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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REino

SESSÃO N.° 54

EM 30 DE NOVEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente: Telegramma da Camara de Vouzella, relativo ao caminho de ferro do Valle do Vouga e um officio do Ministerio da Marinha com documentos. - O Digno Par João Arroyo refere-se á questão dos adeantamentos á Casa Real. Responde-lhe o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que tambem dá explicações ao Digno Par Sebastião Baracho sobre as perguntas que lhe dirigira na sessão anterior. - Os Dignos Pares Avellar Machado e Francisco Machado apresentam requerimentos de officiaes reformados do exercito ultramarino pedindo melhoria de vencimentos.

Ordem do dia (Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa). - Usam da palavra o Digno Par Campos Henriques, o Sr. Presidente do Conselho, e o Digno Par Wenceslau de Lima, que não conclue as suas considerações. - O Digno Par Almeida Garrett requer documentos relativos á questão municipal da Covilhã. - O Digno Par Hintze Ribeiro refere-se a essa mesma questão, bem como aos acontecimentos de Monforte da Beira e aos abusos de liberdade de imprensa. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. Novamente se trocam explicações entre os dois oradores acêrca d'aquelles abusos. Como o Digno Par Hintze Ribeiro peça ainda a palavra sobre este assumpto, o Sr. Presidente consulta a Camara sobre se quer que no final das sessões continue a conceder-se a palavra aos Dignos Pares. A Camara resolve negativamente quanto ao futuro, mas permitte que na sessão de hoje fale ainda o Digno Par Hintze Ribeiro.-Usa, portanto, da palavra este Digno Par. - Em seguida o Sr. Presidente levanta a sessão.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 26 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Telegramma. - Vouzella, 30. - Camara Municipal de Vouzella associa-se com maximo empenho ao pedido camaras região servida pelo importantissimo caminho ferro Valle Vouga, solicitando valiosa protecção V. Exa. para que respectivo projecto seja votado possivel urgencia. = Presidente, Guilherme Coutinho.

Officio do Ministerio da Marinha acompanhando documentos requeridos pelo Digno Par Sebastião Baracho.

O Sr. Presidente: - Acha-se inscripto o Digno Par Sr. Arroyo, que desejava falar quando estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho. Se o Digno Par quer usar da palavra mesmo na ausencia de S. Exa., pode fazê-lo.

O Sr. João Arroyo: - Sim, senhor.

Vou usar da palavra que V. Exa. me concede, mesmo na ausencia do Sr. Presidente do Conselho.

Sr. Presidente: - Ha já uns dias que eu pedi a palavra a V. Exa. para antes da ordem do dia, quando estivesse presente o chefe do Governo; mas a verdade é que não tenho tido o prazer de ver S. Exa. dentro d'esta sala, e como desejo fazer algumas considerações sobre o estado actual da situação politica, não posso estar indefinidamente á espera de S. Exa.

Portanto, resolvi tomar a palavra. Não está presente o Sr. Presidente do Conselho, mas está representado o Governo.

Sr. Presidente: parece-me que os ultimos acontecimentos não teem sido de feição a trazer ao espirito do Sr. Presidente do Conselho um estado tranquillo. Parece que os mais accesos defensores de S. Exa. não se atrevem a approximar-se-lhe. Parece que a chusma de pretendentes que cerca S. Exa. se limita a parar defronte da sua casa e não entra com receio do mau humor do chefe do Governo. Parece que nas fileiras governamentaes paira uma atmosphera de verdadeiro terror.

O Sr. João Franco está afastado d'esta casa do Parlamento; mas o Governo acha se representado. Portanto, eu vou dizer á Camara e ao Governo o que desejava dizer na presença do Sr. Presidente do Conselho. E espero que algum dos Srs. Ministros se dignará communicar a S. Exa. as considerações que vou fazer, e que de modo algum poderão melindrar pessoalmente o chefe do Governo.

Nós estamos num principio de sessão, falando mui pacatamente, e apreciando os actos do Governo sem o menor exagero.

Sr. Presidente: não ha duvida que, se alguma qualidade verdadeiramente notavel e indiscutivel tem o Sr. Presidente do Conselho, é o amor aos debates parlamentares e - mais que desejo ardente - indomavel furia de palavra no exercicio do seu direito de defesa. Se alguma qualidade orna a figura parlamentar do Sr. Presidente do Conselho, é, por certo, a maneira vehemente como S. Exa. se defende das arguições que lhe fazem e a pressa que tem de falar, sempre que é atacado em qualquer dos seus actos politicos.

Como se explica, portanto, o retrahimento de S. Exa. á ultima hora?

Como se explica que, de algumas sessões para cá, o Sr. João Franao se conserve ininterruptamente alheio aos debates parlamentares e não nos dê o prazer da sua presença aqui?

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O facto não se. pode explicar por deficiencia de qualidades de orador, por deficiencia de temperamento ou de palavra; por isso, tenho de ir buscar a explicação ás especialissimas dificuldades de que o actual momento politico está eriçado para o chefe da situação.

O Sr. Presidente do Conselho tem, desde o inicio da actual sessão parlamentar, incorrido numa serie de faltas que fizeram mais do que abalar o seu prestigio politico: determinaram aquillo que se pode chamar uma liquidação da actual situação ministerial.

O chefe do Governo começou por trazer, voluntariamente, ao debate d'esta casa do Parlamento as cartas de El-Rei para, em seguida, assumir uma attitude inteiramente contraria á apreciação e discussão d'essas cartas.

S. Exa., que foi quem aqui as trouxe, que fui quem aconselhou ao Chefe do Estado o seu envio ás Camaras, a breve trecho suspendeu essa resolução contradizendo se deante de nós todos e levando os seus amigos politicos, tanto sectarios como colligados progressistas, á representação de uma acena parlamentar que constituo por certo - uma das maiores arbitrariedades de que foi ainda victima o Parlamento Portuguez.

Qualquer homem publico, ainda que não tivesse as responsabilidades do poder, sairia d'este lance com o seu prestigio politico profundamente abalado; qualquer Ministro da Coroa, ainda que não tivesse a honra de occupar a Presidencia do Conselho, não poderia, depois dirão, conservar-se por mais vinte e quatro horas sequer no Ministerio; mas um chefe de Governo que leva, pelo seu conselho, o mais alto magistrado da nação á pratica de um acto que alguns dias depois contradita com a sua attitude conduzindo a Camara toda a uma manifestação anti-constitucional, fica para sempre julgado na historia politica portugueza, perde absolutamente a autoridade governativa para o resto da sua vida ministerial, que nada mais pode significar do que a agonia do Governo a que preside e a agonia do partido a que pertence.

Mas ha mais: o Sr. Presidente do Conselho, por um arranco do seu tem peramento impulsivo, declarou voluntariamente e propositalmente, na Camara dos Senhores Deputados, ao Parlamento e ao país, que existiam adeantamentos illegaes feitos á Casa Real.

Ninguem lhe pediu tal declaração, ninguem a ella o forçou. Foi S. Exa., chefe de um Governo monarchico, que voluntaria e propositalmente veio declarar ás Côrtes tal facto, dando ensejo a que eu me referisse não só á singularidade da declaração ministerial, mas a uma outra declaração, que para mim revestia maior gravidade e importancia, qual é a do Governo ter avocado a si a opportunidade de vir dar claras explicações á Camara, considerando como um acto exclusivo do Governo a determinação do momento em que devia esclarecer completamente o Parlamento e o país.

Repito, eu tive occasião de me referir aqui a essa singularissima declaração e, vendo que os meus esforços junto da teimosia presidencial eram por completo inefficazes, fui forçado a recorrer ás declarações de tres pessoas, unicas neste país que poderiam substituir a falta de procedimento immediato por parte do chefe da situação.

Voltei me então para os ex-Presidentes de Conselho - ainda hoje vivos, felizmente - das differentes situações politicas desde o advento do actual Monarcha ao throno, e a S. Exas. pedi que, remediando assim uma falta inexplicavel do Sr. Presidente do Conselho, dissessem á Camara o que na verdade representava a declaração presidencial.

V. Exa. viu, como eu vi, e todos os meus collegas viram, levantar-se o Sr. Hintze Ribeiro e contrariar formalmente a declaração do chefe do Governo; sentar-se S. Exa., levantar-se em seguida o Sr. José Luciano de Castro e elle, o colligado liberal, o chefe do partido progressista que representa a situação actual, contrariar formalmente a declaração do Governo; em terceiro logar, o Sr. José Dias Ferreira, seguindo o procedimento adoptado pelos dois oradores que o tinham precedido, contrariar formalmente a declaração do Sr. Presidente do Conselho.

No fim d'essa sessão, tristemente memoravel, levantei-me eu e fazendo a resenha dos extraordinarios acontecimentos a que nesse dia assistimos, ponderei, nos termos mais correctos, pela forma mais conveniente, sem que a minha palavra contivesse a mais pequena parcella de acrimonia para com o chefe da situação, que sendo S. Exa. um homem de bem e existindo uma absoluta contradicção entre as declarações do Governo e as declarações feitas pelos tres Dignos Pares ex-Presidentes de Conselho, ponderei, dizia, a absoluta necessidade de que alguma coisa se dissesse á Camara que mostrasse de que lado estava a verdade dos factos, e se porventura se tinha dado o facto espantoso de terem partido da boca de um chefe do Governo, em um assumpto tão melindroso, quaesquer affirmações inexactas.

O que succedeu?

Foi que o Sr. Presidente do Conselho, levantando se para responder sobre qualquer outro assumpto, que fora tratado por algum dos meus illustres collegas, não teve, em relação ao momentoso assumpto da minha accusação, que é o que nesta hora mais preoccupa a attenção não só do Parlamento mas de todo o país, não teve senão esta simples e ambigua phrase: - Os documentos virão á Camara quando ella estiver em condições de poder apreciar a verdade dos factos.

Se isto significava uma maneira indirecta de responder aos tres antigos Presidentes de Conselho, que tinham falado sobre a questão, admiro-me de que na oratoria altiva, orgulhosa e energica do Sr. Presidente do Conselho não tivesse havido nesse momento uma forma mais severa e vigorosa de falar: o que pode fazer perceber que porventura as palavras de S. Exa. não significavam outra cousa mais do que o reconhecimento da verdade das declarações que d'este lado da Camara tinham partido.

Posteriormente, o Sr. general Baracho, com o profundo conhecimento e competencia que S. Exa. põe em todos os assumptos de que .trata, versou esta delicada questão, dirigindo-se pessoal e directamente ao chefe do Governo. Quasi no meio do discurso do Digno Par, o Sr. Presidente do Conselho levanta-se e sae pela porta fora, entregando a sua defesa ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que effectivamente se ergue para responder, mas, quando chega ao ponto fundamental, não sei que palavras emprega que deixa a Camara sob a impressão de que dois ou tres periodos se tinham produzido para evitar uma resposta concreta.

Depois d'isso nunca mais tivemos o prazer de ver o Sr. Presidente do Conselho e de o ouvir; nunca mais tivemos ensejo de lhe pedir uma explicação, directa e cabal, sobre a antinomia das declarações categoricamente feitas pelos Srs. Hintze Ribeiro, José Luciano de Castro e José Dias Ferreira, e a vaga declaração que S. Exa. fez na outra casa do Parlamento, de que illegaes adeantamentos haviam sido feitos á Corôa.

V. Exa. vê o cuidado com que procuro evitar as palavras que podia empregar, quando me refiro aos termos claros, positivos e simples em que essa declaração foi contrariada por aquelles tres chefes de situações transactas. Pergunto a V. Exa., sem exagero de palavras, serenamente, como é crivei, verosimil e possivel que o Sr. Presidente do Conselho, que foi accusado publicamente de dizer inexactidões sobre tal assumpto, occupe ainda o seu logar?

É preciso que os costumes politicos estejam muito abastardados, é preciso que a energia politica, sobretudo dentro das duas casas do Parlamento, onde tanto se tem evidenciado n'estes ultimos annos, haja chegado a uma decadencia atrophiadora para que se comprehenda que um homem de Estado venha ao Parlamento, publicamente, fa-

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zer declarações, que foram classificadas de inexactas, e que este homem continue, um só dia que seja, á frente do Governo!

Sr. Presidente: o Sr. João Franco pretende acobertar-se atrás da declaração de que o Augusto Chefe do Estado está de accordo com S. Exa. em tal procedimento.

Eu não posso deixar de protestar contra estas palavras do chefe do Governo.

Em primeiro logar, é de plena evidencia que o Chefe do Estado está sempre de accordo com o chefe do Governo, porque, não estando, demitte-o.

Em segundo logar, eu, que pugno pelas regalias politicas do Chefe da Nação estabelecidas na Carta Constitucional da Monarchia, volto-me para V. Exa. 8, esperando da sua imparcialidade de homem publico que, se estas estranhas, palavras forem repetidas aqui, V. Exa., usando da mesma attitude que tem usado para commigo, faça entrar na ordem o Sr. Presidente do Conselho. Quem descobre a Coroa é elle, quem a deixa n'uma posição difficil, dando logar a que possa suppor-se que da parte do Chefe do Estado houve qualquer indicação a proposito do adiamento d'esta questão, o que representa uma leviandade do chefe do Governo, é elle, é só elle, é sempre elle. (Apoiados).

Agora, outro aspecto da questão: o Sr. Presidente do Conselho declarou que reservava para o Governo a opportunidade de trazer á Camara os documentos.

Eu declaro a V. Exa. que Portugal não pode consentir esta situação, não pode ver o seu Rei arrastado aos pés de um chefe de Governo, que tendo no bolso a nota dos adeantamentos feitos á Casa Real, a que elle chamou illegaes, conserva o representante supremo da nação n'uma attitude de subserviente dependencia. (Apoiados).

Eu não posso consentir que um Governo, tendo vindo propositadamente accusar a Coroa, collocando-a em situação melindrosa, não avance immediatamente para uma situação honrosa e prompta, e, pelo contrario, vá adiando indefinidamente o momento d'essa liquidação; não posso consentir que um Governo, fazendo de uma nota de adeantamentos uma especie de espada de Damocles, ameace fazê-la cair sobre o Poder Real quando isso lhe convenha. (Apoiados).

Esta situação, esta attitude é, não só illegitima e illegal, mas, principal e absolutamente, inverosimil.

Dizia-se ha pouco, no mais acceso dos debates parlamentares, que era evidentemente preciso que a Coroa, symbolizando os mais altos poderes do Estado, pairasse n'uma atmosphera superior, e se conservasse impolluta na sua esphera de acção.

É realmente indispensavel que a Coroa viva desaffrontada, e que possa exercer livre e desafogadamente o seu direito; mas é preciso tambem que dentro d'esta casa, e no meio dos conflictos parlamentares, ninguem se julgue no direito de empecer essa alta posição da Corôa, valendo-se da situa-o desastrosa que lhe criou o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente: - Ê a hora de passarmos á ordem do dia.

O Orador: - Não faço mais considerações sobre o assumpto, visto ter-me dito V. Exa. que é preciso passar-se á ordem do dia.

V. Exa. com prebende a razão por que usei da palavra, mas viu tambem e, falando na ausencia do Sr. Presidente do Conselho, tive todo o cuidado em não empregar phrase ou palavra que significasse o mais pequenino aggravo pessoal a S. Exa..

Acceitei a palavra que V. Exa. se dignou conceder-me, porque não podia adiar, por um dia que fosse, as considerações que acabo de submetter á ponderação da Camara.

Havia uma contradicção flagrante entre a necessidade de referir-me ao assumpto, e o adiamento indefinido da occasião em que pudesse apresentar as minhas considerações.

Diz-me a consciencia que falei com toda a cautela, com toda a prudencia, tendo abonado tudo o que avancei com as declarações feitas pelos tres illustres homens de Estado que teem presidido ultimamente a situações politicas.

Diz-me a consciencia que me expressei cautelosamente; mas ella diz-me tambem que se esta situação continuar, dar-se-ha, não direi o enterro da Monarchia, porque é de suppor que não entre nos intuitos do Sr. Presidente do Conselho, ao menos por agora, preparar a sepultura das instituições; mas uma situação, cada vez mais aguda e perigosa, criada pela imprudencia, pela leviandade do Sr. Presidente do Conselho.

E o paiz precisa que o chefe do Governo tenha mais prudencia de palavra e tino de acção.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães): - Vim hoje à esta Camara especialmente para responder a perguntas do Digno Par Sr. Baracho.

Quando hontem recebi a communicação de que S. Exa. desejava o meu comparecimento, já era tarde e por isso só me apresento hoje.

Antes, porem, de responder ao Digno Par Sr. Baracho seja-me permittido declarar ao Digno Par Sr. Arroyo que transmittirei ao Sr. Presidente do Conselho as considerações que S. Exa. fer; e seja-me igualmente permittido dizer que se o chefe do Governo soubesse que Exa. desejava a sua presença n'esta sala, não deixaria de attender a essa solicitação, como não deixaria de assumir todas as responsabilidades que lhe competem.

Não me atrevo a falar em nome do Sr. Presidente do Conselho, que sabe defender-se, e muito bem, mas não posso deixar passar sem reparo, desde já, uma phrase que o Digno Par proferiu.

Immediatamente o faço, visto que o Sr. Arroyo acaba de usar da palavra, o Sr. Presidente do Conselho está ausente.

O Sr. João Arroyo: - Das palavras de V. Exa. poderia deprehender-se que eu tinha aproveitado intencionalmente a ausencia do Sr. Presidente do Conselho.

Devo declarar que ha tres ou quatro sessões eu, tendo tido a palavra, deixei de usar d'ella por não estar presente o Sr. Presidente do Conselho. Tomei esta precaução, precisamente para que essas observações não pudessem ter cabimento.

O Orador: - Não houve nas minhas palavras intuito algum de criticar os actos do Digno Par.

O Digno Par disse que o Sr. Presidente do Conselho havia recebido aqui um desmentido e que não tinha dado resposta.

O Sr. João Arroyo: - Eu não me servi d'essa expressão.

O Orador: - Perfeitamente, mas eu 3 que não posso deixar de repellir as palavras do Digno Par, que tiveram por fim insinuar que a Coroa está sob a pressão do Governo.

A Corôa não pode estar sob a pressão dos seus Ministros, uma vez que é ella que os nomeia e demitte livremente.

Dito isto passo a responder ao Digno Par Sr. Dantas Baracho, a respeito da noticia de um supposto conflicto entre o nosso Ministro na Republica Argentina e o Ministro dos Negocios Estrangeiros d'aquelle paiz.

Telegraphei ao Sr. Roque da Costa a pedir-lhe informações.

Foi-me respondido que tinha havido uma troca de explicações acêrca das carreiras de vapores entre a Europa e Buenos Aires, mas que n'essas explicações reinara sempre a maxima cordialidade.

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Apesar d'esta resposta, pedi copia dos documentos relativos ao assumpto, e só depois de cá os ter é que poderei ajuizar melhor.

O que posso affirmar ao Digno Par é que nenhuma reclamação ha contra o nosso representante n'aquella republica, e que continuamos a manter as melhores relações de cordialidade com o seu Governo.

O outro ponto a que o Digno Par se referiu diz respeito ao tratado de commercio com a Inglaterra.

Responderei a S. Exa. que effectivamente se está negociando um tratado de commercio com a Inglaterra, mas é unicamente para transacções entre metropole e a Gran Bretanha.

Não abrange as nossas colonias.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Agradeço a resposta do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa um requerimento do Sr. Francisco Alexandre Rodrigues de Castro, major reformado do exercito ultramarino, pedindo que lhe seja applicada a melhoria de vencimentos consignada no projecto de lei respeitante ao soldo dos officiaes do exercito da metropole e da armada.

O Sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa um requerimento do Sr. Joaquim José Monteiro Liborio, no mesmo sentido d'aquelle que acaba de apresentar o Digno Par Sr. Francisco José Machado.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Tem a palavra o Digno Par Sr. Campos Henriques.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. Campos Henriques: - O debate vae muito adeantado: n'elle teem tomado parte oradores de todos os lados da Camara e eu não usaria da palavra n'este momento se não entendesse que é dever de todos os homens publicos dar conta dos seus actos e explicar o seu procedimento por uma forma bem clara, para que não possa ficar no espirito de ninguem a sombra de uma duvida. Alem d'isso as circumstancias são bastante graves para que todos os homens publicos, que teem responsabilidades, patenteiem á evidencia qual o seu modo de pensar e de sentir.

(Entra na sala o Sr. Presidente do Conselho, Ministro do Reino).

Estas considerações, e unicamente estas, me determinaram a pedir a palavra e usar d'ella n'este momento.

Não me anima o proposito de ser pessoalmente desagradavel a qualquer dos Srs. Ministros.

Prendem-me a alguns d'elles, e especialmente ao Sr. Presidente do Conselho, velhas, antigas, inalteraveis relações de amizade, que não posso esquecer.

Não é tambem meu desejo fazer accusações a qualquer d'elles.

Desnecessario se torna dizer que não pretendo, não tenho a louca pretensão de derrubar o actual Governo, e se nas minhas mãos estivesse arrancar das cadeiras do Governo os Srs. Ministros, eu não o fazia, sinceramente o confesso, porque entendo que a situação a que preside o Sr. Conselheiro João Franco se deve conservar no poder até que ou ella realize o seu programma, cumpra as suas promessas, faça cousas uteis para o paiz, se as pode fazer, ou no espirito publico se radique a convicção de que o Sr. João Franco, apesar de tudo, não faz tanto, nem mais, nem melhor, do que fizeram os seus antecessores.

Dito isto, vou entrar propriamente na ordem de considerações para que pedi a palavra.

O actual Governo, saido de um agrupamento politico que percorreu o país em todas as direcções, com o Sr. João Franco á frente, apregoando os erros dos seus adversarios, os actos de má administração por elles praticados e ao mesmo tempo apresentando o seu programma e fazendo propaganda dos proprios merecimentos e virtudes, apenas chegou ao poder publicou, animado dos mesmos propositos, o decreto de 15 de junho ultimo, no qual se fazem accusa coes gravissimas a todas as situações passadas.

Entre elles vem a seguinte:

"Ao lado das gratificações, abonos e outras remunerações arbitradas por simples despachos ministeriaes, encontram-se na administração publica vencimentos de numerosos individuos - uns em situações onerosas para o Estado e de difficil regularização immediata, como succede com os juizes e delegados sem exercicio mas com vencimento, que hoje custam mais de 106 contos de réis annuaes; outros cujos logares e nomeações podem soffrer contestação de legalidade".

Sr. Presidente: quando li esta accusação, tomei-me de verdadeiro pasmo profunda tristeza.

Tenho que me dirigir ao Sr. Ministro da Justiça.

Sinto profundamente que S. Exa. não esteja presente, mas devo declarar á Camara que cumpri o dever de prevenir S. Exa. de que trataria assumptos relativos á pasta da Justiça.

Decerto S. Exa. não está aqui porque os seus deveres o reclamam n'outra parte, mas V. Exa. e a Camara comprehendem que eu não posso deixar de occupar-me de assumptos que dizem respeito a uma pasta que tive a honra de gerir, para levantar accusações, de todo o ponto injustificadas e inadmissiveis, aos Ministros anteriores da pasta da Justiça, mas injustificaveis e condemnaveis perante a respeitavel classe da magistratura judicial, a que tenho a honra de pertencer.

Dizia eu, Sr. Presidente, que, quando li tão graves accusações, tive uma impressão de verdadeiro assombro e de profunda tristeza.

Assombrei-me de que isto estivesse escripto, e a mim mesmo perguntava como é que, sendo eu magistrado judicial ha perto de trinta annos, não tendo sido nunca outra cousa, nem desejando vir a sê-lo, como é que eu, pertencendo a esta classe tão respeitavel e tão respeitada, não sabia que alguns magistrados auferiam illegalmente 106 contos de réis por anno.

Tomava-me de assombro e perguntava a mim mesmo quaes eram esses funccionarios da magistratura judiciai, para entrar para a qual é quasi preciso fazer voto de pobreza, quaes eram esses funccionarios, repito, que á custa do Thesouro recebiam 106 contos de réis cada anno por uma forma tão illegal?!

E ao mesmo tempo tomava-me de profunda tristeza por, tendo gerido a pasta da Justiça tres vezes e durante mais de quatro annos seguidos, não ter descoberto tal immoralidade, não ter evitado esses abusos, pois que tambem desejo comprir os meus logares dignamente, e servir o meu paiz com brio e com honra.

Pensei, Sr. Presidente, reflectidamente, sobre tão grave accusação, mas pouco a pouco a luz foi-se fazendo no meu espirito, e eu convenci me de que essas graves arguições, assim lançadas ao papel, e n'um diploma official, pelo Sr. Ministro da Justiça, eram absolutamente inexactas, eram de todo o ponto injustificaveis.

S. Exa., quero-lhe fazer essa justiça, não lançou n'este diploma tão graves accusações com a intenção de desacreditar os seus adversarios; menos poderia ser com o intuito de desacreditar a magistratura judicial, á qual classe o Governo já tem rendido os mais rasgados e devidos elogios.

Promette-lhe, n'este diploma que discutimos, melhorar as condições da sua independencia e o Sr. Presidente do Conselho de Ministros não só lhe quer confiar a elaboração do recenseamento politico e outros actos eleitoraes, mas até o julgamento dos crimes commettidos pelos Ministros de Estado.

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Creio pois que o Sr. Ministro da Justiça não o faria animado por aquelle sentimento.

S. Exa., arredado sem duvida ha muito annos dos trabalhos judiciaes e juridicos, não conhece perfeitamente os assumptos da sua pasta, nem a organização da magistratura judicial, e, vendo que no seu Ministerio havia um grande numero de magistrados na situação de inactividade temporaria sem exercicio, mas com vencimento, concluiu que elles estavam em condições onerosas para o Thesouro e recebiam illegalmente mais de 106 contos de réis annuaes.

Ora, Sr. Presidente, não ha accusação mais infundada, mais falta de razão.

Se realmente ha muitos magistrados na situação de inactividade temporaria é porque ha muitos annos não ha aposentações.

Basta considerar que um magistrado judicial só passa á inactividade quando absolutamente não pode trabalhar.

Esta é a regra geral.

Pode haver uma ou outra excepção, para confirmar a regra geral em contrario.

Nem podia deixar de ser assim.

A situação de inactividade temporaria tem todos os inconvenientes, traz todos os sacrificios, sem vantagem ou beneficio. O tempo da inactividade não se conta para a promoção, concessão do terço e aposentação; alem d'isso, durante elle os magistrados perdem os seus vencimentos, porque apenas recebem o ordenado e não percebem nos emolumentos, quando todos sabem que, em muitos casos, os emolumentos valem tanto ou mais que os ordenados; e decaem na propria estima e consideração publica, porque um magistrado que não exerce a sua occupação perde importancia e valimento.

Por tudo isto é que só muito excepcionalmente o magistrado passa á inactividade, quasi sempre quando não pode absolutamente fazer serviço.

Por que é que um grande numero de juizes está na situação de inactividade temporaria?

Por uma razão aliás muito simples.

Quando o juiz se vê atacado de enfermidade que o impede de exercer o seu cargo, animado pela propria esperança, que nunca nos desampara, avolumada pelos conselhos do medico e solicitações da familia, que lhe dizem que com algum descanso se restabelece e pode voltar á actividade das suas funcções, pede a collocação no quadro.

Infelizmente muitas vezes acontece que as esperanças foram fallazes, a saude não volta, o restabelecimento não se opera e o magistrado continua na inactividade, porque absolutamente está incapaz de exercer as suas funcções. E n'esta situação que o Sr. Ministro da Justiça encontra a quasi totalidade dos juizes a que se refere n'este documento.

S. Exa. pode, para o que não precisa senão executar a lei, aposentá-los, mas com isso só consegue que os seus vencimentos lhes sejam pagos pelo Ministerio da Fazenda em vez de serem pelo da Justiça: comtudo, d'ahi não resultará a economia de um ceitil para o Estado.

Eu, repito, desafio o Sr. Ministro da Justiça a que faça uma economia neste ramo de serviço, não digo de 106 contos ou de metade, ou da quinta parte d'essa quantia, mas uma economia ainda que pouco apreciavel ou sensivel.

O Sr. Ministro da Justiça, que tão pouca actividade tem mostrado, que tem sido quasi absolutamente inactivo para tudo, até mesmo para os despachos de mero expediente, pois tem feito dois ou três, incluiu n'esse numero um, que briga com as graves accusações feitas aos seus antecessores. É este:

"Agosto, 29,1906. - Manoel de Barros da Fonseca Achiolli Coutinho, juiz de direito na comarca de Monchique, collocado no quadro sem exercicio, mas com vencimento".

Nem podia deixar de ser. Se assim não fizesse, o Sr. Ministro da Justiça não só faltaria ao cumprimento da lei como praticaria um acto que era a denegação da Justiça.

Quanto a delegados, o Sr. Ministro da Justiça não tem sido mais feliz. Fez apenas dois despachos de delegados, dos quaes o primeiro é o seguinte:

"31 de maio, 1906. - Luis Manoel Moreira, delegado do procurador regio na comarca de Figueiró dos Vinhos, promovido á 2.ª classe e collocado na comarca da Ribeira Grande".

Ora n'esta comarca havia um outro delegado de n orne Joaquim Chrisostomo da Silveira Junior, que estava exercendo as funcções do Ministerio Publico no impedimento do proprietario. Este foi definitivamente collocado em Villa Nova de Ourem e ipso facto ficava delegado na Ribeira Grande aquelle funccionario Chrisostomo da Silveira.

Collocou-se porem outro, havendo portanto, n'uma só comarca, dois delegados, o quê é contra a lei e até hoje se não tinha feito.

Agoniado com a situação do inactividade temporaria em que encontrou alguns delegados, o Sr. Ministro da Justiça, tendo aberto uma vaga na comarca de Figueiró dos Vinhos, pela maneira incorrecta e illegal que expuz, collocou n'ella, a titulo de reintegração, por decreto de 31 de maio de 1906, a Silverio Martins de Figueiredo Lobo e Silva, que não podia ser reintegrado, pois a sua nomeação havia sido nulla.

Todavia, contra a expressa disposição da lei, foi para comarca de 1.ª classe.

E o que é nullo não produz effeito algum.

Mas, Sr. Presidente, o que é mais curioso, e para isso chamo a attenção de V. Exa., da Camara e de todos, especialmente dos magistrados judiciaes que me dão a honra de ouvir-me, é a forma por que o Sr. Ministro da Justiça quer acudir aos males da situação de inactividade temporaria de alguns magistrados.

Lê-se no projecto de lei de receita e despesa e é do teor seguinte: (Leu).

"Ficam igualmente suspensas as disposições dos artigos 5.° e 6.° da carta de lei de 19 de maio de 1864 e 14.° e 15.° do decreto de 29 de março de 1890, sobre a collocação de juizes no quadro ou de qualquer outro diploma que permitta a passagem de magistrados a essa situação)".

Quer dizer, o Sr. Ministro da Justiça, no orçamento que apresentou á Camara dos Senhores Deputados, e que está a discutir-se na respectiva commissão, projecta acudir aos suppostos inconvenientes da situação de inactividade temporaria dos magistrados judiciaes por uma forma injusta, desarrazoada, deshumana e cruel.

Quer a Camara saber qual é a situação em que, á face d'esse projecto, ficam os magistrados judiciaes?

Um juiz é atacado de enfermidade grave que demanda um longo tratamento no paiz ou no estrangeiro.

Que fazer? Não pode pedir para ser collocado em inactividade temporaria porque isso lhe não é concedido; não pode abandonar o logar porque esse abandono constitue um crime previsto pelo Codigo Penal; não pode aposentar-se porque não tem o tempo necessario e mesmo porque a aposentação é só concedida quando absolutamente não possam trabalhar, e a sua doença é temporaria.

Então que fazer? Pedir licença? Tambem não, porque ao cabo de trinta dias perdem vencimento, e isto precisamente no momento em que o seu estado de saude o obriga a fazer maiores despesas.

É esta, Sr. Presidente, a situação em que se pretende collocar a magistratura judicial.

Dito isto, ainda tenho que me referir a mais alguns factos, verdadeiramente curiosos. Este Governo, que tanto apregoa o seu respeito pela lei e o desejo de que a fiscalização dos seus actos por parte do Parlamento seja ri-

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gorosa e efficaz, procede pela forma que vou expor á Camara.

Eu, Sr. Presidente, pedi documentos pelo Ministerio da Justiça que me eram precisos para entrar n'esta discussão, e até hoje nenhum d'esses documentos me foi enviado nem ao menos me foi dada razão justificativa do facto, que não me parece muito regular, e que por completo contradiz as declarações do Governo.

E pensa acaso V. Exa. e a Camara que os documentos que pedi são muitos e extensos, e por isso levam muito tempo a extractar?

Nada d'isso. Os documentos que eu pedi não são complicados nem levam muito tempo a copiar, são apenas, pela Direcção Geral dos Negocios de Justiça, copia de um ou dois officios que vieram da Procuradoria Regia da Relação do Porto acêrca do delegado de Paredes, Domingos Carneiro Oliveira Pacheco, em que se dizia que aquelle magistrado não tinha competencia para intervir e representar a sociedade perante o tribunal, no processo que n'aquella comarca corria acêrca de falsificações de titules de divida publica, imputado a um official do exercito, e que tão funda impressão causou em todo o paiz.

E sabe V. Exa. por que tal documento me não foi enviado? É que o Sr. Ministro da Justiça, apesar de saber que em virtude d'essas informações officiaes, é que eu havia transferido aquelle delegado Carneiro Pacheco para outra comarca do continente do reino, reintegrou-o em Paredes, por motivos puramente partidarios e politicos, e transferiu para uma das mais longinquas e distantes comarcas das ilhas o que eu havia collocado em Paredes somente pelas boas informações que como magistrado elle tinha.

E eis como a justiça se respeita e a virtude triumpha.

É claro que o facto da falta dos documentos não me impede de fazer estas affirmações e de accusar o Sr. Ministro da Justiça de facto tão arbitrario e immoral.

O que é mais curioso é que na ultima visita que o Sr. Ministro da Justiça fez á cidade do Porto foi procurado por uma commissão, a qual chamou a attenção de S. Exa. para a demora que tinha havido no julgamento d'aquelle processo, conhecido pelo processo Djalme, e pediu que tivesse rapido andamento, queixando-se amargamente do delegado que durante dez mezes conservara o processo em seu poder. O Sr. Ministro lhe disse, como a imprensa referiu, o seguinte:

"O Sr. José Novaes manifestou um grande assombro, dizendo que o Sr. delegado Carneiro tinha, sido transferido precisamente por na Ministerio da Justiça, haver uma denuncia, indicando-o como protector do Sr. tenente Djalme".

Pois apesar d'esta accusação de que S. Exa. tinha conhecimento, foi reintegrado n'aquella comarca e o que eu n'ella havia collocado, pelo bom conceito que merecia, o Sr. Antonio Joaquim Gomes de Lemos, foi transferido para uma das mais insignificantes comarcas das ilhas.

E é este o procedimento dos Srs. Ministros, que não deixam o seu credito por mãos alheias.

O outro documento que pedi pelo Ministerio da Justiça, Direcção Geral dos Negocios Ecclesiasticos, é extremamente simples, é a copia da correspondencia trocada entre o Sr. Ministro da Justiça e o prelado de Beja acêrca da nomeação, pelo metropolita, do vigario capitular d'essa diocese, depois da morte do seu ultimo prelado.

Este documento não me foi ainda satisfeito, nem dada qualquer satisfação do facto.

O Sr. Ministro da Justiça não mandou este documento nem sequer deu qualquer razão d'esta falta, porque a verdade é que o Sr. Ministro da Justiça não usou do direito de insinuação, ou se usou, não o fez valer, nem sequer protestou contra o procedimento do prelado, deixando estabelecer um precedente que nos ha de ser prejudicial, pois ha de ser invocado contra o direito de insinuação que a Coroa Portugueza defende de ha seculos e de que nunca quiz abdicar.

É este mais um facto, para se ver como o Sr. Ministro da Justiça respeita as leis e defende as regalias da Corôa.

Nunca tal se havia feito, pois todos os Governos pugnavam pelo direito de insinuação.

Sr. Presidente: não é só pelo Ministerio da Justiça que estes factos se dão. Outros igualmente illegaes se teem dado.

Eu tive já occasião, nesta Casa do Parlamento, de me referir a alguns que são directamente da responsabilidade dos Srs. Ministros, ou das auctoridades suas subordinadas, mas pelos quaes da mesma forma são responsaveis os Srs. Ministros, desde que S. Exas. as não obrigam a cumprir os seus deveres.

Assim, pelo Ministerio do Reino, dá-se o seguinte curioso caso.

A camara de Gaia em julho proximo passado deliberou aposentar o seu secretario, em virtude de um processo devidamente organizado, remettendo logo ao respectivo administrador do concelho copia da acta, para ser concedida ou denegada pelo Governo a precisa auctorização.

Pois o Sr. administrador do concelho de Gaia, em vez de dar cumprimento ao que o Codigo Administrativo lhe impõe, conserva em seu poder o documento que, no prazo de tres dias, devia remetter ao governador civil.

Eu chamo a attenção do Sr. Ministro do Reino para o procedimento d'esta auctoridade e peço-lhe a obrigue a cumprir o que a lei preceitua e é do seu dever.

Em Oliveira de Azemeis, na freguesia de S. João da Madeira, está ha muito tempo construida, e julgada em boas condições para o fim a que é destinada, uma escola para ambos os sexos; pois até agora não foi ainda aberta, apesar de ter já mobilia apropriada, generosamente offerecida por dois benemeritos da instrucção.

Peço tambem ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino que se informe d'este facto e dê as ordens precisas a fim de que a escola se abra sem mais demora e n'ella possam as crianças ser ensinadas; tanto mais que as escolas que ali ha estão funccionando em casas fora de todas as condições legaes e de hygiene.

Chamo tambem novamente a attenção de S. Exa. para o procedimento arbitrario e violento havido em Sinfães, pelo administrador do concelho, que teve o parocho de Fornellos, o professor e um outro cidadão, da mesma freguesia, presos á sua ordem, e incommunicaveis durante muitos dias.

Em virtude das determinações do Sr. Presidente do Conselho, esses individuos já foram entregues ao poder judicial mas, até hoje, não sei que, com relação áquella auctoridade administrativa, que tanto exorbitou das suas funcções, houvesse da parte do Governo o procedimento de severidade que uma tal infracção da lei urgentemente exigia.

A entrega dos presos á auctoridade judicial tinha de fazer-se dentro de 24 horas.

O que se fez foi uma violencia inqualificavel, que o Governo deixou impune.

O meu illustre chefe e amigo Sr. Hintze Ribeiro tambem tem chamado a attenção do Governo para factos violentos occorridos em Monforte da Beira e na Covilhã e tambem, a esse respeito, não sei que o Governo tenha tomado providencias adequadas.

Em relação á imprensa, acaso o Governo cumpre as leis? Pois é licito, admissivel, acreditavel sequer, que n'uma sociedade regularmente organizada, se publiquem na imprensa as expressões mais affrontosas e aggressivas para o Augusto Chefe do Estado e sua Familia, como se está fazendo, sem

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que sobre ella caiam as justas disposições da lei? Pois é acreditavel que dois membros do Parlamento sejam d'elle violentamente expulsos e arrancados pela força das baionetas, por dirigirem affrontas ao primeiro magistrado da nação e fiquem na impunidade os jornaes que a essas affrontas accrescentam outras mais violentas e graves ainda?

O atropello da lei deu-se na propria constituição do Ministerio.

Não vou discutir a nacionalidade do Sr. Schrõter e quero acreditar que elle seja portuguez de boa lei, ainda que tem feito tudo que tem podido para perder essa nacionalidade.

O que é indiscutivel é que, desde que o Sr. Schrõter havia conseguido, a requerimento seu, um decreto de naturalização, passado pela repartição competente com todas as formalidades legaes, e com publicação na Folha Official, desde que o proprio Governo reconheceu a necessidade de annullar esse decreto para que o Sr. Schrõter pudesse ser eleito Deputado e a sua eleição ser approvada e legitimada pelo Tribunal de Verificação de Poderes, o que é indiscutivel, repito, é que tal decreto se devia annullar antes de S. Exa. ser nomeado Ministro.

Ninguem de boa fé poderá contestar a verdade da minha affirmação.

Seria mais serio e mais em harmonia com as disposições da lei.

Dito isto eu vou entrar rapidamente, porque não quero tomar muito tempo á Camara, n'uma ordem de considerações que me parece devem merecer a attenção do Parlamento e do Governo.

Na resposta ao Discurso da Corôa, que discutimos, promette-se um grande numero de beneficios para o paiz em geral e em especial para cada uma das classes que o compõem.

Assim diz-se, pelo Ministerio do Reino, que serio mandados ao estrangeiro para complemento da sua instrucção não só os estudantes pobres que hajam dado provas distinctas de capa cidade e applicação, mas tambem os professores primarios e de algumas disciplinas do ensino secundario que se mostrem aptos para adquirir o conhecimento e pratica dos melhores processos pedagogicos.

Pela pasta da Justiça annuncia-se uma proposta assegurando melhor a independencia do poder judicial.

Pelo Ministerio da Fazenda promette-se extinguir o imposto de rendimento da lei de 20 de fevereiro de 1892 sobre vencimentos não superiores n 600$000 réis, e reduzir a metade esse imposto sobre todos os outros.

Pela pasta da Guerra foi já approvada pela Camara dos Senhores Deputados uma proposta para o aumento de soldo aos officiaes do exercito e essa proposta já foi ampliada, tornando-se extensiva aos officiaes da amiuda, como aliás era de justiça.

Pelo Ministerio da Marinha, medidas de fomento e importantes obras em mais de uma das nossas colonias.

Pelo Ministerio das Obras Publicas a criação de uma caixa de aposentações para as, classes operarias.

São estas medidas justas e convenientes? Sem duvida, nem eu o contesto.

Effectivamente acho muito justo, muito conveniente, que os estudantes pobres e os professores vão ao estrangeiro quando elles mostrem aptidões fora do vulgar, para completarem e aperfeiçoarem os seus conhecimentos.

E isso de proveito para elles e para o paiz.

Com respeito á magistratura entendo tambem que é indispensavel melhorar as condições de independencia de tão importante classe. E não ha, para tal conseguir, meio mais pratico e mais efficaz do que augmentar os vencimentos dos funccionarios que mal teem o strictamente preciso para as necessidades da mais parca subsistencia e não podem manter convenientemente as naturaes exigencias da sua posição.

E tanto mais justa é qualquer providencia n'este sentido, quanto é certo que não ha decreto ou diploma algum emanado de qualquer Ministerio que não traga, um novo encargo para esta classe, sempre tão lembrada dos Governos para os sacrificios e encargos, e tão esquecida para as vantagens e beneficios.

A extincção do imposto de rendimento nos vencimentos inferiores a 600$000 réis é acto de indiscutivel justiça e igualmente é justo que se reduza esse imposto nos que excedem aquella quantia.

É esta a maneira de dar uma certa reparação ao funccionario publico, sempre considerado como o inimigo do Estado, com tanta injustiça, quanto é certo que esse imposto de rendimento, tão pesado e violento, foi votado por uma Camara que era composta na sua grande maioria por funccionarios publicos. Foram elles os primeiros a fazer o sacrificio dos seus proprios interesses, quando o bem geral da nação lh'o exigiu.

Os officiaes do exercito e da armada tudo merecem, porque levantam bem alto a bandeira da patria e o nome portuguez.

As obras de fomento quer no continente quer no ultramar são de incontestavel vantagem, porque desenvolvem o trabalho nacional e a riqueza publica.

As classes operarias são dignas da attenção e favor dos poderes constituidos, mas, Sr. Presidente, tudo isto attinge uma somma muito elevada; tudo, isto traz enormes despesas que não posso indicar precisamente, mas que não são com certeza inferiores a 2.000:000$000 réis.

E como é que o Governo paga tudo isto?

Quaes pão as propostas que o Governo prepara ou tenciona apresentar, destinadas a augmentar as receitas, para se poder occorrer a tão importante dispendio?

Medidas que reduzam as receitas e augmentam as despesas conheço eu; mas propostas criando receitas para fazer face a tão largos encargos não vejo, não conheço, nem me consta que vão ser apresentadas ao Parlamento.

A primeira obrigação do Governo era apresentar parallelamente com estas que trazem grandes despesas, outras que criassem receitas correspondentes; mas se não acontece assim, se não se apresenta nenhuma medida por parte do Governo que traga augmento de receita, contará elle com economias já realizadas ou a realizar que lhe permittam fazer face aos seus encargos, ou haver no orçamento um saldo positivo sufficiente para os satisfazer e pagar?

Tambem não, Sr. Presidente.

Segundo o u timo orçamento apresentado á Camara dos Senhores Deputados, o deficit é calculado em 2:800 contos de réis, mas não é este, sem duvida, o deficit real, porque a receita dos cereaes está calculada na quantia de 187 contos de réis, e muito mal calculada.

Todos sabem que no anno corrente a producção do trigo foi das mais abundantes, mais abundante ainda do que a dos annos de 1890, 1898, 1902 e 1903, e n'esses annos os direitos de importação de cereaes furam respectivamente de 188 e 390 contos de réis.

Portanto se este anno não importamos cereaes ou importamos pouco, teremos o deficit, elevado a 4;300 contos de réis pelo menos.

Accrescente-se a isto ainda cerca de 2:000 contos de réis provenientes das propostas apresentadas e teremos um deficit não inferior a 6:000 contos de réis.

Mas pode ainda acontecer cousa mais grave.

Supponhamos que o agio do ouro sobe de 2 para 10 ou 12 por cento; n'essa hypothese o deficit, não será de 6:O0O contos de réis, mas sem duvida superior a 7:000 contos de réis.

E tal hypothese nem é absurda nem impossivel, pois é bem sabido de todos que a melhoria, do agio do ouro não resultou da nossa situação economica, actualmente bem aggravada.

Supponhamos ainda que o Governo,

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pela força da opinião publica e das circumstancias, é levado a reduzir o imposto de consumo, que pesa por uma forma tão vexatoria sobre o consumidor e torna inconfortavel a vida das classes menos abastadas.

O que é que o Governo tem para. substituir este iniquo imposto?

Nada, absolutamente nada.

Mas, se não é pela criação de novas receitas que o Governo ha de fazer face ás novas despesas, será pelas economias que tem feito ou que possa fazer?

As economias que até hoje tem feito são as que se produziram pelo decreto a que ha pouco me referi, de l5 de junho ultimo e cifram-se em 200 contos de réis.

Mas isto é uma quantia insufficientissima para occorrer a um deficit que excede 6:000 contos de réis.

V. Exa. lembra-se e a camara está certa tambem de que não ha muitos dias o Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos, respondendo como relator do projecto dos tabacos, ao Digno Par o Sr. Dias Ferreira, que se mostrara muito apaixonado da liberdade da industria, lhe dizia: "Eu sou mediocremente enthusiasta por tal liberdade, porque na minha qualidade de governador civil do Porto já me vi obrigado a admittir nas obras publicas do districto 300 operarios vindos da industria livre".

Ora, se o Sr. Teixeira de Vasconcellos admittiu, por motivos porventura ponderosos e certamente com auctorização do Governo, 300 operarios nas obras publicas do Porto, aquella economia de 200 contos de réis é desfalcada pela importancia do salario que estes operarios ganham, visto que só para o ganhar elles foram admittidos nas obras publicas.

Affirma o Governo que actualmente não havia nomeações illegaes, que tinham desapparecido os empregados e jornaleiros fora dos quadros, que se não pagavam gratificações sem verba no orçamento, que se observava a mais estricta economia e rigorosa moralidade, e vem o Sr. Teixeira de Vasconcellos e diz que elle, pela sua parte, como governador civil do districto do Porto, admittiu 300 operarios nas obras publicas. É natural que as mesmas razões que actuaram no espirito do Sr. Teixeira de Vasconcellos, actuassem tambem no das demais auctoridades administrativas dos outros districtos e nos membros do Governo e todos procedessem da mesma maneira e admittiam não só novos jornaleiros mas os antigos, e estes com maior razão, porque tinham pratica e conhecimentos de serviços que ha muito desempenhavam, emquanto que no Porto se trata de operarios que necessitavam de salario, mas que não tinham a menor competencia para os trabalhos que iam executar.

Então, Sr. Presidente, se nós não temos receitas nem economias para fazer face a estas despesas, temos uma situação economica tão desafogada, tão prospera que possa facilitar o pagamento de tão pesados encargos?

Pelo contrario.

A nossa situação economica é tão grave como a nossa situação financeira e esta é desastrada, como disse o Sr. Ministro das Obras Publicas.

Eu não quero cansar a attenção da Camara, e portanto não leio todos os documentos e dados estatisticos que justificariam a minha asserção. Mas não posso deixar de frisar o que acontece com a importação e exportação de generos de consumo. No periodo de dez annos que vae de 1895 a 1900, emquanto a exportação se conserva estacionaria, ou sobe frouxamente, a importação cresce em proporções assustadoras.

Confirma-se isto pela estatistica, como se vê pelo seguinte mappa:

Annos Importação em contos de réis Exportação em contos de réis Percentagem da importação sobre a exportação

[ver valores da tabela na imagem]

Ao mesmo tempo que cresce por esta forma a importação de generos de consumo, nós vemos o paiz debater-se numa crise vinicola geral verdadeiramente grave, crise vinicola que na região do Douro se transforma numa verdadeira calamidade, e reduz aquella população, outr'ora rica e feliz, á miseria e á fome.

A falta de consumo da cortiça afflige o sul do paiz. As subsistencias encareceram por uma forma assombrosa, tornando difficil o viver das classes menos abastadas, e os povos com razão reclamam contra o injustificavel imposto de consumo.

À divida fluctuante attinge a enorme cifra de 74 mil contos de réis, dos quaes 11:000 pertencem á divida interna, o que importa um pesado encargo e um perigo, que não é para desprezar.

Para occorrer a esta situação nada, absolutamente nada, nem receitas, nem
economias, nem medidas que possam attenuar este estado afflictivo em que se acha o paiz.

O Sr. Presidente do Conselho limita-se a revogar as leis que são mais da sua iniciativa e da sua responsabilidade.

Promette-nos uma lei de contabilidade peor e mais cara do que a que temos, uma lei de responsabilidade ministerial, inefficaz e inutil, uma lei de imprensa, que a ninguem satisfará, mas nada, absolutamente nada, que venha pelo menos attenuar a gravidade da nossa situação financeira e economica.

O partido regenerador, que tão accusado tem sido pelo actual Governo, fez o convenio que abriu a porta da rehabilitação nacional, fez o contrato dos tabacos, unica fonte de receita onde o Governo pode ir buscar algum recurso para as enormes despesas que projecta, e apresentou uma pauta, que sem duvida tem imperfeições e defeitos, mas que era uma base de apreciação e estudo, para se protegerem as industrias que, no nosso paiz, teem condições de vida e de desenvolvimento, e para se reduzirem os direitos que pretendam beneficiar outras, que entre nós não podem existir nem prosperar.

Sobre esta importantissima questão o actual Governo nem sequer nos disse o que pensa e o que quer.

Hontem o Sr. Ministro das Obras Publicas, ha tres dias o Sr. Ministro da Justiça, e ha quatro sessões o Sr. Presidente do Conselho, disseram que o Governo tinha por si a opinião publica e que, a seu lado, estava o país que trabalhava e produzia.

O Sr. Presidente do Conselho, para corroborar as suas affirmações, referia que n'aquelle mesmo instante lhe havia sido entregue uma mensagem, assignada por 1:800 commerciantes e industriaes da cidade do Porto, que pediam a S. Exa. que proseguisse no caminho encetado, que realizasse o seu programma e cumprisse as suas promessas.

S. Exa. tirou d'este facto a illação de que o paiz está a seu lado, pelo menos o paiz que trabalha e produz.

Em 1894, isto é, ha doze annos, depois da dissolução da camara dos Senhores Deputados e da parte electiva d'esta Camara, depois da dissolução da Associação Commercial, da Associação dos Lojistas e da Associação Industrial, de Lisboa, depois do Governo ter entrado no caminho da dictadura, e depois de se haver formado, não a concentração liberal, mas a colligação liberal, realizaram-se diversos comicios em Lisboa e Porto e em outras terras do paiz.

No Porto houve um comicio importante contra a marcha do Governo; mas dias depois redigia-se n'essa mesma cidade uma mensagem exaltando o

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Governo e applaudindo o seu procedimento.

Essa mensagem teve mais de 12:000 assignaturas e foi entregue, não ao chefe do Governo, mas ao Augusto Chefe do Estado, por uma commissão composta de perto de 100 individuos, representantes das diversas classes sociaes.

Foi isto o que succedeu em 1894. Mas a Camara ouviu não ha muito o Sr. Presidente do Conselho dizer aqui, muito explicita e claramente, que estava convencido de que havia errado, que estava convencido de que não tinha feito o que devia fazer e o que o paiz reclamava e por isso se confessava arrependido. E d'essa confissão e arrependimento tirou o illustre Presidente do Conselho força e auctoridade para occupar a alta posição que tem e que, como velho amigo de S. Exa., muito prazer tenho em o vir occupar.

Hoje, Sr. Presidente, bem mais do que então as manifestações a que o Sr. Presidente do Conselho se referiu, não importam nem querem dizer que o Governo tenha por si a opinião publica. Muito pelo contrario.

Se o Governo não entra n'outro caminho, se não apresentar medidas de caracter economico e financeiro que o paiz tão justamente reclama e de que tanto precisa, pode ter a certeza de que no espirito publico se radica a convicção de que este Governo não tem feito, nem fará, mais nem melhor do que os seus antecessores. Antes tem feito menos e peor do que aquelles que tanto desacreditava e accusava.

Vozes: - Muito bem. Muito bem.

(O orador foi cumprimentado pelos Dignos Pares regeneradores e por muitos de todos os lados da Camara).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: serei muito breve.

Mas pedi a palavra para que o Digno Par Sr. Campos Henriques não possa ver em mim, para com S. Exa., outros sentimentos que não sejam aquelles, de estima e consideração, que já de longe vêem.

Quando entrei n'esta sala, disse-me um collega meu que o Digno Par notara que eu andava de mau humor, de rosto carregado e triste, e que isto lhe parecia prognostico de que a situação do Governo não era prospera nem afortunada.

O Sr. Campos Henriques: - Eu não disse isso.

O Sr. João Arroyo: - Fui eu que o disse.

O Orador: - Ah! Foi o Digno Par. Então começarei por assegurar que a saude do Governo é optima. A minha é que, nos ultimos dias, não tem sido boa; tenho estado ligeiramente incommodado.

O Sr. João Arroyo: Antes fosse o contrario.

O Orador: - Mas posso dar ao Digno Par a noticia satisfatoria de que n'este momento estou restabelecido, o que é bom para mim, e bom para o paiz, que gosta de me ver aqui.

O Sr. Sebastião Baracho: - O paiz é mudo.

O Orador: - O paiz fala sempre; a questão é comprehendê-lo.

Vou responder ao Sr. Campos Henriques o mais rapidamente que possa, para não tomar tempo á Camara e para não prolongar mais o debate, que dura ha cerca de um mez.

Com isto não quero arrogar censura a ninguem, muito menos não tendo a honra de fazer parte d'esta Camara; mas, em summa, como membro do Governo não posso deixar de apresentar este reparo, apenas com o intuito de que os trabalhos parlamentares se encaminhem de forma que sejam proveitosos para o paiz.

Das considerações pelo Digno Par apresentadas, a primeira refere-se aos juizes que, no tempo em que S. Exa. era Ministro, estavam na inactividade temporaria por doença.

A este respeito direi que desde que subi ao poder já não ha doentes na magistratura.

As vezes chamam-me Messias. Não tenho culpa do que me chamam, mas quasi estou em acreditar que alguma cousa tenho de Messias, porque ha seis mezes que entrei no Governo e ainda não adoeceu nenhum juiz.

Parece que vim realmente dar saude a enfermos, vista a cegos e pernas aos aleijados.

No tempo do Sr. Campos Henriques chegaram a estar doentes cento e tantos juizes, e essa doença chegou até onze delegados, que são pessoas ainda novas, de vinte a trinta annos, mas que nem por isso haviam escapado á epidemia, com o que soffria o Thesouro Publico.

S. Exa. não é capaz de indicar uma só comarca para onde se nomeasse de novo um juiz; todos os que teem sido nomeados eram os que estavam na inactividade.

Felizmente para o paiz, não tem adoecido agora nenhum magistrado.

O Sr. Campos Henriques: - E o juiz dê Monchique?

O Orador: - De quem fala V. Exa.?

O Sr. Campos Henriques: - Do Sr. Manoel Achiolli.

O Orador: - Esse já estava doente no tempo de V. Exa., e não occupava o seu logar.

Mas então, Sr. Presidente, chegou a nomear-se juiz um padre, o que representa um caso unico na magistratura portugueza.

Repito que o Governo não tem feito mais do que collocar nas vacaturas que se vão dando os magistrados que encontrou no quadro, e que estão hoje de perfeita saude.

Referiu-se o Digno Par ao caso que se deu em Sinfães, de ter sido preso e estar incommunicavel, á ordem do Sr. administrador do concelho, o parocho da freguesia de Fornellos.

Logo que por S. Exa. tive conhecimento d'este caso, ordenei que sem demora o preso fosse entregue ao poder judicial. O administrador do concelho respondeu que estava procedendo ao levantamento do auto de investigação. Ordenei então que com a maior rapidez se levantasse esse auto a fim de o preso ser enviado ao tribunal da comarca. Como não pode deixar de ser, aguardo as resoluções do poder judicial.

Quanto á lei da imprensa, de que tambem falou o Digno Par, posso asseverar que nenhuma ordem dei aos procuradores regios ou aos delegados para cumprirem ou deixarem de cumprir a lei.

O Governo acha que não deve dar ordens n'um ou n'outro sentido, e tanto assim pensa, que já apresentou ao Parlamento uma proposta de lei em que claramente fica expresso este modo de ver.

Isto significa que não concorda com a lei existente.

Farei ainda outra consideração que me parece justa.

Qualquer indicação ou ordem do Governo sobre este assumpto daria logar a suspeição politica, o que certamente me tirava auctoridade.

Para evitar isto, o Governo, que já tem declarado querer manter os principios de liberdade e tolerancia, propoz uma lei que obriga o Ministerio Publico a proceder sob sua responsabilidade.

Se for approvada a proposta de lei que o Governo submetteu á apreciação da Camara dos Senhores Deputados, embora essa proposta soffra algumas modificações que não alterem a sua essencia, hão de ser punidos e castigados os delinquentes sem ser necessaria a intervenção do Governo.

E assim não pode ter fundamento a ideia de que o poder executivo abusa

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da sua auctoridade mandando promover, por perseguição, contra qualquer delicto de imprensa.

Depois o Digno Par referiu-se ainda a questões de administração.

S. Exa., na segunda parte do seu discurso, occupou se da questão financeira, começando por analysar differentes augmentos de despesa; e em seguida, sem discutir nem combater a opportunidade d'esse accrescimo de despesa, o Digno Par contrapoz á iniciativa do Governo a accusação de que elle não apresentava propostas de lei criando receitas.

N'estas circumstancias, disse o Digno Par, o deficit., que já é bastante avultado, augmentará ainda, attingindo a somma de 6:000 contos de réis.

Em resposta, devo dizer que o Governo alguma cousa tem feito no sentido que o Digno Par julga necessario.

S. Exa. já se satisfazia com que o Governo apresentasse propostas para augmento de receita.

Ora o Governo fez mais. A primeira proposta que foi votada pelo Parlamento, a dos tabacos, dá um augmento de 1:800 contos de réis na receita geral do Estado.

Creio que todas as propostas de lei apresentadas pelo Governo e que trazem augmento de despesa devem merecer a approvação do Digno Par, desde que a somma de todos esses augmentos seja inferior a 1:800 contos de réis de receita, que hoje é um facto consummado.

Portanto não vejo motivo para que o Digno Par combata as propostas apresentadas pelo Governo, que trazem augmento de despesa, desde que o deficit existente é menor do que aquelle que deixou o Ministerio passado.

Mas ainda ha mais.

Na resposta ao Discurso da Coroa vêem mencionadas propostas de fazenda tendentes a criar receita.

Estão n'este caso o contrato com o Banco de Portugal, a remodelação das disposições relativas ás companhias de seguros, e outras que ainda não foram apresentadas e que hão de trazer augmento de receita.

O annuncio de taes propostas está feito, e a sua promessa ha de ser cumprida.

A situação economica do paiz, sob qualquer aspecto por que seja encarada, não é, effectivamente, boa, e d'isso resultava esse descontentamento e desgosto que se manifestava por mais de uma forma, por mais de um aspecto, de modo a não illudir senão aquelles que precisavam illudir-se, e a criar descontentes, em quem já hoje renasce a confiança e que por isso estão ao lado do Governo.

Eu não me lembrava da representação a que S. Exa. alludiu, não me lembrava de que em 1894 veio do Porto, a cidade liberal por excellencia, essa representação firmada por 12:000 assignaturas, applaudindo o Governo pelo caminho em que tinha entrado.

Já n'um anterior discurso me referi á dictadura então feita pelo Governo, dictadura de que estou arrependido, e cujos resultados ficaram inanes.

Quando se fez a colligação entre os partidos progressista e republicano, eu segui com attenção o caminho que tomava a opinião publica, informando ao mesmo tempo de tudo o que se passava quem honra os Ministros com a sua confiança.

Assim, cheguei á conclusão de que o paiz se conservava ao lado do Governo, esperando que a dictadura representasse o proposito de se entrar n'um novo caminho economico e financeiro, e até a esse proposito citei uma phrase de Catharina de Medieis a seu filho: C"est bon couper, mon fils, mais il faut coudre.

Nós então pudemos responder com a mesma phrase.

Effectivamente ao paiz não repugnou de forma alguma a dictadura: os resultados d'esta é que não foram maravilhosos.

Em segundo logar é muito melhor, preferivel mesmo, que uma obra de regeneração seja feita pelo Parlamento.

Sr. Presidente: a situação em que me encontro e a orientação do meu espirito levam-me a crer que o que faço, e tenciono fazer, será util e proveitoso para o paiz.

Portanto, sob este ponto de vista, não ha duvida nenhuma que o facto citado pelo Digno Par representava que o Governo era acompanhado pela opinião publica.

Os resultados é que, infelizmente, não corresponderam a essa opinião, o que espero não succederá agora.

Ainda o Sr. Campos Henriques disse que reducções de despesa não as tinha o Governo feito, a não ser as que resultavam do decreto de 15 de junho ultimo.

S. Exa., se quizesse fazer um pouco mais de justiça ao Governo, tinha meio de avaliar não só as economias, mas as reducções feitas pela gerencia actual.

Era examinar as notas que precedem os orçamentos dos differentes Ministerios e fazer a comparação entre as dotações orçamentaes que o Governo vem pedir ás Camaras e as do orçamento de 1904-1905, que foi o ultimo approvado.

Assim reconheceria o Digno Par que as dotações agora pedidas são inferiores ás d'aquelle anno economico, porque está absolutamente resolvido por parte do Governo manter-se estrictamente dentro das auctorizações legaes, a não ser nos casos que reclamem creditos extraordinarios.

Sr. Presidente: causou-me excepcional estranheza que o Digno Par se não houvesse dado & esse trabalho de confronto, pois se o houvesse feito, reconheceria que excedem 200 contos de réis as differenças entre as verbas que o Governo inscreveu e o que se gastara anteriormente.

8 Exa. comprehende que o Governo só fez economias com os jornaleiros e o pessoal das construcções escolares, que não são considerados empregados publicos, deixando ao Parlamento, pela liberdade que lhe pertence, o direito de tomar uma resolução definitiva quanto aos funccionarios do Estado cuja nomeação não tenha base legal.

É o Parlamento que dispõe dos dinheiros da nação: elle fará o que entender.

Aparte isso, nós conservamos todos os serviços pela forma como os encontrámos; não fizemos alteração no pessoal que pertencesse legalmente ás differentes repartições.

Em todo o caso, esse simples facto mostra claramente ao Digno Par que alguma economia se tem feito.

E creia S. Exa. e creia a Camara que a grande economia a fazer não é a que possa provir de qualquer medida de caracter legislativo; a melhor das economias consistirá simplesmente em que, votado o orçamento, o Governo proceda com a maior legalidade, mantendo-se exclusivamente dentro das auctorizações parlamentares.

Esta é que é, repito? a maior de todas as economias.

Porque o que tem desequilibrado os nossos orçamentos anteriores, e o que tem dado origem ao apparecimento dos differentes deficits, e contribuido para a elevação, cada vez mais avultada, dos nossos encargos, é o que se despende alem da dotação orçamental em cada um dos Ministerios - é aquillo que se gasta fora das auctorizações legaes.

Assim succede, por exemplo, que nós temos uma certa difficuldade em dar trabalho a todos aquelles que junto de nós o vêem solicitar; e que em algumas regiões do paiz se teem mandado suspender obras, o que importa naturalmente, contrariedade para os interesses d'essas regiões.

Mas por que o fez o Governo?

Para se manter escrupulosamente dentro das verbas que estão auctorizadas no orçamento de 1904 1900, esperando assim que se approve o orçamento que vae ser discutido pelas Camaras, para que não succeda o que em situações anteriores acontecia: esgotar-se uma verba orçamental no fim do 1.° semestre do anno economico, ainda com a circumstancia do augmento de

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preço do material, por não se poder pagar logo aos fornecedores.

Sr. Presidente: não estou dizendo isto com ideia de offender alguem, nem tão pouco no intuito de querer ser virtude triumphante, como tambem me chamam; nem o digo para alardear serviços e meritos do Governo a que tenho a honra de presidir; mas desde que sou atacado por não fazer aquillo que realmente faço, ha de S. Exa. concordar, e a Camara, em que me era preciso apontar, ainda que muito succintamente, alguns factos que viessem mostrar por uma maneira bem clara que as accusações do Digno Par não teem justificação.

Sr. Presidente: o Governo ainda está longe de fazer tudo quanto prometteu ao paiz; mas pelo menos tem trabalhado com diligencia e boa vontade para fazer alguma cousa do que prometteu.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Wenceslau de Lima: - Não desejava incorrer, se não na censura, pelo menos na estranheza que ao Governo acaba de merecer a largueza do debate em que tão tardiamente, pela ordem da inscripção, me cabe a palavra; mas se este anno se cortou pela velha praxe de votar a resposta ao Discurso da Corôa como um cumprimento do poder legislativo ao Chefe do Estado e alto depositario do poder moderador, é porque os chefes de partido, os chefes de grupos e todos os homens que nos ultimos annos mais activamente teem labutado na politica, tinham necessariamente que dizer da sua justiça, defrontando-se com um Governo Novo constituido por homens novos, e presididos por um homem, se não novo, pelo menos renovado pela publica confissão e penitencia dos seus erros passados com proposito de emenda futura, e que ao chegar ao Governo havia lançado o pregão do descredito contra todas as administrações transactas.

Forçoso era que os impenitentes, aquelles que não renegam a fé antiga, nem sentem em sua consciencia necessidade da confissão de graves erros, viessem aqui defender os seus actos, comparar a lei velha e a lei nova, mostrar que esta não tem valia que sobrepuje aquella, havendo apenas a notar no momento actual um certo pharizaismo apegado á letra que mata, sem largo espirito que regenere e vivifique.

Chegados a esta altura do debate, para fazer a critica do programma e da obra do Governo basta comparar o que por parte da opposição aqui se disse com aquillo que por parte do Governo se respondeu.

Todas as accusações estão de pé.

Ainda hoje aos factos precisos apontados pelo Sr. Conselheiro Campos Henriques nenhuma resposta dera o Governo, e unicamente mais uma vez fizera alarde do seu messianismo, que até julga miraculoso. Pois o milagre não se deu. Os juizes continuam a adoecer, e o Sr. Ministro da Justiça já collocou mais um juiz no quadro; logo lh'o fez ver o Digno Par Campos Henriques.

As accusações estão de pé; em volta do Governo vão apenas caindo as esperanças d'aquelles que na sua acção reformadora tanto acreditaram. (Apoiados).

A apreciação synthetica da obra do Governo está feita na memoravel sessão d'esta casa do Parlamento de 21 do corrente mez.

O Sr. João Franco subira ao poder para evitar que crescesse o numero de descontentes, que engrossasse a onda que se levantara contra as instituições.

Pois desde a sua ascensão os descontentamentos cresciam, e estuaram em invectivas, nunca ouvidas, e a onda crescia e levantava-se com um impeto até agora desconhecido (Apoiados), tamanho e tão importante, que, batido o Sr. Presidente do Conselho pelos descontentes, aqui viera acolher-se á sombra dos antigos partidos por S. Exa. tão denegridos, e acceitar e agradecer os conselhos e o apoio que lhe offereciam os seus chefes! (Apoiados).

Membro de uma d'essas agremiações, poderia eu regozijar-me com o facto. Não me regozijarei.

Monarchico convicto e devotado ao bem do meu paiz, bem mais estimaria que o Sr. João Franco, a cujo valor e talento tributo homenagem, prestasse ao paiz e ás instituições os serviços que tão facil lhe seria prestar, na hora em que chegou ao poder, se outra fosse a sua orientação e os seus processos.

O Sr. João Franco quer o prestigio da Monarchia e a toda a hora e instante lança pregão de descredito contra os monarchicos seus naturaes defensores. Quer o respeito da lei e contra a lei investe e se propõe investir. Quer governar á ingleza e logo nos annuncia a reforma urgente da nossa Constituição, esquecendo que a Constituição ingleza no seu primeiro acto data do seculo XII e no seu ultimo do seculo XVIII, e que desde então é intangivel.

Ainda agora na Inglaterra está aberto esse conflicto entre o Governo e a Camara dos Lords a proposito da lei de instrucção e não se annuncia que aquella Camara vá ser reformada. Entre nós, porque dois ou tres Dignos Pares teem discutido com um pouco mais de vivacidade incidentes exclusivamente suscitados pelo Governo, já se fala na reforma d'esta Camara, que ainda na sessão de 21 provou não ser um valor inutil na defesa das instituições.

Quer o Sr. Presidente do Conselho fazer respeitar a lei? Respeite-a S. Exa., cumpra-a e não a destrua, reformando-a. As leis para que se integrem nos costumes dos povos precisam de ser duradouras. Não respeita a lei o povo que a todo o instante muda de leis.

Ainda hoje o Sr. Presidente do Conselho aqui nos declarou que não cumpria nem fazia cumprir a lei da imprensa, porque o Governo a ia reformar, e depois seria cumprida. O Sr. Presidente do Conselho só acata e faz cumprir as leis que S. Exa. faz; ora isto não é respeitar a lei, é respeitar a sua propria vontade, e mais nada. (Apoiados).

Vinha o Governo para se defrontar com uma situação reputada grave. O paiz queria administração, administração seria e a valer.

O Governo em vez de administração offerece-nos politica. Vamos ter, di-lo o Discurso da Corôa, uma nova lei eleitoral.

Era o que d'antes faziam os denegridos partidos.

D'antes, porque ultimamente já não o praticavam.

Chegaram ao poder e ageitaram os circulos ao seu sabor e conveniencia. O Sr. João Franco chega ao poder e vae tambem ageitar os circulos: de grandes passam a ser pequenos, e vamos ter novas eleições.

Então esta é que é a grande reforma de administração messianica?!

Actos de administração que interessem o fomento e a politica commercial, e são esses os mais importantes á nação, nenhum tem praticado o Governo e nada de valor nos promette no Discurso da Corôa.

Acêrca de fomento diz que nos dará um relatorio. A antiga, quando havia uma grande difficuldade, nomeava-se uma commissão, a qual produzia um relatorio. O Governo do Sr. João Franco dá-nos apenas um relatorio, e se aqui nos trouxe a proposta referente ao Douro é porque Sua Majestade El-Rei atravessou a região duriense; senão ficavamos pelo relatorio. De politica commercial cousa nenhuma.

Comparando o que se diz no Discurso da Corôa, cuja resposta se discute, com o que se dizia nos ultimos Discursos da Corôa das situações regeneradora e progressista, noto que aquelles partidos tinham em tão grave assumpto uma orientação pratica e definida.

O Governo actual não tem nenhuma, e comtudo a situação economica é grave, como o demonstram as crises vinicolas, corticeira, e, em geral, agricola que teem os mercados externos errados.

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446 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Embora, Sr. Presidente, continuemos a proteger as nossas industrias, podemos e devemos, sem sacrificio d'ellas, negociar tratados.

(Avisado pelo Sr. Presidente de que está proximo a hora do encerramento da sessão, pede que lhe seja permittido continuar na sessão seguinte).

(S. Exa. não reviu este extracto, nem as notas do seu discurso}.

O Sr. Almeida Garrett: - Não me foi possivel entrar na Camara antes da ordem do dia, e foi essa a razão por que pedi a V. Exa. a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Tenho de apresentar um requerimento e tenho que fazer acêrca d'elle algumas reflexões, mas como eu concordo absolutamente com a opinião de V. Exa., quanto a não se prolongar a sessão alem da hora regimental, limito-me a enviar esse requerimento para a mesa e a pedir a V. Exa. que se digne reservar-me a palavra para antes da ordem do dia da sessão seguinte.

Desejo tratar a questão da Camara Municipal da Covilhã.

Foi lido na mesa e mandado expedir o requerimento do Digno Par, que é do teor seguinte:

Requeiro que pela Ministerio do Reino me sejam enviados com urgencia:

a) Todos os termos e mais documentos da syndicancia feita á vereação municipal da Covilhã, nos primeiros dias da ultima situação regeneradora;

b) Diplomas que dissolveram essa vereação e mandaram proceder a uma nova eleição n'esse concelho.

Camara dos Dignos Pares, em 30 de novembro de 1906. = G. X. de Almeida Garrett.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Pedi a palavra para dirigir tres perguntas ao Sr. Presidente do Conselho.

Decerto o Sr. Ministro das Obras Publicas communicou a S. Exa. as considerações que eu aqui apresentei na sessão passada, referentes á posse da Camara Municipal da Covilhã.

Mas como o Sr. Presidente do Conselho está agora presente, pergunto a S. Exa. se tem algumas informações acêrca d'esse facto e quaes as providencias que adoptou.

Tambem desejo saber se S. Exa. já providenciou igualmente acêrca dos acontecimentos de Monforte da Beira, relativos a uns terrenos de logradouro publico.

Eu disse que se devia manter o direito dos povos reclamantes, emquanto os tribunaes se não pronunciarem em contrario.

Vou formular a minha terceira pergunta.

Desejo saber se das palavras que o Sr. Presidente do Conselho hoje proferiu em resposta ao Digno Par Campos Henriques se deve concluir que, emquanto não for approvada a nova lei de imprensa, que S. Exa. apresentou á outra casa do Parlamento, o Governo se mantem na resolução de não intervir em qualquer abuso ou delicto de imprensa.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Quanto á primeira pergunta do Digno Par, direi que logo que tive conhecimento das considerações por S. Exa. feitas, telegraphei ao governador civil de Castello Branco, pedindo-lhe informações.

Sobre ellas formarei a minha opinião e então poderei responder cabalmente ao Digno Par.

Com relação ao segundo ponto, isto é, pelo que respeita ao caso de Monforte da Beira, tenho a dizer ao Digno Par que se trata de uma questão antiga e conhecida. Não é mais do que a repetição de casos occorridos em outras epocas.

E eu creio que o Sr. governador civil não tem intervindo senão para manter a ordem publica.

Trata-se do usufructo de uns baldios, a que os povos d'aquella localidade se julgam com direito, direito que lhes é contestado.

O Digno Par fique certo de que este caso só pode ser resolvido pelo poder judicial, e o governador civil só tem de intervir para manter a ordem.

Com relação ao terceiro ponto, liberdade de imprensa, pode o Digno Par tambem estar certo de que o Governo, tendo apresentado uma proposta de lei sobre o assumpto, deseja que ella seja approvada com a maxima brevidade.

Não dei ordem alguma aos delegados do procurador regio para cumprirem as leis de imprensa.

Os delegados teem obrigação de cumprir a lei; e se o não fazem é porque não estavam nesse costume.

Se eu procedesse por outra forma poderia julgar-se que o Governo se inspirava em razões de ordem politica.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Evidentemente não é meu desejo abusar da attenção da Camara, mas V. Exa. comprehende: a importancia e gravidade do assumpto é de tal ordem, que eu preciso de alguns minutos para responder ao Sr. Presidente do Conselho.

E vou fazê-lo muito serenamente, como quem tem a consciencia tranquilla perante tão grave e difficil assumpto, n'este importante momento historico que atravessamos.

O Sr. Presidente do Conselho, ao constituir o seu Governo, entendeu que antes de vir ao Parlamento, antes mesmo de ser apresentado o Discurso da Corôa, no qual se continha o programma do novo Gabinete, devia formula-lo nas reuniões partidarias, e o que ali se passou teve uma grande publicidade.

N'essas reuniões declarava o S. Presidente do Conselho que cumpriria as leis do paiz estrictamente.

Se estou em erro, S. Exa. me rectificará.

Disse S. Exa. em 26 de maio d'es-te anno, no Centro Mello e Sousa, fazendo o programma do Governo:

"Porque, depois de termos provado que é possivel governar com a lei e dentro da lei, ninguem mais ousará, e a ninguem mais será permittido, governar sem ella e fora d'ella".

Duas cousas affirmou o Sr. Conselheiro João Franco: a primeira, que cumpriria sempre as leis; a segunda, que procederia de forma que, cumprindo as leis, ninguem mais, quer dizer, nenhum outro Governo, ousasse deixar de as cumprir.

Pergunto: é lei do paiz a lei de imprensa? É.

O que estabelece?

"Artigo 2.° O direito de expressão do pensamento pela imprensa será livre e como tal independente de censura ou caução, mas o que d'elle abusar em prejuizo da sociedade ou de outrem ficará sujeito á respectiva responsabilidade civil e criminal.

Art. 3.° Serão considerados abusos, nos termos do artigo antecedente e para os effeitos d'esta lei, os crimes de offensa, diffamação, injuria, calumnia, ultraje e provocação, etc.".

Nem outra cousa podia dizer, nem outra cousa disse jamais a lei da imprensa, porque nenhuma lei podia dar, fosse a quem fosse, o direito de exprimir o seu pensamento sem um correctivo e sem uma responsabilidade.

Continuemos a recordar a lei:

"A offensa consiste na publicação de materia, em que haja falta do respeito devido ao Rei, aos membros da Familia Real, soberanos e chefes de nações estrangeiras, ou cujo objecto seja excitar o odio e o desprezo das suas pessoas ou censurar o Rei por actos do Governo".

Estas palavras, no dia de hoje, teem uma significação especial. (Apoiados).

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SESSÃO N.° 34 DE 30 DE NOVEMBRO DE 1906 447

Tal é a lei vigente.

Pergunto ao Sr. Presidente do Conselho: esta lei está sendo cumprida?

Estes abusos estão sendo punidos?

Desconhece-os o Sr. Presidente do Conselho?

De certo que não.

Não ha ninguem no paiz que não tenha d'elles conhecimento; não ha ninguem no paiz que não estranhe que, para o que não é já uma liberdade, não é já um direito, mas um abuso e um crime, não haja correctivo e repressão; porque em paiz nenhum do mundo, qualquer que seja o seu regimen (Apoiados), ou a sua forma de Governo, se permitte a qualquer orgão da imprensa, seja elle qual for, - e eu não distingo nem individualizo não denuncio nem critico, apenas pugno pelo cumprimento da lei -, em paiz nenhum do mundo se consente que qualquer orgão da imprensa diga do Chefe do Estado ou da sua Familia o que hoje, lamentavelmente, em Portugal se está dizendo. (Apoiados).

São abusos que a lei manda punir

Quem é que deve promover essa punição?

A lei é expressa e diz ao artigo 21.°:

"O procedimento judicial pelos cri mês de liberdade de imprensa, fora dos casos em que o Codigo Penal torna a accusação dependente de requerimento de parte, e pelas contravenções ás disposições d'esta lei, será sempre promovido pelo Ministerio Publico, sem dependencia de instruções superiores".

Evidentemente.

Mais do que attribuição, é dever do Ministerio Publico proceder nestes casos mesmo sem dependencia de instrucções superiores.

Não o contesto.

O Sr. Presidente do Conselho vê que eu estou argumentando com absoluta e inteira verdade.

É inegavel que o Ministerio Publico não está cumprindo o seu dever.

Pergunto:

O Ministerio Publico, na sua orbita de acção, está sujeito só aos tribunaes e ao seu julgamento?

Não.

Os delegados do procurador regio estão sujeitos aos procuradores regios como os procuradores regios estão sujeitos ao procurador geral da Corôa, que é o chefe do Ministerio Publico e que é empregado de confiança do Governo.

Pergunto:

Se o procurador geral da Coroa não cumpre o seu dever, se o não faz cumprir pelos seus delegados, é ou não attribuição do Governo fazer que esse dever seja cumprido?

Por isso mesmo que, torno a dizer, o procurador geral da Coroa é empregado de confiança do, Governo, tem este, em presença da lei, a faculdade e o direito, não só isso, o dever e a obrigação, quando o Ministerio Publico não cumprir o seu dever, de lhe recommendar a observancia da lei.

É este o dever do Governo.

Quando um particular é offendido, tem o seu direito proprio e pode usar d'elle independente da promoção do Ministerio Publico; mas quando se trata da pessoa do Rei ou da Familia Real, a promoção do delicto está entregue ao Ministerio Publico; mas se por qualquer motivo o Ministerio Publico se abstem de cumprir o seu dever, o Governo tem não só o direito, mas o dever, de o compelir á observancia do preceitos que na lei estão exarados.

Duas razões apresentou S. Exa., e ambas absolutamente lamentaveis.

A primeira é que, tendo o Governo apresentado ao Parlamento uma proposta de lei sobre liberdade de imprensa, e desejando que ella tenha uma rapida discussão, embora não saiba ainda se o Parlamento concordará ou não com essa proposta, não promove a execução da lei que está em vigor.

Então o Governo tem a faculdade de usar ou deixar de usar de uma lei só porque não está de accordo com algumas das suas disposições?

O Governo tem o direito de propor a substituição ou modificação de uma lei, mas emquanto a lei for lei, tem a obrigação de a cumprir.

Como quer então, á boa paz, o Sr. Presidente do Conselho, que não cumpre a lei com que não concorda, que nenhum outro Governo ouse deixar de a cumprir quando a encontre estabelecida, mas não concordar com as suas disposições?

Adoptado esse principio, a que ponto nos levam as palavras proferidas aqui pelo Sr. Presidente do Conselho?!

Estabelecido esse principio um Governo pode fazer o que entender: se não concordar com uma lei, está dispensado de a fazer cumprir, como S. Exa. não cumpre a lei de imprensa por não concordar com as suas disposições.

Pois, é possivel deixar-se de cumprir uma lei, só porque se discorda das suas disposições?

Permitta-me S. Exa. que lhe diga que é deploravel toda a sua argumentação.

Se o Governo intervier, diz S. Exa., mostra querer perseguir politicamente. Mas quem é que diz ao Sr. Presidente do Conselho que proceda contra este ou aquelle jornal?

S. Exa., chamando o Ministerio Publico ao cumprimento dos seus deveres, faz uma recommendação que está dentro dos limites da lei e das suas attribuições como Governo.

Nada tem que recear, porque quem recommenda que a lei seja cumprida não ordena uma perseguição.

Mas se o principio adoptado por S. Exa. é em geral absurdo e contradictorio, veja o Sr. Presidente do Conselho quanto é grave a affirmação que fez.

S. Exa. julga que para tudo se deve cumprir a lei, excepto pelo que toca á liberdade de imprensa quando é atacada a Corôa, que não tem por si meios de acção propria e que só exerce a sua acção politica por intervenção dos seus Ministros e sob a responsabilidade d'elles.

O Governo, quando se trata da Coroa, que é offendida, atraiçoada, atacada, todos os dias, pela forma mais affrontosa, pela forma mais inconcebivel, o Governo queda-se e nem tem coragem para recommendar aos agentes do Ministerio Publico que cumpram a lei, preferindo, para não passar por perseguidor, deixar a Corôa sem defeza e sem correcção os ataques ao Chefe do Estado.

Esta é a conclusão a que me levam as palavras do Sr. Presidente do Conselho.

Comprehendo que S. Exa. tenha muito amor á proposta de lei que formulou, comprehendo que S. Exa. entenda que ella seja tudo o que ha de melhor em liberdade de imprensa, mas uma cousa não comprehendo - é que S. Exa. deixe n'este momento de cumprir a lei em relação á Corôa, da qual recebeu a investidura da sua suprema confiança.

Outra cousa não comprehendo tambem - é que no Parlamento, onde todos os membros são pessoalmente responsaveis pelas suas opiniões, a liberdade tenha restricções e essas restricções se revistam da forma à mais dura; e que fora do Parlamento onde ninguem pode ter mais liberdade do que no Parlamento, sejam affrontadas as instituições todos os dias, impune e repetidamente.

Ainda hontem o Sr. Ministro das Obras Publicas condemnava o facto de se deixar desprestigiar tudo e todos, abalando um regimen que todos nós temos obrigação de defender e sustentar.

O que o Sr. Presidente do Conselho faz não o comprehendo eu, e digo-o muito singelamente, por descargo de consciencia e por entender que n'este momento faltaria a um dever sagrado se não pronunciasse estas palavras.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente:

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tenho pena de ser obrigado a occupar ainda a attenção da Camara.

Não é por iniciativa minha que os debates se alongam n'esta casa do Parlamento, já depois de tratada a ordem do dia.

Por minha parte procuro sempre manter-me dentro do Regimento.

Mas perante a accusação tão violenta, tão injusta, tão infundada, que me fez o Sr. Hintze Ribeiro, eu não podia deixar de usar da palavra para dizer a S. Exa. que nunca sustentei que a lei de liberdade de imprensa não deve ser cumprida como lei do paiz.

Simplesmente, Sr. Presidente, no que o Digno Par se confundiu foi na situação que em face d'essa lei tem o Governo e n'aquella que tem o poder judicial.

Ao Governo não é que incumbe cumprir a lei de liberdade de imprensa.

O procedimento contra os crimes previstos no Codigo Penal ou em leis especiaes pertence ao poder judiciai.

Como V. Exa. sabe, nas proprias disposições da lei em vigor, lei que é do tempo do Sr. Hintze Ribeiro, muito expressamente se declara que o Ministerio Publico é o incumbido da apreciação d'esses delictos e, consequentemente, de promover a repressão d'elles.

E uma vez que isso vem consignado na lei, é justamente isso que tem sido observado pelo actual Governo.

Os abusos de liberdade de imprensa são de todos os tempos.

Houve-os até n'um certo periodo, com muita intensidade, em artigos dirigidos á Coroa, assumpto a que hoje se referiu especialmente o Digno Par.

Foi no tempo em que Fontes Pereira de Mello era chefe do Governo.

Numerosos artigos se escreveram e graves injurias foram feitas á Corôa e em geral aos poderes politicos.

Pois nunca foi por meio de uma intervenção directa d'esses poderes que os agentes do Ministerio Publico cumpriram o dever de fazer respeitar os direitos e a dignidade dos poderes politicos.

Não ha duvida nenhuma de que o Digno Par e eu estamos inteiramente separados n'este ponto, como em muitos outros; mas tomarem-se contas ao Governo porque não executa uma lei que ao poder judicial pertence fazer cumprir, ha de permittir S. Exa. que lhe diga que tal facto se não comprehende na logica nem nos principios de legislação.

Estamos tão separados, o Digno Par e eu, que não tenho duvida em declarar perante a Camara que não faço e não farei apprehensão de jornaes.

Não lanço mão d'esse recurso, porque entendo que é contraproducente. (Apoiados}

Com a apprehensão o que se faz é chamar a attenção do publico para um jornal que ás vezes é pouco conhecido, mas que á sombra d'esse facto consegue vender os exemplares que puderam escapar á apprehensão e attrahir leitores, que nunca affluiriam se se deixasse circular o jornal.

Este é, claramente o digo, o meu criterio"

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - V. Exa. não pode ter a pretensão de querer impor o seu criterio a ninguem.

O Orador: - Eu não quero impor o meu criterio a ninguem, V. Exa. é que me quer impor o seu criterio, attribuindo-me, segando elle, a responsabilidade de não cumprir os meus deveres para com a Corôa e para com o paiz.

Tenho a convicção de que cumpri a lei, e sob o ponto de vista politico fui buscar um exemplo que por todos deve ser respeitado, o de Fontes Pereira de Mello numa epoca de luctas politicas bem agitadas.

Repito, apprehensões de jornaes não as faço.

Com respeito á imposição de responsabilidades aos agentes do Ministerio Publico que não cumpram as leis e o seu dever, o Governo usará d'esse direito quando entenda que o deve fazer.

O Governo não deu nem podia dar ordens para que os delegados não cumprissem as suas obrigações, tanto com relação a abusos de liberdade de imprensa como a quaesquer outros delictos.

Estas questões estão reguladas, o Ministerio Publico é que tem de intervir; eu nunca dei instrucções, nem sequer fiz qualquer vaga insinuação a este respeito.

Sr. Presidente: o que julgo indispensavel, e por isso o Governo usou da sua iniciativa na Camara dos Senhores Deputados apresentando uma proposta n'esse sentido, é collocar as cousas de forma e maneira que os tribunaes possam julgar os delictos de liberdade de imprensa com absoluta independencia do poder executivo e fora de toda a suspeição politica.

O Sr. Conde de Lagoaça: - V. Exa. como Presidente do Conselho entende que nas referencias feitas ao Chefe do Estado o Ministerio Publico tem cumprido os seus deveres?

O Orador: - O Ministerio Publico não cumpre o seu dever desde que n'uma determinada hypothese a lei obriga a proceder criminalmente, e elle de facto não procede.

A lei é clara, não é ao Governo mas ao poder judicial que compete occupar-se d'este assumpto, sem necessidade de instrucções superiores.

Que ámanhã seja ou não approvada a lei sobre este assumpto, eu entendo que quem deve intervir é, não o poder executivo, mas sim o poder judicial.

Por aqui me quedo, sem ser necessario accrescentar mais nada: como precedentes tenho os melhores; como criterio tenho o meu proprio e o de muitos dos meus amigos que tenho consultado sobre o assumpto.

Acêrca dos effeitos de qualquer campanha politica levantada na imprensa, apenas direi, para concluir, que Deus nos livre de chegarmos a um tempo em que as instituições trepidassem por qualquer foliculario se lembrar de investir contra ellas.

Repito, não farei apprehensões de jornaes.

Ao poder judicial é que compete proceder contra os abusos de liberdade de imprensa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Camara sobre se entende que se deva continuar a dar a palavra aos oradores que se inscreverem para antes de encerrada a sessão.

Os Dignos Pares que são de parecer que se deve acabar com este systema, tenham a bondade de se levantar, e deixarem estar de pé.

O Sr. João Arroyo: - Eu protesto contra as palavras de V. Exa.

Isso importa reformar o Regimento.

Vozes: - V. Exa. não pode reformar o Regimento.

O Sr. Presidente: - Eu aqui sou o Presidente, e não permitto que ninguem me interrompa.

O Sr. Presidente agita fortemente a campainha.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. não pode reformar o Regimento.

Ninguem o pretenderia fazer n'esse logar.

O Sr. Presidente: - Eu não posso reformar o Regimento, mas tenho o direito de consultar a Camara sobre a suar interpretação. (Apoiados).

É o que n'este logar fariam todos os Presidentes. (Apoiados).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Eu peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu responda ao Sr. Presidente do Conselho.

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SESSÃO N.° 34 DE 30 DE NOVEMBRO DE 1906 449

O Sr. Conde de Lagoaça: - Peço a palavra sobre o modo de propor.

O Sr. Presidente: - Não dou a palavra a ninguem sem primeiro consultar a Camara. Os Dignos Pares que são de parecer que se acabe com este systema de dar a palavra antes de se encerrar a sessão, tenham a bondade de se levantar e conservar-se de pé.

(Foi approvado).

O Sr. Presidente: - Vamos proceder agora á contra-prova.

Vozes: - De quê? e para quê? Isto é a reforma do Regimento. Nós não votamos nada.

O Sr. Presidente (Agitando fortemente a campainha): - Não permitto que me interrompam. Os Dignos Pares que reprovam, tenham a bondade de se levantar.

(Feita a contagem dos Dignos Pares que se levantaram, verificou-se ter sido approvada a proposta).

O Sr. Presidente: - Agora vou consultar a Camara sobre se permitte que eu dê a palavra ao Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, que a tinha pedido antes da resolução da Camara.

(Consultada a Camara pronunciou-se a favor).

O Sr. Teixeira de Sousa: - D'esta forma fica revogada a primeira decisão.

O Sr. Pimentel Pinto: - É uma disposição com dois artigos. O segundo revoga o primeiro.

O Sr. Presidente: - Procedendo assim, quero afastar d'este logar qualquer ideia que possa melindrar designadamente algum Digno Par.

Só tive em vista provocar uma resolução' da Camara para me regular de futuro. (Apoiados).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Com inteira moderação e serenidade usarei da palavra.

Não quero que se possa dizer que na minha Camara as discussões correm apaixonadas, se bem que não deixe de reconhecer a qualquer membro d'esta Camara o direito pleno de intervir, como entenda, nos debates parlamentares. (Apoiados).

Respeito a todos, sim, mas não admittirei qualquer violencia feita áquelles que se julguem no exercicio legitimos dos seus direitos. (Apoiados}.

Muito poucas palavras em resposta ao Sr. Presidente do Conselho.

O chefe do Governo não teve, para se defender da accusação clara e precisa que eu lhe fiz, senão o precedente do tempo de Fontes Pereira de Mello.

No tempo de Fontes, não havia a lei que hoje vigora, e a epoca e as circumstancias eram diversas das de hoje.

S.. Exa., recorrendo a esta argumentação, mostrou claramente que lhe falta o terreno debaixo dos pés.

Depois, ha que notar uma contradicção flagrantissima.

O Sr. Presidente do Conselho, ao mesmo tempo que sustenta que as repressões á imprensa só logram augmentar a tiragem dos jornaes e chamar sobre elles as attenções que até ahi lhes não eram dispensadas, apresenta á outra Camara uma nova lei em que as repressões excedem em violencia as que se encontram na legislação actual.

O Sr. Presidente do Conselho exaltando-se, quando eu não me exaltei, diz que em nada os abusos da imprensa conseguem amesquinhar a Corôa.

Sei isso muito bem. Sei que, mercê de Deus, a Corôa Portugueza está bastante firme para que não sossobre perante os ataques de qualquer jornal que se lembre de investir contra ella.

As instituições que nos regem teem por si a tradição de muitos annos e os affectos da alma nacional.

Teem ainda a seu favor exemplos de brandura, de educação, de altruismo preclaro, ingentes e fulgurantes, que a nossa historia regista.

Bem sei que não são os artigos de qualquer foliculario que lhe entibiam a grandeza; mas não se admitte que se falte tão impunemente ao respeito que é devido ao Chefe do Estado e á sua Familia. (Apoiados).

Prezo-me de ser um homem de bem, sem duvida.

Se amanhã um jornal qualquer me dirigir um epitheto affrontoso, não maculará a minha honra, mas fere-me, e desde que me fere, eu tenho o direito de desforço.

Quando os jornaes atacam a Coroa não a derruem, nem certamente lhe empanam o brilho ou alteram o prestigio; mas não se pode consentir que esse ataque fique impune, havendo, como ha, uma lei repressiva de semelhantes abusos.

Não vejo um só argumento da parte do Sr. Presidente do Conselho que resista á mais leve critica.

N'este assumpto S. Exa. tem uma forma de pensar differente da minha? Tem. Os seus principios são outros? São.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - Já foram os mesmos. Hoje os de S. Exa. são absolutamente antagónicos com os meus.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Apoiado.

O Orador: - S. Exa. renegou do seu passado. Eu estou onde estava.

Tem S. Exa. uma maneira de pensar differente da minha? Governe com ella; o que não pode impedir é que, n'uma questão grave como esta, cumprindo o meu dever, com verdade sincera, com a convicção leal e desinteressada que me anima, eu diga, em homenagem á Monarchia, em Portugal, que o Governo tem obrigação estricta de sustentar e manter as regalias da Coroa. (Apoiados).

Fique S. Exa. com os seus princicipios. Eu ficarei com as minhas convicções.

O Sr. Presidente do Conselho conhece-me bastante, como eu o conheço, para saber que nenhum de nós se dobra, nem ás imposições nem ás pretensões do outro.

Mas então não tenha nunca S. Exa. a audacia de. vir dizer ao Parlamento que é necessario fazer tabua rasa do passado, que é a minha gloria, muito embora seja a sua penitencia, para que no futuro tudo caminhe dentro dos moldes, para que tudo gravite dentro da orbita que S. Exa. agora traçou.

Eu fico onde estou; preso ás minhas tradições, seguro dos meus pensamentos, defendendo os meus actos, no futuro como no passado, amanhã como hoje; e quem me quizer assim, assim me terá: quem não me quizer assim, não me ha de encontrar.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Na proximo segunda feira, 3, continua a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 10 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 30 de novembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal; Arcebispo de Calcedonia; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Lagoaça, de Paraty, de Sabugosa, de Tarouca, de Villar Secco; Viscondes: de Asseca, de Monte São, de Tinalhas; Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto

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450 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Gama Barros, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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