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454 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mara se iniciei as minhas considerações dando-lhes um tem acalorado; mas isso resultou de ver a Camara erguer-se contra o procedimento governativo, e inflingir-lhe uma verdadeira censura, por elle tentar fugir a uma orientação que lhe era imposta por um verdadeiro criterio de prudencia e de administração.

O vento de insania que reina na atmosphera do poder, esta absoluta discordancia que existe entre os desejos do Governo e a attitude da sua maioria, são incontrastaveis symptomas de desordem e de indisciplina.

Tudo isto significa que no fundo da consciencia de cada um, no fundo do coração de cada um, predomina o impulso de uma verdade, fala a voz de um remorso, e existe a plena certeza de que os acontecimentos da cidade do Porto, de ante-hontem e hontem, representam factos cuja gravidade é inutil que o Governo procure encobrir.

Esses factos representam a consequencia do deploravel procedimento politico do Governo, desde que se abriu o Parlamento.

Sr. Presidente: desde o momento em que diversos Dignos Pares, que constituem a maioria parlamentar, se levantam contra a vontade do Governo, e se pronunciam contra o adiamento que elle desejava da prestação das responsabilidades que lhe competem, isso significa que acima de quaesquer conveniencias partidarias, acima de quaesquer affectos que lhes mereça a actual situação politica, elles reconhecem a verdade dos factos, e comprehendem que o poder não pode estar por mais tempo entregue a mãos tão inhabeis, a homens que não possuem nem prudencia, nem tino governativo.

É porque se comprehende que é emfim chegado o momento de se estabelecerem ás boas normas de administração.

Sr. Presidente: alem da gravidade extrema dos acontecimentos occorridos no Porto na noite de ante-hontem, eu devo dizer a V. Exa. que outro motivo muito especial me obriga a usar da palavra n'este momento.

Não posso, Sr. Presidente, esquecer que sou do Porto, no Porto nasci, ahi me desenvolvi para as lutas do espirito e ahi bebi as primeiras lições de verdadeira educação civica.

Tambem não posso esquecer-me de que o Porto me honrou, dando-me a sua representação parlamentar em tres legislaturas.

Assim eu duplicadamente faltaria aos meus deveres se não erguesse a minha voz na sessão de hoje, para lamentar, por uma forma breve, mas verdadeiramente sentida, os acontecimentos que ali se deram, e explicar á Camara a sua verdadeira origem, e dizer-lhe

que a responsabilidade de toda essa scena lamentavel se deve ao chefe da situação.

Eu faltaria, pois, ao meu dever se não viesse relatar á Camara os acontecimentos, e apontar-lhe a sua verdadeira causa, e perguntar se porventura o Sr. Presidente do Conselho podia ainda assumir perante as Camaras portuguezas o simulacro de auctoridade politica de que se julga investido.

Sr. Presidente: eu creio que nenhum orgão da imprensa periodica conseguiu dar ao paiz, e em especial á cidade de Lisboa, a verdadeira ideia do que foram os acontecimentos occoridos na primeira cidade do norte em a noite de ante-hontem 1 de dezembro.

Por cartas d'ali recebidas, por informações directas obtidas de testemunhas presenciaes, apura-se que esses acontecimentos foram muito mais graves do que os occorridos em Lisboa na noite de 4 de maio; apura-se que acontecimentos que enlutaram então a cidade de Lisboa, pelo que representaram de ataque ás garantias da nação portugueza, não foram comparaveis em intensidade de abuso de poder aos que occorreram agora no Porto, onde se praticaram violencias de toda a ordem.

No Porto, durante o dia l, era absolutamente conhecida a disposição da auctoridade: dizia-se, em todos os circulos de conversa, em todos os centros de reunião, nas redacções dos jornaes, em toda a parte, emfim, onde se apuram hora a hora as indicações da opinião e se prognosticam os acontecimentos que estão para vir, dizia-se que a noite de 1 de dezembro veria succederem-se acontecimentos mais do que lamentaveis; dizia-se que taes acontecimentos se produziriam, porque a auctoridade estava resolvida com o seu alarde, com os seus exageros, a provocar a multidão, a pôr em espectaculo um desenvolvimento scenographico de forças militares, de modo que a plebe, enthusiasmada, indo atrás das suas convicções, do élan, do arrebatamento de momento, caisse instantaneamente no laço que lhe era armado.

Com effeito, horas antes de chegar ao Porto o comboio que conduzia áquella cidade os Deputados republicanos, não era só a policia que guarnecia as vizinhanças da gare de S. Bento, era a cavallaria, era a guarda municipal que, tomando differentes pontos de posição dominadora d'aquella gare, se entretinha em correrias, em evoluções através das ruas, das travessas e das praças que a cercam.

O facto é que d'este desenvolvimento exagerado, d'este alarde de força publica, d'esta provocação constante feita pela auctoridade á população, resultou pouco a pouco, dentro da cidade, e especialmente nos que desejavam assistir á chegada dos Deputados republicanos, criar-se uma atmosphera de mais do que irritação, de indignação contra esse abuso da força, que não podia deixar de dar tristes e lamentaveis resultados.

Não venho discutir em especial com o Sr. Presidente do Conselho se á esquina de tal rua foi a pedrada que primeiro voou, ou se primeiro se disparou o revólver da cavallaria. Não venho discutir com o Sr. Presidente do Conselho se foi no alto da Rua de Passos Manoel, na Rua de Santa Catharina, na Praça da Batalha, ou emfim, em qualquer d'aquelles logares que presencearam pela primeira vez a tentativa de formação das barricadas; não venho discutir se foi ahi que primeiro se soltou o grito de indignação contra o procedimento, quer da policia, quer da guarda municipal, ou se foi esta que primeiro acutilou o povo desarmado. O que venho dizer-lhe é que, se o Sr. Presidente do Conselho tivesse sabido dar ás auctoridades representativas de S. Exa. n'aquelle districto instrucções de prudencia e cordura, ordenando-lhes uma modesta exhibição da força publica, as auctoridades ter-se-hiam mantido dentro de um apparato, simplesmente policial, e não se teriam dado os graves acontecimentos que puzeram um homem em perigo de vida e em que alguns outros ficaram feridos.

Sr. Presidente: V. Exa. conhece, como eu, como todos nós conhecemos, o caracter probo da população do norte, mas ao mesmo tempo o brio, o temperamento da população do Porto.

Aquella população, Sr. Presidente do Conselho, não se domina com esquadrões de cavallaria e pelotões de força armada, como a desafiá-la para o combate!

Aquella população, Sr. Presidente do Conselho, não se trata como uma serie de cidadãos sem consciencia, sem brio, sem pundonor, perante os quaes seja preciso exercer uma violencia d'esta ordem!

A população do Porto respeita-se no exercicio liberrimo dos seus direitos civicos; não se atropella, nem se derruba, com patas dos cavallos; não se assassina com tiros de revólver, não se acutila com as espadas da cavallaria!

A espada dos soldados portuguezes serve para mais alguma cousa do que para proteger as leviandades dos Governos gastos, exautorados, perdidos para o paiz.

Ha uma força armada em Portugal, mas ha tambem uma consciencia nacional, e a força armada não se creou para defender um Governo, que não conserva a menor parcela da auctoridade politica indispensavel para occupar aquellas cadeiras.

Sr. Presidente: uma multidão fre-