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SESSÃO N.° 35 DE 3 DE DEZEMBRO DE 1906 455

mente e excitada por uma serie de demonstrações militares de repressão escusada, não ouve as vozes do enramando, não ouve as advertencias de fogo.

E quando a força armada mal dirigida, mal orientada peias auctoridades publicas, abusando da fraqueza de um povo, o acutila e mata em defesa de um Governo desprestigiado e gasto, essa força commette, não direi no livre exercicio da sua vontade, pois que o soldado cumpre o seu dever, visto ser mandado, mas relativamente ao ponto de onde dimana a ordem, essa força comette um crime que no caso presente ficará gravado com manchas de sangue, como as que ennodoaram as das do Porto na noite de 1 de dezembro.

E porque se fez isto? E para que se fez isto?

Sr. Presidente: tenho plena consciencia dos deveres que me assistem, no exercicio dos direitos parlamentares; conheço o regimento d´esta casa e não commetterei, nunca poderia commetter o erro de tratar n'esta Camara opiniões ou votações da outra casa do Parlamento; mas quero voltar-me para o Sr. Presidente do Conselho, chefe do Governo de, 1906, como Ministro do Reino em 1894; eu, que n'esse anno tive ajusta coragem parlamentar e ajusta audacia politica para, perante factos excepcionaes de momento, apresentar na Camara dos Senhores Deputados a reforma do regimento que deu as medidas coercitivas do que actualmente vigora; eu, que possuo n'este assumpto autoridade especial, pois que n'essa conjunctura puz, com toda a dedicação da minha fé partidaria, tudo quanto valia e podia, em serviço do Governo que apoiava, com a minha palavra e com a minha acção parlamentar; eu, que tenho todo o direito de falar com essa força especial que os antecedentes politicos dão á minha voz; eu quero voltar-me para S. Exa. e dizer-lhe face a face, perante o paiz, que tal regimento não se fez senão para ser cumprido religiosamente, com prudencia, com affecto, e para que a força de que está investido o Presidente da Camara se esteie no conselho, na persuasão, no tino, e nunca na videncia escusada, ou na inopportuna applicação dos meios coercitivos.

E dito isto, voltando á scena politica e governativa, vou dirigir-me mais especialmente ao Sr. João Franco, perguntando-lhe quem é o responsavel d'esta atmosphera unica de effervescencia politica em que vivemos, e d'esta exaltação de animos, elevada ao rubro na cidade do Porto, contra a qual e por isso mesmo S. Exa. teve que empregar as forças de cavallaria da guarda municipal? Quem é o responsavel politico senão V. Exa., que trouxe ao Parlamento a questão dos adeantamentos á Casa Real, e que depois não teve a coragem civica, nem governativa de arcar com essa responsabilidade unica que pende sobre o chefe de uma situação que assim procede, apresentando-se no seio do Parlamento Portuguez, disposto a dirimir completamente as responsabilidades proprias dessa questão ?

Mas S. Exa. ainda depois soffreu o desgosto maximo de se ver em pleno Parlamento Portuguez contradictado por tres illustres ex-Presidentes do Conselho, que sem tergiversações, sem a menor possibilidade de duvida, reduziram a uma negativa formal-as affirmações de S. Exa.

Pois mudo e quedo, o Sr. Presidente do Conselho, não ouviu o Sr. Hintze Ribeiro, o Sr. José Luciano de Castro e o Sr. José Dias Ferreira, que oppuzeram uma negação formal ás affirmações por S. Exa. feitas na outra casa do Parlamento?

Pois não vimos nós, Sr. Presidente, o Sr. João Franco permanecer immovel n'aquellas cadeiras, e não se erguer, n'uma irrupção da sua dignidade politica, para formular um desmentido ás asserções d'aquelles Dignos Pares?

Pois não presenceamos nós o Chefe do Governo ouvir tudo isso, e engulir tudo isso, e permanecer immovel, calado, silencioso, no seu logar ?

E a seguir, não vimos nós o Sr. João Franco furtar-se ás discussões parlamentares, fugir d'esta sala quando falava o Digno Par Sr. Baracho, e deixar de me responder a mim na ultima sessão, elle, um parlamentar de qualidades mais que notaveis para estabelecer e desensolver os incidentes de uma defesa?

Ah! Sr. Presidente do Conselho, quem perdeu para todo o sempre a auctoridade politica de governante, quem perdeu para todo o sempre a auctoridade parlamentar, quem não respondeu, perante esta Camara, como chefe de uma situação, ás affirmações que aqui foram produzidas, está absolutamente incapacitado de levar a força atraz de si para punir abusiva e violentamente os cidadãos que pugnam pelos verdadeiros interesses nacionaes, e que se esforçam por que sejam aclarados pontos obscuros da administração publica.

O homem que assim procede e que pratica actos d'estes não pode matar em nome da lei, não pode ferir em nome da salvação do Estado, não pode atacar violentamente os cidadãos que luctam pelos seus direitos, porque esse homem é um incompetente, e, em absoluto, um incapaz de governar.

A consciencia do Sr. João Franco ha de dizer lhe que a força publica se não fez para o defender a elle, que morreu para a scena politica portugueza.

Isto dito, Sr. Presidente, eu não mais me alargarei em considerações; todavia não quero pôr termo ás minhas palavra, sem enviar do alto d'esta tribuna, á nobre e invicta cidade do Porto, como homenagem da minha extrema consideração, a affirmação do meu intimo pesar, pelas scenas mais que deploraveis, que enluctaram os annaes da nobre cidade, na noite de 1 de dezembro.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Sr. Presidente, procurarei tomar á Camara o menos tempo possivel.

No que disse o Sr. João Arroyo, ha uma cousa que é perfeitamente exacta: é que por parte do Governo nenhum, interesse havia em que esta Camara preterisse a ordem do dia para se entreter por largo espaço de tempo com um assumpto cujo adiamento não faz perigar a ordem publica.

Simplesmente, o Governo, se não desse hoje explicações á Camara sobre os acontecimentos do Poto, dá-las-hia da mesma forma e com igual sinceridade amanhã, sem que d'ahi resultasse inconveniente algum.

Sr. Presidente: estimo bastante que se apresentasse este ensejo para dizer aquillo que o Governo pensa, a fim de que a Camara dos Dignos Pares, inteirada do criterio do Governo, possa, por sua parte, orientar o seu juizo como em seu alto espirito entender.

Ha dois mezes que está aberto o Parlamento Portuguez. Ha dois mezes que na Camara dos Pares, as questões politicas se succedem umas ás outras, ininterruptamente.

Terminam umas, surgem logo outras; tudo serve de assumpto para entorpecer por completo o andamento dos trabalhos parlamentares. (Apoiados).

Ainda não ha muito tempo se dizia aqui que não havia, assumptos para discutir. Parece-me que hoje já isso se não pode dizer.

E evidente que o Governo, como poder executivo, tem não só obrigação de administrar o paiz, como de dar ao Parlamento conta dos seus actos e defender as suas propostas; mas a forma orno n'esta Camara teem corrido os trabalhos parlamentares, inhibe o Governo de prestar á administração do paiz e á gerencia dos negocios publicos aquelle cuidado e interesse que são precisos e indispensaveis.

O Governo entende que tal orientação é bastante prejudicial ao paiz.

O Governo entende que a continua-