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500 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gia, que não dera ordem para açu tilar o povo: o Sr. João Franco já se congratulou com o Sr. governador civil do Porto — e até disse ter-lhe agrade cido! — por haver cumprido as suas de terminações, isto é, por haver commettido as violencias que praticou.

O Sr. Hintze Ribeiro ordenou uma syndicancia, que o Sr. Presidente do Conselho achou uma vergonha e uma miseria, como reparação á cidade de Lisboa: agora o Sr. João Franco recusa essa syndicancia, e declara que tem a maior confiança no seu governador civil, e entende que o Porto não tem jus á reparação que, outrora, para Lisboa exigira!

Passou, ou não, um vento de loucura nas regiões do poder?

Quando aqui se discutiram os acontecimentos de 4 de maio, eu entendi que a syndicancia ordenada pelo Sr. Hintze Ribeiro não bastava. Era suspeita, por a fazerem as autoridades compromettidas. Entendi que essa syndicancia não podia fazer-se, para ser um acto serio e nobre, sem a suspensão de funcções d'essas autoridades. Dis-se-o aqui.

A logica e a probidade politica mandam-lhe repetir hoje as mesmas affirmações, tanto mais quanto ha flagrantes contradições entre a affirmativa do Sr. governador civil e os factos. O Sr. governador civil diz que houve um só popular ferido, que os soldados, depois de provocados, atiraram para o ar, tendo feito os toques de prevenção: a realidade é que apparecem uns poucos de feridos das balas da municipal — e só podiam ser feridos com tiros para o ar, se andassem voando — e affirmam pessoas de toda a respeitabilidade que os toques legaes não foram feitos. A verdade é que os factos revestem um caracter de armadilha proposital ou de inepcia sem nome.

Diz o Sr. governador civil que, na gare, consentia todas as manifestações, vendo-se que eram permittidos gritos, canticos, subversivos ou não, legaes ou illegaes, moderados ou revolucionarios.

E logo a brevissimos metros de distancia, a poucos passos andados, ao sair da gare, sem se fazer a menor prevenção, essa gente toda encontrava esquadrões de cavallaria de espada desembainhada, e eram prohibidas as manifestações, e a tropa cercava os carros dos Deputados, e começava um regimen de violencia e repressão! Pois alguem sensato podia imaginar que semelhante loucura, armadilha ou inépcia, não pudesse ter funestos resultados ?

O Sr. governador civil do Porto não está á altura da sua missão e o Governo deu-lhe instrucções que são o abandono de todas as suas affirmações liberaes.

O Sr. Presidente: — Peço desculpa de interromper o Digno Par, para lhe dizer que chegou a hora de se passa á ordem do dia.

Vozes: — Fale, fale.

O Orador: — Eu prometto a V. Exa. que só falarei mais 5 minutos.

O Sr. Presidente: — O meu dever consultar a Camara. Os Dignos Pare que consentem que o Sr. Alpoim continue no uso da palavra, tenham bondade de se levantar.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Orador: — O Sr. governador civil do Porto dizem ser um homem probo e de profunda capacidade scientifica. Mas padece da doença de escrever: julgo que essa enfermidade se chama graphomania. O seu relatorio demonstra um espirito insubsistente: a sua carta aberta ao Sr. Antonio José de Almeida abre como que uma apotheose á democracia e fecha por uma desvairada ameaça á russa! O seu relatorio inicia-se por uma phrase desdenhosa para as camadas baixas, que assim chama aos manifestantes, com sobranceiro desdem. Estaremos nós acaso no regimen absoluto?

Entre nós, em documentos officiaes antigos, denominava-se o povo a arraia meuda, em França chamava-se-lhe a canalha, e era com esse titulo que sobre ella se mandava fazer fogo. Parece que vivemos no passado, esquecendo-se que nas democracias, ou republicas ou monarchias, não ha perante os abusos da força nem altas nem baixas camadas: ha só cidadãos, ha filhos do povo, que todos nós somos!

O relalorio começa por esta phrase infeliz e fecha pela phrase, comica num documento official, da referencia a um filho, Simão de nome, se bem me recordo.

A carta aberta inicia-se por uma saudação á patria radiosa e livre e encerra-se pelas palavras de que, custe o que custar, soffra quem soffrer, proseguirá no caminho traçado, havendo n'estas expressões um tem de soberba ameaça, impropria d'um representante do Governo.

Ouve-se n'ellas um tilintar de espadas, um som de patas de cavallos, e um estampido de tiros.

E cita-se o nome da grande Republica Franceza!

E diz aquella auctoridade que tem o exemplo da França! É revoltante.

No mesmo dia —julgo que sim, no mesmo dia em que succediam os acontecimentos do Porto — Clemenceau assistia a uma festa na perfeitura da policia de Paris.

Ali, com a sua eloquencia de tão alta envergadura e de tão doce bonhomia, elle proclamava-se, como Ministro do Interior, o primeiro policia da França.

Dizia-lhes, aos policias, que outrora a sociedade repousava sobre o direito do mais forte e que a policia era o instrumento do arbitrario: hoje, a sociedade, mercê de muitas revoluções, repousa sobre uma nova ordem de coisas: a policia serve o direito e isso enobrece a sua missão.

Proclamava-lhes que a paciencia, a tolerancia, o soffrimento são as grandes qualidades do seu mister.

Dizia-lhes, sorrindo, que, até por amor d'elle, procedessem dentro só dos seus direitos, porque era a elle que o Parlamento pediria conta dos seus erros, por meio das interpellações parlamentares.

Fazia a apologia d'essas interpellações e dizia estas nobres palavras:

«Não pode haver senão duas formas de Governo: Governo de um só — Governo de capricho — ou o Governo do paiz pelos seus representantes : e o dever dos representantes do paiz é fiscalisar a applicação que se faz da lei e é isso que permittiu introduzir a lei no direito».

Eloquentes e bellas palavras!

O grande Ministro da França exalta o direito de interpellação parlamentar; aqui, o Sr. Presidente do Conselho, a uma questão que prende com a vida e liberdade dos cidadãos, chama-lhe mera e esteril questão politica — e diz, textualmente, que não pode perder tempo com ella.

E conserva no Porto uma auctoridade que, appellando para a França, ignora as transformações, no regimen policial, da poderosa Republica!

Urge suspender, durante uma syndicancia rigorosa e immediata, a auctoridade civil do Porto e mandar fazer rigoroso exame sobre o procedimento da força armada.

O Sr. governador civil do Porto tem, no seu passado, lição contraria aos actos de hoje.

Elle insurgiu-se contra a brutalidade, inferior á de agora, praticada com o grande poeta Guerra Junqueiro.

Elle assistiu a comicios de onde requereu a expulsão da força armada e da policia, protestando exactamente contra aquillo mesmo que faz agora.

Elle teve nos seus labios phrases ardentes, demolidoras, citadas agora nos jornaes republicanos, phrases que hoje ião deixa pronunciar.

Para uma politica de repressão, não pode haver mais desauctorizado e perigoso agente!

E o Sr. Presidente do Conselho en-