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452 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

thepe, investigarei a genesis d´aquelles tristissimos acontecimentos, e parallelamente farei a analyse das affirmações infelizes do Sr. Presidente do Conselho, proferidas nas ultimas sessões d'esta Camara. Assegurara eu, em àparte, que o Paiz estava mudo.

Não concordou com isso o Sr. João Franco, que entende que elle fala sempre, o caso é comprehendel-o.

Na verdade, falou no sabbado e no domingo, e por forma que o Sr. Presidente do Conselho, que se jacta de lhe decifrar as meias palavras, deveria ficar edificado com as estrondosas asseverações dos ultimos dias.

Mas, Sr. Presidente, vamos a mais de dois mezes de periodo parlamentar e o artigo 7.° da lei de 3 de abril de 1896, da referenda do Sr. Presidente do Conselho, determina, como no caso actual, que, quando a Camara Electiva for dissolvida sem estarem approvados oo orçamentos e as outras leis constitucionaes, o Parlamento será convocado dentro de tres meses a contar da dissolução, quer em sessão ordinaria, quer em sessão extraordinaria, para o exclusivo fim de apreciar esses diplomas.

Não obstante tão terminantes disposições, o orçamento continua sem ser discutido na Camara dos Senhores Deputados, e outro tanto succede para com as leis de fixação da força publica e do contingente dos recrutas, sem haver sequer desculpa para tão illegal retrahimento.

Chegou-se ao extremo de se pagar o tributo de sangue, postergando-se os preliminares estatuidos na lei!

Se o Paiz não estivesse mudo, não teria protestado, e bem alto, contra infracções d'estas?

Do mesmo modo, se teria insurgido, por certo, contra as reformas apresentadas: — da lei perversa de 13 de fevereiro; do Juizo de Instrucção Criminal; e da livre emissão do pensamento, — todas ellas tão destoantes dos mais elementares preceitos de liberalismo.

Eu sei que o Sr. Presidente do Conselho encara todas estas questões por mui differente prisma do resto dos mortaes.

Attribuo esta sua maneira de ver a estar affectado pela doença do altonismo, cujos effeitos perniciosos demandam apurada escolha para os conductores de comboios ferro-viarios.

Ora sendo o Sr. Presidente do Conselho quem conduz o carro do Estado, mal, muito mal vae para os negocios publicos que S. Exa. seja atacado de tão nociva enfermidade. N'um ponto, apenas, mostra que a sua visualidade é do bom quilate. Refiro-me á tolerancia que tem mantido, até agora, para com a imprensa, deixando livre a penna do escriptor e o lapis do caricaturista.

Se, porem, se tornar em lei o respectivo projecto, sujeito á apreciação parlamentar, a situação do jornalista será positivamente intoleravel — de natureza a não a haver mais compromettedora e intoleravel em paiz algum civilizado.

Na vigencia da tolerancia actual, apropriadamente citou o Sr. João Franco os antecedentes regeneradores. Com effeito, a lei de 17 de maio de 1866, que mais liberal nunca a houve entre nós, foi devida a um Ministerio cujo Presidente era Joaquim Antonio de Aguiar, e entre cujos membros figuravam Corvo, Fontes, Casal Ribeiro e Barjona.

Com tão boa companhia, a impugnação e ataque, que possam apparecer a processos tolerantes, perdem fundamentalmente em autoridade.

De resto, a livre emissão do pensamento evita os atropelos e o arbitrio, que só se patenteiam onde não haja fiscalização que tal nome mereça.

N'estas circumstancias, as desposas desordenadas, feitas com as obras nos palacios reaes, e bem assim os adeantamentos á Familia Real, nunca teriam existido, se a imprensa tivesse podido exercer a sua benefica acção, como está praticando actualmente.

Os defensores da repressão asseguram que, em paiz algum, a critica jornalistica é mais acerba, nem mais apaixonada. Pelo que me respeita, sem acceitar semelhante ponderação, objectarei que o que se não pratica em parte alguma são os actos escandalosos que entre nós se teem dado.

Por exemplo, com as obras dos paços reaes, a Carta Constitucional é expressa, quando estabelece:

Artigo 85.° Os palacios e os terrenos reaes, que teem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores, e as Côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes por decencia e recreio do Rei.

Conforme se observa, somente ás Côrtes compete auctorizar obras e acquisições dos Paços Reaes. A lei de 16 de julho de 1855, referendada por Fontes, é não menos clara—mais uma vez o recordo — quando estatue :

Artigo 4.° É autorizado o Governo a dispender annualmente até a quantia de 6 contos de réis para os concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins, que nos termos do artigo ancedente não podem ser arrendados. A todos os outros bens são applicaveis as regras geraes de direito, relativas aos concertos e reparações a que é obrigado qualquer usufructuario.

Qualquer usufructuario note-se bem.

Pois é em condições d'estas que se teem levado a effeito, illegalmente, as obras mais dispendiosas, dispensaveis e inuteis, que nem sequer concorrem eficazmente para combater a crise da mão de obra.

Muitas d'estas obras teem sido realizadas por empreitada, sem n'ellas serem admittidos os operarios da construcção civil, que, sem trabalho, o solicitam pelo Ministerio das Obras Publicas.

No cultivo d'estas irregularidades, o Governo actual não tem enveredado por caminho differente dos seus antecessores.

A imprensa naturalmente estigmatiza estes desmandos. Pois é contra ella que trovejam os responsaveis do que se tem praticado, no genero, com menoscabo dos interesses do Thesouro e do respeito á lei.

Com a questão dos adeantamentos a situação é similar.

Concordo, como concordei sempre, com o Sr. João Franco, por ter trazido o assumpto á apreciação do Parlamento.

Insurjo-me, porém, contra o facto de S. Exa. não ter falado claro, em tempo proprio, contraditando as declarações dos tres anteriores Presidentes do Conselho, o que o deixou na mais desgraçada posição.

Mas, quer prevaleçam as asseverações do Sr. Presidente do Conselho, quer as desculpas dos seus antecessores, as responsabilidades não diminuiram no minimo ponto.

A lei de 28 de junho de 1890, da referenda do Sr. João Franco, e estabelecendo a dotação do actual chefe do Estado e de sua familia, determina:

Artigo 6.° Nenhuma outra quantia, alem das mencionadas nos artigos antecedentes, qualquer que seja «a sua natureza ou denominação», será abonada para as despesas da Casa Real.

É terminante e expresso. Como poderia, portanto, deixar de ser pungente a critica jornalistica, attentas as infracções commettidas e que demandam prompta reparação?

Nesta parte, professo a opinião inequivoca que já exprimi, e que reavivo agora, nos seguintes termos:

Ao Erario tem de fazer regressão, com os juros correspondentes, as sommas d'elle desviadas. Os responsaveis pelo desvio devem responder judicialmente por esse acto.

Não ha sair d'aqui, em presença dos mais elementares principios de justiça, e das mais nitidas disposições legaes.

E acaba-se com a propaganda de sobreposse contra a imprensa, que cumpre, e bem, o seu dever, verberando excessos, que só existem onde ella não