480 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Eu, com uma orientação scientifica diversa, habituado ao estudo da mathematica, tive de compulsar agora o Codigo Administrativo !
Vou apresentar á Camara varias considerações e raciocinios logicos, abstendo-me de fazer uma prelecção de Pandectas e de citar os differentes artigos do Codigo, em que me fundamento, no intuito de não ser fatigante.
Em 20 de maio do corrente anno procedeu-se na Covilhã a uma eleição camararia, sobre a qual houve protestos e reclamações.
E por isso o recurso subiu á auditoria de Castello Branco, que annullou esta eleição. D'esta sentença houve appellação para o Supremo Tribunal Administrativo.
Não havendo este assumpto sido julgado nos prazos marcados, procedeu-se, no cumprimento da lei, a uma segunda eleição, com a qual se deu a mesma cousa ; sendo tambem annullada pela auditoria e subindo nova appellação para o Supremo Tribunal Administrativo.
Por ultimo, realizou-se uma terceira eleição que, d'esta vez foi confirmada pela auditoria de Castello Branco, de forma que a nova Camara da Covilhã, tomou posse e começou a exercer o seu mandato.
Deve notar-se que d'esta sentença não subiu appellação alguma.
Entretanto, o Supremo Tribunal Administrativo resolveu em accordão, que eu considero irrito e nullo, validar a primeira eleição contra a sentença da auditoria de Castello Branco.
Este accordão não foi dado no prazo legal e por isso deve considerar-se como já disse, irrito e nullo.
E na verdade as sentenças dadas pela auditoria, depois do prazo fixado nos artigos do Codigo Administrativo, são completamente nullas.
Do mesmo modo se tem de julgar e proceder para com os prazos dos accordãos, que teem de sujeitar-se a identicas prescrições legaes.
D'aqui resultou haver na Covilhã duas vereações em pleito, pretendendo ambas exercer o seu mandato, porque ambas teem sentenças a seu favor.
Sr. Presidente: pelo que deixo dito, a primeira eleição é nulla e completamente nulla.
A terceira eleição é absolutamente valida, visto que da sentença da auditoria se não recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo. Demais, a vereação municipal referente a esta terceira eleição tomou já posse e está exercendo o seu mandato na Covilhã para todos os effeitos. E o direito de posse, sem appellação para o Supremo Tribunal, dá muita força e confere muitos direitos.
É esta a minha opinião.
Devo dizer ainda, Sr. Presidente, que este é um assumpto sobre o qual consultei advogados, que foram de parecer favoravel ao meu pensar, apesar de não me assistir auctoridade em materia juridica.
Todavia cumpre-me accrescentar que eu não sou um revolucionario, mas sim um inteiro respeitador da lei. Acatarei a sentença que fôr dada sobre este caso novo, este pleito entre duas Camaras, que ambas se julgam com direito a gerir os negocios do Municipio da Covilhã.
Não sei quaes sejam os tramites que o Sr. Presidente do Conselho tenha seguido ou haja de adoptar sobre este tão melindroso assumpto.
Uma das Camaras julga-se com direito a tomar posse da vereação, outra já está de posse e considera-se igualmente com direito a esse logar. É esta, a ultima vereação eleita, e quanto a mim a unica valida, é ella que está exercendo as funcções da gerencia municipal.
Na semana passada apresentou-se a primeira vereação a tomar posse, que não lhe foi dada, com os fundamentos de que o pleito ia ser apresentado ao Governo, e teria de ser julgado pelo tribunal superior.
Fica tudo tranquillo na Covilhã, como era dever, esperando qualquer decisão por parte de quem tivesse de resolver essa questão.
Dão-se os acontecimentos do Porto, no sabbado. No dia seguinte começa na Covilhã a fomentar-se uma agi tacão com o fundamento do incidente camarario.
Aqui tem V. Exa., o motivo por que teimo em tratar d'este assumpto, que se pretendia relacionar com o movimento do Porto.
Começa a, affectar-se a questão ainda mais, e no domingo — deixe-me V. Exa. servir d'esta expressão — fervilhavam os telegrammas em cifra para a Covilhã, pretendendo insinuar que convinha estabelecer uma certa concomittancia entre estes factos e os acontecimentos do Porto.
Isto é que é gravissimo, quando nós precisamos de socego para tratar dos negocios do paiz, até agora tão descurados.
É assim que procedem os regeneradores da Covilhã.
Eu faço um grande sacrificio em vir aqui cumprir com o meu dever, sacrificio incomparavelmente maior que o d'aquelles Dignos Pares que residem na capital.
Como acceitei este mandato, tenho de cumprir com a minha obrigação, muito embora causando prejuizo da minha saude e negocios e por vezes com incommodo tambem para minha familia.
E por isso desejo e reclamo que se cumpra a lei fundamental da nossa Constituição, a qual marca o tempo de tres meses, para funccionarem as Camaras dos Deputados e Dignos Pares do Reino, como periodo sufficiente á discussão dos negocios do paiz, durante um anno.
Só em caso de força maior é que a Constituição permitte que seja esse periodo alongado.
Parece-me que já disse por vezes n'esta casa que sou respeitador da ordem, da sociedade e da lei e como tal é que aqui estou advogando as causas justas.
Mas, Sr. Presidente, eu vou fugindo do assumpto, que pretendo expor ás Camaras.
Pelos jornaes que tenho aqui, O Seculo e o Diario de Noticias, que são insuspeitos, sei que no domingo á noite houve na Covilhã uma reunião de alguns industriaes regeneradores — os quaes resolveram fechar nove fabricas das mais importantes.
Sr. Presidente: V. Exa. comprehende que o encerramento de nove fabricas é uma cousa importantissima n'um centro como o da Covilhã, que possue mais de trinta estabelecimentos fabris.
Afigurava-se facil alliciar uns ou outros industriaes para ver se na segunda feira havia qualquer manifestação, tomando-se como pretexto a questão da Camara Municipal da Covilhã, para depois se relacionar esse movimento com os acontecimentos do Porto.
O que fez o operariado?
Na segunda feira, pela manhã, os operarios que não sabiam ainda nada, dirigindo-se para o seu trabalho, encontraram as fabricas encerradas.
Immediatamente reuniram nas associações de classe, a fim de accordarem no que deviam fazer.
O procedimento do operariado foi de uma correcção extraordinaria é talvez até então nunca vista em materia de reivindicações.
Para este caso, chamo a attenção do Digno Par e meu illustre amigo o Sr. Dantas Baracho, que tão solicito está sempre ao lado d'aquelles que necessitam de protecção e de justiça.
Os operarios publicaram um manifesto, e é para notar que, tendo-se reunido na segunda feira, de manhã, logo pelas 11 horas do dia esse documento era profusamente distribuido na Covilhã. Vou fazer a leitura d'esse documento, pedindo ao mesmo tempo a V. Exa. que o mande inserir nos annaes das nossas sessões.
Este manifesto diz o seguinte:
«Manifesto ao povo trabalhador.— As associações de classe operarias d'esta cidade protestam energicamente contra os industriaes que encerram hoje propositadamente as suas fabricas com o fim de os operarios irem junto dos Paços do Concelho fazer dis-