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436 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O facto não se. pode explicar por deficiencia de qualidades de orador, por deficiencia de temperamento ou de palavra; por isso, tenho de ir buscar a explicação ás especialissimas dificuldades de que o actual momento politico está eriçado para o chefe da situação.

O Sr. Presidente do Conselho tem, desde o inicio da actual sessão parlamentar, incorrido numa serie de faltas que fizeram mais do que abalar o seu prestigio politico: determinaram aquillo que se pode chamar uma liquidação da actual situação ministerial.

O chefe do Governo começou por trazer, voluntariamente, ao debate d'esta casa do Parlamento as cartas de El-Rei para, em seguida, assumir uma attitude inteiramente contraria á apreciação e discussão d'essas cartas.

S. Exa., que foi quem aqui as trouxe, que fui quem aconselhou ao Chefe do Estado o seu envio ás Camaras, a breve trecho suspendeu essa resolução contradizendo se deante de nós todos e levando os seus amigos politicos, tanto sectarios como colligados progressistas, á representação de uma acena parlamentar que constituo por certo - uma das maiores arbitrariedades de que foi ainda victima o Parlamento Portuguez.

Qualquer homem publico, ainda que não tivesse as responsabilidades do poder, sairia d'este lance com o seu prestigio politico profundamente abalado; qualquer Ministro da Coroa, ainda que não tivesse a honra de occupar a Presidencia do Conselho, não poderia, depois dirão, conservar-se por mais vinte e quatro horas sequer no Ministerio; mas um chefe de Governo que leva, pelo seu conselho, o mais alto magistrado da nação á pratica de um acto que alguns dias depois contradita com a sua attitude conduzindo a Camara toda a uma manifestação anti-constitucional, fica para sempre julgado na historia politica portugueza, perde absolutamente a autoridade governativa para o resto da sua vida ministerial, que nada mais pode significar do que a agonia do Governo a que preside e a agonia do partido a que pertence.

Mas ha mais: o Sr. Presidente do Conselho, por um arranco do seu tem peramento impulsivo, declarou voluntariamente e propositalmente, na Camara dos Senhores Deputados, ao Parlamento e ao país, que existiam adeantamentos illegaes feitos á Casa Real.

Ninguem lhe pediu tal declaração, ninguem a ella o forçou. Foi S. Exa., chefe de um Governo monarchico, que voluntaria e propositalmente veio declarar ás Côrtes tal facto, dando ensejo a que eu me referisse não só á singularidade da declaração ministerial, mas a uma outra declaração, que para mim revestia maior gravidade e importancia, qual é a do Governo ter avocado a si a opportunidade de vir dar claras explicações á Camara, considerando como um acto exclusivo do Governo a determinação do momento em que devia esclarecer completamente o Parlamento e o país.

Repito, eu tive occasião de me referir aqui a essa singularissima declaração e, vendo que os meus esforços junto da teimosia presidencial eram por completo inefficazes, fui forçado a recorrer ás declarações de tres pessoas, unicas neste país que poderiam substituir a falta de procedimento immediato por parte do chefe da situação.

Voltei me então para os ex-Presidentes de Conselho - ainda hoje vivos, felizmente - das differentes situações politicas desde o advento do actual Monarcha ao throno, e a S. Exas. pedi que, remediando assim uma falta inexplicavel do Sr. Presidente do Conselho, dissessem á Camara o que na verdade representava a declaração presidencial.

V. Exa. viu, como eu vi, e todos os meus collegas viram, levantar-se o Sr. Hintze Ribeiro e contrariar formalmente a declaração do chefe do Governo; sentar-se S. Exa., levantar-se em seguida o Sr. José Luciano de Castro e elle, o colligado liberal, o chefe do partido progressista que representa a situação actual, contrariar formalmente a declaração do Governo; em terceiro logar, o Sr. José Dias Ferreira, seguindo o procedimento adoptado pelos dois oradores que o tinham precedido, contrariar formalmente a declaração do Sr. Presidente do Conselho.

No fim d'essa sessão, tristemente memoravel, levantei-me eu e fazendo a resenha dos extraordinarios acontecimentos a que nesse dia assistimos, ponderei, nos termos mais correctos, pela forma mais conveniente, sem que a minha palavra contivesse a mais pequena parcella de acrimonia para com o chefe da situação, que sendo S. Exa. um homem de bem e existindo uma absoluta contradicção entre as declarações do Governo e as declarações feitas pelos tres Dignos Pares ex-Presidentes de Conselho, ponderei, dizia, a absoluta necessidade de que alguma coisa se dissesse á Camara que mostrasse de que lado estava a verdade dos factos, e se porventura se tinha dado o facto espantoso de terem partido da boca de um chefe do Governo, em um assumpto tão melindroso, quaesquer affirmações inexactas.

O que succedeu?

Foi que o Sr. Presidente do Conselho, levantando se para responder sobre qualquer outro assumpto, que fora tratado por algum dos meus illustres collegas, não teve, em relação ao momentoso assumpto da minha accusação, que é o que nesta hora mais preoccupa a attenção não só do Parlamento mas de todo o país, não teve senão esta simples e ambigua phrase: - Os documentos virão á Camara quando ella estiver em condições de poder apreciar a verdade dos factos.

Se isto significava uma maneira indirecta de responder aos tres antigos Presidentes de Conselho, que tinham falado sobre a questão, admiro-me de que na oratoria altiva, orgulhosa e energica do Sr. Presidente do Conselho não tivesse havido nesse momento uma forma mais severa e vigorosa de falar: o que pode fazer perceber que porventura as palavras de S. Exa. não significavam outra cousa mais do que o reconhecimento da verdade das declarações que d'este lado da Camara tinham partido.

Posteriormente, o Sr. general Baracho, com o profundo conhecimento e competencia que S. Exa. põe em todos os assumptos de que .trata, versou esta delicada questão, dirigindo-se pessoal e directamente ao chefe do Governo. Quasi no meio do discurso do Digno Par, o Sr. Presidente do Conselho levanta-se e sae pela porta fora, entregando a sua defesa ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que effectivamente se ergue para responder, mas, quando chega ao ponto fundamental, não sei que palavras emprega que deixa a Camara sob a impressão de que dois ou tres periodos se tinham produzido para evitar uma resposta concreta.

Depois d'isso nunca mais tivemos o prazer de ver o Sr. Presidente do Conselho e de o ouvir; nunca mais tivemos ensejo de lhe pedir uma explicação, directa e cabal, sobre a antinomia das declarações categoricamente feitas pelos Srs. Hintze Ribeiro, José Luciano de Castro e José Dias Ferreira, e a vaga declaração que S. Exa. fez na outra casa do Parlamento, de que illegaes adeantamentos haviam sido feitos á Corôa.

V. Exa. vê o cuidado com que procuro evitar as palavras que podia empregar, quando me refiro aos termos claros, positivos e simples em que essa declaração foi contrariada por aquelles tres chefes de situações transactas. Pergunto a V. Exa., sem exagero de palavras, serenamente, como é crivei, verosimil e possivel que o Sr. Presidente do Conselho, que foi accusado publicamente de dizer inexactidões sobre tal assumpto, occupe ainda o seu logar?

É preciso que os costumes politicos estejam muito abastardados, é preciso que a energia politica, sobretudo dentro das duas casas do Parlamento, onde tanto se tem evidenciado n'estes ultimos annos, haja chegado a uma decadencia atrophiadora para que se comprehenda que um homem de Estado venha ao Parlamento, publicamente, fa-