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N.º 37

SESSÃO DE 6 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do exmo sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

(Assiste o sr. ministro do reino.)

Pelas duas horas, tendo-se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se considerou approvada.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes propostas de lei:

1.ª Abolindo o imposto de 60 réis em decalitro de vinho entrado nas barreiras do Porto e Villa Nova de Gaia, com destino á exportação, e lançando um novo imposto sobre todo o vinho que for exportado pelos portos seccos ou molhados do reino.

Á commissão de fazenda.

2.ª Applicando a prescripção de trinta annos ao julgamento das contas dos exactores e demais responsaveis sujeitos á jurisdicção do tribunal de contas.

Á commissão de fazenda.

Um officio do ministerio dos estrangeiros, remettendo cem exemplares das contas da sua gerencia, relativas ao anno economico de 1876-1877 e do exercicio de 1875-1876.

Mandaram-se distribuir.

Outro do ministerio das obras publicas, remettendo setenta exemplares do relatorio do director da construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro, datado de 30 de novembro ultimo, e do officio de 21 de janeiro do corrente anno, ácerca das despezas feitas com aquellas linhas ferreas.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Reis e Vasconcellos: — Em nome da commissão de administração publica, peço a v. exa. que consulte a camara se consente que seja aggregado á mesma commissão o digno par o sr. Cau da Costa.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o requerimento que acaba de fazer o sr. Reis e Vasconcellos, para que seja aggregado á commissão de administração publica o sr. Cau da Costa, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Declaro a v. exa. e á camara que não assisti ás duas ultimas sessões por incommodo de saude.

Se tivesse estado presente na sessão de quinta feira ultima, teria pedido á illustre commissão de marinha algumas explicações a respeito do projecto que se votou n’essa sessão, e que tratava do regulamento de pilotagem dos portos do continente e ilhas adjacentes, e pediria essas explicações, porque desejava saber quaes os motivos que levaram a commissão a não attender a uma representação que tive a honra de mandar para a mesa, por parte de differentes commerciantes maritimos da cidade do Porto.

O sr. Visconde da Praia Grande de Macau: — Sinto que o digno par o sr. marquez de Sabugosa não estivesse presente quando aqui se votou o regulamento de pilotagem para os portos do reino e ilhas, porque n’essa occasião não teria eu duvida em dar as explicações que o digno par desejava.

Não creio, porém, ser agora occasião para se tratar d’este negocio, visto que a, camara tem outros trabalhos importantes de que se occupar; comtudo, em tempo opportuno direi da melhor vontade as rasões que a commissão teve para não attender á representação a que o digno par se referiu.

O sr. Vaz Preto: — Pedi a palavra para mandar para a mesa dois requerimentos.

No primeiro peço que, pelo ministerio da marinha, se mande a esta camara uma nota dos adiantamentos feitos á expedição de obras publicas que foi para a Africa.

«Requeiro que, pelo ministerio da marinha se mande uma nota das sommas que foram adiantadas ao pessoal que foi mandado para o ultramar, para os trabalhos das obras publicas. = Vaz Preto.»

O segundo tem por fim pedir tambem uma nota, pelo ministerio do reino e da guerra, das sommas que existem em cofre, provenientes das remissões effectuadas pelos mancebos afiançados.

«Requeiro que, pelos ministerios do reino e guerra, seja remettida a esta camara uma nota das sommas que existem em cofre, provenientes das fianças dos mancebos recrutados. = Vaz Preto.»

Não obstante haver lei expressa acabando com as remissões, ellas continuam de facto, em virtude de uma portaria do sr. ministro do reino, que permitte as fianças aos mancebos recrutados.

Continuando por esta fórma as remissões, desejo ao menos saber qual é o seu producto e quaes as quantias que existem em cofre.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que são de voto que se mandem expedir os requerimentos mandados para a mesa pelo sr. Vaz Preto, tenham a bondade de se levantar.

Mandaram-se expedir.

O sr. Marquez de Sabugosa: — É unicamente para agradecer ao illustre relator da commissão de marinha as benevolas palavras que acaba de pronunciar.

Esperarei occasião mais opportuna para ouvir os motivos que a commissão teve para não tomar em conta a representação a que ha pouco me referi.

O sr. Conde de Cavalleiros: — Sr. presidente, v. exa., como antigo ornamento da tribuna parlamentar, como antigo e dedicado liberal, v. exa. que deseja a publicidade, visto que é o melhor esteio e garantia das idéas liberaes, não estranhará de certo o que eu vou dizer e pedir-lhe.

Na outra casa do parlamento, assim como na imprensa, um illustrado escriptor e deputado, o sr. Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos, pediu que as sessões da camara dos senhores deputados fossem extractadas extensamente no Diario do governo.

V. exa. sabe que isto já existiu antes de uma reforma que se fez no corpo tachygraphico.

Ora, quando na camara dos senhores deputados, que tem as suas sessões atrazadas apenas dois dias, se faz um pedido d’esta natureza, o que deverá fazer esta camara,

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cujo atrazo na publicação das suas sessões é de dez, doze e mais dias?

Parece-me que deverá tambem tomar providencias para que no mais curto espaço de tempo se saiba lá fóra o que aqui se passa, e isto nunca se poderá conseguir senão por meio de um desenvolvido extracto, que seja publicado no dia immediato ao das sessões.

Ora, v. exa. sabe que antes de se reformar a repartição tachygraphica, havia esse extracto em ponto grande, que se publicava no Diario do governo, antes da publicação do Diario das sessões; reduziu-se esta publicação do vinte e quatro a quarenta e oito horas, e o nosso antigo collega, o sr. José Estevão, tinha a crença de que em vinte o quatro horas podiam as nossas sessões ser publicadas; v. exa. e eu, contestámos esta idéa, e o que ainda hoje existe na camara dos senhores deputados não póde ter aqui logar.

Eu não accuso os srs. tachygraphos, porque sei que elles têem o maior empenho em que o serviço da sua repartição seja o melhor possivel, e o desempenham com muito zelo e intelligencia, e tambem não posso accusar os meus illustres collegas de levarem alguns dias a rever os seus discursos, mas o resultado, sr. presidente, é que o paiz ignora o que se passa n'esta camara.

Eu peço a v. exa. que durante o intervallo d'esta sessão empregue todos os meios ao seu alcance, a fim de que, para a futura sessão, se publique um extracto extenso das nossas sessões antes da publicação do Diario da camara, e se, com o Diario do governo não é possivel transigir, contrate-se com outro qualquer, porque nós não estamos ligados á imprensa nacional; mas se ella se promptificar a inserir no Diario do governo o extracto das nossas sessões, preferimol-a a outra qualquer. Se v. exa. entende que é preciso mandar para a mesa alguma proposta, eu não tenho duvida em o fazer, mas parece-me que isto está nas suas attribuições.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde de Cavalleiros deseja que a materia da proposta que foi apresentada na camara dos senhores deputados, e não sei se approvada, relativamente á publicação das sessões d'aquella camara, se applique igualmente a esta casa do parlamento, sobretudo em vista do atrazo que ha na publicação das nossas sessões.

Devo declarar ao digno par que tenho empregado todos os meios para ver se consigo que o Diario d'esta camara se publique com a maior rapidez possivel, mas que não se póde marcar um praso fatal para os dignos pares remetterem os seus discursos, attendendo a que elles têem estado empenhados em discussões importantes, que tem havido n'esta camara, e n'outros deveres que têem a cumprir.

Agora, emquanto ao que o digno par propõe, eu não acho duvida alguma em se adoptar aqui o que na outra casa do parlamento se propoz; por consequencia vou consultar a camara a este respeito, sem ser necessario que o digno par mande para a mesa uma proposta, porque já está feita desde que se tomou nota do que v. exa. disse, o que se póde considerar uma proposta.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, se é preciso fazer-se despeza pequena ou grande com a publicação do extracto, faça-se, porque despezas d'esta ordem não as impugnamos. O extracto remediava todos os inconvenientes; já o Diario podia ser publicado com dez ou doze dias de atrazo, e os nossos collegas podiam levar mais algum tempo a rever os seus discursos, ficando o Diario para a historia e o extracto para o momento, por isso prefiro antes um extenso extracto do que a rapidez na publicação das nossas sessões.

O Diario da camara dos senhores deputados publica-se em quarenta e oito horas, e ainda assim entenderam que era preciso um extracto.

Ha poucos dias, na outra casa do parlamento, o sr. ministro das. obras publicas avançou uma proposição, que na realidade feriu todos os ouvidos constitucionaes, o dm depois o mesmo sr. ministro rectificou o que havia dito

Ora, se houvesse um extracto que se publicasse no dia immediato á sessão, já se evitavam estas rectificações e accusações.

Portanto, sr. presidente, insisto pela publicação do extracto.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, eu associo-me em tudo plenamente ás idéas apresentadas pelo meu illustre amigo o sr. conde de Cavalleiros.

Nem o digno par nem eu temos a intenção de censurar a maneira por que v. exa. dirige os trabalhos d'esta camara, porque todos conhecemos a diligencia e boa vontade que v. exa. emprega, para que elles andem o melhor possivel, Comtudo, seja-me licito solicitar de v. exa. a reorganisação do corpo tachygraphico, porque o seu numero é tão deficiente, que não permitte senão com grande trabalho que as sessões se apresentem no dia immediato áquelle em que os discursos são proferidos n'esta casa. E digo isto, porque entendo que devemos ter o pessoal bastante, para que os serviços se possam fazer a tempo e a horas.

Sr. presidente, eu desejaria, como o sr. conde de Cavalleiros, que no dia immediato ao das nossas sessões, se publicasse um copioso extracto de todos os discursos, e isso era até certo ponto evitar os defeitos que se encontram hoje.

Por esta occasião, e visto estar presente o sr. ministro do reino, animo-me a indicar a s. exa. a conveniencia de se estabelecer um corpo tachygraphico estranho ao parlamento, que sirva não só para auxiliar as necessidades d'este, como tambem para satisfazer as necessidades instantes dos tribunaes, e outras mais urgentes do serviço.

Talvez, pois, que esse corpo tachygraphico externo, sujeito a um ministerio qualquer, podesse vir a satisfazer ao que é para desejar, porque destacaria para o parlamento o pessoal sufficiente quando aqui o não houvesse.

Sr. presidente, vejo que é uma necessidade urgentissima o prestarmos attenção a este ramo de serviço, porque sem elle não ha publicidade; mas a camara tem confiança na resolução que v. exa. tomar a este respeito, e confia que o elevará ao maior grau a que possa chegar.

Por esta occasião tambem advirto que ha uma grande falta nas bibliothecas e especialmente na nossa. Ali não se encontram os Diarios das sessões das camaras estrangeiras, e tenho-me visto afflictissimo para encontrar os Diarios das camaras do paiz vizinho.

O meu collega e amigo o sr. marquez de Sabugosa, ha de desculpar que eu vá fazer uma revelação de um segredo que s. exa. me confiou.

S. exa. pocurou na nossa bibliotheca os Diarios das camaras de Italia, que se referiam á pena de morte, e succedeu-lhe o mesmo que a mim tem succedido.

Isto é uma grande falta, e talvez fosse facil e remedial-a, podendo até haver a permutação dos Diarios das nossas camaras com os das camaras estrangeiras, porque era muito conveniente que na nossa bibliotheca houvessem documentos de tudo quanto se passa lá fóra. Deve custar pouco dinheiro, mas, mesmo que custasse muito, merecia a pena.

Não tenho mais nada a dizer sobre esta materia.

O sr. Costa Lobo: - Entende que o melhor systema é voltar ao antigo de se publicarem as sessões no Diario da camara, marcar-se um praso aos oradores, e, no caso de elles não devolverem o seu discurso, publicar-se o extracto.

Por esta occasião pede ao sr. ministro das obras publicas que mande examinar se é possivel remediarem-se as condições acusticas d'esta sala, que são intoleraveis. E igualmente que de ordem para que se limpem exteriormente as paredes do palacio das côrtes, que se acham n'um estado vergonhoso. É este um objecto sobre que tem chamado, em particular, a attenção de varios srs. ministros das obras publicas. Mas como nada se tem feito, talvez que esta demonstração publica produza melhor resultado.

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O sr. Carlos Bento: - Concordo plenamente com a indicação apresentada pelo meu amigo o sr. conde de Cavalleiros, a fim de que a camara resolva que se adoptem as disposições necessarias para que na proxima sessão legislativa se publique na folha official um largo extracto do que parlamentarmente aqui se faca, alem da publicação na integra no Diario da camara. Lastimo tambem a demora da publicação das nossas sessões. E não se entenda por isto que eu supponha que essa demora deve attribuir-se ao corpo tachygraphico; antes, pelo contrario, devo declarar que fico surprehendido pela maneira por que o seu serviço é desempenhado, n'uma casa com as péssimas condições acusticas que todos conhecem haver n'esta, sendo reproduzidos com tanta fidelidade os discursos que têem aqui logar. (Apoiados.) Pela parte que me toca, agradeço aos srs. tachygraphos.

Quanto ao que disse o meu amigo, o sr. Barros e Sá, ácerca da nossa bibliotheca, entendo que seria melhor não fanarmos n'isso. É usurpar um titulo chamar bibliotheca ao deposito de alguns livros que temos ali. Já se fallou em remediar esse inconveniente não tratando de ter livros, mas nomeando dois bibliothecarios em vez de um só. Não sei em que ficou esse negocio; mas o que é certo é que todos reconhecem as difficuldades a que o digno par e meu amigo se referiu. Eu tambem achava muito vantajoso que fizessemos acquisição dos diarios das sessões dos parlamentos estrangeiros, mesmo para não citar de falso quando ás vezes é necessario adduzir alguns exemplos de outros paizes. Se v. exa. julgar que, para esse fim, precisa de auctorisação da camara, estou prompto a votal-a.

O sr. Presidente: - Vou perguntar á camara se deseja adoptar resolução igual á que for tomada na camara dos senhores deputados, relativamente á publicação do extracto das suas sessões.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, senos quizermos limitar ao que se faz na outra camara, de certo nos veremos em grandes embaraços.

Portanto, parece-me que seria melhor que nós fizessemos o que entendessemos e v. exa. julgasse mais conveniente, sem nos importarmos com o que se faz na outra casa, que já tem bastante vantagem na brevidade com que é publicado o seu Diario.

Escrevo a proposta.

O sr. Presidente: - Peco ao digno par que mande a sua proposta para a mesa, para se evitar qualquer equivoco.

Eu vou submetter a proposta do digno par á decisão da camara; mas peco a s. exa. que não perca de vista que a causa principal da demora na publicação das sessões são as más condições acusticas d'esta camara; e por isso receio muito que a publicação de uma copioso extracto no Diario sem os dignos pares poderem examinar os seus discursos, de logar a reclamações fundadas, porque é possivel que n'esse extracto lhes sejam attribuidas proposições que não proferiram.

Eu dou sempre toda a attenção ao que se passa na camara, para poder dirigir os trabalhos, como me cumpre, e declaro que a maior parte dos discursos dos dignos pares não é ouvida na mesa. Por isso não sei como as pessoas encarregadas d'esse serviço poderão apresentar no dia seguinte um extracto fiel do que aqui se passar.

Todavia, o sr. conde de Cavalleiros vae mandar a sua proposta para a mesa, e a camara resolverá o que julgar mais conveniente.

Vão ler-se as propostas mandadas para a mesa pelo sr. Vaz Preto.

Leram-se na mesa e mandaram-se imprimir.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Pedi a palavra antes da ordem do dia para solicitar da illustre commissão de fazenda, que dê, com a maior brevidade possivel, o seu parecer sobre um projecto que veiu da outra camara, tendente a conceder um subsidio para a creação do logar de medico do hospital da ilha das Flores.

Aquella ilha não tem medico; morre-se ali ao desamparo! Ali não havia hospital; hoje é que ha um, mas sem rendimento para poder ter medico. Ora, nenhum facultativo quer ir para ali com ordenado inferior a 1:000$000 réis, em consequencia do isolamento e distancia em que se encontra aquella ilha.

O municipio, apesar do seu rendimento ser apenas de 1:800$000 réis, está prompto a contribuir com 400$000 réis para auxiliar esta despeza.

Ha tambem uma outra circumstancia a que é necessario attender. Aquella ilha é frequentada actualmente por muitos navios estrangeiros, talvez em numero superior aos que vão á ilha Terceira; e portanto torna-se de urgente necessidade haver ali um guarda mór para fiscalisar o serviço sanitario.

Em todas as ilhas do archipelago dos Açores ha guardas mores; só esta ainda o não tem.

Portanto, peço á illustre commissão de fazenda que dê o seu parecer sobre o projecto a que me referi, com a urgencia possivel, porque o assumpto é, alem de tudo, altamente humanitario.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um parecer da commissão de marinha:

O sr. Presidente: - A commissão ouviu o pedido do sr. visconde da Silva Carvalho, e estou certo que o ha de tomar na consideração devida.

O parecer leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda. E aproveitando a occasião devo dizer ao sr. visconde da Silva Carvalho, que o projecto a que s. exa. se referia está affecto á commissão de fazenda desde hontem; e na primeira reunião que ella tenha resolverá este assumpto.

Os pareceres foram lidos na mesa e mandaram-se imprimir.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. conde de Cavalleiros.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

"Proponho que seja auctorisado o exmo. sr. presidente a fazer publicar no Diario do governo um extenso extracto do que se passar n'esta camara, começando na proxima sessão legislativa. = Conde de Cavalleiros."

Posta á votação, foi approvada.

O sr. Presidente: - Agradeço muito ao digno par e á camara o voto de confiança que acaba de dar á mesa. Hei de fazer todo o possivel para satisfazer os desejos do digno par.

O sr. Sequeira Pinto: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Barros e Sá: - Pedi a palavra para declarar que o sr. conde do Casal Ribeiro não compareceu ás sessões de hontem e de hoje por incommodo de saude.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia. É a discução do parecer n.° 290.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Parecer n.° 290

Senhores. - A vossa commissão de administração publica examinou o projecte do codigo administrativo approvado pela camara dos senhores deputados, e que ali fôra apresentado pelo governo na sessão legislativa de 1872.

Por muito tempo esteve este importante assumpto sujeito ao estudo e exame d'aquella casa do parlamento, que o approvou depois de prolongada discussão.

A administração civil do districto, do municipio e da parochia regida pelo codigo administrativo de 1842 carecia de ser reformada, porque são differentes as idéas de admi-

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nistração d'aquella epocha, muitas das que dominam hoje a organisação e a administração d'aquelles, carpos locaes, que, quando constituidos em condições verdadeiras de vida propria, podem, e devem prover á sua propria administração.

Esta consideração importante, e o estado nem sempre uniforme da jurisprudencia administrativa na aplicação das disposições d'aquelle codigo, pelo successivo e alternado predominio de idéas differentes de administração publica, desde muito que faziam desejar a sua reforma completa.

É o que tende a realizar o presente projecto do lei modelado sobre idéas de mais largo desenvolvimento da vida local, hoje tornadas por base pelas moderna leis de administração civil das differentes nações, e desde muito professadas pelos homens illustrados que se têem occupado d'estes assumptos.

O districto, o municipio e a parochia são pelo projecto regulados nas suas relações internas, e n'aquellas que os ligam entre si e com a administração superior do estado.

A fazenda, do districto, do municipio e da parochia é já organisada para as proporções que póde e deve vir a ter, quando uma conveniente circumscripção administrativa, porventura os habilite a desenvolver recursos que possam tornar em realidade pratica a sua vida e adminissração propria na largueza que convem.

A fazenda do districto, comprehendenda a reccita ordinaria e extraordinaria, tem por fundamento valioso, principalmente:

1.° O producto da derrama feita aos municipios para os encargos do districto, com referencia no n.° 19.º do artigo 127.°, que estabeleço esse encargo municipal, o ao n.° 18.° do artigo 53.°, que auctorisa as juntas geraes a lançal-o aos municipios;

2.° A percentagem addicional ás contribuições directas do estado, que as juntas geraes igualmente podem lançar auctorisadas por aquelle mesmo artigo.

Estas duas fontes de receita são as mais importantes, e a sua reunião que póde um encargo pesado para os municipios e por isso para os contribuintes, é todavia necessaria, porque em circumscripções pouco amplas, como são as de muitos actuaes districtos, onerados com importantes encargos pelos serviços que lhes incumbem e pelo pessoal necessario, a sua receita tem de ser assegurada para que a administração possa manter-se.

Na receita extraordinaria avultam os subsidios do estado para auxiliar os melhoramentos districtaes, mormente no que constitue a dotação das leis de estradas.

Nas despezas que ficam a cargo dos districtos, muitas e importantes estão dependentes de projectos de lei ainda sujeitos á approvação d'esta camara, do que por isso a vossa commissão não tem que occupar-se aqui.

Na organisação dos corpos administrativas estabelece o projecto principios já consignados em outros trabalhos anteriores, dando directamente o povo a eleição das assembléas districtaes.

Sendo este o systema para a eleição da camara dos senhores deputados, e sendo tambem o que regula a eleição municipal, não havia rasão para que não fosse applicado á eleição das juntas geraes, como hoje é seguido nos differentes paizes que têem reformado a sua administração.

As attribuições das juntas geraes são alargadas convenientemente, abrangendo o que é necessario para o desenvolvimento de vida districtal, uma vez que a sua dotação se torne sufficiente.

No projecto criam-se as commissões districtaes ou commissões permanentes da junta geral.

A estas commissões fica pertencendo a execução das deliberações da junta geral; representar o districto como entidade administrativa: propor o orçamento
districtal; e na ausencia da junta geral, exercer as attribuições que competem á mesma junta, em todos os negociou cuja resolução não possa ser adiada sem prejuizo para a administração, e cuja importancia não justifique a convocação extraordinaria das juntas.

Como esta ultima attribuição deixada á deliberação das proprias commissões poderia por ellas ser diversamente interpretada e seguida; ou ampliada mais do que conviesse, o projecto faz as restricções, que pareceram convenientes, designando quaes as deliberações que serão sempre da exclusiva competencia das juntas geraes, e a dependencia mesmo em que algumas das resoluções auctorisadas ficam da approvação das mesmas juntas.

A creação das commissões districtaes com as attribuições, que ficam indicadas, ou analogas, encontra-se nas instituições administrativas de differentes paizes, e especialmente da Belgica, pela lei provincial de 30 de abril de 1836; da França, pela lei de 29 de agosto de 1871;

Na Hespanha pela do 20 do agosto de 1870, da regencia, mantida nas suas principaes disposições pela de 16 de dezembro de 1876.

Na Italia foi tambem admittido igual systema na lei de administração de 20 de marco de 1865.

Unia innovação, porém, se encontra no projecto. A presidencia d'essa commissão, que n'aquellas leis é conferida ao governador ou ao prefeito; conforme a denominação que ali tem a auctoridade superior, é dada no projecto a um membro eleito da commissão, pela analogia da presidencia da junta geral.

Esta disposição que não tem ainda a confirmação da experiencia, poderá prejudicar a unidade da administração superior no districto. pelo dualismo que estabelece, até agora desconhecido na pratica de administrar; é todavia uma experiencia de muito grande alcance, que visto ter a opinião da camara dos senhores deputados; a vossa commissão entendeu não dever contrariar.

A fazenda municipal acha-se convenientemente organisada nos preceitos do projecto.

Na ordem dos tributos que os municipios são auctorisados a lançar, avultam os impostos indirectos, continuando a faculdade que hoje têem as camaras de tributar os differentes generos submettidos á venda, e abrangendo além d'isso (pela disposição do artigo 123.°) toda o consumo.

xplica este systema a absoluta necessidade de dotar convenientemente a receita municipal para poder occorrer aos encargos do municipios, ainda os já existentes, para os quaes uma grande parte dos municipios, como se acham constituidos, não teem suficientes recursos.

A tendencia municipal poderia ser utilmente dirigida de preferencia para os impostos directos, não só pela igualdade de incidencia do importo que isto traria, sem os inconvenientes que se encontram na grande administração, como porque não se aggravariam assim mais os impostos geraes indirectos, a que para a administração geral do estado mais se recorre, por considerações economicas, que seria alheio tratar aqui. Como porém esse meio é facultado ás administrações municipaes, póde esperar-se que por iniciativa propria, independente de preceito da lei, a elle dêem preferencia.

A administração parochial pouco póde ser melhorada pela deficiencia dos recursos proprios na maior parte das parochias, emquanto uma melhor circumscripção, para a qual o governo se acha auctorisado pelas leis de 2 de dezembro de 1840 o 4 de junho de 1859, mantidas pela disposição generica do artigo 3.° do projecto, as não habilitar para poderem ser verdadeiramente o primeiro elo do uma administração vigorosa. Entretanto, no quadro das disposições do projecto o regimen parochial acha-se assenta pobre bases certas.

O pessoal administrativo dos districtos e dos concelhos é regulado por maneira conveniente, e são melhoradas as suas condições, como de ha muito era mister.

O conselho de districto conserva attribuições consultivas e contenciosas, acabando as faculdades deliberantes

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com esse caracter, que pela legislação vigente lhe competem, systema este já proposto em differentes trabalhos anteriores.

A limitação das attribuições dos conselhos de districto ápuellas duas ordens de funcções, parece á vossa commissão mais conveniente do que o systema vigente, entendendo igualmente que a sustentação do contencioso administrativo é uma necessidade na administração moderna, como esta se acha organisada na sua grande generalidade.

O processo contencioso está melhorado no projecto, e a generalidade com que a competencia se acha determinada no artigo. 243.° e seus numeros, faz com que os conselhos de districto devam rer considerados como tribunaes ordinarios do contencioso administrativo, como convem á generalidade e para certeza da sua competencia.

Em todo o seu complexo, o projecto de lei melhora a administração civil dos differentes ramos que regula, e assenta, como se acha, sobre as idéas de descentralisação administrativa, que hoje dominam nas modernas leis de administração nas differentes nações; a vossa commissão, sem entrar em mais largo desenvolvimento do projecto, que melhor terá logar na discussão, entende que elle merece a approvação da camara dos dignos pares do reino, para subir á sancção real.

Sala da commissão, 29 de março de 1878. = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Marquez de Ficalho = Marquez de Vallada (vencido) = Carlos Maria Eugenio de Almeida = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = João Baptista da Silva Ferrao de Carvalho Mártens, relator.

Projecto de lei n.° 273

Artigo 1.° É approvado o codigo administrativo, que faz parte da presente lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 2 de março de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.

(O projecto do codigo administrativo a que se refere o projecto de lei n.° 273, será publicado no fim de uma das proximas sessões.)

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade, porque tem um só artigo.

O sr. Vaz Preto (sobre a ordem): - Como a camara vê, este projecto tem uma só discussão na generalidade e especialidade, porque consta de um só artigo.

Ora, este projecto é nada mais nada menos do que á substituição de um codigo por outro, com alterações muito importantes; demais, eu estou convencido de que, se for approvado, e se se pozer em execução, ha de trazer tantas dificuldades, que não se ha de executar.

Portanto, para a camara não votar este projecto como uma mera chancella, vou propor que a discussão sobre elle seja por titulos.

Proponho que a discusssão e a votação sobre este projecto sejam por titulos; não é meu desejo portrahir a discussão, mas fazer com que a camara se occupe, como deve, de uma medida tão importante, mostrando que examina e vota as leis com todo o escrupulo, circumspecção e prudencia.

O projecto de que fallo é importantissimo, trata nada mais nada menos do que de resolver o problema insoluvel durante seculos, e que, na phrase do celebre escriptor Guizot, consiste em conciliar o poder com a liberdade. O que se pretende, pois, é delegar para os differentes corpos administrativos certas attribuições que estavam até agora centralisadas.

V. exa. e a camara sabem perfeitamente e conhecem os grandes esforços empregados para conseguimento d'este fim, e que algumas escolas politicas das mais avançadas têem considerado a centralisação como a sua cidadella inexpugnavel.

A centralisação, que, pela simples exposição da palavra, se entende o que é-fazer convergir as forças ao centro - em politica tem uma significação mais lata; representa tres operações distinctas: 1.ª, fazer convergir ao centro as differentes forças dispersas; 2.ª, preparal-as ali e robustecel-as; 3.ª, fazel-as divergir do centro para a circumferencia, de fórma que se espalhem pelos varios pontos do paiz, e lhe levem a vida e a liberdade.

Aqui está como a centralisação tem ao mesmo tempo uma parte de descentralisação; nem podia ser de outra fórma. A centralisação pura e simples traria o despotismo; assim como a descentralisação, em iguaes condições, traria a anar-chia.

Por consequencia, as diversas escolas que seguem o progresso como uma lei da natureza e que querem caminhar, procuram o modo de resolver o problema, fazendo que se concilie o poder com a liberdade, e por isso estabelecem a doutrina, o principio de centralisação politica e descentralisação administrativa.

O problema hoje a resolver resume-se em dar força ao poder central, a vida e independencia ás localidades. A escola moderna, compenetrada d'estas idéas, e procurando realisal-as estabelece a sua doutrina na seguinte phrase, centralisação politica, e descentralisação administrativa. Quer dar á auctoridade central todo o poder para zelar os interesses do paiz, de que ella é o supremo representante, e quer salvaguardar ao mesmo tempo os direitos de cada um, deixando-os governar por si, satisfazendo directamente ao seu fim, e por isso deslocar para as auctoridades um grande numero de attribuições, deixando-lhes fazer uso das suas forças e exercer a sua liberdade.

Sr. presidente, eu apresento estas considerações apenas para mostrar que o projecto é importantissimo, e que temos necessidade absoluta de o examinar com toda a prudencia, para não votarmos artigos, como já aqui votámos os de uma lei, que hoje na pratica tem encontrado graves difficuldades para poder ser cumprida, pedindo-se já a modificação e a substituição de muitos d'esses artigos.

Eu estou convencido, sr. presidente de que se votarmos este codigo, ou não ha de ser posto em execução ou se for trará como consequencia a revolução. Não póde ser cumprido, porque o terreno não está preparado, porque o modo de existir das localidades vae ser outro, e porque para a sua execução era necessario que o paiz estivesse com a instrucção sufficiente para comprehender a vantagem da nova ordem de cousas e para poder por si só governar-se.

Quem tiver verdadeiro conhecimento do nosso paiz, reconhece tambem as enormes difficuldades que hão de apparecer na execução.

Ha concelhos que só não têem pessoal, mas até lhes faltam os elementos para satisfazerem aos encargos obrigatorios. Alem d'isto este projecto traz tantos ónus á localidade, sobrecarrega com tantas despezas, que ha de ser difficil encontrar n'elle quem queira tomar sobre si o odioso de lançar impostos vexatorios, e portanto, repito, desconhecer isto, julgar que a lei será cumprida, é um engano. Se, porém, o governo tratar na actualidade levar a effeito as disposições do projecto, terá de arcar, como disse, com a revolução, porque os povos não estão preparados a administrar-se a si proprios, e por esta lei tira-se um grande numero de encargos do orçamento, para serem lançados sobre os districtos e os concelhos.

V. exa. e a camara sabem que o paiz tem sempre uma grande repugnancia a pagar impostos, e vendo que no orçamento os impostos que lhe eram lançados, e as necessidades para que elles haviam de ser applicados, ficaram a cargo do districto e do municipio, o resultado póde ser a revolução, e é isso o que eu desejo evitar. Estas considerações mostram a alta importancia do projecto e a neces

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sidade que a camara tem de o examinar com todo o cuidado e circumscripção.

O sr. Presidente: - Eu peço ao digno par que mande para a mesa a sua proposta, abstendo-se por emquanto de discutir todo o projecto.

O Orador: - Perdoe-me v. exa., mas eu conheço os meus deveres e sei tambem qual é o meu direito. Não tenho estado a discutir a generalidade do projecto, mas unicamente a sustentar a minha moção de ordem, adduzindo n'esse intuito as considerações convenientes para demonstrar que, pela importancia do assumpto, o projecto não deve ser discutido nem votado em globo, mas sim por capitules. Como porém v. exa. entende que eu estou discutindo a generalidade, não insistirei nas minhas considerações. Não direi mais nada, mas o que v. exa. faz é tolher o meu direito, e por consideração para com v. exa. limito aqui as minhas reflexões.

O sr. Presidente: - Eu não queria tolher a liberdade da discussão, o que não desejo é que a pretexto de se discutir uma moção de ordem se discuta todo o projecto.

O sr. Vaz Preto: - Eu não fiz outra cousa senão sustentar a minha proposta, mas como a camara tem muita illustração, as considerações que apresentei são sufficientes para provar a alta importancia do assumpto; a camara resolverá como entender.

O sr. Presidente: - O sr. marquez de Vallada pediu a palavra sobre a ordem; é para mandar para a mesa alguma moção?

O sr. Marquez de Vallada: - É exactamente debaixo do ponto de vista que v. exa. indicou que eu pedi a palavra sobre a ordem.

Sei perfeitamente como devo usar da palavra quando me é concedida sobre a ordem ou sobre a materia.

O sr. Presidente - O meu dever é fazer cumprir o regimento.

O regimento determina que qualquer digno par que pede a palavra sobre a ordem deve primeiro que tudo apresentar a moção de ordem que tenha a propor.

Queira, pois, o digno par mandar para a mesa a sua moção.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu não tinha que apresentar moção alguma.

O meu fim, pedindo a palavra, era pedir para assignar a moção do sr. Vaz Preto.

O sr. Presidente: - O sr. visconde de Fonte Arcada pediu a palavra sobre a ordem.

Peço ao digno par se tem alguma moção a apresentar a queira mandar para a mesa.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Não sei que esteja estabelecido n'esta casa que o pedir a palavra sobre a ordem importe a obrigação de apresentar uma moção.

Eu só queria pedir um esclarecimento a v. exa. sobre a ordem do dia.

Agora, se me não é permittido usar da palavra sobre a ordem, peço a v. exa. que provoque da camara uma resolução a tal respeito.

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares que tenham a bondade de me ouvir.

Não quero que ninguem julgue que eu estou a abusar da posição que occupo.

A minha obrigação é cumprir com o que determina o nosso regimento, e no seu artigo 61.° acha-se determinado o que vou ler.

Foi de conformidade com estas disposições que pedi aos dignos pares que desejavam fallar sobre a ordem, que começassem por apresentar as suas moções.

O artigo 61.° diz:

(Leu.)

Já vêem os dignos pares que eu pedindo a s. exas. apresentassem as suas moções de ordem, não fazia mais que cumprir a disposição regimental, suppondo que tinha pedido a palavra sobre a ordem para o mesmo fim que o sr. Vaz Preto.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a discussão e votação sobre esto projecto seja por titulos. = Vaz Preto.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - A moção do sr. Vaz Preto entra em discussão com a materia principal.

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para uma questão previa. Pedia a v. exa. me dissesse, se pelo facto de entrar a minha proposta em discussão conjuntamente com o projecto na sua generalidade, qualquer membro d'esta camara fica inhibido de apresentar emendas ou substituições, e não o ficando, se ellas serão remettidas á respectiva commissão?

Peço a v. exa. me esclareça sobre este ponto, e que ponha a minha proposta em discussão separada, para que seja votada em primeiro logar, pois da sua approvação ou rejeição tomará o debate caminho differente.

Approvada ella, o projecto terá na generalidade uma discussão seria, sem ser atrapalhada e embrulhada com emendas, substituições, additamentos, etc., e na especialidade circunstanciadamente, e a proposito serão apresentadas as substituições.

O sr. Presidente: - Para poder dirigir os trabalhos da camara é preciso que perceba o que dizem os dignos pares.

O sr. Vaz Preto pretende que se vote a sua proposta, só bem ouvi s. exa.

Está claro que a sua proposta ha de ser submettida a uma votação da camara, depois de ser votada a generalidade do projecto, visto que ella tem por fim que haja uma votação na especialidade, separada da generalidade, pondo-se a votos titulo por titulo.

O sr. Vaz Preto: - Peço licença, mas v. exa. não me esclareceu sobre o ponto principal. A minha proposta ó, se entrando a proposta que apresentei em discussão conjuntamente com o projecto, e votado elle na generalidade, ficam os membros da camara inhibidos de apresentar emendas ou substituições, para irem depois á commissão respectiva.

N'este presupposto queria que se discutisse primeiro a minha proposta, porque, se for approvada, irei apresentando as minhas emendas á proporção que se forem discutindo os titulos, e no caso contrario, como haverá uma só discussão, terei de apresentalas em globo.

O sr. Presidente: - A minha intenção é, havendo uma só discussão, que comprehenda a generalidade e a especialidade, que os dignos pares tenham o direito de mandar para a mesa todas as propostas, emendas ou substituições que julguem conveniente apresentar. (Apoiados.)

Se as propostas forem muitas, e de importancia tal, que não se possam apreciar durante o debate, hão de ser enviadas á commissão para as examinar e dar sobre ellas o seu parecer, como aconteceu quando se tratou do projecto relativo á reforma d'esta camara.

Por consequencia, qualquer que seja a votação sobre a proposta do sr. Vaz Preto, nenhum digno par ficará inhibido de mandar para a mesa as emendas ou substituições que julgar conveniente.

O sr. Vaz Preto: - A minha proposta refere-se ao methodo que deve seguir-se na discussão d'este projecto. Se for approvada, como o seu fim é determinar que a discussão seja por titulos, eu irei apresentando as minhas emendas e substituições á proporção que só forem discutindo os differentes titulos; mas, se for rejeitada, a discussão será uma só, e torna-se mais difficil s mais confusa, e terei de mandar para a mesa, de uma só vez, todas as emendas e substituições que tenho de submetter á consideração da camara, e será quasi impossivel fazer a respeito de todas as reflexões que exigem.

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O sr. Presidente: - Eu estava persuadido de que a proposta do digno par era para que a votação se verificas-se por titulos, mas agora é que vi que a palavra "votação" está substituida pela palavra "discussão".

No primeiro caso eu não deixaria de submetter a proposta á votação da camara antes da approvação do projecto; mas, desde que se trata da discussão por titulos, não está comprehendida no que eu tinha proposto á camara, isto é, não póde haver uma só discussão, e é preciso que o projecto se discuta primeiro na generalidade e depois na especialidade, por titulos.

Vou, portanto, conceder a palavra aos dignos pares, que quizerem fazer uso d'ella sobre este assumpto, e depois consultarei a camara sobre se quer que haja uma discussão na generalidade e outra por titulos, como propõe o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - O que eu roqueiro é que v. exa. consulte a camara ácerca da minha proposta, e a ponha á votação já.

A votação sobre ella resolve a questão previa, que é saber, antes de começar a discussão, se ha um debate sobre a generalidade e outro sobre a especialidade.

O sr. Presidente: - É exactamente o que eu tenciono fazer. Acredite o digno par que o meu fim é dirigir os trabalhos da camara do modo mais regular e mais justo. (Apoiados.)

Agora, trata-se de resolver se o projecto deve discutir-se na generalidade e na especialidade ao mesmo tempo, ou se deve haver duas discussões, uma na generalidade e outra por titulos, como propõe o digno par.

Tem a palavra o sr. Mártens Ferrão, relator da commissão.

O sr. Mártens Ferrão: - Observou que esta camara sempre que n'ella se tratou da discussão de codigos verbi gratia o codigo civil, o do processo, etc., foi abrir uma só discussão na geralidade, admittir as emendas que se fizessem, e por fim votar o codigo sem prejuizo das emendas, que iam á commissão, que davam sobre ellas um parecer, que se discutia, e por fim se votava.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, permitta-me o meu prezado amigo o sr. Mártens Ferrão que eu impugne a sua opinião sobre o modo de discutir este projecto exactamente com as mesmas, rasões com que s. exa. a defendeu. Por serem manifestos os inconvenientes que resultaram de se discutirem de similhante maneira o codigo civil e o codigo do processo, e que eu não desejo que se discuta do mesmo modo este projecto.

Eu hei de provar d'aqui a poucos dias ao sr. Barjona de Freitas que s. exa. commetteu um grave erro, querendo que se discutissem, da fórma por que foram discutidos, aquelles codigos; e por essa occasião mostrarei uma omissão importante que houve no codigo civil, com relação á lei de 15 de março de 1855.

Esta pressa nas discussões seria propria de um governo absoluto, mas não de um governo liberal. Podia-se discutir á pressa em um tribunal de antigos magnatas, mas hoje que ha a rasão esclarecida, a discussão deve ser pausada e profunda nos debates. Por causa d'estas pressas, que de nada servem, muitas disposições do codigo civil passaram intactas, que estão hoje precisando de serem alteradas.

E, a proposito d'este codigo, seja-me permittido dizer que hei de chamar a attenção do sr. Barjona de Freitas, para lhe perguntar o que é feito dos trabalhos da commissão, que s. exa. nomeou para remediar as difficuldades,
as antinomias e as contradicções d'aquelle codigo. Faço votos como individuo para que o sr. Barjona de Freitas melhore, e tambem como politico para lhe pedir explicações, e mostrar mais uma vez a inconveniencia do projecto e do modo por que era discutido.

Então levantei a minha debil voz, e pedi que não se discutisse artigo por artigo, mas doutrina por doutrina. Felizmente tive a meu lado alguns cavalheiros, ainda que poucos: foram elles os srs. conde de Lavradio, que tantas vezes tem sido citado ultimamente nas sessões d'esta casa; marquez de Fronteira, conde da Ponte, e marquez de Ficalho. Estão todos vivos, excepto o sr. conde de Lavradio. Votaram s. exas. N'essa occasião uma proposta que tive a honra de mandar para a mesa, em que eu sustentava a posteriori, em vista dos principios, a questão que sustento agora, e com mais calor, a posteriori, em vista dos factos.

Apesar de me achar doente desde hontem, não posso abandonar o assumpto, e hei de usar da palavra sobre elle, ainda com grave sacrificio da minha saude.

Portanto, pelas rasões que expendi, e abundando em outras que apresentou, o digno par o sr. Manuel Vaz Preto Geraldes, uno os meus votos aos de s. exa.

Desculpe o digno par o sr. Mártens Ferrão o ardor com que fallei, e que, todavia, não creio improprio de assembléas deliberantes, quando haja em vista respeitar os individuos, como eu respeito s. exa. O sr. Mártens Ferrão sabe o affecto que lhe consagro e quanto admiro a sua erudição; mas n'estas questões Amicus Plato, sed magis arnica veritas. E, como fallo sempre com profunda convicção do que digo e animado dos sentimentos de justiça, é facil tomar enthusiasmo na discussão, sobretudo quando vejo que os factos vieram confirmar as minhas supposições no passado.

Peço, pois, com toda a instancia, de que posso usar n'uma assembléa d'esta ordem, que se discuta o projecto do codigo administrativo pela maneira que o sr. Vaz Preto indicou, mandando para a mesa uma proposta, a qual, se me concederem licença, assignarei tambem.

Por emquanto nada mais tenho a dizer; mas espero usar largamente da palavra na discussão sobre a materia. Cada vez com mais rasão entendo que devo persistir nas minhas intenções de combater esta reforma, que julgo altamente prejudicial.

Como antigo parlamentar que sou, reservo essas rasões para quando se tratar da materia: agora tratâmos de uma questão de ordem.

(O orador não viu as suas notas.)

O sr. Presidente: - A proposta do sr. Vaz Preto é propriamente uma questão previa.

Pretende s. exa. que depois de votado o projecto na generalidade, haja uma discussão na sua especialidade sobre cada titulo que se compõe.

Vou consultar a camara.

Os dignos pares que approvam a proposta do sr. Vaz Preto, tenham a bondade de levantar-se.

Verificou-se a votação.

O sr. Presidente: - Acham-se de pé quinze dignos pares, eu tambem voto pela proposta; ficaram sentados vinte e quatro, está portanto rejeitada.

Note a camara que cada um dos dignos pares que tomar parte no debate, tem direito a mandar para a mesa durante a discussão todas as propostas que julgar convenientes sobre qualquer dos artigos do projecto.

A camara resolverá depois o destino que se lhes deve dar.

Podem ser enviadas á commissão, se a camara assim o resolver, para que esta dê o seu parecer.

Digo isto, para a camara ficar na convicção de que qualquer dos methodos que se siga para a discussão, ha de haver toda a largueza no debate.

Agora tem a palavra sobre a materia o sr. Paiva Pereira.

O sr. Paiva Pereira: - Sr. presidente, o respeito que devo á superior illustração e competencia dos auctores do projecto em discussão, e que professo aos dignos pares que o examinaram, e o recommendam á approvação da camara, bastaria para eu não me abalançar a impugnal-o em globo.

Reconheço a necessidade de reformar o codigo obsuleto, que tem soffrido uma longa serie de interpretações que o contradizem, e não está em harmonia com o progresso e as innovações do nosso organismo administrativo actual.

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Mas o meu espirito hesita em approvar os artigos que concedem ás camaras municipaes, e ás juntas districtaes e de parochia, a faculdade de lançar impostos directos ou indirectos para as despezas a seu cargo.

Consinta a camara que eu exponha succintamente os motivos que actuam em mim para divergir n'este ponto do parecer da sabia commissão de administração publica.

Pelo artigo 35.° da carta, a iniciativa sobre impostos é privativa da camara dos senhores deputados, a quem pertence zelar a bolsa dos contribuintes, e abril-a conforme as necessidades publicas, ou fechal-a para resistir ás demasias do poder executivo.

Conferir ás camaras municipaes, juntas districtaes e de parochia, a faculdade de impor contribuições, qualquer que seja a sua natureza, é violar um preceito constitucional - é crear o estado no estado - é a confusão, senão a subversão de todo o systema tributario, e a critica mais picante que se póde fazer á sciencia dos impostos.

Nem sempre aquellas corporações são compostas de homens suficientemente instruidos, e comtudo são ellas que tributam os seus administrados para occorrer ás despezas locaes, e sobrecarregam com impostos de consumo os generos muitas vezes mais gravados para as despezas geraes do estado, prejudicando num concelho a industria e o commercio, que favorecem noutro, com flagrante desigualdade.

A lei e o orçamento geral do estado em França é que designam a importancia dos centimos addicionaes ou do contingente das contribuições, applicaveis ás despezas locaes dos departamentos, communas, e conselhos geraes ou municipaes.

Nenhum d'estes corpos gosa do privilegio de lançar impostos; só lhes pertence dispor do producto d'aquelles que as leis auctorisam e se inscrevem no orçamento geral do estado.

Já na grande commissão de fazenda, de 1846, da qual tive a honra de ser membro e secretario, um vulto da nossa historia contemporanea, o sr. duque de Palmella, tinha lembrado que faria assignalado serviço ao seu paiz o governo que supprimisse este tão absurdo privilegio.

Dê-me auctoridade a circumstancia de ser n'esta occasião o echo da opinião do profundo estadista que citei, para propor a emenda ou additamento que mando para a mesa, nos seguintes termos:

"A disposição do n.° 18.° do artigo 52.º, do n.° 16.° do artigo 102.°, e a do n.° 6.° do artigo 170.°, são transitorias; devendo inscrever-se no proximo orçamento geral do estado e nos seguintes a importancia das contribuições, ou dos centimos addicionaes que se destinarem para as despezas a cargo das camaras municipaes, juntas districtaes e de parochia, e cessar então a faculdade, que tinham estas corporações, de lançar impostos.

"Sala da camara dos dignos pares, 6 de abril de 1878. = Paiva Pereira."

Foi admittido e ficou em discussão juntamente com, a materia.

Leu-se na mesa a seguinte mensagem da presidencia, da camara dos senhores deputados.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que auctorisa o governo a contrahir um emprestimo para continuar e conservar, as obras publicas nas provincias africanas.

Ás commissões de fazenda, e marinha.

O sr. Vaz Preto: - Vou mandar para a mesa uma substituição ao codigo que estamos discutindo, e o projecto do codigo administrativo apresentado em 1867 peio sr. Mártens Ferrão, reforma que considero muito superior á actual, pois estabelecia dois principios importantes; o primeiro era a circumscripção dos districtos, concelhos e parochias; o segundo era marcar o limite das contribuições municipaes, o que não se faz n'este codigo; de fórma que as camaras municipaes podem lançar um imposto de consumo tres vezes maior do que o que está lançado pelo governo.

Mas, como eu receio que, apesar de ser grande, e muito grande, o merito da proposta do sr. Mártens Ferrão sobre a do sr. Sampaio, a camara lhe de a sua rejeição, mandarei para essa eventualidade differentes emendas para a mesa, uma tias quaes vou ler.

(Leu.)

A proposta que acabei de ler consigna um principio contrario á do projecto, a doutrina é diametralmente opposta.

E um systema completamente differente do que vejo traçado do projecto que se discute. Eu sustento clara e terminantemente a eleição indirecta como a eleição mais liberal. Tenho a coragem da minha opinião e sustento-a, não obstante serem quasi sempre acoimados de antiliberaes os homens que seguem esta doutrina. Não me importa, pois, que me acoimem de tal, porque os factos de toda a minha faliam mais alto e salvaguardem-me das censuras dos liberaes do moderna data. Para mostrar quão grande é o susto em certa gente só de tocar no que apparentemente é liberal, basta dizer que na outra casa do parlamento se discutiu um projecto em que se dava, o alargamento do voto e se punham mais em pratica para assim dizer as eleições directos. Não gostavam do projecto, e apesar de atacar a constituição do estado foi defendido parece-me que por todos os partidos.

Dizia-se geralmente que, desde o governo até ao ultimo deputado da maioria, todos consideravam o peior possivel aquelle projecto, mas ninguem tinha coragem de votar contra elle, porque se dizia liberal!

Pois eu tenho a coragem de sustentar já a doutrina contraria e combatel-o-hei quando vier á tela do debate n'esta camara.

A doutrina das eleições indirectas parece-me a mais liberal, e a historia, a experiencia e a observação confirma-o, e a rasão por que desejo que ella fique consignada no projecto é por estar convencido de que as instituições liberaes tendem todas a que a sociedade seja governada por principios de justiça, de moralidade e de boa administração.

Sendo este o intuito da sociedade, dirigindo-se ais instituições liberaes a este fim e sendo a eleição a base do systema representativo, eu vou demonstrar que a eleição indirecta é no estado actual do nosso paiz a mais liberal.

Como disse, as instituições liberaes tendem todas ao regimen da moralidade, de justiça, de economia e boa administração.

Para se satisfazer á moralidade e justiça, basta que sejam respeitados e que cada um faça o que a lei lhe permitte, tendo ao mesmo tempo em vista cumprir o preceito religioso, de não fazer aos outros o que não quer que lhe façam.

A economia e a boa administração augmenta os haveres da sociedade, proporciona-lhe novas commodidades e conserva-lhe o seu bem estar sem carregar os povos com novos sacrificios.

É a isto, sr. presidente, que visam todas as aspirações e instituições liberaes.

Alcança-se, no meu entender, mais facilmente este intento pela eleição indirecta, que eu acho mais liberal, porque ella exprime mais exacta e aperfeiçoadamente a vontade do povo. Pois em que consiste a liberdade? Pois consiste em fazer cada um tudo quanto quizer, sem que n'esse proceder tenha limitação? Não, por certo; isso será a licença. A liberdade, pois, consiste no livre exercicio dos direitos d'aquelles que têem a respectiva capacidade; portanto, para cada um poder exercer livremente o direito de votar, é mister ter a condição de ser eleitor e saber o que vae fazer. Para que se obtenha um resultado mais approximado da verdade, para que o resultado da uma possa representar a vontade popular, são necessarias duas condições: a independencia do eleitor e o perfeito conhecimento dos seus direitos e deveres.

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Sr. presidente, para se dar ao eleitor a independencia, é necessario, primeiro que tudo, que os governos dispam de si todas as armas que têem para exercer pressão sobre elle. (Apoiados.)

É necessario que as leis sejam cumpridas por fórma que o direito se exerça o mais desassombradamente possivel, e que para as pressões, que podem ser exercidas pelas auctoridades ou pelos influentes, se estabeleçam e appliquem as mais rigorosas penas, como, por exemplo, para a compra de votos, e mil outros meios illegaes de que se usa.

Aqui 1 em v. exa. como se póde garantir a independencia; mas, alem d'isto, é indispensavel derramar por todo o paiz a instrucção, a fim de elle adquirir o conhecimento dos seus direitos e deveres. No estado actual, a maior parte dos cidadãos não tem esse conhecimento, porque lhe falta-a instrucção.

Julga v. exa., e a camara, que o povo tem conhecimento dos seus direitos e deveres eleitoraes quando dá o seu voto?

Desses milhares de eleitores que vão á urna, a maior parte d'elles não sabem nem o que é camara de deputados, nem o que são partidos, nem sabem ler a lista que votam, nem conhecem a pessoa em quem votam, e só sabem que vão lançar na uma a lista, ou porque o governo os ameaçou, ou porque dependem do influente.

Sr. presidente, na sociedade só se deve dar o exercicio dos direitos aos que têem capacidade para os exercer. É isso que as nossas leis reconhecem, são estes os principios que ellas consignam. Porque não dão o exercicio de todos os direitos ás mulheres e aos menores? Porque tolhem aos dementes e aos dissipadores esse exercicio e lhes nomeiam tutores e curadores?

Póde ser eleitor, e dar-se esse direito a quem não tem capacidade para o exercei? Se assim é, se esse direito é de todos, se se conferir indistinctamente a quem está e a quem não está habilitado para o exercer, porque se ha de negar ás mulheres; e a todos os outros que pretendem exceptuar?

Se a sociedade tem facilidade de limitar direitos só o póde fazer pela justiça e moralidade, e a justiça e a moralidade aconselha que deve votar aquelle que ha de exercer o seu direito com conhecimento e independencia. Com estes requisitos satisfaremos as aspirações liberaes, e a eleição representará verdadeiramente a vontade popular.

O livre exercicio do direito sem a capacidade eleitoral, dará em resultado termos, como até agora temos tido, tanto na capital como nos districtos, uma representação de origem viciosa. O que não succederia se as eleições fossem indirectas, porque na eleição indirecta o eleitor vota em um individuo da sua freguezia, pessoa que elle conhece, e na qual confia porque sabe que os seus interesses estão ligados aos d'aquelle em quem vota, o qual ha de zelar os interesses da parochia. Assim a communidade de interesses, isto é, os interesses geraes do paiz, serão mais garantidos pela eleição indirecta, porque n'aquella o eleitor vota com perfeito conhecimento de causa, sabe perfeitamente o que faz, conhece elle proprio o individuo que o ha de representar na eleição do deputado, e tem confiança n'elle, pelas rasões que já expuz, dos seus interesses estarem ligados aos dos eleitores.

Não vemos nós nas eleições das juntas de parochia, os eleitores escolherem sempre as pessoas mais graudas, e em que elles mais confiam, aquelles que elles julgam que melhor advogarão os interesses da freguezia? Não vemos o mesmo com relação á eleição dos membros das camaras municipaes, em que o eleitor vota tambem com perfeito conhecimento de causa? Isto mostra que a eleição é mais genuina quando é feita do modo que o voto popular vá recair em pessoa conhecida dos eleitores, o que não acontecará pelo systema que aqui se propõe para a eleição dos procuradores á junta geral do districto.

Porque se ha de ir ensaiar um novo systema, quando o systema actual tem dado para os districtos tão bons resultados?

Entendo que a eleição das juntas feita pelas camaras, que são os verdadeiros representantes do municipio, que têem os seus interessos ligados, aos d'elle, e por isso têem necessidade de advogar e de zelar com toda a efficacia, é muito mais perfeita, porque não póde recaír senão em pessoas em que elles confiam e sabem que são capazes e competentes para exercer a elevada missão de que são revestidos.

Aqui estão pois os fundamentos da substituição que apresentei.

A proposito de eleições, direi ainda que um dos argumentos com que se quer sustentar as vantagens das eleições directas das camaras e juntas geraes, etc., e com o argumento da auctoridade ou antes, por exemplo, é com o que se faz n'outros paizes. Contra similhante systema protesto eu emquanto não me demonstrarem que as nossas condições são as mesmas dos paizes que me citam e apresentam para modelo.

Outro argumento de que se servem é pretendendo convencer que é menos facil corromper um grande numero do eleitores, do que quando elles são pouco numerosos. A isto respondo que a experiencia tem mostrado o contrario, e haja vista ao que tem succedido com a eleição dos deputados ás côrtes.

Nas eleições directas, os governos ou os influentes podem usar da corrupção em muito maior escala e com melhor exito, porque um grande numero do pessoas que votam têem a intelligencia pouco culta, e alem d'isso poucos meios para occorrer ás necessidades da vida; emquanto que, sendo a eleição indirecta, os cidadãos escolhem de entre os homens da sua localidade os que elles conhecem como proprios para defender os seus interesses.

E esses homens, pela posição especial em que se acham em relação aos eleitores, pela rasão mesmo de dar um passo que os desacreditaria no conceito dos seus conterraneos, com quem estão em contacto mais ou menos todos os dias, têem todo o empenho de escolher para representantes da nação os individuos, que julgam mais nos casos de exercerem o mandato em beneficio do paiz, e por conseguinte não é facil deixarem-se levar pelas suggestões das auctoridades ou dos influentes, não se prestam tanto á corrupção. Alem de que, para se chegar a um resultado efficaz, seria preciso comprehender uma longa serie de corrupções, desde o simples eleitor em primeiro grau, que elege a junta de parochia e os camaristas, até o eleitor provincial, que tem de eleger o deputado.

Portanto, o argumento que estou apreciando, e que foi apresentado era favor da eleição directa, é a meu ver contraproducente. Senão, comparem-se as camaras eleitas pelo systema que a carta constitucional tinha estabelecido, com as camaras de agora; veja-se como ellas, apesar da pressão do governo, tinham um nivel moral elevado, e como esse nivel moral baixou com a eleição directa.

Eis os motivos por que eu peço que se insira nesta reforma que discutimos, o principio da eleição indirecta.

Sr. presidente, ha tambem um ponto neste projecto de reforma, que me parece dever produzir grandes difficuldades, e vem a ser o que se refere ás commissões executivas nomeadas pelas juntas geraes dos districtos, para as representar no intervallo de sessão a sessão, e que ficam frente a frente dos governadores civis. Esta innovação e contraria ao systema seguido nas outras nações, onde nós costumamos ir buscar as instituições para as macaquear.

Este costume de imitação, que é tão familiar na indole portugueza, não desejava vêl-o tão espalhado.

Pois só pelo facto de nações mais cultas terem esta ou aquella instituição, não é motivo para nós a implantarmos, sem termos o terreno preparado para que ella se enraize e brote, de modo que dê fructos perfeitos.

Eu preferia aperfeiçoar o que temos, do que copiar in-

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stituições proprias para paizes mais adiantado, innovações que, introduzidas entre nós, dão resultados pouco seguros e pouco proficuos. Eu preferia aperfeiçoar o que temos, do que importar o que só nos traz ónus e difficuldades.

Eu preferia, pois, aperfeiçoar o codigo actual, á formação de um talvez mais desenvolvido, mas não compativel com o progresso e instrucção do nosso paiz.

Estas commissões executivas das juntas geraes dos districtos nos outros paizes, como, por exemplo, na França, na Italia e na Hespanha, são presididas pela auctoridade superior do districto ou departamento, para haver harmonia entre o poder central e local, e evitar repetidos conflictos que forçosamente se hão de dar entre poderes que o codigo parece reconhecer de natureza differente.

Por esta fórma o grande problema da conciliação do poder com a liberdade não tem ensejo de se resolver, pois o principio consignando as commissões executivas completamente separadas da auctoridade central, cria difficuldades á sua resolução.

Por esta fórma existe a auctoridade, que representa o poder central, e a commissão, que representa a influencia do districto ou departamento, em frente uma da outra som vinculo que as ligue.

Sr. presidente, pela organisação que no projecto se dá a estas commissões executivas, não ha só este inconveniente, ha muitos outros, como vou demonstrar.

Diz o projecto que estas commissões são permanentes, e que o seu expediente está a cargo das secretarias dos governos civis. O cumprimento d'esta disposição póde tornar-se difficil, se os governadores civis não estiverem de accordo.

Os empregados mesmo d'essas secretarias podem ter difficuldade em satisfazer este augmento de serviço, que, pelo projecto, lhes vão ser confiado, e as faltas que liou ver darão de certo logar a mais do um conflicto entre as commissões executivas e os governadores civis. Outro inconveniente que resulta da reforma é o subsidio para as commissões.

Cada uma d'estas commissões ha de ter o subsidio de 900$000 réis, o qual será distribuido pela respectiva junta geral como entender, em harmonia com os principios de equidade, e attendendo ao facto de ter ou não cada um dos membros residencia permanente na sede do districto. Esta disposição, alem de ter o inconveniente de mostrar que se vão crear empregos retribuidos para certas e determinadas pessoas, não póde satisfazer, se quizerem ter membros das juntas geraes, que não residam na capital do districto, porque o ordenado satisfaz a pessoa n'essas circumstancias.

Lembro á commissão a necessidade de harmonisar o projecto, de modo que não offereça occasião a suscitaram duvidas e conflictos entre a auctoridade e as juntas geraes representadas pelas commissões executivas, conflictos que são sempre maus e que produzem a maior parte das vezes graves consequencias.

Alem do que tenho exposto relativamente a esta disposição do projecto, pedia aos srs. ministro do reino e relator da commissão, que tivessem a bondade de me dizer o modo por que se resolve a seguinte duvida.

Diz um dos artigos do projecto que a, commissão é nomeada pela junta geral, e será composta do tres membros e de tres substitutos, que em caso de impedimento, ou falta dos effectivos, poderão ser nomeados para funccionar os do anno antecedente.

Ora, suppondo que falta o presidente da commissão, que fallece, e um dos outros, e portanto que foi dissolvida a commissão, neste caso como se formará cada commissão, quem ha de chamar os substitutos?

O projecto não diz nada a este respeito.

A junta geral não se póde reunir extraordinariamente senão convocada pelo governo.

Sendo isto o estabelecido, pergunto: no intervallo das suas sessões, dando-se o caso apontado, com relação ao presidente da commissão districtal, e aos outros membros, quem ha do discutir e resolver os negocios importantes que ficam a cargo da commissão?

Póde dar-se esta dificuldade. E como a junta geral não póde nomear os vogaes da commissão districtal senão na epocha em que estiver reunida, segue-se que acontecendo esta hypothese a junta facará sem representação.

Portanto, eu pedia ao sr. ministro do reino que reflectisse na minha pergunta, e que mo dissesse como se ha de resolver uma tal difficuldade.

Ha outro ponto que eu desejo tambem tocar, que é o que diz respeito ás auctoridades administrativas.

Diz esta lei que o secretario geral será bacharel formado em direito, tendo servido dois annos o cargo de administrador.

Eu queria que se fizesse ao menos uma excepção a favor de todos aquelles que tivessem sido secretarios geraes antes da publicação d'esta lei, que, tendo ou deixado do ter as habilitações que n'este projecto se exigem, houvessem dado provas de bom serviço n'aquelles logares. Julgo que seria muito justo que esses funccionarios podessem ser depois nomeados secretarios geraes.

Chamo a attenção da com missão para este ponto, e espero que ella o attenda.

Ha ainda outra difficuldade. Eu não posso apontar senão aquella; que, n'um rapido estudo, se me apresentaram á primeira vista, porquanto todos hão de reconhecer que uma questão tão importante, como esta, não póde ser estudada em um ou dois dias; basta a leitura de tão extenso trabalho para consumir muito tempo.

Para qualquer de nós se habilitar para discutir profundamente esta medida, geria preciso muito mais tempo do que aquelle que tivemos para a estudar, porque seria preciso ir consultar as fontes a que o governo recorreu para apresentar este projecto, e proceder a outras investigações, exames e comparações que não se podiam fazer em dois dias.

Portanto, já vê a camara que eu não posso apontar senão de passagem um ou outro inconveniente que se me apresentou no rapido estudo que me foi concedido fazer pelo adiamento do projecto por dois dias.

ão esses inconvenientes que eu desejo apontar á camara, sem pretensão alguma a querer mostrar-me superior ao legislador; o meu fim unicamente é apresentar a minha opinião humilde com desejo de esclarecer a questão, o contribuir quanto possivel para que a lei seja aperfeiçoada e possa produzir beneficios.

Antes de concluir as minhas considerações, peço licença para dirigir ao sr. ministro do reino duas perguntas.

Primeira pergunta. Emquanto avalia a somma do encargos que por esta lei são retirados do orçamento, o que fica á conta dos districtos?

Segunda pergunta. O governo restituo aos districtos proporcionalmente as receitas destinadas a esses encargos ou fica com ellas?

Mais claro ainda. Como o sr. ministro do reino sabe, ha despezas dos districtos e dos concelhos, que hoje suo pagas pelo estado; pela reforma passam para os districtos e para os concelhos, e antes d'isso eram pagas pela receita geral.

Pergunto eu agora, as quantias destinadas para essas despezas serão restituidas aos districtos?

Os encargos passarão aos districtos, levando com sigo as sommas com que eram pagos?

Sobre este ponto desejo que o sr. ministro diga alguma cousa assim como desejo que s. exa. me diga se entende que esta lei se póde pôr em execução e produzir bom resultado sem uma circumscripção administrativa, circumscripção que julgo absolutamente necessaria, porque ha uma infinidade do concelhos que não têem pessoal competente, e onde faltam, alem d'isso, os rendimentos para poderem satisfazer ás suas exigencias.

Eu sei que me hão do responder que e este o meio do

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acabar com as pequenas municipalidades; mas eu entendo tambem que aos concelhos será custoso largar a sua autonomia; e n'esse caso, o governo ou tem de transigir, e não executa a lei, ou tem de empregar a força, e ahi está, por conseguinte, a revolução, que eu desejaria que se evitasse.

Parece-me que o governo procedia mais avisadamente se em logar de querer fazer uma reforma completa, ignorando se o paiz está preparado para ella, ou se a quer acceitar, fosse modificando pouco a pouco esse codigo que temos em vigor, e deslocando para os districtos tambem pouco a pouco os encargos que pesam sobre o governo.

Sendo assim, não se produziria abalo no paiz e chegariamos ao que se pretende; mas, de outra fórma, nada conseguiremos. Seremos simplesmente reformadores theoricos; porque,- esteja v. exa. certo (e a prophecia sou eu que a faço) - este codigo não ha de ser executado e o governo não tem força para o levar á pratica.

Concluindo, repito, os poderes publicos mostram que andam mal avisadamente, fazendo votar uma lei, com a certeza de que não será cumprida. Este proceder desprestigia muito o governo e o parlamento.

Mando, pois, para a mesa as minhas duas propostas.

(Leu.)

Leram-se na mesa, são do teor seguinte.

Proposta

Proponho, em substituição ao projecto do codigo que se discute, o projecto do codigo administrativo do sr. Mártens Ferrão apresentado em 1867. = Vaz Preto.

Proponho que se insira no codigo que se discute a seguinte doutrina: Os maiores de vinte e um annos são eleitores, sobre as excepções que a legislação anterior estabelece.

Estes eleitores elegem as juntas de parochia, estas elegem as camaras e as camaras elegem as juntas geraes. = Vaz Preto.

Foram admittidas, e ficaram em discussão conjuntamente com a materia.

O sr. Ministro do Reino. (Rodrigues Sampaio): - Muito poucas palavras direi.

Pergunta-me o digno par se eu julgo realisavel este projecto de reforma administrativa. De certo que sim; de outra fórma, seria uma loucura tel-o apresentado ao parlamento. Enganar-me-hei, talvez. Poderá não acontecer o que penso a respeito d'ella, mas effectivamente julgo-a muito realisavel, e se, o que não espera, caisse n'esta tentativa, repetiria como Longino:

"Em nobre empreza, a mesma quéda é nobre."

O sr. Vaz Preto: - Em quanto avalia v. exa. as despezas dos encargos que são passados para as juntas geraes e camaras? O que eu desejo saber, é se não exacta, pelo menos approximadamente em quanto calcula as despezas dos encargos deslocados?

O Orador: - Eu creio que o digno par já fez a conta.

O sr. Vaz Preto: - V. exa. sabe perfeitamente que por este codigo varias despezas que estavam o cargo do thesouro passam para os districtos. Ora o que eu desejo saber é emquanto avalia v. exa. as despezas d'esses encargos. Esta é a primeira pergunta.

A segunda pergunta é saber se o governo tenciona ceder em favor dos districtos a verba que se gasta com os encargos de que vae ficar alliviado, e que em virtude d'esta lei vão pesar sobre os districtos, ou se os districtos têem de os pagar duas vezes.

O Orador: - Eu não posso tratar aqui das tenções que temos; trato unicamente d'este projecto, e das suas disposições. Tenções, nunca se discutiram nos projectos.

Ás perguntas do digno par não posso responder agora, porque não estava prevenido para isso, e s. exa. quer uma resposta peremptoria.

A quanto montam essas despezas, não posso dizer, porque não sei os melhoramentos que as juntas terão necessidade de fazer. Elias é que o hão de decidir, porque de contrario seria marcar-lhes já o que teriam de fazer. Ora, isso era o parlamento não lhes dar liberdade; era tirar-lh'a. Se as juntas quizerem fundar qualquer estabelecimento, hão de necessariamente pagar as despezas que tiverem de fazer.

Portanto, já vê o digno par que é impossivel dizer a cifra d'esses encargos, porque não sei a quanto essas despezas podem montar, desde que se não sabe os melhoramentos que se hão de fazer.

Se se pretende que essas despezas sáiam do thesouro, então é necessario descentralisar. A descentralisação é boa, mas sem ser a medo. Eu não quero a anarchia, e por isso n'este projecto estão os meios de a reprimir. Entendo a descentralisação como o digno par a entende, e por isso não quero a concentração. Tenho meditado muitas vezes no meio mais proprio de se fazer uma boa descentralisação; mas esse meio depende, como o digno par sabe, da revogação do acto addicional, e eu não me posso comprometter a isso, porque não se póde admittir na lei qualquer doutrina que seja contraria a ella. Isto é claro e evidente.

(Interrupção do sr. Vaz Preto que não se ouviu.)

A eleição de que trata o projecto creio que não é contraria ao acto addicional, porque só com respeito a elle é que ali se falla em eleições directas.

Ha pessoas que querem que a reforma seja radical; o digno par prefere que ella se faça pouco a pouco, e eu entendo que com este projecto não ficâmos já muito mal, podemos ir tapando alguns barrancos (Riso.) e chegaremos a final ao termo desejado.

irada ao povo a ingerencia na administração local, atacamos o principio da igualdade e estabelecemos a oligarchia.

Mas eu não sei se d'essa fórma se evitam as revoluções, porque a privação dos direitos, ainda que sejam menos bem exercidos, é pena que póde produzir funestos resultados. O povo erra, e ha de errar; deixem-n'o errar. Nós não temos a presumpção de acertarmos sempre; ás vezes, nos mais altos corpos do estado tambem póde haver erros lamentaveis; por consequencia, toleremo-n'os uns aos outros, deixemos que o povo eleja, ainda que eleja mal. No exercicio d'esse direito ha de ir elle aperfeiçoando-se; não lh'o supprimamos, á espera de um seculo de larga illustração, que nunca ha de chegar ao ponto que desejâmos e que todos queriamos que viesse. Se tal esperarmos, póde acontecer-nos como áquelle homem que andava com a peça de panno debaixo do braço para fazer uma casaca da ultima moda.

Não póde ser; convem irmos praticando; nos nossos proprios erros acharemos uma lição que nos fará entrar no verdadeiro caminho; mas não dar um passo, para não errarmos, parece-me uma politica desastrosa.

Isto não é allusão a nenhum dos dignos pares; mas lembrarei que se o governo pedisse muito dinheiro, como é preciso, para diffundir largamente a instrucção, talvez os que actualmente tanto fallam n'ella, julgassem que o povo podia estar ainda mais algum tempo á espera de que usufruissemos todos os direitos e não reconhecessemos n'elle senão obrigações.

Eu creio que, para evitarmos a anarchia e a revolução é preciso acompanhar o espirito do seculo e a tendencia da sociedade, porque se os cidadãos não têem uma intelligencia bastante illustrada, têem um braço bem rijo, e forçoso ás vezes, para contrariar a nossa tutela.

Eu desejo, sr. presidente, que todos os dignos pares apresentem as suas propostas, para que se possa fazer o que for de melhor, o que possa ser mais conducente ao bem do paiz, e sem provocar difficuldades ou embaraços, porque o fim de todos nós é acertar. (Apoiados.)

Eu já tenho muitas vezes meditado sobre os principios que foram expostos pelo digno par, mas o meu convencimento leva-me exactamente para um terreno contrario.

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Em logar de cercear o voto, prefiro antes amplial-o, e generalisal-o o mais que for possivel, pois creio que d'ahi não virá mal algum, antes pelo contrario.

Nada mais acrescentarei, abstendo-me de entrar na apreciação das emendas, que hão de ir á commissão, reservando-me para opportunamente dar quaesquer outras implicações que me forem pedidas.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, esta questão é grave e muito difficil de resolver; interessa a todos, e eu não posso por consequencia deixar de apresentar aqui uma duvida, que me parece ter todo o cabimento.

Não pretendo tratar dos outros artigos do projecto, e por isso limitar-me-hei a fazer referencia áquelle que reputo de maior importancia.

Sr. presidente, no § 12.° do artigo 103.° do projecto que se discute, encontra-se a seguinte disposição:

"Contratar com empregas individuaes ou collectivas a execução de quaesquer obras, serviços ou fornecimentos do interesse do concelho."

Concedendo-se ás camaras a faculdade de fazerem contratos municipaes, eu desejo que se lhes acrescento:

"Sem que lhe possam conceder privilegios exclusivos."

Eu quero que as camaras possam fazer contratos, mas não com concessões exclusivas.

Os privilegios foram extinctos, ninguem os póde conceder, e eu tenho sempre visto, que muitas vezes vem a contribuir para elles os que exactamente não teem com isso interesse algum.

Eu entendo por isso que fechando-se a porta a estes privilegios prestaremos um bom serviço ao paiz.

O sr. ministro do reino disse, respondendo ao sr. Vaz Preto, que não estava prevenido para apreciar a questão nos termos em que s. exa. a collocou.

Pela minha parte, sr. presidente, o que entendo é que a projecto deve ser adiado, e proponho até que o seja, pois não podem ser tratadas de leve questões d'esta ordem, tendo alem d'isso declarado o sr. ministro não estar preparado para apreciar a questão nos termos em que ella se acha.

Depois, o projecto é immenso...

(Interrupção que não foi ouvida.)

Diz-me aqui o sr. ministro do reino que o adiamento não faz o projecto mais pequeno.

Não faz, de accordo, mas o que dá é tempo para se poder estudar. (Signaes de approvação.)

Eis o que entendo a este respeito. Se votarem o adiamento do projecto, como julgo indispensavel, então poderemos discutir e apreciar cabalmente a materia, porque haverá tempo de combinar as disposições vigentes com as dos outros paizes, e com as que se propõem; emfim, tornar-se-lhes possivel fazer um estudo serio do assumpto, de outra sorte não.

É o que tenho a dizer n'esta parte, e concluo mandando para a mesa a minha proposta, que diz respeito ao n.° 12.º do artigo 103.°, proposta que tem por fim, como já disse, evitar que as camaras municipaes, nos seus contratos com emprezas particulares, possam conceder privilegios exclusivos. Sei o que são estes privilegios. Sempre me lembra a penitenciaria.

Leu-se na mesa a proposta do sr. visconde de Fonte Arcada, e é a seguinte

Proposta

Additamento ao artigo 12.° (sobre emprestimos) asem que possam conceder privilegios exclusivos". = Fonte, Arcada.

Foi admittida a proposta do sr. visconde de Fonte Arcada, e entrou em discussão com a mataria principal.

O sr. Mártens Ferrão: - Fez diversas ponderações tendentes a mostrar que não procediam os argumentos produzidos contra a lei que se discutia.

O sr. Vaz Preto: - Eu referi-me ao impedimento do presidente depois de ter sido nomeado, porque a lei não designa quem ha de presidir quando se de esta circum-stancia.

O Orador: - É o mais velho.

O sr. Vaz Preto: - Admitta que morre elle e os collegas.

O Orador: - Se o presidente fallecer, o vogal mais velho convoca a commissão para nomear outro.

O sr. Vaz Preto: - É como se completa a commissão?

O sr. Mártens Ferrão: - Julga que pouco tem a dizer depois das explicações dadas pelo sr. ministro do reino, e tambem porque poucos foram os pontos em que o projecto foi combatido; e depois d'isto passou a responder ás objecções que lhe tinham sido feitas. Pelo que respeita á reforma administrativa que apresentara em 1867, ainda conservava o modo de ver n'ella incluido na circumscripção eleitoral, e n'outros pontos mais; e comtudo nem por isso deixa de dar o seu voto a favor d'esta lei, por estar convencido de que sob o regimen d'ella serão os proprios municipios que naturalmente reclamarão as vantagens que ella lhes concedia.

O sr. Presidente: - Vão ler-se as mensagens que vieram da outra camara.

Leram-se na mesa as seguintes mensagens vindas da camara dos senhores deputados:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição que sujeita ao pagamento do imposto unico da contribuição industrial do 6 por cento os dividendos de companhias de viação.

Á commissão de fazenda.

Tres officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes propostas de lei:

1.º Estabelecendo uma só classe de continuos nas camaras legislativas.

Á commissão de fazenda.

2.ª Auctorisando as camaras municipaes a remir os fóros de que forem directos senhorios, independentemente de licença do governo.

Á commissão de administração publica.

3.ª Elevando o ordenado do escrivão interprete do Funchal, a 500$000 réis annuaes.

Á commissão de fazenda.

O sr. Marquez de Vallada: - Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão de administração publica.

(Leu.)

Lido na mesa, foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Deu a hora. Ficam inscriptos sobre a materia os dignos pares os srs. Vaz Preto, Carlos Bento, Marquem de Sabugosa e Marquez de Vallada.

A ordem do dia para 8 do corrente é a continuação da discussão do parecer n.° 292 e es pareceres n.ºs 302, 298, 299, 287, 286, 296, 288 e 301

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 6 de abril de 1878

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Cardeal Patriarcha; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, do Bomfim, de Cabral, de Cavalleiros, da Louzã, da Ribeira Grande, do Rio Maior, do Farrobo; Bispo de Bragança; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Fonte Arcada, dos Olivaes, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Paiva Pereira, Costa Lobo, Xavier da Silva, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Larcher, Mártens Ferrão, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pitta, Eugenio de Almeida, Serpa Pimentel.

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