438 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Apesar d'esta resposta, pedi copia dos documentos relativos ao assumpto, e só depois de cá os ter é que poderei ajuizar melhor.
O que posso affirmar ao Digno Par é que nenhuma reclamação ha contra o nosso representante n'aquella republica, e que continuamos a manter as melhores relações de cordialidade com o seu Governo.
O outro ponto a que o Digno Par se referiu diz respeito ao tratado de commercio com a Inglaterra.
Responderei a S. Exa. que effectivamente se está negociando um tratado de commercio com a Inglaterra, mas é unicamente para transacções entre metropole e a Gran Bretanha.
Não abrange as nossas colonias.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Sebastião Baracho: - Agradeço a resposta do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.
O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa um requerimento do Sr. Francisco Alexandre Rodrigues de Castro, major reformado do exercito ultramarino, pedindo que lhe seja applicada a melhoria de vencimentos consignada no projecto de lei respeitante ao soldo dos officiaes do exercito da metropole e da armada.
O Sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa um requerimento do Sr. Joaquim José Monteiro Liborio, no mesmo sentido d'aquelle que acaba de apresentar o Digno Par Sr. Francisco José Machado.
O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Tem a palavra o Digno Par Sr. Campos Henriques.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa
O Sr. Campos Henriques: - O debate vae muito adeantado: n'elle teem tomado parte oradores de todos os lados da Camara e eu não usaria da palavra n'este momento se não entendesse que é dever de todos os homens publicos dar conta dos seus actos e explicar o seu procedimento por uma forma bem clara, para que não possa ficar no espirito de ninguem a sombra de uma duvida. Alem d'isso as circumstancias são bastante graves para que todos os homens publicos, que teem responsabilidades, patenteiem á evidencia qual o seu modo de pensar e de sentir.
(Entra na sala o Sr. Presidente do Conselho, Ministro do Reino).
Estas considerações, e unicamente estas, me determinaram a pedir a palavra e usar d'ella n'este momento.
Não me anima o proposito de ser pessoalmente desagradavel a qualquer dos Srs. Ministros.
Prendem-me a alguns d'elles, e especialmente ao Sr. Presidente do Conselho, velhas, antigas, inalteraveis relações de amizade, que não posso esquecer.
Não é tambem meu desejo fazer accusações a qualquer d'elles.
Desnecessario se torna dizer que não pretendo, não tenho a louca pretensão de derrubar o actual Governo, e se nas minhas mãos estivesse arrancar das cadeiras do Governo os Srs. Ministros, eu não o fazia, sinceramente o confesso, porque entendo que a situação a que preside o Sr. Conselheiro João Franco se deve conservar no poder até que ou ella realize o seu programma, cumpra as suas promessas, faça cousas uteis para o paiz, se as pode fazer, ou no espirito publico se radique a convicção de que o Sr. João Franco, apesar de tudo, não faz tanto, nem mais, nem melhor, do que fizeram os seus antecessores.
Dito isto, vou entrar propriamente na ordem de considerações para que pedi a palavra.
O actual Governo, saido de um agrupamento politico que percorreu o país em todas as direcções, com o Sr. João Franco á frente, apregoando os erros dos seus adversarios, os actos de má administração por elles praticados e ao mesmo tempo apresentando o seu programma e fazendo propaganda dos proprios merecimentos e virtudes, apenas chegou ao poder publicou, animado dos mesmos propositos, o decreto de 15 de junho ultimo, no qual se fazem accusa coes gravissimas a todas as situações passadas.
Entre elles vem a seguinte:
"Ao lado das gratificações, abonos e outras remunerações arbitradas por simples despachos ministeriaes, encontram-se na administração publica vencimentos de numerosos individuos - uns em situações onerosas para o Estado e de difficil regularização immediata, como succede com os juizes e delegados sem exercicio mas com vencimento, que hoje custam mais de 106 contos de réis annuaes; outros cujos logares e nomeações podem soffrer contestação de legalidade".
Sr. Presidente: quando li esta accusação, tomei-me de verdadeiro pasmo profunda tristeza.
Tenho que me dirigir ao Sr. Ministro da Justiça.
Sinto profundamente que S. Exa. não esteja presente, mas devo declarar á Camara que cumpri o dever de prevenir S. Exa. de que trataria assumptos relativos á pasta da Justiça.
Decerto S. Exa. não está aqui porque os seus deveres o reclamam n'outra parte, mas V. Exa. e a Camara comprehendem que eu não posso deixar de occupar-me de assumptos que dizem respeito a uma pasta que tive a honra de gerir, para levantar accusações, de todo o ponto injustificadas e inadmissiveis, aos Ministros anteriores da pasta da Justiça, mas injustificaveis e condemnaveis perante a respeitavel classe da magistratura judicial, a que tenho a honra de pertencer.
Dizia eu, Sr. Presidente, que, quando li tão graves accusações, tive uma impressão de verdadeiro assombro e de profunda tristeza.
Assombrei-me de que isto estivesse escripto, e a mim mesmo perguntava como é que, sendo eu magistrado judicial ha perto de trinta annos, não tendo sido nunca outra cousa, nem desejando vir a sê-lo, como é que eu, pertencendo a esta classe tão respeitavel e tão respeitada, não sabia que alguns magistrados auferiam illegalmente 106 contos de réis por anno.
Tomava-me de assombro e perguntava a mim mesmo quaes eram esses funccionarios da magistratura judiciai, para entrar para a qual é quasi preciso fazer voto de pobreza, quaes eram esses funccionarios, repito, que á custa do Thesouro recebiam 106 contos de réis cada anno por uma forma tão illegal?!
E ao mesmo tempo tomava-me de profunda tristeza por, tendo gerido a pasta da Justiça tres vezes e durante mais de quatro annos seguidos, não ter descoberto tal immoralidade, não ter evitado esses abusos, pois que tambem desejo comprir os meus logares dignamente, e servir o meu paiz com brio e com honra.
Pensei, Sr. Presidente, reflectidamente, sobre tão grave accusação, mas pouco a pouco a luz foi-se fazendo no meu espirito, e eu convenci me de que essas graves arguições, assim lançadas ao papel, e n'um diploma official, pelo Sr. Ministro da Justiça, eram absolutamente inexactas, eram de todo o ponto injustificaveis.
S. Exa., quero-lhe fazer essa justiça, não lançou n'este diploma tão graves accusações com a intenção de desacreditar os seus adversarios; menos poderia ser com o intuito de desacreditar a magistratura judicial, á qual classe o Governo já tem rendido os mais rasgados e devidos elogios.
Promette-lhe, n'este diploma que discutimos, melhorar as condições da sua independencia e o Sr. Presidente do Conselho de Ministros não só lhe quer confiar a elaboração do recenseamento politico e outros actos eleitoraes, mas até o julgamento dos crimes commettidos pelos Ministros de Estado.