hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 16 de março de 1881

Exmos. srs.: Vicente Ferrer Neto de Paiva, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Arcebispo de Évora; Condes, dos Arcos, de Avillez, de Bertiandos, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Linhares, de Podentes, da Ribeira Grande, da Torre, de Valbom; Bispos, de Bragança, de Vizeu; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, da Gandarinha, de S. Januario, das Laranjeiras, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, de Valmor, de Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Antonio Machado, Barros e Sá, Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Andrade Corvo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Raposo do Amaral, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Matoso, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Pereira Dias, Franzini, Canto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Seiça e Almeida.

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