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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 56

EM 4 DE DEZEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO.— Leitura e approvação da acta.— Expediente.— O Digno Par Sr. Mello e Sousa em para a mesa o parecer que incidiu no projecto que augmenta os soldos dos officiaes do exercito. Foi a imprimir.— O Digno Par Sr. José de Azevedo Castello Branco insiste na necessidade de dirigir algumas perguntas ao Sr. Ministro da Marinha sobre a questão das pescarias, sendo certo que S. Exa. aqui tem vindo para acquiescer a esses desejos. O Sr. Presidente explica que dará a palavra ao Digno Par, quando a ordem da inseripção o permitia.— O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, a quem é dada a palavra, declara que de bom grado a cede a favor do Sr. José de Azevedo, mas este Digno Par reserva as suas perguntas para uma outra occasião em que o Sr. Ministro possa comparecer.— O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa apresenta diversas considerações sobre assumptos coloniaes.

Ordem do dia — Continuação da discussão do projecto da resposta ao Discurso da Coroa. Usa da palavra o Digno Par Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. — O Digno Par Sr. Luciano Monteiro requer que a sessão seja prorogada até se concluir a votação do projecto em ordem do dia. Este requerimento é approvado. — Discursa a proposito do assumpto em discussão o Digno Par Sr. José de Azevedo Castello Branco. Responde a algumas considerações do Digno Par, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. — Usa da palavra o Digno Par Sr. Conde de Lagoaça.— Esgotada a inseripção é approvado o projecto, e rejeitada a moção apresentada pelo Digno Par Sr. Sebastião Baracho.— O Sr. Presidente nomeia a deputação que tem de apresentar a Sua Majestade El-Rei a resposta á Fala do Throno.— Em seguida diz que, accedendo a um pedido que particularmente lhe foi feito pelo Digno Par Sr. José de Alpoim, pediu ao chefe do Governo que se digne comparecer á sessão seguinte, a fim d'este dar explicações acêrca dos acontecimentos do Porto.— O Digno Par Sr. José de Azevedo, sem querer prejudicar o Digno Par Sr. José de Alpoim, pretende tambem na sessão seguinte, se houver tempo, tratar da questão das pescarias.— O Digno Par Sr. Almeida Garrett annuncia que deseja versar, em uma das sessões seguintes, assumptos respeitantes ao districto de Castello Branco.— Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 38 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem discussão, a acta da sessão anterior.

Em seguida deu-se conta do seguinte expediente:

Officio da Exma. Srª. D. Maria José de Azevedo Coutinho, agradecendo a manifestação da Camara por occasião do fallecimento de seu esposo, o antigo Par electivo D. Miguel Pereira Coutinho.

Para o archivo.

O Sr. Mello e Sousa: — Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o parecer sobre o projecto relativo ao augmento de soldo aos officiaes do exercito.

Foi a imprimir.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: — Sr. Presidente: ha tempos solicitei a presença do Sr. Ministro da Marinha, para lhe dirigir algumas perguntas sobre a questão das pescarias. S. Exa., desde então, tem comparecido sempre n'esta Camara, mas eu ainda não consegui usar da palavra.

Peço, portanto, a V. Exa. que tenha dó do Sr. Ministro, evitando que elle se veja na necessidade de comparecer aqui todos os dias.

O Sr. Presidente: — Eu só poderei dar a palavra ao Digno Par o Sr. José de Azevedo, se os outros Dignos Pares inscriptos anteriormente lh'o consentirem.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Pela minha parte, cedo a palavra, com muita satisfação, a favor do Digno Par Sr. José de Azevedo.

O Sr. José de Azevedo: — Eu não quero de modo nenhum preterir os meus collegas, e visto que estão muitos Dignos Pares inscriptos, e eu tambem estou com um ataque de grippet se o Sr. Ministro da Marinha quiser, trataremos d'este assumpto n'outra sessão.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): — Estou perfeitamente de accordo.

O Sr. Presidente: — Tem então a palavra o Digno Par o Sr. Teixeira de Sousa.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Visto estar presente o Sr. Ministro da Marinha, aproveita o ensejo para se referir a um assumpto que reputa da mais alta importancia.

O Governo actual, por varias vezes, tem affirmado olhar com especial attenção tudo quanto interessa á economia do paiz, á Fazenda Publica e ás colonias; todavia, a sua obra, a esse respeito, pode considerar-se nulla.

No que se refere á administração colonial, não só cousa alguma se tem melhorado, como até se tem prejudicado o que já havia feito.

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N'uma das ultimas sessões dissera elle, orador, que a nossa provincia de Angola estava sendo um cancro da administração colonial portuguesa, pois representava para a metropole um encargo de cerca de 2:500 contos de réis.

E então apontara como remedio para esse mal o desenvolvimento das communicações com as povoações sertanejas, principalmente com a Lunda, onde se colhem os chamados productos ricos, isto a par de providencias que facilitassem a introducção da moeda, de troca n'aquella mesma provincia.

Ora, a despeito do que affirmam os detractores da nossa administração colonial, o certo é que muito se tem já feito na provincia de Angola para facilitar as communicações com o interior, por meio da viação accelerada.

Já ali temos o caminho de ferro de Loanda a Ambaca, e ainda no penultimo consulado do partido regenerador foi decretado o caminho de ferro do Lobito á fronteira leste da provincia, obra da mais extraordinaria importancia, porquanto ha de fazer do Lobito o principal porto do Angola.

Mas não se limitou a isso a acção do Governo regenerador, que decretou tambem o prolongamento do caminho de ferro de Ambaca até Malange, aproveitando para isso o fundo que já existia destinado á construcção do caminho de ferro de Benguella, e que avolumou com a sobretaxa que fez incidir sobre a borracha exportada pelos portos d'aquella provincia e com o augmento de 10 réis por kilogramma do algodão em caroço produzido nas fabricas nacionaes.

Assim se conseguiria aproximar Loanda da região da Lunda, muito rica em borracha, que é a principal fonte economica da provincia de Angola e cujo commercio se faz na sua maior parte em proveito do Estado Livre do Congo.

No mesmo intuito de desenvolver as communicações com o interior, o ultimo Ministerio progressista decretou a construcção do caminho de ferro de Mossamedes á Chella, com o qual, elle, orador, aliás não concorda, attentas a pobreza d'aquella região e as difficuldades a remover para a transposição da serra da Chella.

Mas voltando ao caminho de ferro de Ambaca a Malange dirá que, quando em 1903 transitou da pasta da Marinha para a da Fazenda, o fundo d'esse caminho de ferro ficava sendo de cerca de 900 contos de réis, dos quaes 500 estavam na Caixa Geral de Depositos. Segundo as informações que tem, alem da ponte sobre o rio Lucalla já estão promptos para a exploração 30 kilometros da linha; ha outros 30 kilometros em que apenas falta assentar os rails e ainda outros 30 já em grande adeantamento.

Isto, que representa um serviço importante para a economia da provincia de Angola, fez-se quando no Ministerio da Marinha se centralizava toda a administração colonial, quando do Terreiro do Paço se governavam as colonias.

Agora, porem, que existe um Governo disposto a fazer a transformação politica, moral, economica e financeira do paiz, agora que acabaram os erros condemnaveis da centralização, a construcção do caminho de ferro de Ambaca a Malange parou.

Não foi publicado no Diario do Governo nenhum decreto, portaria ou despacho mandando parar a construcção d'aquelle caminho de ferro, mas o que é certo é que o pessoal que ali trabalhava foi despedido, certamente por difficuldades financeiras, o que leva elle, orador, a perguntar em que se está applicando o dinheiro que constituia o fundo do caminho de ferro de Malange, que em 1903 era, como disse, de cerca de 900 contos de réis.

O Governo, que se apressou a vir ao Parlamento fazer a affirmação de que havia adeantamentos á Casa Real, aliás justificados, no entender d'elle orador, não se apressou, todavia, a vir dizer que é difficilima a situação do Thesouro em relação á Companhia do Caminho de Ferro de Ambaca, que já é devedora ao Estado de cêrca de 5:000 contos de réis de abonos.

Que faz o Governo, que faz o Sr. Ministro da Marinha para pôr termo a tal estado de cousas?

Se hoje a administração colonial está n'este estado, peor será quando for convertido em lei o projecto de reforma da contabilidade publica, porque então o Ministro da Marinha não poderá ter ingerencia em assumptos economicos; isso competirá ao director geral da contabilidade, que, aliás, é um funccionario zeloso, leal e dedicado pelo serviço publico.

O director geral da contabilidade terá direito a recusar o visto a todas as despesas a que não corresponda lei, ou que não estejam descriptas no orçamento.

Isso é o bastante para prejudicar ainda mais a administração colonial, criando embaraços materiaes ao seu regular funccionamento, alem de poder prejudicar os proprios funccionarios ultramarinos nos seus abonos para preparativos de embarque, despesas de transportes, vencimentos quando estejam em licença, etc.

Pela lei de 15 de setembro de 1900, que organizou a fazenda do ultramar, todas as verbas de despesas a effectuar com as colonias, e que deviam ser pagas na metropole, entravam no chamado deposito do ultramar, que tem recebido annualmente cêrca de 1:500 a 1:700 contos de réis.

Mas se pelo projecto actual o director geral da contabilidade só pode pôr o visto em documentos de despesa, a que correspondam verbas descriptas no orçamento, que destino será dado ao deposito do ultramar?

São de prever as difficuldades e transtornos que a conversão de tal projecto em lei acarretará para a administração colonial.

(S. Exa. não reviu este extracto nem as notas tachygraphicas).

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães): — Cumpre-lhe responder ao Digno Par, e seu velho e querido amigo, Sr. Wenceslau de Lima, o que fará por uma forma rapida e succinta.

Desde que o Governo não julga conveniente protelar os debates meramente politicos, S. Exa. comprehenderá que elle, orador, não pode, na sua qualidade de membro do Ministerio, senão occupar o tempo estrictamente preciso para responder ás declarações do Digno Par.

Ouviu com a attenção devida à exposição, do Sr. Wenceslau de Lima, feita com a maior competencia, n'uma forma elevada, em que não só ha a notar a boa ordenunce mas ainda o succulento recheio das ideias. (Apoiados).

Tem satisfação em poder dizer isto, attentas as antigas relações de amizade que o prendem a S. Exa.

Na parte politica do seu discurso em que elle, orador, só ao de leve tocará, mostrou-se o Digno Par um conservador convicto e ferrenho, pelo que nada tem a censurar-lhe, visto que as profissões de fé sinceras são sempre honrosas.

Referindo-se ás concessões liberaes, disse S. Exa. que ellas constituiam manifestações de fraqueza, e que os seus resultados eram quasi sempre contraproducentes, o que procurou exemplificar com a monarchia de julho e com a queda do segundo imperio napoleonico.

Mas S. Exa. sabe que a monarchia de julho caiu perante a revolução de 1830, e que o segundo imperio derruiu sob um desastre militar.

Se não fôra a derrota de Sédan, quem sabe se o regimen da nação franceza não seria ainda hoje o imperio.

É que muitas vezes as tentativas liberaes são feitas já tarde, quando não podem remediar os erros e os vicios das administrações passadas. (Apoiados).

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Então não se morre do remedio, mas sim pelo facto d'este não haver sido applicado a tempo; e, n´esse caso, as concessões liberaes são como os balões de oxygenio, que prolongam a vida do doente, mas não lhe podem evitar a morte.

As tentativas do Governo, no sentido de restabelecer a liberdade e o cumprimento da lei, podem falhar, mas são sinceras, e apenas dictadas pelo patriotismo e pela dedicação monarchica. (Apoiados).

Com respeito á parte economica do discurso do Digno Par, em que S. Exa. notou que a Fala do Throno fosse parcimoniosa em promessas relativas á pasta dos Negocios Estrangeiros, tem-a dizer a S. Exa. que em todas as pastas, mas principalmente na dos Negocios Estrangeiros, é bom prometter menos e fazer mais.

Na gerencia da sua pasta tem procurado manter o esprit de suite,, que na sua opinião deve estar acima de qualquer preoccupação partidaria, e, por isso, julgou conveniente não avançar promessas que pudessem representar quebra d'este modo de ver.

Com respeito a inqueritos industriaes e agricolas ou a quaesquer outros referentes aos diversos ramos de actividade economica e commercial, entende elle, orador, que são de extraordinaria vantagem para bem orientar uma boa administração.

Inqueritos industriaes só temos o de 1887 e em relação á agricultura o de Emygdio Navarro, sobre que Oliveira Martins fundou o movimento proteccionista, cujo instrumento principal foi a pauta de 1892. Julga por isso que á iniciativa do seu collega das Obras Publicas deve ser prestada inteira justiça e que o inquerito promettido no Discurso da Corôa terá de ser continuado, pois representa uma necessidade impreterivel.

E agora entrará propriamente na analyse da parte do discurso do Digno Par, em que S. Exa. mais de perto se referiu ás questões de politica commercial.

Todos sabem que do regimen de livre cambio passámos, em 1892, para o regimen proteccionista.

Até ahi dizia-se, que a principal industria da paiz deveria ser a agricola, porquanto a Portugal faltavam as precisas condições para poder ser uma nação manufactureira, isto por escassez de materias primas.

O facto parecia comprovado pela propria lição historica, que nos apontava a improficuidade das tentativas do Marquez de Pombal para o desenvolvimento das industrias.

A reversão d'este modo de ver operou-se a partir de 1892.

Julgou-se necessario estender a acção proteccionista a todos os ramos da industria que entre nos se pudessem aclimar.

O facto da escassez das materias primas nada representava, porquanto grandes paizes manufacturems, como por exemplo a Inglaterra, se viam na necessidade de importar as materias primas de que careciam, sem que por isso o desenvolvimento industrial deixasse de representar ali uma das principaes fontes da riqueza publica.

A importação da materia prima ia assim, n'esses paizes, desenvolver e favorecer o trabalho e os beneficios da larga mão de obra impunham-se.

Mas hoje, no nosso paiz, a crise deixou de ser industrial e é principalmente agricola. D'ahi a necessidade de abrirmos aos nossos productos agricolas os mercados estrangeiros, invadidos pela concorrencia de productos similares de outros paizes. Aos nossos vinhos fazem concorrencia os da Hespanha; á nossa cortiça tambem faz concorrencia a que a Argelia produz, acrescendo a tudo isto a circumstancia da Inglaterra haver fechado os seus portos aos nossos gados, porque vae buscar aquelles de que carece á Australia e á America do Sul.

O problema é, portanto, difficil. Podemos absolutamente conseguir, como disse o Digno Par e com o que elle, orador, concorda, a situação de nação favorecida, e não discute agora qual o melhor regimen pautal para se chegar a esse resultado, pois que em seu entender a classificação de tal regimen se cifra apenas em duas especies: a de tarifas altas e a de tarifas baixas.

O Governo, porem, não descura o assumpto, e trata de estudar a melhor defesa para a valorização dos nossos productos. Mas S. Exa. comprehende a inconveniencia de estar a desmascarar baterias em acção que ainda não começou. Depois, não se pode, em materia de politica commercial, alterar de um momento para o outro qualquer orientação. É necessario defender as justas aspirações da industria e da agricultura, pois ambas são formas da actividade nacional.

Ao tomar a seu cargo a pasta dos Negocios Estrangeiros encontrou negociações entaboladas para tratados de commercio com a Allemanha, com a Inglaterra e com a França. Essas negociações teem proseguido; porém, não é facil, nem convem precipital-as.

Quanto a tratados de arbitragem, dirá que foi assignado o relativo á França; e outros tratados, tambem referentes a arbitragem, estão pendentes, devido a disposições da lei, do parecer da Procuradoria Geral da Corôa, sendo evidente que serão submettidos á sancção parlamentar aquelles a que a lei não dispensar essa sancção, sendo outros publicados no Diario do Governo.

Pelo que respeita a gratificações concedidas pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, só foram supprimidas algumas consideradas illegaes por não estarem incluidas no orçamento, o que não quer dizer que o Governo considerasse como acto de administração deshonrosa ou deshonesta o terem-se concedido gratificações ou subsidios a que faltava a necessaria aclaração orçamental.

Entretanto só foram cortadas as graficações por serviços que podiam prescindir-se.

Tambem o Digno Par se referiu á questão das delegações do Extremo Oriente, censurando o Governo por ter collocado na disponibilidade os Srs. José de Azevedo Castello Branco e Batalha de Freitas.

A este respeito tem unicamente a repetir, porque já teve ensejo de o affirmar aqui, que, collocando na disponibilidade o nosso Ministro na China, não teve a minima ideia de aggravar o Digno Par José de Azevedo e igual declaração pode fazer em relação ao Sr. Batalha de Freitas.

Terá de ser presente ás Côrtes um projecto de lei que reorganiza a nossa representação no Extremo Oriente, e então a Camara reconhecerá que os intuitos do Governo, collocando na disponibilidade aquelles funccionarios, não envolviam de nenhuma forma quaesquer propositos de aggravo. A prova d'isso está na redacção dos decretos de exoneração dos dois funccionarios, que não se limitam ás formulas da tabeliã, e cujos termos elle proprio, orador, recommendou.

A illegalidade que o Digno Par Sr. Wenceslau de Lima attribuiu ao mesmo facto tambem não existiu, pois que se fundamentou a disponibilidade no n.° 4 do artigo 98.° do regulamento respectivo, que auctoriza a passagem áquella situação por conveniencia de serviço.

Deve accrescentar ainda que o Governo não desconhece o interesse que pode ter a nossa representação diplomatica no Extremo Oriente.

E para terminar as suas considerações tem simplesmente a declarar que o seu unico fim, como Ministro da pasta que occupa, é trabalhar com o maior desejo de bem servir o paiz, empregando n'esse empenho toda a sua actividade, muita ou pouca que seja, e abandonar o seu logar sem deixar a quem lhe succeda o que vulgarmente se chama uma carrapata, internacional.

Desejaria quasi passar despercebido pelas cadeiras do poder, porque isso significaria que a sua gerencia fôra tranquilla. Está ali apenas por um dever politico, e já o vae assaltando a

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saudade da sua casa, da vida tranquilla e obscura, a que anseia por voltar.

(O Sr. Ministro não reviu).

O Sr. Luciano Monteiro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que se prorogue a sessão até sé concluir a discussão da votação do diploma Resposta ao Discurso da Corôa. = Luciano Monteiro».

O Sr. Presidente: — Os Dignos Pares que approvam o requerimento do Digno Par o Sr. Luciano Monteiro, tenham a bondade de se levantar.

Depois de verificar a votação, está approvado.

O Sr. Hintze Ribeiro: — Peço a V. Exa. a contra-prova.

O Sr. Presidente: — Os Dignos Pares que approvam teem a bondade de se levantar, conservando-se de pé, a fim de se proceder á contagem.

Verifica-se que o requerimento é approvado por 34 Dignos Pares.

O Sr. Hintze Ribeiro: — Isto é só para que as votações se façam com regularidade.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: — Não vem disposto a fazer um longo discurso politico, nem mesmo que quizesse o podia fazer n'este momento, porque o seu estado de saude o não permitte; alem d'isso, na altura em que já vae este debate, seria de grande inopportunidade fatigar mais a attenção da Camara com um discurso demorado.

Mas não são só estas duas razões que o inspiram a elle, orador, na determinação de ser rapido; é tambem a circumstancia de não ter cabimento um discurso politico sem a presença do chefe do Governo. (Apoiados).

O Ministerio actual está constituido por tal forma que, sem querer de maneira alguma fazer offensa a nenhum dos collegas do Sr. Presidente do Conselho, e reconhecendo o extraordinario valor individual de cada um, dirá que S. Exas. são, cumulativa e individualmente, figuras apagadas no valor politico do Governo.

Não se dirige, politicamente, aos Srs. Ministros dos Estrangeiros e da Marinha, porque sabe que S. Exas. só podiam ser uns amaveis transmissores das suas considerações.

Se estivesse presente o chefe do Governo, dir-lhe-hia que não repetisse as ameaças de mau gosto que a sua natureza de impulsivo o tem levado a proferir.

Não sabe se os seus collegas n'esta Camara leram nos jornaes do Porto a noticia de que o eminente democrata, que está á frente da administração d'aquelle districto, dissera aos seus agentes que era preciso rever com cuidado o recenseamento eleitoral, porque ainda este anno se realizariam eleições para uma Camara com poderes constituintes.

Estas palavras do Sr. governador civil do Porto representam, ou uma imprevidencia, ou uma inconfidencia.

Mas representem essas palavras o que representarem, o que é certo é que o Sr. Presidente do Conselho continua com o seu espirito ameaçador, esquecendo-se de que, segundo a expressão popular, já não pode com uma gata... (Risos).

Julga que a actual situação do Sr. Presidente do Conselho é unicamente devida ao seu fito das reivindicações populares ou liberaes.

Ora as reivindicações liberaes são necessarias quando correspondem a estados de espirito compativeis com todos os interesses sociaes.

Que lhe importa a elle, orador, viver n'um edificio onde haja excellente agua potavel, se não tiver ali uma boa enxerga para dormir e uma cozinha razoavel para se alimentar.

Um Estado só se reforma e se harmoniza equilibrando todos os interesses; nunca pelo excessivo desenvolvimento de determinados principios, de onde resultará a inharmonia. (Apoiados).

Não estando, como não está presente o Sr. Presidente do Conselho, elle, orador, terminaria por aqui o seu discurso se não fosse uma referencia do seu querido amigo e correligionario Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima á representação de Portugal na China.

O Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima, no seu documentado e admiravel discurso, referiu-se ao facto d'elle, orador, haver passado á disponibilidade sendo Ministro de Portugal no Extremo Oriente.

Cada homem tem o seu temperamento, e elle, orador, que tem por vezes um genio que se eleva até ao exagero da impulsão, perturbando-se á menor insidia, conseguiu, talvez pelo fundo burguez da sua vida e do seu organismo moral, a philosophia precisa para ver passar deante de si a injustiça e sentir a saraivada da calumnia sem se deixar submergir. Appellou para a tranquillidade da sua consciencia e viu que tinha o respeito dos seus amigos. Esperou serenamente, n'este paiz tão pouco dado á justiça, a occasião apropriada para falar.

Esperou a occasião opportuna de fazer a historia da sua missão á China, dizendo então sem refolhos o que foi essa missão, as condições em que ella se realizou, as condições em que elle, orador, se encontrou, e o resultado n'ella obtido.

Isso fará agora.

Em 1901 achava-se no estrangeiro, onde foi surprehendido por um telegramma do seu honrado amigo e chefe Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro.

Estava-se no mez de setembro, e o telegramma a que allude chamava-o a Lisboa. Suppôz elle, orador, ao receber esse telegramma, que, sendo como era, governador civil de Lisboa, se trataria dos preparativos para o acto eleitoral.

Ao chegar á capital do seu paiz foi-lhe dito, com grande surpresa sua, pelo Sr. Hintze Ribeiro que o Governo, tendo sido solicitado para adherir ao protocollo de Pekim, reconhecera a necessidade de mandar um enviado especial á China a ver se conseguiamos modificar algumas das condições do tratado de 1886.

Assegura francamente á Camara que não lhe sorriu nesse momento o fazer uma viagem ao Oriente, abandonando a tranquillidade da sua casa, a educação dos seus filhos, a sua familia, numa palavra, para ir correr aventuras para a, China.

Ouviu attentamente o que lhe dizia o seu illustre chefe, e pediu licença para meditar e dar uma resposta em tempo.

Passados dias procurou o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro e disse-lhe sinceramente, que acceitava a missão que lhe confiavam, não sabendo, porem, se teria vocação e capacidade para tão espinhoso cargo. Punha, entretanto, toda a sua boa vontade, e a coragem que por vezes dá a inconsciencia, ao serviço do seu paiz.

Eis a historia da sua nomeação.

Não foi de immediato conhecimento publico a resolução do Governo enviar o orador ao Extremo Oriente.

Mas quando tal cousa se soube, e quando elle, orador, já estava ausente, começou a ler nos jornaes, como explicação do facto, razões muito differentes d'aquellas que determinaram a sua ida á China.

Os mais benevolentes diziam que se tratava de amaciar os seus despeites, evitando-se assim que elle orador, realizasse as ameaças que fizera ao Governo. Os menos benevolentes diziam que era necessario collocarem-no n'um doce exilio dourado, para que assim pudesse ir suavemente esmoendo o despeito que nutria.

Outros, finalmente, e foram estes os que mais o prejudicaram, insinuaram que a sua missão na China envolvia intuitos de reivindicação contra o protocollo, em nome da situação que nos

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fôra criada pelo tratado de 1886, e que a Inglaterra nos obrigava a esse passo.

Tudo supportou com a maior indifferença, esperando que um dia se lhe fizesse justiça e pudesse vir dizer de cabeça erguida que nunca exigiu qualquer quantia. Acceitou a remuneração que entenderam dever dar-lhe. (Apoiados).

Foi á China com os vencimentos que estavam determinados por um decreto assinado por Barros Gomes quando foi enviado ao Extremo Oriente o Sr. Thomaz de Sousa Rosa.

Esse decreto arbitrava o vencimento de oito libras por dia. Foi o que rececebeu durante a sua missão, não tendo solicitado nunca qualquer quantia a mais, e tendo no seu regresso prestado as contas necessarias. (Apoiados do Sr. Hintze Ribeiro}.

Para recordar, por um momento, as calumnias que então se levantaram, dirá que ainda não tinha chegado a França e já se dizia que os seus honorarios, como Ministro de Portugal na China, eram de 13 contos de réis mensaes.

Quando chegou a Suez, essa quantia já estava elevada a 100 contos de réis; em Ceylão, orçava por 300 e em Singapura, ascendera a 500. Ao pôr pé em Hong-Kong, viu que n'um jornal dos mais lidos e cotados do Extremo Oriente se dizia que a missão d'elle, orador, era tão importante e que o Governo Português lhe ligava tão grande alcance, que lhe haviam arbitrado, para despesas de representação, 40:000 libras por anno.

Soube então que essa noticia havia sido fornecida pelo nosso consul em Hongkong, o bom e santo funccionario conselheiro Romano. Estranhando-lhe elle, orador, o exagero da informação e inteirando-o dos seus verdadeiros vencimentos, respondera-lhe o nosso consul que melhor era não confessar a verdade, porquanto tal remuneração era a de qualquer caixeiro de Hongkong ; que deixasse correr a noticia: assim, ao menos, o paiz fazia boa figura.

E vae entrar na narração do que foi a sua missão na China. Ninguem ignora a situação precaria em que este paiz se encontrou depois da guerra com o Japão, como conhecida é tambem a excitação do espirito nacional chinez perante a attitude das potencias, principalmente da Allemanha. N'esses factos se originou a chamada guerra dos boxers, que, sendo a principio um movimento religioso, assumiu mais tarde o caracter de um verdadeiro movimento politico de reivindicação nacional contra as influencias, os usos e os costumes estrangeiros.

A China tivera tambem, em 1896, as suas veleidades reformadoras. Um chinez do sul do Imperio, Kang-Wei, cuja educação fôra dirigida pelos padres inglezes, logrou alcançar a confiança do Imperador e desatara a despejar reformas na Gazeta de Pekim. O espirito nacional, ferozmente tradicionalista, revoltou-se porem, e serviu-lhe de pretexto para isso uma das medidas promulgadas por Kang-Wei: a generalização do direito de memorial ao Throno.

Perante este golpe aos direitos do partido conservador, consubstanciado na dynastia Mantchou, a revolução ateou-se. Sobreveio então o golpe de Estado de 1898, vibrado de combinação com a velha Imperatriz e que arrastou a terrivel semana de fevereiro, em que o sangue correu a jorros e em que o proprio Imperador actual foi preso á ordem da Imperatriz e uma das suas mulheres assassinada.

Da familia do reformador Kang-Wei só elle conseguiu escapar, e isto graças á protecção dos inglezes, que o conduziram a Singapura, onde ainda assim reconheceu não estar em segurança, porque tres vezes lhe attentaram contra a vida, obrigando-o a abandonar a Asia e a passar á America, onde agora está, vivendo de ensinar o chinez nos Estados-Unidos. Triste fim de um reformador !

Como a Camara sabe, a revolta dos boxers alastrou e chegou a Pekim, onde as legações foram cercadas.

As potencias intervieram: Pekim foi saqueada e a Côrte teve de fugir.

Para a conferencia da Pekim, que se seguiu a todos estes factos, Portugal teve a honra de ser convidado.

Sem querer irrogar a menor censura a quem quer que seja, pois não desconhece completamente as razões que levaram o nosso paiz a não acceder a esse convite, lamenta profundamente que Portugal se não tivesse feito representar n'aquella conferencia.

A nossa representação ali tinha um largo alcance, visto que fomos nós que levámos a China ao convivio das nações da Europa por meio do seu commercio.

Não fomos a essa conferencia; todavia, a breve trecho, o Governo teve de reconhecer que n'ella se decidiriam questões que brigavam com os direitos que nos eram garantidos pelo tratado de 1886.

Ainda elle, orador, não tinha saído de Portugal e já as tarifas e as decisões da conferencia de Pekim, exaradas no protocollo, começavam a estar em vigor desde 30 de setembro. Já era tarde para poder negociar com a China a adhesão de Portugal ás tarifas do protocollo.

Mal imagina a Camara a que argumentos teve de recorrer para levar a China a negociar comnosco.

Os jornaes d'aqui noticiaram que o negociador de Portugal ia, de accordo com a Inglaterra, reivindicar terrenos na provincia de Macau.

Tanto bastou para que a França, apresentasse ao Governo Chinez uma nota comminativa, dizendo-lhe que a qualquer cedencia de terrenos a Portugal, corresponderia por parte do Governo Francez um pedido de indemnização.

A China respondeu que se Portugal fizesse tal pedido não seria attendido.

Estes e outros boatos fizeram com que a missão d'elle, orador, fosse prejudicada antes de chegar á China.

Não causará grande surpresa á Camara, dizendo-lhe que só conhecia a China de Fernão Mendes Pinto e dos compendios de geographia, e menos espanto lhe causará a affirmação de que não conhecia inteiramente o problema de Portugal no Extremo Oriente.

O Digno Par Teixeira de Sousa, quando Ministro da Marinha, facultou-lhe uma memoria escrita por um funccionario que pertencia ao Ministerio que S. Exa. geria, memoria que, alem de cousas muito exactas e conformes á verdade, continha todavia inexactidões flagrantes.

Essa memoria representava aspirações muito nobres e ideaes alevantados; mas a pratica deu lhe a conhecer a elle, orador, que tudo o que ali se dizia estava muito distante dos factos e das circumstancias.

Chegado á China, tem que explicar á Camara a sua situação pessoal, e assim tem que affirmar que a unica hospitalidade que se lhe deparou foi n'uma barraca pertencente á legação de Hespanha, e na qual se conservou durante doze mezes.

Posto de lado este pormenor, certificará que o seu desejo se limitava a bem corresponder á confiança que n'elle tinham depositado.

Deve tambem dizer qual era o enorme trunfo que lhe facultavam para poder realizar o que se pretendia. Esse trunfo era a adhesão de Portugal ao protocollo.

Esse trunfo teria algum valor, e permittiria entrar facilmente nas negociações, se o nosso paiz se tivesse feito representar na conferencia; mas a Camara já sabe o que a este respeito se passou.

Fez ver que Portugal tinha o direito de ser ouvido, e que se não podia permittir um augmento de tarifas, sem sermos consultados; mas a esta apresentação dos nossos direitos veio a contradicta de que nós não mandavamos para a China nem um kilogramma de mercadorias.

Outro trunfo era o apoio do Governo Inglez ao Ministro de Portugal na China.

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466 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A Inglaterra tinha sido levada a acceitar contre-coeur as decisões da conferencia de Pekim. A Inglaterra viu que augmentando-se as tarifas aduaneiras, embora com o pretexto de que esse augmento era para pagar a indemnização de guerra, era o seu commercio que teria de acudir a essa emergencia, visto que o valor das transacções inglezas representava 75 por cento de todo o commercio da China.

Viu, pois, que não podia contar-se com o apoio da Inglaterra, e reconheceu mais uma vez a inconveniencia de nos não termos feito representar na conferencia.

Outro boato com que se entretinha a originalidade de varios politicos era o que se referia a reivindicações territoriaes; o orador passa a referir-se ás negociações do Sr. Thomaz Rosa, dizendo que ellas foram longas, dolorosas e cheias de incommodidades, sobretudo para o nosso espirito, que briga essencialmente com a indole morosa, desconfiada e mentirosa do chinez.

Conseguiu-se então o que razoavelmente se podia conseguir, e era que a China reconhecesse a occupação de Macau por parte de Portugal, mas exigiram que as alfandegas ficassem em territorio chinez, isto é, na Ilha da Lapa. Foi desde então que ficara decidida a questão da Ilha da Lapa, e se elle, ora dor, tivesse algumas duvidas a respeito da letra do tratado, bastaria reportar-se ás declarações feitas em tempo pelo Sr. Barros Games.

Resolveu se que a Ilha da Lapa ficaria sendo sempre territorio chinez, promettendo-se para mais tarde a delimitação de Macau, cuja occupação a China nos não contestara, embora tambem nos não attribuisse ali qualquer soberania. O certo é que essa delimitação nunca se fez, porque a China visivelmente queria obstar a quaesquer reivindicações territoriaes.

Proseguindo nas considerações que lhe dizem respeito, dirá que a China o recebeu bem, nem outra cousa era compativel com o refinamento da educação chineza; todavia, em materia de tarifas, responderam-lhe que se entendesse com as potencias, e com relação a territorios que não tinham nada a tratar comnosco, porquanto já havia um tratado a esse respeito.

Emfim, depois de oito ou nove mezes de negociações, convenceu-se de que tinha seguido um falso caminho e que era necessario voltar atrás e dar a essas negociações um caracter mais pratico.

Em reivindicações de caracter territorial não podia contar com o apoio da Inglaterra, attento o tratado d'esta potencia com a China, no qual se inclue o principio da integridade do territorio chinez. Depois, que direitos a invocar ?

Só se baseassemos as nossas pretensões no erro historico que parece envolver a origem da nossa colonização no Extremo Oriente.

Pensa muita gente que nós possuimos Macau por direito de conquista, mas não ha tal. Devemo-lo á acção dos padres jesuitas e ao soccorro que prestámos aos chinezes na caça dos piratas, o que levou a China a ceder-nos uma faixa de terreno para mostruario, na entrada do rio de Cantão.

Sendo assim, para que resuscitar a questão da ilha da Lapa, pobre terreno de alluvião onde vive apenas uma colonia de 20:000 a 21:000 pescadores, afugentados de Macau pelo imposto do sal?

Pensou pois em obter um tratado de commercio e ahi começou a parte verdadeiramente difficil da sua missão, pois tinha para esse fim de entender-se com a commissão dos Ministros dos tratados de commercio composta de cinco membros: o Ministro dos Caminhos de Ferro, o antigo Ministro da China em Berlim e os Vice-Reis de Nankim, Ptchili e Cantão. Mas logo na primeira conferencia se lhe depararam mais l7 personagens chinezas, a que serviam de assessores 4 inglezes, funccionarios aduaneiros. Ao todo tinha de negociar com 26 entidades!

Por isto só, poderá a Camara calcular o trabalho que lhe custou a organizar o tratado, que ainda assim teve o cuidado de redigir só em 22 artigos, 16 dos quaes eram identicos aos dos tratados da China com a Inglaterra, Estados-Unidos e Japão.

O primeiro tratado que negociara não foi approvado. A Camara entendeu que elle não correspondia ao que era licito esperar, e então honrou-o com um voto de confiança para voltar á China com uma nova missão.

Acceitou essa missão, porque lhe pareceu que, conhecendo melhor o assumpto, alguma cousa poderia conseguir de util e vantajoso para o paiz, e felizmente não se enganou.

Conseguiu, após muitas canseiras, negociar um tratado que resolve de um modo satisfatorio as queixas da China contra a fiscalização que nós exerciamos no que respeita ao contrabando; resolve a questão da delimitação, pela unica forma por que a China podia annuir aos nossos desejos, e resolve a questão das tarifas, que beneficia consideravelmente os nossos vinhos; o que não deixa de ser importante, desde que se saiba que a China é um grande mercado consumidor de productos vinicolas.

Não se faz ideia da quantidade de vinho espumoso que se consoma na China. Tambem se bebe muito vinho do Porto, falsificado; e se ainda a pauta em vigor, por uma tarifa prohibitiva, faz que esse vinho, mesmo falsificado, se venda por alto preço, elle, orador, conseguiu uma reducção para os vinhos portuguezes que, acompanhados de um documento autentico, provem a sua genuinidade, reducção que baixou a tarifa a 26$000 réis por pipa. O tratado resolve ainda, de uma maneira equitativa, a nossa situação pelo que respeita a assumptos de reivindicações territoriaes.

Entendeu que se devia solicitar da China a construcção do caminho de ferro que pudesse ligar Cantão com Macau.

Sob o ponto de vista politico, era importantissimo que esse caminho de ferro fosse construido por uma entidade que tivesse um nome portuguez.

Poz de parte essa ideia, porque para logo viu a difficuldade que haveria em levar o Governo Portuguez ao convencimento de construir um caminho de ferro em territorio estrangeiro. Poderia abonar o seu proposito com o que fazem a França, a Belgica, a Inglaterra, a Allemanha e até mesmo a Russia, paizes que se administram com outros principios, com outro criterio, com outros precedentes e outros habitos; mas, como disse, reconheceu logo que nenhuns argumentos conseguiriam demover a relutancia que offereceria a construcção de uma linha ferrea em territorio estrangeiro.

Pensou então, para não perder de todo o seu objectivo, em pedir a concessão d'esse caminho de ferro, para um syndicato representativo de capitaes portuguezes e chinezes, sem intervenção do Estado Portuguez.

Depois de algumas negociações, foi-lhe feita a concessão, pela razão capital de que essa linha ferrea é muito util á China e a Portugal.

Accentua que nas negociações a que se refere tivera todo o cuidado em falar, não em nome do Governo Portuguez, mas em nome dos interesses portuguezes, isto é, não imprimiu nenhum caracter official ás suas diligencias.

Deve accrescentar que esse caminho de ferro foi muito malsinado pelos sinologos da terra.

Crê ter explicado á Camara qual foi a missão que lhe confiaram, e os resultados que d'ella provieram; missão que para elle, orador, havia terminado no dia em que assignou o tratado.

Poderia ficar se por aqui. Mas dirá ainda que a sua passagem á disponibilidade o não surprehendeu nem o irritou com o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; nem mesmo ficou malquistado com S. Exa.

Não se irritou, porque o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros teve para com elle, orador, todos os actos de cor-

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SESSÃO N.° 36 DE 4 DE DEZEMBRO DE 1906 467

tezia que lhe eram permittidos, e foi até o ponto de lhe dirigir explicações de caracter pessoal, que muito agradeceu.

S. Exa. fez tudo quanto pôde para amaciar qualquer má disposição que porventura elle, orador, tivesse.

Ha, porem, uma nuance em tudo o que se fez que o incommodou a elle, orador ; e essa nuance foi o acto praticado pelo Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não procedeu por decisão unicamente sua, porque todos os membros do Governo estão condemnados, devido á indole e natureza do Sr. Presidente do Conselho, a não terem actividade senão aquella que lhes permitta o arbitrio tumultuario e confesso do Sr. João Franco.

S. Exa. não teve para com elle, orador, as delicadezas do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, porque, se as tivesse, praticava uma hypocrisia.

Elle, orador, foi sacrificado, juntamente com o Sr. Batalha de Freitas, a esse espirito de jacobinismo que caracteriza todos os actos do actual chefe do Governo. (Apoiados do Sr. Hintze Ribeiro).

S. Exa. é a expressão concreta e exacta do jacobino, tal como o define Taine nas Origens da França Contemporanea. O seu jacobinismo é o seu tormento e é a sua sêde.

Seguidamente o orador lembra que, quando foi director geral da instrucção publica e tratava de executar a reforma de instrucção secundaria, cujo auctor é o Sr. João Franco, S. Exa. o mandou syndicar pelo juiz de instrucção criminal, á conta de uma calumnia, de que, felizmente, saiu illeso.

Termina, declarando que não tem na sua vida acto algum que o envergonhe (Apoiados}, restando-lhe agradecer ao Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima o ter-lhe proporcionado occasião do dizer da sua justiça.

Vozes: — Muito bem, muito bem. (O orador foi cumprimentado por muitos Dignos Pares

( S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães) : — Pedi a palavra para me referir, apenas, á parte final do discurso, aliás bello e erudito, do Digno Par Sr. José de Azevedo, e que foi com certeza ouvido por toda a Camara com muito agrado.

Nada tenho a dizer quanto á parte especial d'esse discurso, porque toda a Camara sabe o que foi a missão da China.

Ninguem deixa de fazer justiça ao zelo, e intelligencia do Digno Par.

Quanto ao final d'esse discurso, devo dizer que o facto de se collocar na disponibilidade o nosso Ministro na China, não implicou, como não podia implicar, qualquer intuito de ferir o Digno Par. Nem no espirito, nem no coração do Sr. Presidente do Conselho houve qualquer intenção de aggravo para S. Exa.

Foi uma pura medida de administração, tomada com a responsabilidade collectiva do Ministerio.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Conde de Lagoaça: — Nunca soube falar em sessões prorogadas.

Todo o orador que fala em sessão prorogada, é immediatamente tido na conta de maçador.

Reservo-me, pois, para em outra occasião dizer da minha justiça; e, por agora, duas palavras apenas, tanto mais que, não estando presente o Sr. Presidente do Conselho, não posso tratar da questão politica como tanto desejava.

Faço minhas as palavras do meu amigo Sr. José de Azevedo Castello Branco, o qual disse que não podia proferir um discurso politico, na ausencia do Sr. Presidente do Conselho.

Preciso que S. Exa. venha aqui, porque desejo discutir com elle. Como a Camara sabe, é meu costume sempre, quando se apresenta n'esta Camara um novo Ministerio, dizer o que se me offerece acêrca do programma que apresenta.

Não estava aqui quando o actual Governo se apresentou a esta Camara.

Estava fora do reino; e chegando a Lisboa fiquei surprehendido ao ver ainda na tela da discussão a resposta ao Discurso da Corôa, que já tinha começado quando eu ainda estava na America!

Declaro-me em franca e sincera opposição ao Governo.

Não poderei ter confiança no chefe do Gabinete, em vista do seu passado, porque está em manifesta contradição com as ideias que hoje apresenta.

Quando se tem occupado durante muitos annos as cadeiras do poder, não ha o direito de renegar principios e ideias, que tão calorosamente se preconizaram.

Essa confissão de culpas e de arrependimento d'ellas pertence ás Magdalenas.

Não é andando por terceiros e quartos andares da Baixa, confessando suas culpas e fazendo propaganda de novos ideaes em conferencias publicas, que se obtem a confiança do paiz.

Lembro aqui a phrase do Cardeal de Retz : «Il faut souvent changer d'opinion pour pouvoir rester toujours l'homme de son parti».

Mas mudar de ideias para abandonar o partido é que nunca vi; a não ser, é claro, que esse procedimento seja determinado pela ambição do mando, que, videntemente, domina e empolga o Sr. João Franco.

O Digno Par Sr. Alpoim entendeu que não podia continuar ao lado do seu chefe.

Se fez bem ou mal, a historia o dirá; todavia S. Exa. mantem-se fiel aos principios que tem defendido.

Mas mudar de ideias e mudar de partido só o Sr. João Franco. Um homem que assim procede não pode merecer a confiança do paiz.

S. Exa., dada a facilidade com que muda de ideias, pode perfeitamente assumir ámanhã a Presidencia da Republica.

A distancia que o Sr. João Franco tem a percorrer para chegar á Republica é inferior á que vem do tempo em que S. Exa. fazia parte do partido a que preside o Sr. Hintze Ribeiro até o momento presente.

Não quero fatigar a attenção dos meus dignos collegas, mas não quero deixar de lavrar o meu protesto contra as palavras do Sr. João Franco, quando, na penultima sessão, se referiu á imprensa.

Eu entendo que a S. Exa. incumbe a rigorosa obrigação de impedir que se publiquem artigos que offendem as instituições, que injuriam o Rei e as pés soas de sua familia, que atacam, emfim, pessoas que se não podem defender.

Eu não me opponho á liberdade de imprensa; mas isto já não é liberdade: é demasia, é abuso.

Em Parlamento algum do mundo se viu nunca o facto extraordinario de um chefe de Governo vir dizer em pleno Parlamento que nada tem com os ataques ás instituições.

Pois esses artigos não revestem a gravidade de um attentado á ordem publica?

Pois então o Governo não tem nada com isso?

Disse S. Exa. que isso é com o Ministerio Publico ou com o poder judicial.

Mas então os agentes do Ministerio Publico não são delegados do Governo ?

Pois então o Governo não pode compellir os seus delegados ao cumprimento da lei?

Pois pode admittir-se que o Governo diga que não tem nada com isso?

Eu, pela minha parte, protesto contra taes palavras.

Se o Governo não quer ou não pode defender a pessoa do Rei e as pessoas da Familia Real, então é preciso que a iniciativa d'essa defesa parta d'esta Camara.

Não apresento, n'este momento, qualquer moção no sentido do meu modo de pensar; mas nas sessões seguintes hei de tratar esta questão com bastante largueza.

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Na minha qualidade de Par do Reino não posso consentir que a honra do meu soberano seja desacatada todos os dias.

Então o Sr. João Franco imagina que o paiz é seu?

O paiz não é seu, tenha a certeza d'isso.

Se não quer defender a Monarchia, então abandone esses logares e vá para a Republica.

O Governo tem obrigação de cumprir as leis e de fazer que a ordem publica se mantenha.

Pois pode admittir-se que o Governo diga que se desinteressa dos ataques á Familia Real?

Eu chego ás vezes a suppor que o Sr. João Franco está a fazer tudo isto de proposito.

S. Exa. disse ha dias que passa na Europa uma rajada de democracia.

Em Portugal, o que passa é uma rajada de loucuras e de tolices.

Emfim fica definida a minha attitude.

Estou vis-à-vis do Governo, ou antes do Sr. João Franco, porque o Governo é simplesmente o Sr. João Franco.

Como fiz a promessa de me não alongar nas minhas considerações, vou terminar, reservando-me para nas sessões seguintes, e repetidas vezes, dizer da minha justiça.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: — Está esgotada a inscrição. Vão votar-se as moções apresentadas durante o debate sobre o projecto em discussão.

Em primeiro logar é rejeitada a moção do Digno Par Baracho. Seguidamente, é approvado o projecto, ficando por isso prejudicada a moção do Digno Par Jacinto Candido.

O Sr. Presidente: -— A commissão que tem de apresentar a El-Rei a resposta ao Discurso da Coroa, será composta dos seguintes Dignos Pares: Veiga Beirão, Wenceslau de Lima, Campos Henriques, D. João de Alarcão, Moraes Sarmento, Manoel Affonso de Espregueira e Sebastião Telles.

Antes de encerrar a sessão, devo dizer á Camara que o Digno Par José de Alpoim me pediu que participasse ao Sr. Presidente do Conselho que desejava a sua comparencia á sessão de amanhã, antes da ordem do dia, para tratar dos acontecimentos do Porto.

Communiquei, por meio de um officio, ao chefe do Governo os desejos do Digno Par.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: — Sr. Presidente: eu não desejo por forma alguma intervir no assumpto que o Digno Par o Sr. Alpoim deseja tratar na sessão de amanhã, mas direi que pretendo, se houver tempo, chamar a attenção do Sr. Ministro da Marinha para a questão das pescarias.

O Sr. Presidente: — A Camara decidirá qual das duas questões deve ter preferencia.

O Sr. Almeida Garrett: — Eu, Sr. Presidente, tambem desejo tratar, antes da ordem do dia da sessão de ámanhã, de um assumpto que diz respeito ao districto de Castello Branco.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada para a sessão de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 3 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 4 de dezembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Avila e de Bolama, doLavradio, de Penafiel, de Pombal, de Sousa Holstein, Arcebispo de Calcedonia; Condes: de Arnoso, do Bomfim; do Cartaxo, de Figueirój ao Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Sabtsgosa5 de Tarouca, de Valenças, de Villar Secco; Viscondes: de Asseca, de Monte-São, de Tinalhas; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Costa e Silva? Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques. Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria, da Cunha, Almeida Garrett, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arroyo Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, José de Azevedo, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO

Rectificação

Na sessão n.° 29, de 23 de novembro de 1906, pag. 377, col. 1.ª e linha 31, onde se lê:

Sessão do dia 20, deve ler-se: Sessão do dia 19.

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