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APPENDICE Á SESSÃO N.° 35 DE 18 DE MARÇO DE 1904 414-A

Discurso proferido pelo Digno Par do Reino Jacinto Candido, que devia ler-se a pag. 403, col. 2.ª da sessão n.º 35 de 18 de março de 1904

Sr. Presidente: - Antes de entrar propriamente na materia em ordem do dia, é impreterivel e grato dever meu apreciar e liquidar um incidente suscitado pelo Sr. Presidente do Conselho, a proposito do nobre Conde de Samodães, um dos mais prestigiosos chefes do partido nacionalista, a que tenho a honra de pertencer, estadista sob todos os pontos de vista notavel, eminente homem de letras, profundo e consciencioso sabio, em quem não sei mais o que admirar, se a robusta e penetrante intelligencia, lucidissima, se a rara aptidão de trabalho, se a energia de acção, se o saber vasto e profundo.

Porque, Sr. Presidente, neste vulto respeitavel e venerando, que é, sem duvida, uma authentica gloria nacional, conjugam-se, na mais completa e rara harmonia, a aptidão do sabio, que não descansa no trabalho intellectual, profundando os problemas da sciencia no silencio e recato do seu gabinete, e a acção effectiva e energica do homem publico, que se consagra, dedicada e denodadamente, a uma patriotica campanha pelo bem do seu país.

É um intellectual, no mais elevado sentido da palavra; mas é um homem de Estado ao mesmo tempo, em que, á altura e profundeza do conceito, se allia a mais pujante, a mais pronta e a mais decidida acção politica. Está tanto á sua vontade na tranquillidade da sua bibliotheca, como no centro da mais agitada e turbulenta assembleia.

Sr. Presidente: o illustre Conde de Samodães, antigo Ministro, decano respeitado d'esta Camara, e o mais antigo parlamentar portuguez, abandonou o conforto e remanso do seu lar, para dar ao seu país os beneficios valiosissimos da sua cooperação na politica militante, abraçando as doutrinas nacionalistas, de cujo partido foi logo, como era de inteira justiça, e como naturalmente se impunha, um dos chefes de maior autoridade e supremacia.

É um benemerito merecedor dos maiores encómios, porque é um patriota sincero e convicto.

O Sr. Presidente do Conselho foi injusto, levantando este incidente, e referindo-se com desfavor ao Sr. Conde de Samodães.

(Interrupção do Sr. Hintze Ribeiro).

Estimo sinceramente, Sr. Presidente, a primeira parte das declarações do Sr. Presidente do Conselho; quanto á segunda parte devo affirmar, por ser minha sincera convicção, que o Governo, como todos os elementos de ordem, só devem agradecimentos e gratidão ao Sr. Conde de Samodães, por ter acceitado a presidencia de um comicio popular, em que se achavam representados todos os partidos politicos e todas as ciasses sociaes.

Honraram-se os que offereceram essa presidencia ao illustre estadista, que tambem d'ella se devia legitimamente ufanar.

O Sr. Conde de Samodães, como nacionalista que é, pertence naturalmente á direita conservadora da politica portugueza; e por isso é um seguro elemento de ordem, e uma solida garantia contra desvarios e desmandos.

Foi grande o serviço prestado pelo illustre e distincto homem publico. Mal agradecido é o Governo em lh'o não reconhecer.

Os partidos enrolaram e abateram as suas bandeiras partidarias, para só considerarem, dentro da ordem e da lei, num accordo commum e leal, os supremos e sagrados interesses da Patria.

É para apreciar-se e para applaudir esta honrada, leal e desinteressada manifestação. Não merece reparos e muito menos censuras.

Não estava eu nesta sala quando, no seu discurso, o Sr. Presidente do Conselho se referiu ao Sr. Conde de Samodães; mas logo que entrei, d'essa referencia fui avisado, e d'aqui mesmo telegraphei a S. Exa., dando-lhe conta da informação que acabava de receber, e pedindo-lhe que viesse a esta Camara para liquidar o incidente.

Era o cumprimento do meu dever, como amigo leal.

Infelizmente o nobre estadista não póde vir honrar as nossas sessões, com a sua valiosissima e autorizada collaboração, porque lh'o impediu doença de pessoa muito querida de familia, mas espero e confio em que virá logo que desappareça este impedimento.

Comtudo, S. Exa. deu-me a honra de me escrever uma longa carta, da qual peço licença á Camara para ler o seguinte trecho:

"... O Sr. Hintze Ribeiro, vindo após 34 annos falar em questões liquidadas, mostra que não tem bons argumentos em sua defesa.

Seria archaico ir eu agora travar uma sabatina sobre os actos de 1868 e 1869. Eu deixei tudo liquidado; e fiz mais, publiquei um livro que mandei a todos os homens publicos da epoca e não vi impugnação. Os factos mais salientes eram: a herança de uma divida fluctuante no estrangeiro, enorme, a prazos curtissimos e encargos terriveis; o negocio do caminho de ferro de sudeste; o encerramento das praças estrangeiras para operações de credito; uma baixa terrivel do cambio do Brasil; o proposito então indiscutivel de se pagar tudo. N'essa situação procurei negociar um emprestimo em Londres de 4.000:000 libras e não de 10.000:000 libras. Com esse emprestimo eu queria pagar a divida fluctuante externa, liquidar o negocio desgraçado do caminho de ferro de sueste, resultante do contrato de 14 de outubro, e viver até que os novos impostos, que creei, habilitassem o Governo. Não podendo realizar esse emprestimo com titulos especiaes, entabolei outro em bonds de 3 por cento que veio a realizar Anselmo Braamcamp, que não encontrou solução melhor; mas eu não cheguei a effectuar emprestimo algum, navegando sempre no mar tempestuoso da divida fluctuante externa e da guerra das praças por causa do caminho de ferro de sudeste".

E assim dou este incidente por findo e liquidado, e passo á materia em ordem do dia, que não são os acontecimentos de 1868 e 1869, mas sim os factos de outro dia, as manifestações pacificas e ordeiras, mas bem eloquentes e significativas da opinião publica, abrangendo todos os partidos e todas as classes, numa unanimidade não vulgar, bem expressiva do mal estar e descontentamento geral contra a orientação governativa dominante.

É preciso, Sr. Presidente, frisar e salientar bem estas caracteristicas dos acontecimentos, de que nos estamos occupando; manifestam-se todos, e todos protestam contra o actual estado de coisas, e reclamam mudança de processos, de costumes e de orientação no Governo.

É necessario que o Governo se não illuda, e não veja só nas manifestações, que apreciamos, os republicanos presididos pelo Sr. Conde de Samodães, nacionalista; no comicio do Porto estavam todos os partidos.

É preciso não ver só a classe commercial; lá estavam, e por toda a parte, e em todos os protestos, apparecem todas as classes sociaes. Esta é a verdade.