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N.º 37

SESSÃO DE 21 DE MARÇO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva (presidente supplementar)

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O digno par, o sr. Mendonça Cortez, apresenta o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que isenta de direitos os objectos importados para o monumento que a academia de Coimbra pretende levantar a Camões. - Ordem do dia: Continua a discussão ácerca dos tumultos que se deram em Lisboa. - Discursos dos srs.: Vaz Preto, Fontes Pereira de Mello, ministro do reino, conde de Valbom, Barjona de Freitas, bispo de Vizeu, Mártens Ferrão, presidente do conselho (Anselmo Braamcamp). - O digno par, o sr. Pereira de Miranda, envia para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que fixa a receita geral do estado para o futuro anno economico. - Votação nominal da moção do digno par o sr. Fontes. - Approvação da primeira parte da moção, e rejeição da segunda parte.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 36 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que permitte que nos lyceus, onde ha um dos dois cursos complementares de letras ou de sciencias, se estabeleça outro, quando as juntas geraes se sujeitem ás condições impostas no artigo 20.° da lei de 14 de junho de 1880.

Outro do ministerio da marinha, remettendo 120 exemplares da conta da sua gerencia em 1879-1880 e do exercicio de 1878-1879.

Mandou-se distribuir.

(Estava presente o sr. presidente do conselho, e entraram durante a sessão os srs. ministros do reino, da fazenda, da guerra e da marinha.)

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na primeira parte da ordem do dia, que é a discussão do parecer sobre a carta regia que eleva ao pariato o sr. Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 173

Senhores. - Foi presente á commissão de verificação de poderes a carta regia de 7 de janeiro de 1881, pela qual foi elevado á dignidade de par do reino Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, do conselho de Sua Magestade.

Este diploma está em devida fórma, em harmonia com os artigos 74.° e 110.° da carta constitucional e 4.° da lei de 3 de maio de 1878.

Pelos documentos apresentados pelo nomeado par do reino, se mostra que este, sendo bacharel formado na faculdade de direito da universidade de Coimbra, exercera por decretos de nomeações regias e de transferencias, desde abril de 1858, o cargo de governador civil nos districtos administrativos de Faro, Aveiro, Portalegre, Leiria, Coimbra e Lisboa, pelo tempo de mais de dez annos, conforme o exige q citado artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, para ser considerado como comprehendido na categoria 16.ª mencionada na referida carta regia; e por justa presumpção legal que tem mais de trinta annos de idade, que nascera e se conserva cidadão portuguez, e está no goso pleno de seus direitos civis e politicos.

Em consequencia do que, é a vossa commissão de parecer que o agraciado está nos termos de ser admittido a prestar juramento e tomar assento n'esta camara.

Sala da commissão, 18 de março de 1881. = Vicente Ferreira Novaes = Conde de Castro = Barros e Sá = José de Sande Magalhães Mexia Salema.

Carta regia

Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, do meu conselho. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de governador civil em differentes districtos, com dez annos de exercicio, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 7 de janeiro de 1881. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, do meu conselho.

Documentos

Senhor. - Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, a fim de poder mostrar onde lhe convier qual o tempo por que, serviu os, logares de governador civil dos districtos de Faro, Aveiro, Portalegre, Leiria e Coimbra, e de governador civil substituto de Lisboa, precisa que pela secretaria distado dos negocios do reino se lhe certifique quaes as datas em que foi nomeado para cada um d'aquelles logares, e em que foi d'elles exonerado; e bem assim, com relação ao logar de governador civil substituto de Lisboa, qual o tempo por que exerceu effectivamente as respectivas funcções; e portanto - Pede a Vossa Magestade se sirva deferir-lhe. - E. R. M.co

Lisboa, 14 de janeiro de 1881. = Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz.

Passe do que constar, não havendo inconveniente. = Paço, em 14 de janeiro de 1881. = Castro.

Certifico, em cumprimento do despacho retro, que o bacharel formado em direito, Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, exerceu o cargo de governador civil nos districtos de Faro, Aveiro, Portalegre, Leiria e Coimbra, e o de governador civil substituto no districto de Lisboa; tendo sido nomeado para o districto de Faro por decreto de 6 de abril de 1858 e exonerado por decreto de 20 de junho de 1859; para o districto de Aveiro nomeado por decreto de 9 de agosto de 1860; transferido d'este districto

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para o de Portalegre por decreto de 20 de outubro de 1862; transferido do de Portalegre para o de Leria por decreto de 16 de janeiro de 1868, e exonerado d'este ultimo cargo por decreto de 31 de agosto do mesmo anno. Foi nomeado para o districto de Coimbra por decreto do 1.° de outubro do dito anno de 1868 e exonerado por decreto de 7 de maio de 1869. Nomeado governador substituto do districto de Lisboa por decreto de 15 de março de 1880 e exonerado por decreto de 22 de julho do mesmo anno. Certifico mais que n'este ultimo districto esteve no exercicio das funcções da governador civil desde 25 de maio até 28 de julho do dito anno.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 14 de janeiro de 1881. = O conselheiro director geral, Luiz Antonio Nogueira.

Senhor. - Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, carecendo que pela secretaria d'estado dos negocios do reino se lhe passe certidão das datas dos dias em que prestou juramento pelos cargos de governador civil que serviu nos districtos administrativos de Faro, Aveiro, Portalegre, Leiria, Coimbra e ultimamente e substituto no do Lisboa - Pede a Vossa Magestade se digne mandar se lhe passe como deseja. - E. R. M.co

Lisboa, 31 de janeiro de 1881. = Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz.

Passe do que constar, não havendo inconveniente. - Em 31 de janeiro de 1881. = Castro.

Em cumprimento do despacho do exmo. ministro dos negocios do reino, certifico que o requerente, o bacharel Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, tendo sido nomeado governador civil do districto de Faro, prestou juramento para o exercicio de tal cargo em 7 de abril de 1858, e sendo nomeado para identico cargo no districto de Aveiro, prestou juramento em 13 de agosto de 1860. Foi transferido d'este districto para o de Portalegre e do de Portalegre para o de Leiria, não prestando novos juramentos para o exercicio d'estes dois cargos. Em 10 de outubro de 1868 prestou juramento na qualidade, de governador civil do districto de Coimbra, e cie novo o prestou em 20 de março de 1880 na qualidade de governador civil substituto do districto de Lisboa.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 4 de fevereiro de 1831. = Luiz Antonio Nogueira.

Senhor. - Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, precisando que pela secretaria d'estado dos negocios do reino se lhe passe certidão da datas em que tomou posse e entrou em exercicio dos cargos de governador civil nos districtos administrativos de Faro, Aveiro, Portalegre, Leiria, Coimbra e substituto no de Lisboa - Pede a Vossa Magestade a graça de lhe mandar passar como deseja. -
E. R. M.co = Bazilio Cobrai Teixeira de Queiroz.

Passe, não havendo inconveniente. - Peço, em 8 de fevereiro de 1881. = Castro.

Certifico que n'esta secretaria d'estado consta ter o requerente, o bacharel Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz, entrado no exercicio do cargo de governador civil do districto de Faro, em 12 de abril de 1858; no do districto de Aveiro, em 14 de setembro de 1860; no do districto de Portalegre, em 3 de novembro de 1802; no do districto de Leiria, em 18 de janeiro de 1868, e no do districto de Coimbra, em 19 de outubro de 1868. Quanto ao cargo de governador civil substituto do districto de Lisboa apenas consta que exercera as funcções de governador civil d'este districto desde 25 de maio de 1880 até 28 de julho do mesmo anno.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 9 de fevereiro de 1881. = Luiz Antonio Nogueira.

Como nenhum digno par pedisse a palavra, procedeu-se á distribuição das espheras.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares, Simões Margiochi e Mendonça Cortez, a virem servir de escrutinadores.

Procedeu-se ao apuramento das espheras que tinham entrado na urna.

O sr. Presidente: - Na urna da votação entraram 55 espheras, sendo 53 brancas e 2 pretas. Está, portanto, approvado o parecer por 53 votos.

O sr. Mexia Salema (sobre a ordem): - Declaro a v. exa. e á camara que o digno par, e sr. Placido de Abreu, não comparece á sessão por motivo de doença.

O sr. Serpa Pimentel (sobre a ordem): - Mande para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Mendonça Cortes (sobre a ordem): - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

E já que estou com a palavra sobre a ordem, permitta-me v. exa. que eu proponha á camara que o sr. Serpa Pimentel seja encarregado dos trabalhos de archivo
D'esta casa, a que se refere a proposta que ha dias tive a honra de apresentar e que foi approvada.

Consultada a camara sobre esta proposta, resolveu affirmativamente.

O parecer leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. presidente: - Passamos á segunda parte da ordem do dia. Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - A tactica empregada pelo sr. Pereira Dias de atacar violentamente a opposição deixando a defeza do governo foi bem pensada; mas emquanto a mim perdeu o seu tempo, porque nem me desvia do caminho que sigo nem do proposito que tenho.

Eu não vejo n'esta questão senão o governo, cuja responsabilidade é grande. Será, pois, a elle que me dirigirei principalmente pedindo-lhe severas contas, e exigindo-lhe declarações claras e explicações precisas dos seus actos e do seu procedimento antes e depois dos tumultos.

Habil era a táctica do digno par, o sr. Pereira Dias, de obrigar com accusações e invectivas a opposição a deixar a offensiva e a tomar o logar de defeza, mas infelizmente n'esta occasião perdeu s. exa. a sua rhetorica, porque eu que já sou parlamentar antigo conheço os manejos de que se servem os oradores para desviarem os assumptos do terreno em que elles estão collocados e em que elles devem ser discutidos. Portanto, pelo que me respeita, responderei apenas do passagem e como incidente a algumas allusões feitas pelo digno par á minha humilde pessoa, e ainda assim o farei, porque as balas com que s. exa. pretendeu ferir-me foram cair de recochete sobre o governo. Levantarei, pois, essas allusões e restabelecerei os factos, e em seguida dirigir-me-hei ao governo obrigando-me a tornar o seu logar, e a explicar-se ante esta assembléa.

Começou, o sr. Pereira Dias o seu discurso apostrophando o sr. marquez de Ficalho, valente e velho militar, que nunca nos campos da batalha soube o que era medo, mas que confessava que o tinha hoje, porque não sabia aonde esta anarchia surda que está minando as nossas instituições conduziria o paiz. N'essa apostrophe pedia-lhe e assegurava lhe que não tivesse medo, porque o partido republicano se vendia por duas candidaturas, que eu assim o tinha affirmado; que estivesse s. exa. socegado que nada havia a receiar desde que o partido republicano tinha aspirações tão limitadas e acanhadas.

Br. presidente, s. exa. e a camara ouviram-me e sabem perfeitamente que eu não avancei similhante proposição. O

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que eu disse, o que eu affirmo de modo e que sustento ainda accusando o governo pelo facto de ter elle sido o culpado e causa principal dos tumultos e arruaças do dia 13 do corrente, foi que corria no publico, e era voz geral que entre o governo e o partido republicano havia um pacto, e que estava combinado dar-se lhe uma candidatura por Lisboa. Repetindo-se agora esse boato que corria com insistencia, e que me affirmam ser uma realidade, darei á camara mais pormenores a esse respeito.

Como todos sabem, o liberalissimo governo do partido progressista deixou sem representação o circulo de Lisboa que ficou vago pela elevação ao pariato do sr. Pereira de Miranda, e deixou-o ficar sem representação usando de uma trica pequena e mesquinha, na qual foi connivente a camara dos senhores deputados não declarando a vacatura, e tudo isso se fez por que sabiam que seria eleito um deputado da opposição. É, pois, este um dos circulos, no qual se diz que o governo offerecêra a sua influencia ao candidato republicano em troca dos serviços prestados com as arruaças no meeting de S. Carlos. Exposto singelamente á camara o que eu disse, e a fórma por que me expressei, ficará bem manifesto que a argumentação do digno par não foi muito correcta.

Sirvo-me d'esta expressão muito predilecta do sr. Pereira Dias, para exprimir a minha admiração vendo um luctador da força de s. exa. lançar mão de um meio que não condiz com o seu caracter. O sr. Pereira Dias, para combater um adversario tão humilde como eu, não carece nem de lhe alterar os argumentos, nem de lhe desvirtuai-as palavras; e por isso, repito, o systema seguido pelo digno par não foi muito correcto.

Sr. presidente, o sr. Pereira Dias, continuando o seu variado discurso, contou-nos uma historia passada entre s. exa. e um politico importante, e disse-nos que não ia mais alem na sua narração, porque não podia revelar o que se tinha passado em uma conversação particular, fazendo-me ao mesmo tempo uma allusão muito transparente que, se não era uma censura directa, era pelo menos um modo indirecto de accusar-me; porque, tendo eu atacado o governo, referi-me a factos e acontecimentos que aos olhos de s. exa. parecia que não deviam ser revelados.

Tambem nas suas allusões e no seu modo de argumentar não foi correcto o digno par, porque s. exa. sabe perfeitamente que eu conheço vos deveres de civilidade e cavalheirismo, e não admitto que ninguem me exceda em pontos de honra e de dignidade.

Contente-se qualquer em me igualar, e, portanto, esteja tranquillo o digno par que as minhas revelações não transporão os limites do que é permittido.

Entrei na vida publica puro, e d'ella hei de sair puro.

O que disse, que tanto feriu a susceptibilidade do sr. Pereira Dias, e que torno agora a repetir, é que d'aquellas cadeiras se tem protegido o partido republicano; que antes e depois do partido progressista ter escalado o poder, alguns dos actuaes ministros tinham e continuam a ter relações politicas com esse partido, e que no seio do gabinete ha um ministro que tem um pé na republica e outro na monarchia. O sr. Pereira Dias, que conhece tão bem o passado do seu partido como eu, que não ignora as relações intimas d'esse partido quer na adversidade quer na prosperidade, que sabe igualmente que um dos actuaes ministros se tem manifestado por idéas tão avançadas que os republicanos o consideraram dos seus, não póde na sua consciencia estranhar-me que eu fallasse de ligações, de reuniões, de convites antes e depois do pacto da Granja, quando tudo isto a que eu alludo era já velho e do dominio do publico.

Sr. presidente, parece-me que n'este ponto a susceptibilidade do sr. Pereira Dias, abespinhando-se contra a minha narração, ainda não se manifestou n'esta occasião por um procedimento correcto.

Sr. presidente, eu na minha argumentação não fiz senão a historia de acontecimentos que presenciei, e fazendo essa historia, e narrando factos incontestaveis e incontestados, acautelando o paiz e os poderes publicos de certos perigos, creio que fiz um grande serviço e cumpri o meu dever.

Mas voltando á historia que nos contou o sr. Pereira Dias, a qual pareceu ao sr. visconde de Chancelleiros referir-se a mim, e a um incidente notavel que teve logar nesta camara, o digno par declarou que um homem publico conversando com s. exa. lhe disse que era necessario exercer uma grande pressão sobre certo ministro, porque só pelo medo se continha em respeito e nada fazia!

Parecia que essa historia era uma nova allusão a mim, mas vejo que não, porque s. exa. acaba de affirmar com um aceno de cabeça que não se referia á minha pessoa, e creio que não, pois faço justiça ao sr. Pereira Dias e á maioria d'esta camara, que de certo não consentiriam jamais n'aquellas cadeiras (apontando para as dos ministros) qualquer ministro que não soubesse sustentar o prestigio do poder e a dignidade do homem.

Desde o momento que s. exas. estivessem convencidos de tal, esse ministro teria perdido a sua confiança. A referencia, portanto, não era a mim.

Ha questões que não são para aqui, e por certo s. exas. estão convencidos que esse ministro, logo que saia do poder, dará satisfação da sua pessoa.

O digno par acrescentou que retiraria toda e qualquer palavra que podesse, por algum modo, ferir os membros d'esta casa. Creio que s. exa. tinha em mente os acontecimentos que tiveram logar n'esta camara entre mim e o sr. ministro do reino.

A este respeito digo o que tenho declarado por muitas vezes - eu respeito a entidade do governo, sem que com isso abdique do direito que tenho de tratar qualquer ministro como elle merece.

Tenho mostrado sempre que acato os poderes publicos, sem comtudo deixar de estigmatisar os actos dos ministros que merecem ser vehemente e violentamente estigmatisados; e se n'essa vehemencia e violencia vae alguma phrase que fira a dignidade ou a honra, não do ministro, mas do homem, é uma questão pessoal, que tem de se resolver, não aqui, mas lá fóra, como succede em todos os paizes do mundo.

Quando ha discussões acaloradas, é trivial e facil soltarem-se palavras que offendem, e a solução d'esses aggravos não tem logar nos recintos parlamentares, mas fóra d'elles.

Sobre este ponto não serei mais explicito, e só direi que tenho esperado, e espero ainda que o sr. ministro do reino fóra do poder faça o que a sua honra exige, e não se esqueça que aos aggravos que eu lhe fiz accentuára que a questão não era para aqui.

Tendo respondido por esta fórma ás allusões pessoaes do sr. Pereira Dias, acrescentarei algumas considerações ácerca do discurso do sr. Fernando Vaz, pela muita consideração que me deve este cavalheiro.

A defeza que s. exa. fez do governo parece-me collocal-o em situição mais critica e difficil, pois de toda a sua argumentação não se conclue outra cousa senão que este governo subira ao poder bafejado da aura popular e não soubera aproveitar as circumstancias, e, pela sua fraqueza e inepcia, deixara a questão de fazenda mais aggravada, e mais complicada a sua resolução.

Fallando do meeting que teve logar no theatro de S. Carlos, asseverou que ahi não se tratara da questão de Lourenço Marques, por isso que o partido que tinha promovido esse meeting era o que tinha a responsabilidade d'aquelle tratado.

Sr. presidente, a responsabilidade primordial d'aquelle tratado cabe ao partido regenerador, e essa é grande, porque trouxera para o paiz uma das questões mais serias e mais graves, e em, que mais tarde póde estar compromettida a honra e o brio nacianal, porque a Inglaterra já crê,

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e affirma-o pela sua imprensa, que Lourenço Marques lhe fôra cedido pela presente tratado. A responsabilidade dos regeneradores foi grande e continua a sel-o, mão hoje a responsabilidade maior, a responsabilidade enormissima recáe sobre o sr. Braamcamp e seus collegas, que, em troca de umas miseraveis pastas, sacrificaram as suas convicções, as aspirações do seu partido o es interesses do paiz. O modo como o sr. Braamcamp tem tratado esta questão é deplorabilissimo; a fórma como tem andado o partido progressista, desacreditando o tratado para depois o votar, é lamentavel. A troco de um poder ephemero, mesmo e humilhante o governo progressista e o seu partido pozeram-se aos pés da Inglaterra.

Sr. presidente, que o governo regenerador, que tinha feito o contraio, que o julgava bom, quebrasse lanças por elle, comprehende-se; mas o partido progressista, nunca, porque tanto elle como o actual governo desacreditaram o tratado e serviram se d'elle como arma para desprestigiar os ministros regeneradores. Esse partido, que disse pela imprensa tudo quanto havia de pessimo contra o tratado, e em particular segredava cousas atrozes e affirmava que era uma concessão de territorio portuguez á Inglaterra e a annullação da sentença de Mac-Mahon, não podia, não devia fazer os esforços que tem feito para o approvar, apesar de todas as manifestações hostis do paiz. A dignidade e o decoro vedava-lhe essa solicitude, e a honra e o dever prohibia-lhe de acceitar esse tratado pelo preço humilhante de uma existencia miseravel e de uma continuação ephemera n'aquellas cadeiras.

Este procedimento é altamente censuravel, e não tem justificação possivel perante a opinião publica e a consciencia do paiz.

Affirmaram que o tratado era mau, pessimo, detestavel; a consequencia logica era não o acceitar, fazel-o rejeitar immediatamente pelo parlamento e caír com honra. Não succedeu, porém, assim; em logar de o rejeitarem logo, só á ultima hora e no fim da sessão do anno passado o apresentaram na camara dos senhores deputados para o adiar! Similhante expediente é uma estratégia ridicula e um sophisma pequeno e mesquinho que, sem duvida, havia de susceptibilisar a Inglaterra e fazer lá pôr em duvida a seriedade do governo portuguez.

Pais o governo progressista e a sua imprensa que conheciam o tratado de Lourenço Marques perfeitamente, que o tinham analysado e discutido, e que não duvidavam que elle era funesto e prejudicial aos interesses de Portugal, podiam ter duvidas sobre elle, e só á ultima hora encher-se de escrupulos ácerca da sua inconstitucionalidade?! Este proceder, tão pouco digno, é que podia dar logar a um conflicto.

A Inglaterra não póde intervir, nem intrometter-se nas nossas cousas internas, nem na fórma por que nós cumprimos os artigos da nossa constituição. Não tem direito de se impor quando, tratando com o governo de Portugal, elle em conformidade com a constituição apresenta ao parlamento qualquer tratado para ser raatificado ou a jeitado. Não deve, por isso que é grande e forte, abussr do seu poderio para extorquir-nos, pela ameaça ou pala força, o que nos pertence de direito, e o que carecemos de conservar em interesse nosso; mas tem direito a ser respeitada e a exigir toda a consideração que merece.

O conflicto com essa grande potencia, que é sempre alliada e amiga, se se tivesse dado era devido á inepcia com que o governo portuguez se conduzira. Qualquer potencia, por mais poderosa que seja, não deve nunca fazer reparo eu que um paiz pequeno, como o nosso, sustente os seus legitimos interesses, a sua honra, o seu brio e a justiça, que lhe é devida. Ella ha de respeitar, como nação liberal, o resultado das nossas deliberações parlamentares.

Mas, prometter ao ministro da Inglaterra a approvação do referido tratado, e depois fazel-o adiar pela propria maioria da camara dos senhores deputados, é um erro indesculpavel que eu não suppunha que o governo fosse capaz de commetter, e, muito menos, que o sr. Braamcamp acceitasse um papel que não quero classificar.

Esta questão hei de eu tratar largamente quando vier á camara dos pares. Tem intima ligação com o tratado da India: n'essa occasião se liquidarão as responsabilidades. Fallei do passagem sobre este assumpto a reclame do sr. Fernandes Vaz. Ponhamos agora de parte os tratados do Lourenço Marques e da India, que se ligam entre si. Na occasião opportuna mostrarei o que elles são, e a responsabilidade que cabe aos regeneradores e ao sr. Corvo, a que caba aos progressistas e ao sr. Braamcamp e aos seus collegas que os acceitaram, apesar de os desacreditarem, e do saberem que nos principaes jornaes inglezes se affirmava que o tratado de Lourenço Marques representa e significa uma cedencia feita á Inglaterra. Tenho pezar do que as discussões sobre esse assumpto não sejam publicas, porque era necessario que o paiz tivesse conhecimento de tudo que se passou, e que se passa, a tal respeito.

Quanto á questão do imposto de rendimento, disse o sr. Fernandes Vaz que havia partidos que tinham approvado esse imposto e que faltavam agora contra elle. Não sei se houve partidos que procedessem assim; se os houve os regeneradores que lhe respondam. O que sei é que o partido constituinte na outra camara, e eu, aqui com os meus amigos, o combatemos à outrance; n'essa occasião sustentei, ahi então os meus discursos, que o imposto de rendimento era um imposto de guerra, vexatorio, iniquo, funesto, e que mais tarde, ou mais cedo, seria o preludio de uma revolução e que o governo não teria força para o cobrar.

Estou convencido que as minhas palavras, então proferidas, hão de traduzir-se em factos.

Os symptomas de agitação popular vão-me convencendo que as minhas prophecias estão prestes a realisar-se.

Sr. presidente, o partido constituinte tem sido sempre coherente, e espero que continuará a sel-o para o futuro.

Respondi aos pontos principaes da argumentação do sr. Fernandes Vaz, e vou dirigir-me agora exclusivamente ao governo, porque a elle compete explicar a rasão dos seus actos ao paiz, e dar as devidas explicações ao parlamento.

O governo não deve conservar-se silencioso, não deve responder apenas pela boca dos seus amigos, quando é certo terem-lhe sido feitas accusações muito severas, muito fortes, e as quaes a sua dignidade lhe impõe o dever de as destruir completamente.

Eu disse, repito e affirmo mais uma vez, que o governo promoveu os tumultos de domingo 13 d'este mez; promoveu-os, entendendo-se com os republicanos e mandando para o meeting do theatro de S. Carlos agentes e empregados da sua confiança. Eu affirmo mais uma vez que depois de fazer tudo isto, que depois de ter envolvidos na desordeira os incautos e imprudentes que na melhor boa fé foram levados pelos agentes da auctoridade sem saberem para onde íam, os mandou acutilar.

É isto o que vou provar.

V. exa. e a camara sabem, porque o affirma o publico e as testemunhas presenciaes, porque dil-o a imprensa e ninguem se atreveu ainda a negal-o, que o secretario particular do sr. ministro das obras publicas, que não vejo hoje aqui, como era do seu dever, se achava n'aquelle meeting promovendo a desordem e dirigindo a pateada. V. exa. e a camara sabem, que no mesmo intuito lá estava um empregado bem conhecido do ministerio da justiça, e que esse empregado confessára, diante de cavalheiros, que o sr. ministro do reino lhe mandára, um tal Teixeira Marques para com elle se entender, a fim de empregarem os meios para que o meeting não fosse imponente. A camara sabe igualmente que um administrador do concelho, muito conhecido, habituado áquellas reuniões, lá estava cercado de empregados de obras publicas, e de operarios que tinham sido mandados ali de uma fabrica de cortiça da outra banda. Não

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são, pois, todos estes factos, não digo indicios, mas uma prova manifesta da culpabilidade do governo? Não estão os dignos pares na sua consciencia condemnando por esta narração a verdade do que affirmo?

Tenho pezar de que não esteja presente o sr. ministro das obras publicas, porque era a elle a quem principalmente me dirigiria. Era s. exa. que eu desejava aqui para lhe pedir explicações de certos factos que lhe dizem, respeito, era a s. exa. que eu queria dirigir-me, porque acho a sua responsabilidade grande pelas relações que teve e tem ainda com os republicanos. Todos lhe imputam as desordens de S. Carlos, e geralmente affirma-se que fôra s. exa. que mandara para o meeting os seus amigos. Lá estava o seu secretario particular no meio dos arruaceiros; lá estava um ex-deputado, empregado no ministerio da justiça, que já declarara em publico, que é verdade que o governo fôra quem promovera a desordem, e mandara ali gente, para que o meeting monarchico abortasse, o que não tendo conseguido lançou mão do partido republicano, por intervenção de amigos do sr. Saraiva; lá estava um administrador de concelho, muito conhecido em Lisboa e relacionado com o sr. ministro das obras publicas.

Como s. exa. não está presente não posso ser mais expressivo, e por isso passarei a um outro ponto importante. Na imprensa appareceu, como aqui eu já tive occasião de relatar, uma carta assignada e reconhecida em que um cidadão affirmava que tinha sido solicitado por um ministro para empregar os meios de fazer abortar o meeting.

Este facto é grave, gravissimo, e como não o podem negar, porque ha documentos, diz o sr. Pereira Dias que o governo não deve descer a responder a uma similhante accusação. Ha de confessar o digno par, que esse seu systema de defeza é commodo, e alem de commodo economico, mas permitta-me s. exa. que eu diga que o não acho correcto.

Sr. presidente, eu não sei nem me importa saber quem é o sr. Teixeira Marques, o que sei é que é um cidadão portuguez que vem á imprensa fazer serias e graves accusações ao governo tomando a responsabilidade do que affirma. O que sei é que existe uma carta de um deputado, alto influente do partido progressista, nas mãos dos redactores do jornal que publicou a carta do sr. Teixeira Marques, e que o deputado na sua carta promettia um emprego ao tal sr. Teixeira Marques, se fosse bem succedido.

Pergunto ao sr. Pereira Dias se tambem não merecerá resposta a carta do deputado a que alludo? Descerá o governo se lhe responder?

Uma voz: - São calumnias.

O Orador: - Bem sei que v. exa. falla ironicamente; mas, se fosso serio, diria que não sei se são calumnias; mas, se o são, o governo que cumpra o seu dever; n'este paiz ha leis que castigam a calumnia; o governo tinha obrigação de, pelos tribunaes, mandar proceder contra quem, em circumstancias tão graves e em assumpto tão serio para o governo, o accusa por tal fórma. O que está provado até á evidencia, o que não offerece a menor duvida, é que aquelle cidadão tinha relações com os srs. ministros, e todos sabem que um dos amigos do governo, um dos seus correlegionarios mais intimos, o empregado da secretaria da justiça a que me referi, na presença de dois cavalheiros, (alguns dignos pares que aqui estão presentes sabem-no tão bem como eu) contou a historia como ella se passou, o que lhe disse o tal Teixeira Marques e o que elle lhe respondeu.

O que fez o governo a final, depois de lhe falharem aquelles meios?

Lançou mão do partido republicano e, para lhe pagar o serviço, não só o elogiou na camara, mas mandou-o elogiar pela sua imprensa. Emquanto ella, em espanejados encomios, affirmava que elle tinha sido cordato e avisado, atacava o partido dynastico com os epithetos menos proprios!

Querem mais clara a connivencia do governo com os republicanos?

Eu esperava que o governo tivesse comprehendido bem a sua missão, que pozesse acima da sua conservação no poder o bem publico e a salvação das instituições, e que pela sua imprensa fizesse propaganda monarchica contra a propaganda republicana; que esclarecesse o publico ácerca da republica, e lhe fizesse ver que o illudem, que lhe desfiguram os factos e que lhe fazem ver as cousas por um prisma illusorio. Eu esperava que o governo, respeitando, as convicções de todos, discutisse sem receio com os adversarios e esclarecesse aquelles que de boa fé laboram em erro.

Entre os republicanos ha uns que são convictos, ha outros que o são por lhe dizerem que a republica é a idéa moderna, a instituição aconselhada pelo espirito do seculo; ha outros, porém, que são republicanos por verdadeira especulação; e, finalmente, outros illudidos de boa fé, como succede em todos os partidos; (Apoiados.) mas a esses, aos convictos e aos illudidos, a imprensa do governo deveria demonstrar que a republica hoje em Portugal acabaria com a independencia d'este paiz, que só se póde conservar com a monarchia constitucional. Era esta a propaganda que eu desejaria que o governo tivesse feito; que demonstrasse como é verdade que Portugal é hoje o paiz mais liberal de toda a Europa; que Portugal está, mesmo em liberdade, acima da Inglaterra e da Belgica. Para que se faça idéa do que é a Inglaterra, basta que eu diga que, na maior parte dos jardins publicos não se consente que se fume, e que n'elles se vê uma taboleta indicando os que têem sido castigados por terem transgredido os regulamentos. Eu assisti em Inglaterra a uma festa nacional, a uma parada em honra do sultão; quando ali esteve em 1867, e sabe v. exa. o que me surprehendeu? Foi que o povo inglez, se quiz assistir á festa nacional, teve de pagar, como se fosse a um theatro! Na Belgica, onde tambem ha liberdade bastante, ainda assim é tal a intolerancia dos partidos politicos que não convivem uns com os outros e detestam-se entre si. Em Portugal cada um faz o que quer; a liberdade, muitas vezes, chega a converter-se em licença.

Note a camara. A liberdade de que se gosa no nosso paiz é muito superior á de que gosa o povo francez, não obstante ali vigorar o systema republicano.

Se em Franca, n'essa França tão republicana, se praticasse o que se tem visto em Portugal ultimamente; se ali se désse, em face da auctoridade e em plena manifestação, vivas á monarchia, como aqui se tem dado vivas á republica, os carceres e as masmorras estariam a estas horas atulhadas de presos.

Isto é que o governo devia fazer conhecer ao povo, esta é a propaganda que o bom senso aconselha.

N'um paiz tão livre como o nosso, onde cada um, póde-se dizer, que faz e diz o que quer, não ha motivo algum para que se queira derrubar as instituições, e acarretar para o seio da nação a desordem e a anarchia, e apoz d'ella, e como consequencia, a perda da nossa independencia e da nossa autonomia.

Liberdade temos nós como não ha em republica alguma do mundo, o que nos falta apenas é um pouco de bom senso governativo; se o tivessemos tido, e sabido organisar as nossas finanças, creio que a nação portugueza se deveria dar por completamente feliz, embora nos progressos materiaes propriamente de fomento não levassemos a dianteira a outros povos.

Em todo o caso em questões de liberdade podemos rivalisar com todos os paizes da Europa. (Apoiados.)

Disse-o já um grande vulto do reino vizinho, o mais eloquente dos oradores do mundo, como o appellidam em Hespanha. Castellar quando aqui esteve disse que uma monarchia assim é superior a todas as republicas; que uma mo-

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narchia tão livre como a nossa não tinha nada que invejar, pelo que respeita ás liberdades publicas, ás republicas mais avançadas.

Propaganda d'esta natureza é que o governo tinha obrigação de fazer para esclarecer o publico, e fazer ver aos que verdadeiramente desejam e estimam a felicidade de sua patria, e que prezam a sua nacionalidade, que na republica está a ruina d'essa nacionalidade e a causa dos mais funestos damnos para a nação.

Os verdadeiros portuguezes, aquelles era cujas veias corre sangue verdadeiramente portuguez, não podem nem querem jamais sacrificar a independencia da sua terra natal com o intento de substituir a fórma do governo por outra, que seria a negação d'essa independencia e da liberdade. (Muitos apoiados.)

Mas, sr. presidente, como é que o governo procura combater o republicanismo entre nós? Como é? E protegeu do elle e a sua imprensa o partido republicano fazendo lhe elogios, dando-lhe ensejo para propagarem as suas doutrinas, manifestar em publico as suas idéas e affirmar a sua existencia, deixando-o por toda a parte dar gritos sediciosos contra a monarchia, consentindo que na presença das auctoridades, todos os dias e todas as noites, já em logares publicos, já nos theatros, se dêem vivas á republica, se toque e cante a marselheza; emfim, não tratando por modo nenhum de evitar estas illegaes manifestações, que podem dar logar a graves desordens e conflictos. E não obstante estes factos repetirem-se todos os dias, o sr. Braamcamp, o sr. presidente do conselho de ministros, está tão obcecado que não vê nada em roda de si.

Pois é preciso que abra os olhos e que veja, que descerre os ouvidos e que ouça; é preciso que examine conscienciosamente o seu proceder e do seu partido, e reconheça que, sem querer, é culpado de um grande attentado contra a monarchia. Veja e ouça emquanto é tempo, se não deseja a ruina da patria.

Vou concluir. A camara está fatigada, a questão tem sido debatida largamente, e eu não quero por minha parte alongal-a mais.

Termino, pois, dizendo que é grave, e muito grande a responsabilidade de um governo constitucional que representa a monarchia, quando elle consente que o partido contrario ás instituições affirme a sua existencia pela fórma que o tem feito entre nós o partido republicano, percorrendo as ruas, gritando contra a monarchia, e pedindo a queda da dynastia, e que essa responsabilidade augmenta com o facto d'esse governo ter no seu seio um ministro cujas idéas radicaes o anti-monarchicas lhe suggeriram a audaciosa phrase de dizer, que era chegada a occasião do pôr escriptos no paço da Ajuda!

O sr. Fontes Pereira de Mello (sobre a ordem}: - Mandou para a mesa a seguinte:

Moção

A camara dos pares, affirmando a sua dedicação ás instituições monarchicas e á dynastia reinante, reconhece como uma das primeiras necessidades a manutenção da ordem sem detrimento das liberdades publicas; faz votos para que a politica do governo se harmonise com os interesses do paiz e passa á ordem do dia. = Fontes.

A proposta que se discute tem duas partes. Na, primeira affirma-se a necessidade de manter a ordem sem detrimento das liberdades publicas, e na segunda diz-se que não julga o governo á altura da gravidade das circumstancias.

O orador, que nunca falta á verdade, declara que não foi estranho á apresentação da proposta, que foi combinada com elle.

A primeira parte da proposta do sr. Barjona deve estar na mente de todos; que o governo não está á altura da gravidade das circumstancias, isso póde ser questão de duvida para muitos. Mas o que, pela sua parte, póde afiançar é que, votando aquella proposta, se se resolver que ella seja votada, não entende lançar nenhum desfavor sobre a capacidade, talentos e qualidades pessoaes dos srs. ministros; porém, fazer uma demonstração de desconfiança politica em relação á marcha do governo.

Tambem se tem procurado filiar a proposta do sr. Barjona nos tumultos de 13 do corrente. Não a considerava assim, porque a repressão dos tumultos não foi senão um episodio da vida do actual gabinete.

Sente que o governo tenha procurado lançar a responsabilidade da repressão dos tumultos sobre a guarda municipal de Lisboa, que é um corpo modelo. Se a guarda cumpriu as ordens, fez o seu dever, obedeceu aos seus superiores, e a responsabilidade é do governo; se não as cumpriu, eu se as excedeu, a responsabilidade tambem é do governo, porque não mandou, metter em conselho de guerra os que se excederam.

Entende que ninguem tem direito de insultar a força publica, e ainda menos de a aggredir; mas tambem entende que ella póde-se exceder na defeza, e, n'este caso, ao governo é que cumpre tomar contas de qualquer excesso que ella pratique.

Sente que um paiz tão pacifico como Portugal, que ha muitos annos estava em paz podre, onde não havia uma só manifestação que perturbasse a ordem, e que por isso mesmo era respeitado na Europa, proceda de um modo que os jornaes estrangeiros digam que elle está sendo victima de constantes perturbações.

Deplora este facto pelo interesse que toma pelo seu paiz, e pela reputação que elle tinha sabido grangear nos outros paizes.

Concluindo, disse que, tendo alguem querido filiar a proposta do sr. Barjona nos tumultos, e apresental-a como justificação d'elles, e não sendo essa a mente do auctor nem a d'elle (orador) quando a approvou, redigiu agora a proposta que manda para a mesa; que affirma a dedicação da camara pelos principies monarchicos, pela dynastia, pela manutenção da ordem sem detrimento das liberdades publicas; e alem d'isso a proposta contém uma parte, que é aquella em que faz votos para que a politica do governo se harmonise com as necessidades do paiz, porque o orador tem a infelicidade de acreditar que essa politica não está do accordo com essas necessidades.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Declara que o governo assume toda a responsabilidade do procedimento da guarda municipal no dia 13 do corrente.

Se estivesse persuadido de que ella se tinha excedido ou tivesse provas d'isso em seu poder, teria mandado proceder contra quem tivesse praticado excessos. Desde que o não fez; é porque entende que ella não se excedeu.

Em relação á moção de ordem, disse que não tem nada com o que se passa no seio da opposição. É negocio de familia, em que não quer entrar.

Não quer saber se esta proposta é um correctivo á outra; se representa um desaccordo que lavra na opposição.

Se o sr. Fontes se absteve do entrar na apreciarão dos tumultos, se entende que a guarda municipal cumpriu o seu dever, porque apresenta uma moção de censura ao governo?

O que se discute é se o governo andou bem ou mal restabelecendo a ordem publica, e então para que pretende a opposição desviar a discussão, para que foge?

A que proposito vem a moção de censura do sr. Fontes, se não se filia nos tumultos de domingo?

O paiz que aprecie de que lado está a rasão.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. donde de Valbom: - Em resposta ao sr. ministro do reino, disse que a o oposição não foge, escolhe o terreno em que ha de combater, porque tem esse direito.

Não se tratava de saber se o governo tinha procedido

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bem ou mal quando tratou de restabelecer a ordem publica, o que se apreciava era o estado grave em que encontrava o paiz, e de que os acontecimentos de domingo tinham sido um symptoma.

A agitação que se nota no paiz é resultado da falta de confiança no governo.

Apoia com toda a força da sua convicção a proposta do sr. Fontes, que está de accordo com o espirito da proposta do sr. Barjona. Este digno par não teve intenção alguma de dar força aos arruaceiros, mas a maioria é que lhe quiz dar essa interpretação, para ver se afastava alguns votos d'essa proposta.

A camara deve approvar a proposta do sr. Fontes, porque assim affirma mais uma vez a sua dedicação ao systema monarchico constitucional, que offerece todas as garantias de liberdade, e é seguro penhor da independencia da patria.

Apreciou rapidamente a questão de fazenda, procurando demonstrar que ella não tem melhorado, não obstante as affirmações do governo em contrario; e concluiu dizendo que, em vista das causas permanentes de agitação, entende que é dever do governo e dos altos corpos do estado não esperarem que as manifestações da opinião publica cheguem a um extremo que possam ser perigosas para as instituições.

(O discurso de s. exa. será publicado logo que o devolva.)

O sr. Barjona de Freitas (para um requerimento): - Devo declarar a v. exa. e á camara que tenho estado em todo este debate, em perfeita harmonia com o illustre chefe do partido regenerador.

S. exa. apresentou uma moção que interpreta bem o pensamento d'aquella que eu apresentei, e por isso peço a v. exa. que consulte a camara se quer que eu retire a minha moção, que ficou completamente substituida pela do sr. Fontes.

O sr. Presidente - Os dignos pares que approvam que o sr. Barjona de Freitas retire a sua moção, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Bispo de Vizeu: - Sr. presidente, vou mandar para a mesa uma emenda á proposta do digno par o sr. Fontes, a fim de se dividir em duas partes.

Na primeira todos estamos de accordo, affirmando a nossa adhesão á monarchia e á manutenção da ordem.

Na segunda, que importa uma censura ao governo, é que nos separâmos. O sr. Fontes diz que a sua proposta é identica á do sr. Barjona; mas n'esse caso seria inutil a sua moção.

Estas diversas moções motivam divergencia no campo da opposição; porém é questão domestica, que nos é defezo prescrutar.

As opposições são livres em escolherem o campo de batalha, e a nós o dever de acceitar o debate onde se nos offerecer.

A camara dos pares apenas se tem occupado de questões politicas.

No discurso da corôa houve larga discussão sobre a politica geral do governo, que acabou por uma moção de censura.

Desde essa epocha nada occorreu de extraordinario, senão os acontecimentos de Lisboa, ou esses tumultos, subversivos da ordem publica, que foram reprimidos pela guarda municipal.

As moções do censura, que se nos apresentara agora, não podem ter outros motivos, nem filiar-se n'outros acontecimentos senão no procedimento do governo, que ordenou a repressão desses tumultos, de onde saíram vivas á republica e morras á guarda e á dynastia.

N'estas circumstancias, uma proposta de censura ao governo, porque soube manter a ordem, vinda de uma camara conservadora, não nos parece muito consoante á indole d'esta camara.

Em circumstancias extraordinarias, quando a tranquillidade publica é alterada e se trata de restabelecer a ordem, é pratica constante que as opposições suspendam as suas hostilidades e se acerquem dos governos para lhes darem toda a força precisa para a manutenção da ordem

Agora vimos o contrario, e a camara conservadora, em logar de auxiliar o governo, aproveita a occasião de o censurar, intimando-o a que saia d'aquellas cadeiras, porque não está na altura das circumstancias.

Que faria a camara se elle não podesse reprimir os tumultos e restabelecer a ordem?

Os dignos pares que tomaram parte na discussão, pintaram com negras cores o estado do paiz.

Exageraram a agitação que vae pelas provincias e na capital. Mas entendem que a unica panacea que neve curar todos esses males é a queda do governo, porque a sua permanencia n'aquellas cadeiras é a causa de todos esses maleficios.

Eu tenho visto muitas agitações arbitrarias como esta, e muitas intimações a diversos ministerios, a fim de que largassem o poder como sacrificio e holocausto ao descontentamento geral.

O sr. Fontes bem sabe isto por experiencia propria.

Muitas vezes tem sido intimado, como estes ministros o estão sendo agora.

Mas, quantum mutatus ab illo!

Quando o sr. Fontes era intimado por cincoenta mil signatarios para largar o poder, mal diria elle que um dia seria instrumento dos mil signatarios que, de uma aldeia do alto Minho, encarregaram de apresentar a esta camara um protesto contra a permanencia d'este governo nos conselhos da corôa?!

Como os tempos mudaram!

O digno par reprovava estes meios de deitar abaixo os governos, que viviam em condições constitucionaes, e não saíu do poder quando se empregaram contra elle; agora já lhe parecem bons!!!

Como os tempos mudaram!

E talvez que esses mesmos signatarios do Minho fossem os proprios que peticionaram n'outro tempo para derrubar a administração do sr. Fontes.

Sr. presidente, o texto das representações e de todos esses meetings, que se têem feito em todas as localidades, é o imposto de rendimento. A necessidade dos impostos foi uma triste herança que o governo teve.

Não foi por vontade que o governo arriscou a sua popularidade, recorrendo aos impostos, que são repugnantes sob qualquer fórma; mas depois de votados e estarem em via de cobrança, não será grande patriotismo promover a este governo embaraços, que affectarão a todos os governos que se seguirem a elle.

O que me parece necessario é parar no funesto systema de continuos recursos ao credito, com o pretexto de fomento inadiavel, gastando dinheiro sem conta, peso nem medida, sem cuidarmos d'onde nos ha de vir.

Parece impossivel que uma nação pequena, como a nossa, com trinta ou quarenta annos de paz podre, e sem ter havido nada de extraordinario na sua marcha politica, se encontre no estado afflictivo do nosso regimen financeiro. Viver de emprestimos continuados é o maior dos males para uma nação.

É mister cravar um prego n'esta roda de fomento, e de talharmos obras todos os dias sem saber d'onde ha de vir o dinheiro para ellas.

Se assim continuarmos, teremos a sorte do Egypto; terão de vir os estrangeiros governar-nos, como ainda agora nos disse o Times.

Isto não póde continuar assim.

Porém a camara não se tem occupado d'estas questões; desperdiça-se o tempo em votos de censura, e na esteril questão dos coroneis.

Os tumultos da capital vieram de molde para excitar as

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iras d'esta camara contra e governo que reprimiu os tumultos.

Todos os governos têem o dever de manter a ordem e nenhum deseja que a força publica, quando tenha de intervir, commetta excessos. O governo andou com moderação, e a força publica;, insultada e apedrejada, não abusou nem é accusada de excessos; logo esta cardara, esquecida dos altos deveres inherentes á sua missão constitucional, e vindo aqui censurar o governo, dá testemunho de falta de prudencia, que terá funestas consequencias no futuro.

Sr. presidente, eu entendo que a fórma de governo que nos rege nos dá todas as garantias de liberdade, e que a fórma republicana póde trazer-nos graves complicações, talvez a nossa desgraça.

Não ha republica onde se gose mais liberdade do que n'esta nossa monarchia constitucional; se não temos caminhado bastante no progresso, se a prosperidade publica não chegou ao ponto que desejamos, a culpa não é das instituições, mas dos homens.

E se elles são maus na monarchia, não esperem que mudem de natureza e sejam bons na republica.

A questão é de homens, que estão impacientes de subirem ao poder, e nada mais; o grande mal não é essa agitação artificial, que ahi se ostenta, mas a demasiada ambição, que tudo explora para chegar a seus fins.

Fallou-se ahi do pacto da Granja, que fôra uma ilusão, mas não é verdade.

Dois grupos politicos, que andaram desavindos; divergindo apenas em pontos secundarios, concertaram-se, em pontos essenciaes de politica, consignados em programma definido, reunindo as forças communs para realisarem no poder as suas aspirações.

Foi novo partido, que tem sido coherente, desmentindo os falsos propheias que annunciavam futuras desintelligencias.

O digno par o sr. Fontes fôra o primeiro a estigmatisar o programma da Granja, alcunhando-o de detestavel.

Porém, quando as circumstancias mudaram, quando estava agonisante a ultima restauração em 1878, que o mesmo digno par confessou ter sido impolitica, n'essa occasião aqui nos disse o sr. Fontes que não largaria o poder, apesar das intimações que lhe eram feitas até pelos amigos de hoje, e quando tivesse de o largar deveriam ser os seus successores os progressistas, por ser esse o partido mais forte, e o unico que tinha elementos de governo. Já o partido da Granja, cujo programma era detestavel, podia e devia ser no poder o successor do sr. Fontes!!!

Esta contradicção, em publico e raso, tinha, quanto a mim, a sua justificação. Não é asado o momento de discutir esse ponto, mas só lembro estes factos para se ver como o mesmo digno par já considera o partido da Granja tão falho de força e recursos, que já não está na altura das circumstancias. Todos os partidos têem a mania do programmas.

Os programmas partidarios podem exprimir as aspirações dos homens que se associaram debaixo de certa bandeira, mas não o molde onde possam fundir-se todos os factos que resumem a vida social dos povos.

A boa politica consiste em resolver as dificuldades, sempre nascentes, pelos principios do justo e de util e nada mais.

Todos os governes desejam o maior bem, mas a força irresistivel das circumstancias póde mais do que a vontade dos homens.

Sr. presidente, já disse n'outra occasião, que á camara dos pares não convem inverter os papeis que devem representar as duas casas do parlamento.

Se os pares de nomeação regia podem, cem seus votos, derrubar governos e levantar ontros, fica annullada a representação nacional na camara popular, fica sem importancia politica, teremos um sophisma constitucional, ou o absolutismo com as apparencias de regimen liberal.

Se, porém, a camara dos pares se lançar no plano inclinado do obstrucionismo, impedindo a marche, regular na administração publica, quando a, opposição de hoje for governo, não estranhará que os seus adversarios usem de represalias

Um abysmo traz outro abysmo, e a morte da camara e mesmo das instituições será a consequencia de se inverterem os papeis das duas casas de parlamento, e de se trazerem para o senado conservador os debates apaixonados, que são inseparaveis do predominio politico dos diversos bandos que disputam o poder.

Mando para a mesa a minha proposta e a camara tomará a resolução que julgar mais conveniente.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Requeiro a v. exa. que mande ler a lista dos oradores que estão inscriptos para usar da palavra n'este debate.

O sr. Presidente: - Estavam inscriptos já da ultima sessão, e inscreveram-se depois, os dignos pares Vaz Preto, Henrique de Macedo, conde do Valbom, Cortes, visconde de Chancelleiros, Mártens Ferrão. Usaram já da palavra os srs. Vaz Preto e conde de Valbom, e segue-se o sr. Henrique do Macedo.

O sr. Henrique de Macedo: - Cedo da palavra.

O sr. Presidente: - Segue-se o sr. Cortez.

O sr. Cortez: - Reservando-me o direito de usar da palavra depois de fallar o sr. Mártens Ferrão, cedo por emquanto d'ella, e peço a v. exa. que me inscreva para depois de s. exa.

O sr. Presidente: - N'esse caso tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Reservando-me o direito de usar da palavra depois do sr. Cortez, cedo da palavra, pedindo para ser inscripto depois do digno par.

Vozes: - Votos.

O sr. Mártens Ferrão: - Pedi a palavra no plenissimo uso do meu direito, e não reconheço competencia em ninguem a não ser em v. exa., para m'a tolher.

Sr. presidente, não tinha tenção de entrar ao debate, que estava pendente; as poucas palavras que vou proferir têem por fim unicamente expôr o modo por que comprehendo as circunstancias especiaes que ha porcos minutos se crearam n'esta casa pela apresentação da nova moção do digno par o sr. Fontes.

Folguei com essa moção, tem o grande merecimento de afastar a que estava no debate.

Costume dizer sempre com isenção o que entendo, tenho-me imposto esse dever, e declarar as rasões do meu voto em todas as occasiões em que a importancia dos assumptos assim m'o aconselham. É costume meu antigo, que já agora não perco, estando, como estou, no declinar da vida parlamentar.

Sr. presidente, entendo que a proposta do sr. Barjona de Freitas, perdoe-me o illustre amigo a cujo grande talento presto homenagem, entendo, digo, que essa proposta foi um grande erro politico, nem outros erros poderia, commetter a sua intelligencia privilegiada. Grandes erros politicos, só os grandes homens politicos commettem; são elles os proprios, que mais tarde os vem confessar.

A proposta do sr. Fontes tem a vantagem de afastar do debate essa moção. Tres partes tem a proposta agora apresentada. Duas são affirmação importantissima, elevada e nobre, como o sr. Fontes sabe sempre fazer, de principios, em torno dos quaes se reune toda a camara, (Apoiados.) e a grandissima maioria da nação portugueza; (Apoiados.) e quando eu ouvi o digno par ler a sua moção até o fim d'aquelles dois periodos, julguei que s. exa. parava ahi, e reduzia a sua proposta pura e simplesmente a elles. Nas circumstancias actuaes julgo uma manifestação importante a reunião de toda a camara, em torno dos principios consignados nas duas primeiras partes da moção, affirmando a sustentação d'elles, e entendo que quando se trata

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de elevados sentimentos como significam aquelles dois periodos, a boa politica deveria afastar tudo o que pódesse quebrar a unanimidade que deveria cobrir a manifestação da camara.

Não preciso procurar outra auctoridade que a de um dos homens, com cuja amisade me honrei: refiro-me a José Estevão.

Discutia-se na camara dos senhores deputados uma questão importante, era a questão do Charles et George, e dos aggravos que Portugal havia soffirido n'aquella occasião, José Estevão fallou, mas nem censurou o governo nem o applaudiu; ía mais longe o seu pensamento, affirmava grandes principios ou grandes sentimentos, collocou-os acima da politica de partido, não se occupou d'esta! Foi um elevado pensamento.

A questão não é agora precisamente a mesma, mas os principios é que são tão elevados como aquelles, e eu não desejaria que principios tão nobres, e tanto em harmonia com a opinião e com o sentimento publico, fossem apresentados com outra demonstração que não seja a da união intima de toda a familia portuguesa para a sua sustentação, posta de lado por um momento a politica.

Em 1861 ou 1862 tiveram legar graves perturbações da ordem publica na capital. O governo d'essa epocha apresentou se na camara dos senhores deputados, estando as galerias tambem apinhadas de povo, e perguntou se poderia contar com o apoio da camara, em vista das circumstancias graves em que o governo se encontrava n'aquelle momento! Eu militava na da opposição. N'essa occasião fui eu, primeiro que nenhum deputado da maioria, que me levantei, por parte da opposição, e disse ao governo que, no momento em que eram graves as circumstancias, eu, com os meus amigos davamos o nosso apoio ao governo, e nos collocavamos ao seu lado para lhe dar força.

Não queria n'aquelle momento discutir os actos do governo, que tinham favorecido ou creado essas circumstancias, embora tivesse a convicção de que ellas haviam sido provocadas pelos erros da administração; só mais tarde trataria d'esse assumpto. Os registos publicos contara estes factos taes como acabo de os referir.

Desejaria ver hoje, do mesmo modo que n'aquella epocha, afastado da proposta que se discute tudo quanto significasse tirar força ao poder, que tanto carece d'ella para manter a ordem publica ameaçada.

Por se dar força n'uma occasião d'estas aos governos, não creia v. exa., sr. presidente, que se prolongue nem mais um dia uma situação politica, se ella não tiver condições de vida.

Esta é a meu juizo a politica larga, a politica como deve ser vista pelos homens que têem experiencia dos negocios, e que de certo estão promptos a sacrificar á causa publica quaesquer vantagens momentaneas de partido, se effectivamente o são, que possam advir do systema contrario.

Factos de outra ordem, e não estes, têem abalado a situação. As difficuldades proprias de governo, erros commettidos, e a impossibilidade de se realisarem pogrammas e promessas feitas, são causas permanentes, para que estejam contados os dias da administração.

Mas, no momento actual, em que persistentemente se pretende alterar a ordem publica, eu não vejo senão o governo do meu paiz, legalmente constituido, para não procurar tirar lhe a força, antes dar lh'a.

Apreciando a moção politica do sr. Fontes, tal como ella é, tem uma importante significação, é ser um indicador politico. Digo-o claramente, não se lhe póde tirar esse valor e essa significação, sejam quaes tenham sido as declarações e os retrahimentos de s. exa.

Os homens politicos que occupam o logar de chefes de partido e tomam activamente esta posição, não têem direito a recusar-se ás suas consequencias politicas. E as opposições, quando procuram derribar um gabinete, devem no seu proceder apresentar claras indicações, que esclareçam e sejam um verdadeiro indicador politico para soluções futuras.

Não pertenço ao partido que está no poder, e discordo em muitos pontos dos actos do meu partido; afastado assim absolutamente da politica activa e militante, digo o que entendo sem as reservas, que outras condições poderiam exigir, ou aconselhar. A minha opinião no que digo é talvez doutrinaria; sou porém mais doutrinario do que opportunista. Será defeito, mas recebi-o dos grandes mestres da sciencia politica.

Aprecio, sr. presidente, as indicações, a que me referi, porque o paiz do que precisa é de governo forte, e estes só os podem dar os partidos fortemente constituidos.

A moção do sr. Fontes tem esse caracter; reconheço-lh'o, em harmonia com os principios, e ninguem lh'o póde tirar, porque não depende elle das declarações que se façam, mas sim da fórma e occasião em que os factos politicos se dão. O que não sei é se a occasião é a mais opportuna.

Sr. presidente, a ultima parte da moção do sr. Fontes é uma censura, segundo a phrase de s. exa., ainda que muito benevolamente feita. Não a voto por isso. A não ser em algum caso muito excepcional, que não vejo, não voto censuras, como já mais de uma vez tenho declarado. Termino aqui, e só direi que faço votos para que de futuro o digno par guie e não seja guiado, dirija e não seja dirigido.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, não quero alongar o debate, e por isso poucas palavras direi, limitando-me a responder a algumas asserções que foram apresentadas por parte de alguns membros da opposição d'esta camara.

Sr. presidente, a ordem de ataque contra o governo mudou completamente. Ha poucos dias eramos accusados de termos empregado meios violentos para reprimir as aggressões populares feitas á força publica. Hoje o principal capitulo de accusação que levantam contra o governo é que estavamos de accordo com o partido republicano para promover a desordem.

Os meus precedentes e a minha longa carreira publica protestam contra esta asserção. (Muitos apoiados.)

Á affirmação do digno par, o sr. Vaz Preto, quando disse que o governo pactuára com aquelle partido, limito-me a responder com uma negativa e com um protesto formal.

O governo não entrou nem podia entrar em accordo de nenhuma especie com o partido republicano; o governo respeita todas as opiniões politicas, ainda as mais avançadas, quando são filhas de uma convicção verdadeira; mas querer apresentar o gabinete, a que tenho a honra de presidir, como instigando o partido republicano para concorrer aos comicios populares, para agitar o paiz e promover a desordem na capital, é uma accusação por tal fórma infundada, que nem carece de ser rebatida.

O governo não teve ingerencia alguma em nenhum dos meetings que tiveram logar; respeita, como lhe cumpre, a opinião de cada um, ha de manter a liberdade de reunião consagrada nas nossas leis, mas nunca se ha de intrometter n'essas manifestações.

Fallou tambem o digno par, o sr. Vaz Preto, n'uma carta publicada pelo sr. Carlos Teixeira, dizendo este cavalheiro quo fôra convidado por algum dos meus collegas para ir fomentar a desordem no meeting que teve logar no theatro de S. Carlos.

Sr. presidente, posso affirmar a s. exa. que essa noticia é falsa, nem tem importancia nenhuma; esse individuo nunca foi convidado pelo governo, nem o podia ser por nenhum dos meus collegas para tal fim.

Agora com relação á moção do digno par. o sr. Fontes, tenho a declarar á camara, que o governo não póde deixar

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300 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

da acceitar plenamente a primeira parte da moção do ministro caudilho da opposição.

Os principios ali affirmados são os que o governo tem sustentado e continuará a sustentar.

Pela minha parte creio que não preciso affirmar os principios monarchicos que defendo e tenho sempre defendido, assim como o partido a que me honro de pertencer.

Não quero levantar primazias de adhesão ao systema constitucional; creio que todos os partidos representados n'esta camara são igualmente firmes na sua adhesão a esses principios e á dynastia que nos rege.

O governo concorda completamente com todas as manifestações feitas n'esse sentido; porém, quanto a segunda parte da moção, que é essencialmente um voto de censura, declaro a v. exa. e á camara, que não a podemos acceitar.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu já declarei que não usava da palavra senão depois do sr. Cortez.

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Mendonça Cortez: - Cedo da palavra, porque me reservo para responder n'outra occasião a algumas das considerações feitas por alguns dos dignos pares que militam na opposição.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Cede da palavra.

Vezes: - Votos, votos.

O sr. Pereira de Miranda: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a lei de receita.

Leu-se na mesa o parecer mandado para e mesa pelo sr. Pereira de Miranda.

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, requeiro que sobre a ultima parte da proposta da sr. Fortes haja votação nominal.

O sr. Presidente: - Ha duas propostas sobre a mesa, a do sr. Fontes e a do sr. bispo de Vizeu.

Ora, como a proposta do sr. bispo de Vizeu é para que a moção do sr. Fontes seja dividida em duas partes que separadamente sejam votadas, por isso vou pôr primeiro á votação a proposta do sr. bispo de Vizeu.

Posta á votação a proposta do sr. bispo de Vizeu, foi approvada.

Seguidamente foi approvado o requerimento ao sr. Camara Leme.

Lida na mesa a proposta do sr. Fontes foi approvada na sua primeira parte, por unanimidade menos um voto.

Procedeu-se á votação nominal da ultima parte da proposta do sr. Fontes.

Disseram approvo os srs.: - Marquez de Ficalho, marques de Monfalim, marquez de Penafiel, marques de Vallada, marquez de Vianna, conde dos Arcos, conde de Avillez, conde do Bomfim, condo do Cabral, conde de Gouveia, conde de Fonte Nova, conde da Ribeira Grande, conde da Torre, conde de Valbom, visconde de Almeidinha, visconde de Alves de Sá, visconde de Bivar, visconde de Chancelleiros, visconde das Laranjeiras, visconde da Praia, visconde da Praia Grande, visconde de Seabra, visconde do Seiçal, visconde de Soares Franco, barão de Ancede, Agostinho de Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Antonio Francisco Machado, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello; Rodrigues Sampaio, Barjona, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Palmeirim, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Pinto Bastos, Reis, e Vasconcellos, Manços de Faria, Mexia Salema, Camara Leme, Vaz Preto, Franzini, Ferreira Novaes, Montufar Barreiros.

Disseram rejeito os srs.: - Mártens Ferrão; duque de Palmella, marquez de Sabugosa, arcebispo de Evora, conde de Bertiandos, conde de Castro, conde de Podentes, conde de Linhares, conde de Paraty, bispo de Bragança, bispo de Vizeu, bispo do Algarve, visconde de Borges de Castro, visconde da Gandarinha, visconde de S. Januario, visconde de Ovar, visconde de Portocarrero, visconde de Valmor, visconde de Villa Maior, Mendes Pinheiro, Pereira de Miranda, Quaresma Vasconcellos, Sousa Secco, Magalhães Aguiar, Pequito Seixas, Costa Lobo, Xavier da Silva, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, F. M. Cunha, Henrique de Macedo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Abreu e Sousa, Vasconcellos Gusmão, J. A. Braamcamp, J. B. de Andrade, J. J. Castro, Fernandes Vaz, Ponte e Horta, Pereira Cardoso, Daun e Lorena, M. A. Seixas, Pires de Lima, Pereira Dias, Canto e Castro, Calheiros de Menezes, Thomás de Carvalho, Seiça e Almeida, Ferrer.

Ficou, portanto, rejeitada a segunda parte da moção ao sr. Fontes por 50 votos contra 49.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - É simplesmente para dar uma explicação. V. exa. sujeitou á votação a primeira parte da proposta, e declarou que tinha sido votada unanimemente eu reclamei immediatamente, porque eu votei contra, e a rasão por que assim votei é porque eu não tenho necessidade nenhuma de corroborar n'esta camara o juramento que n'ella prestei quando entrei para tomar assento. (Apoiados.)

Eu votaria que fizessemos por todos os modos possiveis com que se cumpram as leis, e qualquer moção n'este sentido affirmativo eu não a posso tomar senão como um protesto, e, portanto, como censura, ao governo, e isso voto eu.

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã, e a ordem do dia é a que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Dignos pares presenças na sessão de 21 de março do 1881

Exmos srs.: Vicente Ferrer Neto de Paiva, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada de Vianna; Arcebispo de Evora; Condes, dos Arcos, de Avillez, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, de Paraty, da Podentes, da Ribeira Grande, da Torre, de Valbom; Bispos, de Bragança, de Vizeu, eleito do Algarve; Viscondes, de Algés, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, da Gandarinha, das Laranjeiras, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, de Valmor, de Villa Maior, de S. Januario; Barão de Ancede; Mendes Pinheiro, Ornellas, Pereira de Miranda. Mello e Carvalho, Quaresma, Antonio Machado, Berros e Sá, Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier ca Silva, Palmeirim; Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Eduardo Barreires, Fortunado Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Andrade Corvo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Abreu e Sousa, Gusmão, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcelos, Manços de Faria, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Camara Leme, Daan e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Pereira Dias, Franzini, Canto e Castro, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Seiça e. Almeida, Castro, Sousa Pinto.

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