O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.° 40 DE 10 DE DEZEMBRO DE 1906 499

te, e hoje pela minha responsabilidade de estar á frente d'um grupo politico composto de homens honestos e energicos era incapaz de semelhante processo.

Mas eu não me defendo. Para os que querem aggravar-me e injuriar-me com essas accusações, eu, mesquinho orador e acanhado homem politico, bato a phrase do grande Guizot, em pleno Parlamento da França: «Por mais alto que subam as injurias contra mim, ellas nunca chegam á altura do meu desprezo».

Mas, Sr. Presidente, que tristeza me faz, e como é um signal de decadencia politica, esta accusação de obstruccionismo!

Que abysmo entre os grandes homens publicos estrangeiros e os nossos homens publicos!

Corta o coração.

Não quero mostrar como na Italia, na Belgica, na Inglaterra, os Governos viveram sempre com os Parlamentos através dos mais ásperos e duros obstruccionismos.

Quero só lembrar a phrase tão nobre, tão bella, de Gladstone quando em 1882 se queria praticar um golpe na camara dos Deputados, por motivo de violentissimo obstruccionismo:

«Eu vejo—disse elle — paralysada a Camara dos Communs, como esses nobres animaes a que se deitam laços para prender a liberdade dos seus movimentos!

Mas eu espero que esta Camara continue a apreciar, digo mais, a adorar a liberdade de palavra, e que, por amor d'essa mesma liberdade, consinta a outra liberdade especial que é a sua caricatura e falsificação!»

Bellas e nobres palavras, que apresento ao Sr. Presidente do Conselho, grande adorador de, Gladstone.

São proprias do seu alto cerebro e grande coração liberal.

No nosso paiz, tambem nunca os chefes de Governo se lamentaram femininamente por motivo de obstruccionismo parlamentar ou deixaram de governar altivamente por causa d'elle.

Não quero, porque é justiça — e não por se alterarem as nossas situações politicas, nem por um sentimento de lisonja incapaz de afflorar aos meus labios e ao meu coração — excluir d'esse numero o illustre chefe progressista, alliado do Sr. Presidente do Conselho.

Lembra-se o Sr. João Franco d'esse obstruccionismo, inçado de aggravos pessoaes, pejado de discursos de seis e sete dias sobre incidentes, estrondeado de tumultos inegualaveis em que S. Exa. foi protagonista violento e primacial ?

Quando é que o chefe progressista recorreu a lamentações ?

Quando foi que recorreu á alteração do regimento, aliás muito justificada para atalhar obstruccionismos ?

Viveu, e no periodo de 4 annos, de 1896 a 1900, governou como nunca.

Eis a verdade.

Hoje. .. é o que se vê!

E essas palavras de magua e censura do Sr. Presidente do Conselho são tomadas como ameaça e assim applaudidas pelo bando, cada vez mais crescentes d'aquelles que, renegados dos principios liberaes, invadem a scena politica portugueza.

Não serei eu, até pelos meus affectos pessoaes, quem faça esse aggravo ao Sr. João Franco.

Ameaça? Podem chamar-lhe assim alguns governamentaes.

Mas essa ameaça, se a houvesse, seria um acto de descortesia a acção de um fallido vulgar das ideias liberaes; um felonia pessoal, pelas asserções aqui feitas; uma demonstração de inferioridade mental e parlamentar; uma prova de incapacidade de homem publico — e um grave compromisso para a Corôa, que teria exclusivamente, todas as responsabilidades n'esse acto de rancor e de expoliação.

Por mim e pelos meus amigos, affirmo que se tivéssemos o poder, se estivessemos nas condições parlamentares do Sr. Presidente do Conselho, nem ao Parlamento nem á Corôa fariamos a menor recriminação ou solicitação. Sabemos como, dentro da lei, viveriamos leal e constitucionalmente com ambas as casas do Parlamento.

Cumprido um acto de justiça na defesa d'esta Camara, passo á questão do Porto.

Falarei com toda a serenidade, bem que devesse perdoar-se-me qualquer vehemencia, pela natureza do attentado commettido n'essa bella terra do Porto, a que me prendem os meus affectos de filho do norte, ás recordações da mocidade que fugiu. O Sr. Presidente do Conselho falou aqui com absoluto desconhecimento do que seja a alma d'essa cidade, tão apaixonada de ideias de independencia e de liberdade, tão afervorada no amor sagrado do trabalho, tão obstinada nos designios da sua vontade indomavel.

O Porto não é hoje o velho burgo de outrora, apertado entre denegridos muros, o escano apinhado de casarias, por cujas ruas, empinadas e estreitas, se encurralava a mó do povo, tumultuando contra o bispo que trocara o baculo
amoravel de pastor de almas pelo latego cruel de cúpido e ambicioso dominador.

O Porto estalou a cintura das velhas muralhas, dilatou-se pela beira do seu Douro e pelas collinas circumjacentes aos seus muros: ficou-lhe, porem, a sua alma nobre e rude de plebeu, policiada pelo influxo da civilisação, mas com um
fundo energico e indomito como o Douro que corre a seus pés, e que, em horas de tempestade, transmonta e referve com incontrastavel dominio.

E é por isso que elle se maguou profundamente com um facto que representa um acto de impudencia e provocação, ferretado de laivos de sangue, por um regresso, peorado, á pratica de processos que o Sr. Presidente do Conselho tanto exprobrara.

Não são estas palavras de um politico ardiloso e falando ás paixões. Saem da minha alma. Não quero explorar a nota partidaria. Por isso, passo correndo sobre o facto estranho de o Sr. Presidente do Conselho se vangloriar de uma representação assignada por 1:800 pessoas e de, breves dias após, n'essa cidade, se fazer, a adversarios da monarchia, a maior, a mais assombrosa demonstração que ali se tem feito, confessada pelos orgãos conservadores da capital do norte. Bella força politica, não ha duvida, bella popularidade a do Governo n'aquella grande cidade!

Não quero tambem pôr em relevo que o Sr. Presidente do Conselho achou uma gloria, um alto feito, a recepção que teve no Porto, celebrada pelos seus amigos das povoações do norte, os enthusiasmos da gare, a multidão dos partidarios na rua, achou que tudo isto era nobre e liberal — e acha um crime que o mesmo se faça aos seus adversarios politicos! Porque ha esta diversidade de apreciações e de processos ? Porque são applaudidas as manifestações feitas ao Sr. Presidente do Conselho e porque se usa de repressão e sangue contra os que recebem festivamente os inimigos do Governo?

Quaes os factos? Os mesmos acontecimentos de 4 de maio: o mesmo processo do Sr. Hintze Ribeiro; o mesmo systema de defesa. O mesmo, não. Peor! A 4 de maio, chega um illustre chefe republicano a Lisboa: a policia trata com pranchadas e violencias a multidão que o applaude. Agora chegam ao Porto dois republicanos: não é só a policia, é a força armada que corre, não somente a pranchadas, mas a tiro, a multidão que os sauda. O attentado de 4 de maio — tão verberado pelo Sr. Presidente do Conselho nos seus jornaes, e aqui mesmo, depois que S. Exa. é Ministro, ha ainda breves dias — foi defendido pelo Sr. Hintze Ribeiro, com o pretexto de que .houvera gritos subversivos e resistencias á policia. Hoje, para defender o attentado de 1 de dezembro, o Sr. João Franco invoca os mesmos gritos, a mesma resistencia por parte dos populares!

Não é isto tudo um doloroso e repugnante espectaculo ?

O Sr. Hintze Ribeiro disse, porem, aqui n'esta Camara, com toda a ener-