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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 40

EM 10 DE DEZEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios—os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — O Digno Par Sr. Alpoim occupa-se dos acontecimentos occorridos na cidade do Porto em a noite de 1 do corrente. — O Sr. Presidente do Conselho inscreve-se para responder a S. Exa. na sessão seguinte.

Ordem do dia: Projecto de lei ratificando o acto diplomatico assignado em Washington aos 19 de novembro de 1902 (parecer n.° 10). Usam da palavra o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, o Digno Par Sr. Sebastião Baracho e o Digno Par Sr. João Arroyo.— É approvado o projecto e levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 45 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Mensagem da Presidencia da camara dos Senhores Deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim criar o posto de segundo capitão na arma de artilharia.

A's commissões de guerra e fazenda.

Officio do Ministerio da Guerra satisfazendo um requerimento do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro.

O Sr. José de Alpoim: — Agradeço ao Sr. Presidente do Conselho o ter comparecido hoje n'esta Casa do Parlamento, de onde parece comprazer-se em viver arredado.

E, com os meus agradecimentos, dirijo-lhe um pedido. E que, se houver de responder-me, o faça com a calma e serenidade indispensaveis em quem quer fazer vingar ideias e mandar homens.

O Sr. João Franco anda tão arrepellado de nervos, tão desgrenhado no dizer, tão áspero no trato parlamentar, que eu não falo sem sobresalto de animo e aperto de coração, com receio de que as nossas relações pessoaes, tão affectuosas e cordiaes, arrefeçam e se deslacem por qualquer conflicto de palavra, quando o meu desejo é que se aferventem e estreitem.

Lembro ao Sr. Presidente do Conselho as palavras de alguem, cuja memoria sei que tem no seu coração culto enternecido.

Refiro-me a Fontes Pereira de Mello.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Apoiado.

O Orador: — Quando o grande estadista soffria algum ataque mais vehemente, erguia-se por vezes tendo nos seus labios esta phrase: «A força representavam-n'a os antigos como uma mulher de braços cruzados sobre o peito». E, obedecendo a esta phrase, os seus discursos, que tantas vezes prostravam o adversario, eram sempre de uma calma e nobreza proprias da dignidade do seu cargo e da majestade do Parlamento.

Por minha parte falarei com moderação e cordura. Vou occupar-me da questão do Porto, assumpto accentuadamente politico. Reclamo desde já do Sr. Presidente do Conselho que não me repita em resposta, como o fez ao Sr. Arroyo, as phrases claras de accusação contra a Camara dos Pares, attribuindo-lhe o haver sacrificado a discussão de propostas de lei de interesse publico a questões meramente e esterilmente politicas. Taes palavras são uma flagrante injustiça, uma inexactidão profunda. Digo-o friamente, mas energicamente. Faço mais: appello para a honestidade pessoal do Sr. João Franco e sei que não appello em vão.

Vou expor os factos, apresentar os documentos, enumerar as datas para mostrar o que n'essas phrases ha de gravemente suspeito. Se commetter um erro, recommendo que me corrijam logo, immediatamente, o Sr. Presidente do Conselho ou o Sr. Presidente da Camara, tão meu amigo pessoal, mas sempre n'esta Casa tão duro para commigo!

Não solicito, nem acceito contemplações nos reparos que me façam: quero a verdade de parte a parte; exijo a lealdade absoluta: o meu desejo seria poder expor a justiça da minha causa com expressões algébricas, phrases rectilineas, frias e despolidas como um seixo, mas frias tambem e cortantes como uma lamina de aço.

A Camara dos Pares criou algumas difficuldades aos projectos de lei vindos da outra Camara? Ha dois mezes, como disse o Sr. Presidente do Conselho, só ha tres projectos de lei votados. Por culpa da camara dos Pares ? Não é verdade. Clamo-o ao paiz inteiro. E vou prová-lo.

No dia 1 de outubro abriu a Camara dos Pares. Do dia 1 até o dia 15 houve quatro sessões. Apesar de todas as vivas instancias do Sr. Teixeira de Sousa e de outras instancias que constam dos Summarios o Sr. Presidente da Camara recusou-se a dar mais sessões,

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entendendo o Sr. João Franco que não eram precisas por não haver ainda trabalhos concluidos na outra Casa do Parlamento. O Sr. Hintze Ribeiro, logo na quarta sessão d'esta Camara, reclamou que se procedesse á discussão da resposta ao Discurso da Corôa. O Sr. João Franco disse que havia estado á espera do Sr. Beirão, relator, o que não explicava a demora na apresentação do parecer. A Camara acceitou esta explicação! Eu proprio concordei por attenção e respeito áquelle parlamentar.

Mas a verdade é que desde o dia 1 até o dia 15 houve só quatro sessões — contra a vontade expressa pela opposição — por instrucções do Governo, não começando o debate sobre a resposta ao Discurso da Corôa, nem se tratando questões politicas, cuja discussão immediata podia aligeirar a futura discussão sobre áquelle assumpto.

No dia 15 de outubro foram enviadas á Camara dos Pares, pela Presidencia da Camara dos Senhores Deputados, as proposições de lei sobre os tabacos e sobre o inquerito acêrca do vinho generoso existente no paiz. Estes dois projectos importantes foram votados em sete sessões. A Camara dos Pares não podia fazer mais e melhor. Não se perdeu um dia!

De 1 de novembro a 5 do mesmo mez não houve sessões; n'este dia, commemorou-se apenas a morte do Par do Reino Sr. Bruges; só no dia 6 começou a discussão da resposta ao Discurso da Corôa — que podia haver, se não fora a culpa do Governo, começado em outubro.

No dia 10, o Sr. Baracho, ao iniciar o seu notavel discurso, perguntou ao Sr. Presidente da Camara quaes os projectos de lei que havia para discutir. «Nenhuns. Somente o que está em discussão». Note bem a Camara. Nenhuns! Nem podia haver. Só no dia 7 de novembro é que entravam na Camara as propostas de lei approvando, para serem ratificadas, as convenções com varios paizes.

Os pareceres d'essas commissões teem a data de 12 de novembro. Admittindo que no mesmo dia fossem enviados para a mesa, e logo no dia immediato estivessem impressos, e admittindo ainda — tudo feito a correr — que n'esse mesmo dia fossem distribuidos, só no dia 16 de novembro é que podia começar a sua discussão, visto o regimento e os usos da Camara ordenarem que só tres dias depois da distribuição dos pareceres sejam postos em ordem do dia. Houvesse o que houvesse, antes do dia 16 de novembro a Camara dos Pares não podia fazer nada, por falta de elementos, por falta de projectos de lei — não podia fazer mais do que fez! E quer saber a Camara ; quantas sessões mediaram entre a do dia 16 de novembro e aquella em que terminou o debate sobre a resposta ao Discurso da Corôa ? Apenas nove!

Mas as convenções commerciaes, cujo debate é sempre muito rapido, não são o que o Governo chama a sua obra importante. Foram os seus antecessores que as celebraram. A obra do Governo, e por elle tão apregoada, é o projecto do Supremo Conselho de Defesa, Nacional, de Contabilidade Publica, de aumento de soldos aos officiaes do exercito e da armada.

Sabe a Camara quando as commissões parlamentares, com maioria do Governo, deram parecer? No dia 23, no dia 28, e no dia 30 de novembro.

O projecto dos soldos deu entrada, vindo da Camara dos Senhores Deputados, no dia 4 d'este mez. Julgo que ainda não tem sequer parecer. Por muito depressa que se andasse, precipitando o mais possivel as praxes regimentaes, não podiam começar as discussões dos primeiros projectos antes do dia 26 de novembro, 1 e 3 de dezembro.

Pois — ouça o bem a Camara! no dia 4 já estava acabada a resposta ao Discurso da Corôa. É repugnante, portanto, o dizer-se, como se escreveu na imprensa, que por culpa de alguns Pares do Reino os projectos militares ainda não foram discutidos.

O intuito é malquistar alguns homens publicos com a classe militar, illudindo-a fementidamente. Os projectos relativos ao exercito só entraram na Camara dos Pares, vindos da dos Deputados, no meado e fins de novembro. Só podiam começar a ser discutidos nos dias indicados.

Onde está o obstruccioniamo? Em que soffreram, por culpa de alguns Pares, os projectos de lei governamentaes? Falsidade, erro! Quem invoca o obstruccionismo para explicar a demora na discussão d´aquelles tres projectos, ou não é pessoa de caracter leal e nobre, ou desconhece absolutamente os factos. Digo-o alto e bom som, por amor da verdade que deve ser brasão dos homens publicos, sobretudo n'este tempo de cobardia moral, de pusillanimidade parlamentar.

Onde está, pois, o obstruccionismo?

Em que é que se manifesta? Quaes os projectos do Governo que foram entorpecidos?

Aquelles que são seus, e de que se orgulha, não soffreram a mais pequena demora. E que a houvesse ?! A discussão da resposta ao Discurso da Corôa, em que tinham de falar os chefes de partido e de agrupamento e os independentes, debate em que se versava a vida passada do Governo e as suas medidas de caracter politico, como podia deixar de ser larga?

O Sr. Presidente do Conselho trouxe ao Parlamento, no tempo d'essa discussão, o incidente das cartas regias e o dos adeantamentos illegaes, que, desgraçadamente para a Corôa e para o paiz, ainda se não acha liquidado.

Pois bem: um liquidou-se n'uma sessão. Do outro, ainda em pé, tratou-se ainda em menor prazo de tempo.

Accusar a Camara dos Pares, accusar alguns homens publicos de criar embaraços á acção do Governo — no que aliás estavam no seu direito, e cumpriam um dever, se julgassem que o não fazê-lo seria prejudicial á vida nacional — é uma inexactidão flagrante.

E esta Camara não pode ficar sob a impressão de palavras injustas, que a ferem na sua dignidade.

Sr. Presidente: atrevo-me a formular uma proposta ou uma pergunta ao Sr. Presidente do Conselho. O seu discurso na Camara dos Deputados, decerto muito notavel porque mereceu a honra da affixação, que nunca foi concedida aos divinos mestres da eloquencia parlamentar e aos grandes estadistas do passado, taes como José Estevam e Garrett, taes como Costa Cabral e Fontes, contem accusações que incidem sobre esta Casa do Parlamento.

Ellas somem-se, ellas desapparecem perante este meu discurso, pelo menos abundante de factos, de datas e de argumentos positivos e comprovativos.

Entendo que o paiz deve saber que a Camara dos Pares não atraiçoou, por culpa de membros seus, a sua alta e nobre missão. Lembro, pois, ao Sr. Presidente do Conselho que, por um sentimento de lealdade e por um principio austero de justiça, esta parte do meu discurso deve ser affixada junto do seu, á porta das mesmas egrejas, á porta das mesmas escolas, lado a lado.

Concorda o Sr. Presidente do Conselho? Ah! Por certo que sim! E acto de probidade politica. E não julgue que me impelle a vaidade. Póde mandar riscar o meu nome. Não quer que o meu nome fique? Basta a doutrina, a resposta, a par das accusações. Por mim, não tenho orgulho, nem vaidade.

Nem sequer procuro defender-me da vesga insinuação, que já senti esvoaçar por ahi, de ser eu um dos elementos obstruccionistas d'esta Camara. Eu ? Recuso defender-me. Podia dizer que esse processo repugna aos meus sentimentos estheticos, por fastidioso e monotono ; que briga com a minha táctica opposicionista, a'qual é de fazer successivos ataques e em successivos campos. Podia dizer que, ainda que quizesse, «não sabia fazê-lo». Podia dizer que não pronunciei nunca, em toda a minha vida parlamentar, um discurso longo. Podia dizer que pelo meu feitio, pela minha feição especial de combaten-

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te, e hoje pela minha responsabilidade de estar á frente d'um grupo politico composto de homens honestos e energicos era incapaz de semelhante processo.

Mas eu não me defendo. Para os que querem aggravar-me e injuriar-me com essas accusações, eu, mesquinho orador e acanhado homem politico, bato a phrase do grande Guizot, em pleno Parlamento da França: «Por mais alto que subam as injurias contra mim, ellas nunca chegam á altura do meu desprezo».

Mas, Sr. Presidente, que tristeza me faz, e como é um signal de decadencia politica, esta accusação de obstruccionismo!

Que abysmo entre os grandes homens publicos estrangeiros e os nossos homens publicos!

Corta o coração.

Não quero mostrar como na Italia, na Belgica, na Inglaterra, os Governos viveram sempre com os Parlamentos através dos mais ásperos e duros obstruccionismos.

Quero só lembrar a phrase tão nobre, tão bella, de Gladstone quando em 1882 se queria praticar um golpe na camara dos Deputados, por motivo de violentissimo obstruccionismo:

«Eu vejo—disse elle — paralysada a Camara dos Communs, como esses nobres animaes a que se deitam laços para prender a liberdade dos seus movimentos!

Mas eu espero que esta Camara continue a apreciar, digo mais, a adorar a liberdade de palavra, e que, por amor d'essa mesma liberdade, consinta a outra liberdade especial que é a sua caricatura e falsificação!»

Bellas e nobres palavras, que apresento ao Sr. Presidente do Conselho, grande adorador de, Gladstone.

São proprias do seu alto cerebro e grande coração liberal.

No nosso paiz, tambem nunca os chefes de Governo se lamentaram femininamente por motivo de obstruccionismo parlamentar ou deixaram de governar altivamente por causa d'elle.

Não quero, porque é justiça — e não por se alterarem as nossas situações politicas, nem por um sentimento de lisonja incapaz de afflorar aos meus labios e ao meu coração — excluir d'esse numero o illustre chefe progressista, alliado do Sr. Presidente do Conselho.

Lembra-se o Sr. João Franco d'esse obstruccionismo, inçado de aggravos pessoaes, pejado de discursos de seis e sete dias sobre incidentes, estrondeado de tumultos inegualaveis em que S. Exa. foi protagonista violento e primacial ?

Quando é que o chefe progressista recorreu a lamentações ?

Quando foi que recorreu á alteração do regimento, aliás muito justificada para atalhar obstruccionismos ?

Viveu, e no periodo de 4 annos, de 1896 a 1900, governou como nunca.

Eis a verdade.

Hoje. .. é o que se vê!

E essas palavras de magua e censura do Sr. Presidente do Conselho são tomadas como ameaça e assim applaudidas pelo bando, cada vez mais crescentes d'aquelles que, renegados dos principios liberaes, invadem a scena politica portugueza.

Não serei eu, até pelos meus affectos pessoaes, quem faça esse aggravo ao Sr. João Franco.

Ameaça? Podem chamar-lhe assim alguns governamentaes.

Mas essa ameaça, se a houvesse, seria um acto de descortesia a acção de um fallido vulgar das ideias liberaes; um felonia pessoal, pelas asserções aqui feitas; uma demonstração de inferioridade mental e parlamentar; uma prova de incapacidade de homem publico — e um grave compromisso para a Corôa, que teria exclusivamente, todas as responsabilidades n'esse acto de rancor e de expoliação.

Por mim e pelos meus amigos, affirmo que se tivéssemos o poder, se estivessemos nas condições parlamentares do Sr. Presidente do Conselho, nem ao Parlamento nem á Corôa fariamos a menor recriminação ou solicitação. Sabemos como, dentro da lei, viveriamos leal e constitucionalmente com ambas as casas do Parlamento.

Cumprido um acto de justiça na defesa d'esta Camara, passo á questão do Porto.

Falarei com toda a serenidade, bem que devesse perdoar-se-me qualquer vehemencia, pela natureza do attentado commettido n'essa bella terra do Porto, a que me prendem os meus affectos de filho do norte, ás recordações da mocidade que fugiu. O Sr. Presidente do Conselho falou aqui com absoluto desconhecimento do que seja a alma d'essa cidade, tão apaixonada de ideias de independencia e de liberdade, tão afervorada no amor sagrado do trabalho, tão obstinada nos designios da sua vontade indomavel.

O Porto não é hoje o velho burgo de outrora, apertado entre denegridos muros, o escano apinhado de casarias, por cujas ruas, empinadas e estreitas, se encurralava a mó do povo, tumultuando contra o bispo que trocara o baculo
amoravel de pastor de almas pelo latego cruel de cúpido e ambicioso dominador.

O Porto estalou a cintura das velhas muralhas, dilatou-se pela beira do seu Douro e pelas collinas circumjacentes aos seus muros: ficou-lhe, porem, a sua alma nobre e rude de plebeu, policiada pelo influxo da civilisação, mas com um
fundo energico e indomito como o Douro que corre a seus pés, e que, em horas de tempestade, transmonta e referve com incontrastavel dominio.

E é por isso que elle se maguou profundamente com um facto que representa um acto de impudencia e provocação, ferretado de laivos de sangue, por um regresso, peorado, á pratica de processos que o Sr. Presidente do Conselho tanto exprobrara.

Não são estas palavras de um politico ardiloso e falando ás paixões. Saem da minha alma. Não quero explorar a nota partidaria. Por isso, passo correndo sobre o facto estranho de o Sr. Presidente do Conselho se vangloriar de uma representação assignada por 1:800 pessoas e de, breves dias após, n'essa cidade, se fazer, a adversarios da monarchia, a maior, a mais assombrosa demonstração que ali se tem feito, confessada pelos orgãos conservadores da capital do norte. Bella força politica, não ha duvida, bella popularidade a do Governo n'aquella grande cidade!

Não quero tambem pôr em relevo que o Sr. Presidente do Conselho achou uma gloria, um alto feito, a recepção que teve no Porto, celebrada pelos seus amigos das povoações do norte, os enthusiasmos da gare, a multidão dos partidarios na rua, achou que tudo isto era nobre e liberal — e acha um crime que o mesmo se faça aos seus adversarios politicos! Porque ha esta diversidade de apreciações e de processos ? Porque são applaudidas as manifestações feitas ao Sr. Presidente do Conselho e porque se usa de repressão e sangue contra os que recebem festivamente os inimigos do Governo?

Quaes os factos? Os mesmos acontecimentos de 4 de maio: o mesmo processo do Sr. Hintze Ribeiro; o mesmo systema de defesa. O mesmo, não. Peor! A 4 de maio, chega um illustre chefe republicano a Lisboa: a policia trata com pranchadas e violencias a multidão que o applaude. Agora chegam ao Porto dois republicanos: não é só a policia, é a força armada que corre, não somente a pranchadas, mas a tiro, a multidão que os sauda. O attentado de 4 de maio — tão verberado pelo Sr. Presidente do Conselho nos seus jornaes, e aqui mesmo, depois que S. Exa. é Ministro, ha ainda breves dias — foi defendido pelo Sr. Hintze Ribeiro, com o pretexto de que .houvera gritos subversivos e resistencias á policia. Hoje, para defender o attentado de 1 de dezembro, o Sr. João Franco invoca os mesmos gritos, a mesma resistencia por parte dos populares!

Não é isto tudo um doloroso e repugnante espectaculo ?

O Sr. Hintze Ribeiro disse, porem, aqui n'esta Camara, com toda a ener-

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gia, que não dera ordem para açu tilar o povo: o Sr. João Franco já se congratulou com o Sr. governador civil do Porto — e até disse ter-lhe agrade cido! — por haver cumprido as suas de terminações, isto é, por haver commettido as violencias que praticou.

O Sr. Hintze Ribeiro ordenou uma syndicancia, que o Sr. Presidente do Conselho achou uma vergonha e uma miseria, como reparação á cidade de Lisboa: agora o Sr. João Franco recusa essa syndicancia, e declara que tem a maior confiança no seu governador civil, e entende que o Porto não tem jus á reparação que, outrora, para Lisboa exigira!

Passou, ou não, um vento de loucura nas regiões do poder?

Quando aqui se discutiram os acontecimentos de 4 de maio, eu entendi que a syndicancia ordenada pelo Sr. Hintze Ribeiro não bastava. Era suspeita, por a fazerem as autoridades compromettidas. Entendi que essa syndicancia não podia fazer-se, para ser um acto serio e nobre, sem a suspensão de funcções d'essas autoridades. Dis-se-o aqui.

A logica e a probidade politica mandam-lhe repetir hoje as mesmas affirmações, tanto mais quanto ha flagrantes contradições entre a affirmativa do Sr. governador civil e os factos. O Sr. governador civil diz que houve um só popular ferido, que os soldados, depois de provocados, atiraram para o ar, tendo feito os toques de prevenção: a realidade é que apparecem uns poucos de feridos das balas da municipal — e só podiam ser feridos com tiros para o ar, se andassem voando — e affirmam pessoas de toda a respeitabilidade que os toques legaes não foram feitos. A verdade é que os factos revestem um caracter de armadilha proposital ou de inepcia sem nome.

Diz o Sr. governador civil que, na gare, consentia todas as manifestações, vendo-se que eram permittidos gritos, canticos, subversivos ou não, legaes ou illegaes, moderados ou revolucionarios.

E logo a brevissimos metros de distancia, a poucos passos andados, ao sair da gare, sem se fazer a menor prevenção, essa gente toda encontrava esquadrões de cavallaria de espada desembainhada, e eram prohibidas as manifestações, e a tropa cercava os carros dos Deputados, e começava um regimen de violencia e repressão! Pois alguem sensato podia imaginar que semelhante loucura, armadilha ou inépcia, não pudesse ter funestos resultados ?

O Sr. governador civil do Porto não está á altura da sua missão e o Governo deu-lhe instrucções que são o abandono de todas as suas affirmações liberaes.

O Sr. Presidente: — Peço desculpa de interromper o Digno Par, para lhe dizer que chegou a hora de se passa á ordem do dia.

Vozes: — Fale, fale.

O Orador: — Eu prometto a V. Exa. que só falarei mais 5 minutos.

O Sr. Presidente: — O meu dever consultar a Camara. Os Dignos Pare que consentem que o Sr. Alpoim continue no uso da palavra, tenham bondade de se levantar.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Orador: — O Sr. governador civil do Porto dizem ser um homem probo e de profunda capacidade scientifica. Mas padece da doença de escrever: julgo que essa enfermidade se chama graphomania. O seu relatorio demonstra um espirito insubsistente: a sua carta aberta ao Sr. Antonio José de Almeida abre como que uma apotheose á democracia e fecha por uma desvairada ameaça á russa! O seu relatorio inicia-se por uma phrase desdenhosa para as camadas baixas, que assim chama aos manifestantes, com sobranceiro desdem. Estaremos nós acaso no regimen absoluto?

Entre nós, em documentos officiaes antigos, denominava-se o povo a arraia meuda, em França chamava-se-lhe a canalha, e era com esse titulo que sobre ella se mandava fazer fogo. Parece que vivemos no passado, esquecendo-se que nas democracias, ou republicas ou monarchias, não ha perante os abusos da força nem altas nem baixas camadas: ha só cidadãos, ha filhos do povo, que todos nós somos!

O relalorio começa por esta phrase infeliz e fecha pela phrase, comica num documento official, da referencia a um filho, Simão de nome, se bem me recordo.

A carta aberta inicia-se por uma saudação á patria radiosa e livre e encerra-se pelas palavras de que, custe o que custar, soffra quem soffrer, proseguirá no caminho traçado, havendo n'estas expressões um tem de soberba ameaça, impropria d'um representante do Governo.

Ouve-se n'ellas um tilintar de espadas, um som de patas de cavallos, e um estampido de tiros.

E cita-se o nome da grande Republica Franceza!

E diz aquella auctoridade que tem o exemplo da França! É revoltante.

No mesmo dia —julgo que sim, no mesmo dia em que succediam os acontecimentos do Porto — Clemenceau assistia a uma festa na perfeitura da policia de Paris.

Ali, com a sua eloquencia de tão alta envergadura e de tão doce bonhomia, elle proclamava-se, como Ministro do Interior, o primeiro policia da França.

Dizia-lhes, aos policias, que outrora a sociedade repousava sobre o direito do mais forte e que a policia era o instrumento do arbitrario: hoje, a sociedade, mercê de muitas revoluções, repousa sobre uma nova ordem de coisas: a policia serve o direito e isso enobrece a sua missão.

Proclamava-lhes que a paciencia, a tolerancia, o soffrimento são as grandes qualidades do seu mister.

Dizia-lhes, sorrindo, que, até por amor d'elle, procedessem dentro só dos seus direitos, porque era a elle que o Parlamento pediria conta dos seus erros, por meio das interpellações parlamentares.

Fazia a apologia d'essas interpellações e dizia estas nobres palavras:

«Não pode haver senão duas formas de Governo: Governo de um só — Governo de capricho — ou o Governo do paiz pelos seus representantes : e o dever dos representantes do paiz é fiscalisar a applicação que se faz da lei e é isso que permittiu introduzir a lei no direito».

Eloquentes e bellas palavras!

O grande Ministro da França exalta o direito de interpellação parlamentar; aqui, o Sr. Presidente do Conselho, a uma questão que prende com a vida e liberdade dos cidadãos, chama-lhe mera e esteril questão politica — e diz, textualmente, que não pode perder tempo com ella.

E conserva no Porto uma auctoridade que, appellando para a França, ignora as transformações, no regimen policial, da poderosa Republica!

Urge suspender, durante uma syndicancia rigorosa e immediata, a auctoridade civil do Porto e mandar fazer rigoroso exame sobre o procedimento da força armada.

O Sr. governador civil do Porto tem, no seu passado, lição contraria aos actos de hoje.

Elle insurgiu-se contra a brutalidade, inferior á de agora, praticada com o grande poeta Guerra Junqueiro.

Elle assistiu a comicios de onde requereu a expulsão da força armada e da policia, protestando exactamente contra aquillo mesmo que faz agora.

Elle teve nos seus labios phrases ardentes, demolidoras, citadas agora nos jornaes republicanos, phrases que hoje ião deixa pronunciar.

Para uma politica de repressão, não pode haver mais desauctorizado e perigoso agente!

E o Sr. Presidente do Conselho en-

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trou, francamente, n'esse caminho de repressão, de perseguição violenta.

Prohibiu as manifestações nas das já foi querelada a imprensa; prepara se uma lei que a amordace; foram expulsos Deputados do Parlamento; temo um outro 4 de maio, com alguem a escabujar no leito da agonia.

Que resta de liberdades promettidas?

O Sr. João Franco dizia nos seus comicios que o Governo dos rotativos fôra sepulcro das liberdades publicas.

Seja assim.

Mas o seu Governo leva caminho de ser sepulcro igual.

E então essas duas covas funebres farão lembrar as duas antigas sepulturas, tendo uma, na pedra tumular, a palavra sombra! respondendo-lhe a outra, proximo, pela palavra nada!

E é esta palavra que — tudo o indica!— se entalhará na lapide funeraria do actual Governo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Peço a palavra;

O Sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia.

O Sr João Arroyo: — O Sr. Presidente do Conselho pediu a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Eu falo amanhã antes da ordem do dia.

Já estou inscripto.

O Sr. José de Alpoim : — Ah! sim, só amanhã.

ORDEM DO DIA

Foi lido na mesa o parecer n.° 10, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 10

Senhores. — A vossa commissão dos negocios externos apreciou o projecto de lei n.° 5, vindo da Camara dos Senhores Deputados e da iniciativa de S. Exa. o Sr. Conselheiro Antonio Eduardo Villaça, o qual tem por fim tornar extensiva á Ilha de Porto Rico, hoje um dos territorios da União Americana, o Acordo Commercial de 22 de maio de 1899 entre Portugal e os Estados Unidos da America, em vigor desde 12 de janeiro de 1900.

A vossa commissão é de parecer que nenhum inconveniente de ordem economica ou fiscal impede que as estipulações do mencionado acordo se estendam á Ilha de Porto Rico, e por isso, de harmonia com o Governo, entende que deveis approvar o seguinte

Projecto de lei n.° 5

Artigo 1.° É approvado, a fim de ser ratificado, o acto diplomatico assignado em Washington aos 19 de novembro de 1902, como additamento ao Acordo Commercial de 22 de maio de 1899, entre Portugal e os Estados Unidos da America.

Artigo 2.° Fica revogada a legislação em contrario. — A. Ayres de Gouveia = Marquez de Soveral = Henrique de Gama Barros = Luciano Monteiro = Wenceslau de Sousa Pereira de Lima = Alexandre Cabral = Conde do Cartaxo = Teixeira de Vasconcellos.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 5

Artigo 1.° É approvado, a fim de ser ratificado, o acto diplomatico, assignado em Washington aos 19 de novembro de 1902, como additamento ao Acordo Commercial de 22 de maio de 1899, entre Portugal e os Estados Unidos da America.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 5 de novembro de 1906. = Dr. Antonio José Teixeira de Abreu = Conde de Agueda = Julio Cesar Cau da Costa.

N.° 5

Senhores.— A commissão dos negocios estrangeiros examinou a proposta de lei n.° 5-B, da iniciativa de S. Exa. o Sr. Conselheiro Antonio Eduardo Villaça, a qual tem por fim tornar extensivo á Ilha de Porto Rico, hoje um dos territorios da União Americana, o accordo commercial de 22 de maio de 1899 entre Portugal e os Estados Unidos da America, em vigor desde 12 de janeiro de 1900.

Parece á vossa commissão que nenhum inconveniente de ordem economica ou fiscal se oppõe a que as estipulações do mencionado accordo abranjam igualmente a Ilha de Porto Rico, por isso, concordando com a proposta do Governo, entende que deveis approvar o seguinte

Projecto de lei n.° 5

Artigo 1.° É approvado a fim de er ratificado, o acto diplomatico assignado em Washington aos 19 de novembro de 1902, como additamento ao accordo commercial de 23 de maio de 1899 entre Portugal e os Estados Unidos da America.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, aos 8 de outubro de 1906. = Conde de Penha Garcia = Pedro Mousinho de Mascarenhas Goivão = Aristides da Motta = Fernando Martins de Carvalho = Henrique Carlos de Carvalho Kendall = Augusto de Castro = Barão de S. Miguel, relator.

N.° 1-H

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° 5-B, de 27 de abril de 1905, para approvação do acto diplomatico assignado aos 19 de novembro de 1902, como additamento ao accordo commercial de 22 de maio de 1899 entre Portugal e os Estados Unidos da America.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, aos 3 de outubro de 1906.= Luiz Cypriano Coelho de Magalhães.

N.º 20

Senhores.— À vossa commissão de negocios estrangeiros foi presente a proposta de lei n.° 5-B, que tem por fim tornar extensivas á Ilha de Porto Rico as estipulações do accordo commercial de 22 de maio de 1899 entre Portugal e o Estados Unidos da America. Sendo, actualmente, aquella ilha um dos seis territorios da União Americana, dos quaes já outros estão comprehendidos Ba esphera de execução do referido accordo, e não havendo inconveniente algum de ordem economica ou fiscal que se opponha, entende a vossa commissão, concordando com a proposta do Governo, que deveis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É approvado a fim de ser ratificado, o acto diplomatico assignado em Washington aos 19 de novembro de 1902, como additamento ao accordo commercial de 22 de maio de 1899 entre Portugal e os Estados Unidos da America.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, aos 8 de setembro de 1905. = Alfredo Pereira = Silva Telles = José Simões de Oliveira Martins = Antonio Rodrigues Nogueira — Alexandre de Almeida Garrett = Eduardo Vallerio Augusto Villaça = José Augusto Moreira de Almeida = Henrique Kendall = Visconde de Ameal = Conde de Penha Garcia = Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, relator.

N.° 5-B

Senhores. — Por accordo commercial de 22 de maio de 1399 e protocollo de 11 de jeneiro de 1900, em vigor desde 12 d'este ultimo mês e anno, estabeleceu-se entre Portugal e os Estados Unidos da America um regimen pelo qual determinadas reducções pautaes, de que ali gozam os productos similares de outros paizes, são applicaveis aos tartaros e borras de vinho, aos vinhos não espumosos e a obras de arte originarias d'este reino e ilhas adjacentes, bem como ás aguardentes e alcooes, quer d'estas procedencias, quer das provincias portuguesas do ultramar, assegurando-nos, alem d'isso, para os vinhos espumosos a taxa minima da pauta americana.

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Como compensação, obtiveram os Estados Unidos a vinculação dos direitos da nossa pauta geral para apparelhos de lavoura, instrumentos, ferramentas e utensilios para as artes e officios, etc. (artigos 373 e 386) e applicação dos direitos da pauta B da nossa convenção com a Russia, de 9 de julho de 1895, quanto a oleos mineraes illuminantes (artigos 97, 98 e 99), alcatrão e breu mineral (artigo 84), alem do tratamento da nação mais favorecida para estes mesmos productos e para a farinha de cereaes, milho e trigo em grão, banha e unto (artigos 325, 326, 327 e 354).

N'estas circumstancias pareceu ao Governo que nenhum inconveniente, de ordem fiscal ou economica, se oppunha a que elle accedesse aos desejos do Governo Federal no sentido de abranger a esphera de execução do mencionado accordo a colonia de Porto Rico, e por isso foi em 1902 assignado em Washington o diploma que tenho agora a honra de submetter á vossa illustrada apreciação, nos termos da seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvado a fim de ser ratificado, o acto diplomatico assignado em Washington aos 19 de novembro de 1902, como additamento ao accordo commercial de 22 de maio de 1899, entre Portugal e os Estados Unidos da America.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocio Estrangeiros, aos 27 de abril de 1905. = Antonio Eduardo Villaça.

Sua Majestade El-Rei de Portuga e dos Algarves e o Presidente dos Estados Unidos da America, julgando conveniente ampliar o acordo commercial entre os dois países, assinado em Washington em 22 de maio de 1899, nomearam seus respectivos plenipotenciarios, a saber:

Sua Majestade El-Rei de Portugal e dos Algarves:

O Visconde d'Alte, seu Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario em Washington;

E o Presidente dos Estados Unidos da America:

O Honrado John Hay, Secretario de Estado dos Estados Unidos;

Os quaes, depois de se terem communicado os seus respectivos plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, convieram nos seguintes artigos addicionaes, que serão con siderados parte integrante do dito accordo commercial:

ARTIGO I

As Altas Partes Contratantes concordam reciprocamente em tornar extensivas á Ilha de Porto Rico as estipulações do referido acordo commercial.

ARTIGO II

O presente acordo addicional será ratificado por Sua Majestade El-Rei de Portugal e dos Algarves no mais breve espaço de tempo possivel, e o Presidente dos Estados Unidos da America, logo que lhe for officialmente notificada essa ratificação, promulgará uma proclamação, dando o acordo por firme e valioso para produzir seus devidos effeitos.

O presente acordo começará a vigorar desde a data de tal proclamação e continuará em vigor emquanto o acordo commercial, assinado em 22 de maio de 1899, se conservar vigente.

Feito em duplicado nas linguas portuguesa e inglesa, em Wabhington, aos 19 dias do mês de novembro de 1902.= Visconde de Alte = John Hay.

Está conforme. — Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e Consulares, em 27 de abril de 1905.= Eduardo Montufar Barreiros.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Cabe-me a palavra em circumstancias difficeis, não só porque a minha saude não é boa, mas porque tenho de tratar de um assumpto arido, qual é uma convenção internacional, e em seguida ao discurso notavel e brilhante que acabou de proferir o Digno Par Sr. José de Alpoim, discurso em que S. Exa. mostrou a grandeza do seu espirito e do seu coração, verberando a injustiça feita á Camara pelo Sr. Presidente do Conselho e patenteando a sua magua pelos acontecimentos do Porto.

Não posso tambem deixar de acompanhar as palavras ás protesto do Sr. Alpoim, quanto ás injustas accusações de obstruccionismo lançadas contra esta Camara.

É preciso que o paiz saiba que, estando o Parlamento no terceiro mez de sessão legislativa, ainda lhe não foi apresentado o relatorio de Fazenda e não se sabe por ora como o Governo pretende acudir ao deficit do orçamento e ao augmento de despesas que resultará da approvação de algumas das suas propostas de lei — augmento que é de mais de 2:000 contos de réis.

As unicas medidas de caracter economico apresentadas pelo Governo, a da crise vinicola do Douro e a do porto de Lisboa, ainda não vieram a esta Camara ; a primeira, que é de grande urgencia, nem ainda parecer tem.

Medidas financeiras e de administração colonial, ainda não foram apresentadas nenhumas.

Como, pois, dizer com justiça que o Governo encontra na Camara embaraços ao regular desempenho dos compromissos que tomou para com a opinião publica?

Entrando na apreciação do projecto em ordem do dia, tenho a declarar, Sr. Presidente, que não serei muito extenso nas minhas considerações, e julgarei a convenção commercial com os Estados Unidos da America, mais sob o ponto de vista financeiro, do que sob o ponto de vista economico.

O acto diplomatico, ou convenção commercial, assignado em Washington a 19 de novembro de 1902, agora submettido á approvação d'esta Camara, é da iniciativa do Sr. Conselheiro Eduardo Villaça e tem por fim tornar extensivo á Ilha do Porto Rico, hoje um dos territorios da União Americana, o acordo commercial de 22 de maio de 1899 entre Portugal e os Estados Unidos da America em vigor desde janeiro de 1900.

As negociações para o tratado de 1899 foram feitas por correligionarios meus, e o parecer em discussão tem até voto favoravel do Sr. Conselheiro Wenceslau de Lima.

Devo dizer, para evitar equivocos, que, se entendesse que devia ser mantida a convenção de 1899, dava a minha approvação ao projecto em ordem do dia. Concordo com a convenção commercial com os Estados Unidos da America, mas não concordo em que ella seja extensiva á Ilha de Porto Rico.

Faço esta declaração por motivo de coherencia politica e como expressão da firmeza dos principios de administração que sustento.

Impellido pelo desejo de concorrer para que se modificasse a situação financeira do paiz, apresentei, quando Ministro da Fazenda, uma proposta de lei estabelecendo que fosse elevado em 5 réis o imposto sobre cada litro de petroleo.

Os meus desejos de augmentar as receitas publicas estão em manifesta opposição com a norma administrativa do actual Governo.

Segundo a nota publicada no Diario do Governo, em 19 de maio do corrente anno, a divida fluctuante interna e externa era de 72:706 contos de réis.

Em 21 de outubro, cinco mezes depois, a divida fluctuante elevava-se a 74:846 contos de réis, quer dizer, um augmento, em tão pequeno espaço de tempo, de 2:140 contos de réis.

Juntando a isto um deficit da 2:800 contos de réis e mais 2:500 contos de réis das taes medidas que o Governo actual apresenta como de salvação publica, a todos se afigura facilmente como deverá ser risonha e desafogada em breve a nossa situação financeira.

A convenção commercial com a Russia, approvada em 17 de abril de 1896, que modificou o direito sobre o petro-

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leo, podia, e devia, ter sido denunciada, porquanto na mesma convenho se estatue que, ao fim de cinco annos, o paiz podia desligar-se do compromisso tomado.

Já lá vão dois periodos de cinco annos, e a convenção não foi denunciada, o que deveria fazer-se a bem dos interesses do Thesouro.

Entretanto o Governo trata unicamente de augmentar as despesas, sem cuidar do preciso augmento das receitas; e não se comprehende aonde irá buscar disponibilidades para cobrir os crescidos encargos que pretende tomar sobre as costas do Estado.

Evidentemente, essas disponibilidades não promanarão da diminuição do imposto de rendimento, do augmento de vencimentos aos empregados publicos, do augmento de soldo aos officiaes de terra e mar, ou da criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional; nem o dinheiro necessario para cobrir o deficit orçamental resultará do famoso elenco de medidas que o Governo apresentou ao Parlamento e que constituem parte do seu programma administrativo; nem tambem provirá do decreto de 15 de junho, que despediu os desgraçados jornaleiros das obras publicas.

Uma das causas da diminuição das receitas provenientes da importação do petróleo, está na menor importação d'este hydrocarbureto, ou oleo mineral.

A diminuição do consumo do petróleo é devida ao crescente desenvolvimento da illuminação pelo gaz e pela electricidade, e principalmente ao extraordinario consumo que se está fazendo do carboneto de calcio ou gaz acetylene, que substitue o petroleo.

A illuminação pelo gaz acetylene está hoje espalhada pelo país, não havendo recanto de aldeia onde essa illuminação não seja usada, porque se torna muito mais barata do que a por meio do petroleo, visto o carboneto de calcio pagar na Alfandega apenas o direito de 12 por cento ad valorem e o seu preço ser, por assim dizer, insignificante.

Para augmentar o consumo do petroleo e, portanto, augmentar os rendimentos publicos, eu, Sr. Presidente, quando apresentei ao Parlamento a minha proposta sobre o augmento de direitos d'aquelle oleo mineral, fixava ao mesmo tempo o direito de importação sobre o carboneto de calcio em 75 réis.

Denunciado o tratado com a Russia, podiamos ver immediatamente augmentados os rendimentos publicos em 400 contos de réis por anno, e entendo que devemos fazer convenções commerciaes com proveito para a nossa economia e nunca com desproveito para o Thesouro publico.

Por estar absolutamente convencido de que assim se deve proceder, é que não concordo com o projecto em discussão.

Não o combato, porem, para não desmerecer no trabalho dos que collaboraram na convenção commercial com os Estados Unidos da America, e entendo dever dar tambem a proposito uma explicação á Camara, explicação que ainda não dei, devido á precipitação com que foi approvado o tratado de commercio com a Suissa.

Não combati a convenção commercial com a Confederação Helvetica; fiz até a affirmação de que era uma experiencia a tentar.

Não combati o tratado do commercio com a Suissa, porque não era capaz de commetter um tal desprimor com um homem a quem dedico a maior amizade e estima pessoal, e pelo qual nutro o maior respeito pelo seu alevantado caracter: por isso direi ao Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, a quem o paiz deve assignalados serviços, que não quiz por forma alguma desmerecer o seu trabalho.

Disse que era uma experiencia a tentar, e repito, presto a maior homenagem ao trabalho e ás qualidades de caracter do Sr. Eduardo Villaça.

Procedo, perante a discussão do tratado com os Estados Unidos da America, pela mesma forma por que procedi perante a convenção com a Suissa.

Terminando, direi que no presente momento a melhor medida a tomar seria a denuncia do tratado que existe entre Portugal e os Estados Unidos da America.

(O Digno Par não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães) : — Decerto o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa me não levará a mal que seja mui rapido e conciso na resposta que vou oppôr ás considerações de S. Exa., mesmo porque o illustre orador, a quem tenho a honra de responder, não atacou o projecto em discussão, como não atacou, segundo a sua propria declaração, o tratado de commercio com a Suissa.

S. Exa. não disse que a convenção commercial com os Estados Unidos da America era conveniente ou inconveniente: disse, e accentuou, sim, que devia denunciar-se o tratado com os Estados Unidos e que não devia tornar-se extensivo á Ilha do Porto Rico o acordo commercial de 22 de maio de 1899, em vigor desde 12 de janeiro de 1900.

Entretanto, devo dizer que a ratificação do acto diplomatico, a que se refere o projecto em discussão, não impede que se faça mais tarde ou mais cedo a denuncia que S. Exa. preconiza, cumprindo-me acrescentar, mas não como meio de defesa, que a convenção ora em ordem do dia não é da responsabilidade do actual Governo, e sim de um Gabinete regenerador.

Direi tambem, porque em tudo desejo ser verdadeiro, que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, quando ainda no Governo, enviou ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros um officio em que lembrava a conveniencia da denuncia do referido tratado de commercio.

Mas devo ainda acrescentar que a denuncia que S. Exa. defende nenhum lucro traria ao Thesouro e que é por meio da existencia de convenções commerciaes que mais facilmente se generalizam e radicam as relações entre os povos.

Os Estados Unidos da America são hoje uma das primeiras potencias do mundo, devendo nós estreitar e alargar cada vez mais as nossas relações e communicações com aquelle grande paiz.

É isto o que impõem as nossas conveniencias e as circumstancias de caracter politico que todos conhecem, e das quaes Portugal não deve afastar-se.

Julgo ter respondido, embora mui rapida e succintamente, ás considerações do Digno Par que me antecedeu no uso da palavra.

(S. Exa. não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas).

O Sr. Sebastião Baracho: — Sr. Presidente: no dia 29 do mês passado requeri copia, por esta casa do Parlamento, do inventario dos bens da Corôoa ...

O Sr. Presidente: — Tenho a dizer ao Digno Par que no archivo não existe o inventario a que S. Exa. se referiu.

O Orador: — O artigo 8.º da lei de 16 de julho de 1855, da referenda de Fontes, prescreve que dos inventarios da Corôoa, sejam depositadas copias autenticas nos archivos das duas casas do Parlamento, e no da Torre do Tombo.

O artigo 5.° da lei de 23 de maio de 1859, referendada por Casal Ribeiro, e a lei de 25 de junho de 1889, da referenda de Barros Gomes, corroboram aquella determinação.

Em presença, porem, da resposta do Sr. Presidente, reconhece-se que ou os inventarios não entraram no archivo d'esta Camara, ou, se entraram, de lá desappareceram.

Consigno simplesmente este facto, e procurarei obter o documento a que me reporto, requerendo num dos próximos dias, a sua copia, do que deve existir na Torre do Tombo.

Dito isto, notarei que um jornal noticiou a approvação, sem discrepancias, da convenção suissa. Pelo que me res-

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peita, não é exacta a informação. Eu falei contra e votei contra, conforme é meu costume em casos d'estes.

Nas minhas considerações a ninguem melindrei, e a todos procurei fazer justiça, destacando n'esta referencia o Digno Par o Sr. Villaça, com cuja amizade ha longos annos me honro, e cujos meritos e dedicação pelo serviço publico são indiscutiveis. Provou-o até nas negociações, originarias da convenção suissa, cujas duas apostillas, que bastante a prejudicaram, são da responsabilidade do actual Sr. Ministro dos Estrangeiros.

Este diploma deu margem, como fecho da sua apreciação, á barafunda que todos presenciámos. No campo de Agramante, a discordia não seria mais completa, e com ella experimentaram, outrora, os sarracenos os maiores prejuizos.

Entre nós, os sarracenos são representados pelos productores e exportadores vinicolas, cujos interesses foram assaz sacrificados.

A Convenção não tinha razão nenhuma de ser, sem previamente estar resolvida a questão das pautas, acêrca de cuja necessaria malleabilidade se exprimiram os Srs. Wenceslau de Lima, Eduardo Villaça, João Arrojo e eu proprio.

Apenas se mantem em porfiado silencio o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. É indispensavel, porem, que S. Exa. fale, que patenteie a opinião do Governo, concernentemente a um assumpto de tanta importancia...

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães): — O Digno Par não me ouviu, seguramente; mas, respondendo, ha dias, ao Digno Par Sr. Wenceslau de Lima, declarei que as circunstancias actuaes aconselhavam ao Governo a reserva em que se mantem.

O Orador: — Ouvi perfeitamente a resposta a que allude o Sr. Ministro. É por isso que insisto em que S. Exa. fale. A reserva, a que se soccorre, não se justifica, nem sequer se desculpa.

Pode constituir um expediente de occasião. Acima, porem, d'esse recurso, está o interesse do paiz em ser plenamente elucidado.

Demais, o Governo renovou a iniciativa da pauta apresentada á Camara electiva pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa. Com esta renovação, fica indirectamente esclarecido o norteamento ministerial. Convem, porem, que fale claro.

Com o acto praticado, procurou agradar á industria. É de justiça, todavia, ter presente que, contra essa pauta, protestou uma commissão de commerciantes do Porto, em 1904, asseverando mui explicitamente que não podem ser concedidas á industria maiores vantagens do que as que disfruta já.

Frequentemente, aqui tenho exposto, amoldando-me pelos processos italianos, o que seria necessario fazer para tornar effectivas as legitimas aspirações do consumidor, do trabalho, do capital e do commercio.

Não insistirei, portanto, no assunto, limitando-me a registar a incontinencia dos dirigentes industriaes para attingirem o desideratum, que seria ephemero, nos seus beneficios, de elevamento das tarifas.

N'este proposito, chegaram esses magnates a pedir a approvação, em dictadura, de uma pauta em que tinham interesse.

No regimen da oratoria de coatador, tanto do agrado do actual Governo, não admira que os industriaes, na vigencia do ultimo consulado progressista, sollicitassem o emprego da dictadura, na questão pautal.

Pois, para não sair do paiz de que trata o projecto em debate, lembrarei, consoante o testemunho do Livro Branco que tenho presente, que a discussão do tarif-bill de 1890 levou cêrca de seis meses.

Comprehende-se que tal succedesse.

Diplomas d'estes teem de ser muito meditados na sua elaboração, e não menos considerados em reflectida e prolongada discussão parlamentar.

As nações que assim procedem sabem administrar-se. Produzem poucas leis, mas boas.

Entre nós acontece o contrario. Promulgam-se muitas leis, e pessimas. E para que se faça este mau serviço ao Paiz, restringe-se o uso da palavra aos representantes da nação, cultivando-se, na mais larga escala, como succede na Camara electiva, a oratoria de contador.

É esta uma das feições do absolutismo bastardo dominante, e contra o qual mais uma vez me insurjo, na firme disposição de examinar, come até agora tenho feito, todos os negocios, consoante o mereçam, da administração publica.

Na questão pautai, o Governo encontra-se, como, de resto, lhe succede habitualmente.

Pretende agradar á industria, renovando a pauta de iniciativa regeneradora, e provoca naturalmente, por essa forma, a má vontade do commercio.

Mas, seja-me licito recordar que o Digno Par Sr. Villaça, na sua divagação economica, citou como autoridade indiscutivel Michel Chevalier.

A citação despertou-me saudades da minha mocidade, e incitou-me a manusear de novo, como nos meus bons tempos de alferes, os tres substanciosos volumes do seu curso de economia politica, — repositorio das lições que o abalisado economista fizera no Collegio de França.

Lá tornei a ler que a liberdade está ligada aos interesses materiaes; que a industria é indispensavel á liberdade...

Não contente com estas affirmativas da propria lavra, Chevalier recordava Aristoteles, que, na sua Politica, assegurava: — se o fuso e a tesoura pudessem funccionar por si (na actualidade dir-se-hia automaticamente) não haveria escravidão.

Com effeito, o trabalho bem ordenado, espontaneo, está, sem a menor duvida, integrado com a liberdade, cujo cultivo sincero produz a maior felicidade dos povos.

A philosophia de Aristoteles, não obstante elle viver cerca de quatro seculos antes de Christo, ainda hoje é admirada por alguns principios fundamentaes que sustenta, e que se conservam viçosos como na primitiva.

Na sciencia economica, as transforções são muito mais rapidas, o que não obsta a que Michel Chevalier seja ainda citado, e com sobeja razão.

É elle o patriarcha da clausula da nação mais favorecida, inserta nos tratados dos ultimos cincoenta annos.

A Allemanha comprehende-a ainda nos seus derradeiros convenios, por assim dizer, na dijuntiva, de concessões especiaes, realizadas pelas suas pautas, que elaborara propositadamente para esse fim.

Pode este systema, de caracter mixto, ser taxado de transitorio.

O Digno Par Sr. Villaça affirmou que as especiaes concessões pautaes não excluiam o ulterior appello, para a clausula da nação mais favorecida.

Afigura-se-me, salvo o devido respeito, que este parecer pode, na sua realização, prejudicar interesses respeitaveis que se achassem salvaguardados.

A orientação preferivel entre nós seria — de novo o consigno — a elaboração previa de uma pauta malleavel, e não realizar convenios e convenções sem se ter verificado semelhante reforma, começando depois por tratar com as nações com quem mais ligados estamos commercial e politicamente.

Nos Estados Unidos, assim succedeu em 1890.

E quer o Sr. Presidente saber quaes os motivos determinantes do tariff-bill então votado?

A resposta encontra-se no Livro Branco a que me tenho referido, e que se expressa n'estes termos :

O fim ostensivo da revisão das tarifas foi reduzir as rendas do Estado e acabar com o excesso de receita publica, que se accumulava no Thesouro, causando serios embaraços á administração do paiz. A reducção fei-

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ta pela nova lei era calculada pelo Sr. MacKinley em 66.000:000 de dolars.

Na Confederação Norte-Americana, de palavra livre, onde a discussão das tarifas leva seis mezes, a riqueza é tão avultada que necessario se torna adoptar providencias para reduzir as rendas do Estado.

Em Portugal, cujos dirigentes se regulam por forma a ser um symbolo a oratoria de contador, não são as receitas, mas sim as despesas, com a ruina correlativa, que attingem proporções que só são comprehensiveis por perdularios e incompetentes.

A originalidade na gerencia dos negocios publicos chega ao extremo de as convenções, como esta em debate, não serem acompanhadas dos documentos elucidativos da sua elaboração.

As nações estrangeiras discutem na actualidade a acta de Algeciras.

Desde já peço ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que não traga a esta Camara tão importante diploma, sem o acompanhar do Livro Branco correspondente.

Quando discuti a resposta ao Discurso da Corôa, referi-me a este mesmo assumpto, e citei, em abono d'elle, o exemplo da Allemanha e da França, referentemente á questão marroquina.

No periodo mais agudo das negociações entre estas duas potencias, não deixaram ellas de informar os seus respectivos nacionaes, publicando para esse fim livros diplomaticos; e, parallelamente, expendiam adequadas explicações parlamentares.

Liquidado, conforme está, o pleito, é necessario que o paiz saiba como os seus direitos foram sustentados n'esse Congresso, representado por todas as nações interessadas nos negocios de Marrocos, e como as varias peripecias, que ali se deram, tinham nitida justificação.

Quanto ao accordo com os Estados Unidos, não passa de uma apostilla ao convenio commercial de 22 desmaio de 1899, em que tudo tem a ganhar a grande Republica Americana do Norte, sem nos offerecer ou dar compensação de especie alguma.

A prova d'isso está em que o diploma em debate tem a data de novembro de 1902.

Por esta circumstancia, se reconhece que o Governo da Casa Branca, essencialmente pratico, procurou ampliar a Porto Rico, pouco depois de adquirir esta ilha, as vantagens do contrato que comnosco tinha em vigor.

A despeito da convenção ser de 1902, só agora entra em discussão, evidenciando-se, por esta forma, como temos andado divorciados da acção parlamentar.

Quatro annos foram precisos para que o Parlamento se occupasse d'este diploma!...

Não carece de commentarios tão estranho acontecimento.

Concluindo as minhas considerações, de novo insto com o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros para que publique todos os Livros Brancos, respeitantes ao nosso viver diplomatico, e que não se retraia por mais tempo em tornar directa e claramente conhecida a opinião do Governo em assumpto economico tão importante, como é o da organização das pautas aduaneiras.

Fale, pois, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): — Sr. Presidente: a amizade que me liga ao Digno Par, e tambem um dever de cortesia, obrigam-me a usar da palavra para responder a S. Exa.

A verdade é que apesar do discurso do Digno Par ser muito substancioso e pensado, como são todos os de S. Exa., o Digno Par apenas fez ligeiras referencias sobre a generalidade do projecto, assim como o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, que foi quem iniciou o debate.

O Sr. Baracho começou por evocar uma grata recordação dos tempos em que era alumno da Escola do Exercito; e disse que o facto do Digno Par Sr. Villaça ter citado Michel Chevalier, o havia levado a manusear de novo os tres volumes do curso de economia politica d'aquelle abalisado escriptor.

Eu associo-me a essa recordação, tão agradavel ao Digno Par, que teve assim occasião de rememorar a sua gentil mocidade de galhardo official do exercito, sempre brioso, então e agora.

Disse depois o Digno Par que o regimen parlamentar do actual Governo era de «oratoria de contador».

Contra esta phrase protesto em boa paz, porque ella não é justa.

O regimen oratorio que vigora entre nós é o da «torneira aberta».

Não temos razão de queixa. Poder mós falar á vontade; ao menos para termos o prazer de nos ouvirmos uns aos outros.

Direi agora a S. Exa. que com um systema aduaneiro como o nosso, exagerado, impeditivo de toda a concorrencia por um lado, e por outro lado tendente a esmagar o consumidor com o preço elevado de generos de que elle precisa, os tratados de commercio ou as convenções commerciaes são um correctivo necessario.

Mas porque estas convenções apenas teem um caracter restricto, porque se referem a determinado numero de artigos, devem por isso ser mal apreciadas? Não me parece.

O Digno Par dizia que sobre uma pauta bem organizada, feita com todo o cuidado, defendendo todos os interesses, é que devem assentar as convenções commerciaes.

Direi a V. Exa. o que penso a este respeito, com a sinceridade com que sempre costumo falar.

Vejo que, sob o ponto de vista dos interesses economicos, o nosso paiz se encontra apertado dentro de uma especialização cruel.

Temos apenas dois ou tres artigos de exportação.

En soffrance temos apenas um: o vinho.

Para os outros artigos não ha crise.

Os clamores que ouvimos levantar-se não partem dos agricultores em geral, mas somente dos viticultores.

E por que, Sr. Presidente?

Porque Portugal não é um paiz essencialmente agricola, como tantas vezes se repete; Portugal é um paiz essencialmente vinicola.

As nossas principaes fontes de riqueza são o vinho e a emigração.

A nossa economia publica vive do vinho exportado e dos capitaes que os emigrantes portuguezes puderam reunir na America do Sul e tambem na Africa.

Se nos vissemos privados d'estes dois factores, ficariamos reduzidos a bem tristes condições.

Ora as duas convenções que temos aqui discutido, e que podem trazer um grande resultado para a nossa cultura vinicola, são dignas da attenção da Camara e merecem os seus louvores aquelles que para as realizar collaboraram com o Governo, porque todos fizeram uma obra patriotica e util para a saída dos nossos vinhos.

O Governo, se assim caminhar, muito contribuirá para resolver o problema mais grave da nossa administração economica.

Ao Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa, que já foi Ministro da Fazenda, e que se preoccupa sobretudo com a situação financeira, direi que não é só ás receitas alfandegarias que se deve attender quando se discute uma convenção; é principalmente aos interesses economicos em jogo, sobretudo aos que offerecem maior perigo e por isso exigem prompta resolução.

Pode uma exportação ser pequena para a Russia ou para os Estados-Unidos da America, mas pode conduzir a um futuro que permitia aos nossos interesses maior desenvolvimento n'aquelles paizes.

Todos nós sabemos que ha uma importante colonia portugueza na America do Norte que, pelo seu amor ao trabalho, ali tem fundado não só diversos estabelecimentos commerciaes, mas tambem igrejas, hospitaes, etc.

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É uma colonia digna de toda a consideração e é de presumir que ella amoravelmente vá criando uma clientela sufficiente para consumir boa parte dos nossos productos vinicolas.

Ainda mais este aspecto tem esta convenção.

É ella mais um motivo para merecer o apoio do Parlamento.

Alem d'isso temos com os Estados-Unidos relações de navegação propria e directa independente de subsidio do Estado, que me conste; d'essa carreira agente a casa Andersen.

Por que não haviamos de aproveitar todas as vantagens commerciaes que d'ahi nos poderão resultar, especialmente para a exportação dos nossos vinhos ?

Espera que o meu amigo e illustrado parlamentar Sr. General Baracho me não leve a mal a concisão da resposta, mas a verdade é que o Digno Par Sr. João Arroyo ainda deseja falar.

O Sr. João Arroyo: — Desejo, não; tenho obrigação.

O Orador: — É S. Exa. obrigado a falar. Tanto maior razão para eu cerrar por aqui as minhas considerações; e assim contribuirei para que o projecto seja ainda hoje approvado.

(O Digno Par não reviu este extracto> nem as notas tachygraphicas).

O Sr. João Arroyo: — Eu vou procurar dar uma forma succinta ás considerações que o projecto me suggere.

Em primeiro logar não posso deixar passar sem uma referencia expressa o que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros disse ha pouco numa interrupção ao discurso do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, interrompendo as considerações que aquelle Digno Par estava fazendo sobre o projecto em ordem do dia, disse que não podia alongar-se mais porque a natureza do assumpto lhe impunha reservas.

Sr. Presidente: não comprehendo a declaração do Sr. Ministro, porquanto o Governo, renovando a iniciativa do projecto que diz respeito á pauta geral das alfandegas, ou collocando sob a egide, governativa essa providencia emanada do Governo regenerador, definiu a sua orientação economica.

Sem querer por forma alguma substituir a palavra do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa e a do Digno Par Sr. Sebastião Baracho, afigura-se-me que o Sr. Ministro não pode esquivar-se a dizer qual é o seu pensamento acêrca de. convenções internacionaes.

Este assumpto é de capital, importancia; precisa de ser estudado com muita attenção e vagar, não de afogadilho ou atabalhoadamente.

Temos o pessimo systema parlamentar de discutir assumptos da maior importancia em pouco tempo.

Se nos remontarmos ao passado encontramos exemplos que nos servem para o caso presente.

Antigamente não havia Ministro da Fazenda que não trouxesse ao Parlamento a reforma de toda a legislação tributaria, para ser logo aviada.

Ainda hoje parece imaginar-se que a revisão das pautas é assumpto de secundaria importancia, que pode ser resolvido á pressa.

Pois se o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros quizer fazer, na realidade, a revisão completa da nossa pauta, espugindo d'ella tudo o que lá se encontra de exageradamente proteccionista, se quizer reduzir as tarifas áquillo que é justo e sensato, creia que está deante de uma obra de grande tomo, que se não pode resolver numa semana nem em poucos dias.

O meu conselho ao Sr. Ministro, dado em boa paz, limita-se unicamente a mostrar-lhe a conveniencia de estabelecer ao menos um modus viveudi com a Allemanha.

S. Exa. tem na sua chancellaria elementos para o fazer.

Lá encontra a proposta que eu mandei elaborar no fim de 1900.

Essa proposta foi redigida pelas nossas primeiras notabilidades, e especialistas na materia, como Mattoso Santos, Marianno de Carvalho e Calvet de Magalhães.

Foram sete ou oito homens que, perfeitamente conhecedores do assumpto, tomaram a peito esse trabalho, elaborando-o de modo a respeitar todas as circunstancias industriaes; e assim se convenceram, com a sua indiscutivel auctoridade, de que elle representava uma plataforma de negociações com a e Allemanha.

Peço ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que conserve as tradições da sua pasta, isto é, que mantenha uma continuidade de acção, ao contrario do programma novo do Governo, que só representa uma censura ás administrações passadas.

Peço ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que obedeça a um ponto de vista moderado.

Se S. Exa. imagina que pode fazer grandes tratados, creia que se engana.

Não os poderá fazer, e assim preferivel será voltar-se para um modus vivendi, primeiro com a Allemanha, depois com a França.

Isto digo ao actual Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e poderei di-zê-lo amanhã ao seu successor; successor, sim, porque me parece que as circumstancias politicas não estão de uma serenidade absoluta, que assegure uma longa vida ao Governo.

É assim que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros deve proceder se quizer dedicar-se á resolução do problema geral das nossas relações commerciaes.

Nada tenho a oppor quanto ao que o Sr. Ministro disse a respeito do papel que representam os Estados Unidos.

Na realidade, hoje esse papel é importantissimo.

Nem as grandes potencias europeias podem já deixar de ter em conta a attitude d´aquelle Governo em qualquer programma de politica mundial.

Impõe-se, não ha duvida, a necessidade de mantermos nas nossas relações com o Governo da grande Republica Norte-Americana um criterio de absoluta correcção.

Mas d'ahi a qualquer favor não compensado, vae uma enorme distancia.

Seria um procedimento que a ausencia de favores especiaes — porque os não temos recebido d'aquella Republica — não justifica.

O Sr. Luiz de Magalhães está vendo bem o cuidado, a prudencia que eu ponho nas minhas palavras.

Reconhecimento do grande valor politico internacional e da importancia das relações com os Estados Unidos? Por certo.

Adopção de uma politica absolutamente correcta e diplomatica com aquella Republica? Por certo.

Mais nada.

A chancellaria portugueza não tem recebido do Governo da Republica dos Estados Unidos favor algum especial, que motive uma benevolencia maior da nossa parte.

Fico, Sr. Presidente, n'estas palavras, por isso que a necessaria reserva diplomatica e o melindre do assumpto me não consentem que me alongue em considerações a tal respeito.

Isto exposto, vejamos em primeiro logar o que é o tratado.

O tratado, Sr. Presidente, fez-se em 1899 — convenção com os Estados Unidos— e foi, por assim dizer, a reproducção do nosso anterior tratado com a Russia, assente na concessão de determinados favores, pois alguns se concederam aos Estados Unidos, dos quaes o mais importante é um determinado beneficio sobre o óleo mineral illuminante.

Os Estados Unidos, querem agora tornar extensiva á ilha do Porto Rico a convenção de 1899.

Ha n'isto alguma vantagem para Portugal ?

Absolutamente nenhuma.

Pode considerar-se nullo o favor que para Portugal se deixa antever no projecto em discussão.

Página 507

SESSÃO N.º 40 DE 10 DE DEZEMBRO DE 1906 507

Porto Rico é uma ilha de origem hespanhola; conserva evidentemente a tradição economica da sua origem. Da mesma maneira que Cuba, ha de por certo inclinar-se para os productos da antiga nação metropolitana.

Com o tornar-se extensivo a Porto Rico o regimen dos favores e beneficios de que goza, a partir de 1899, a Republica dos Estados Unidos, não vejo, não comprehendo, que advenham vantagens para Portugal.

Dir-me ha S. Exa. que nada se oppõe ao facto, pois já o relatorio da proposta governamental é n'isso que se funda.

Não haverá inconvenientes, — mas não vejo nenhuma vantagem que recommende esta convenção.

A chancellaria portugueza não se fez para beneficiar com accordos com merciaes os paizes relativamente aos quaes o mais que se pode dizer é que são estrictamente correctos comnosco.

Necessitamos de compensações.

Reservemos esses favores para os paizes que, alem de manterem para comnosco a maior correcção diplomatica, nos servem, nos acodem nas horas de perigo, nos auxiliam em momentos verdadeiramente difficeis.

Não devemos fazer concessões sem a compensação respectiva.

Não devemos dar sem receber.

E o tratado em discussão não observa esta doutrina.

O tratado de 1895 foi já um erro, um completo desacerto para os interesses de Portugal: deu uma diminuição nos rendimentos aduaneiros e não acrescentou correspondentemente o movimento commercial.

Atrás d'esse tratado veio o de 1899 com os Estados-Unidos, que trouxe egualmente uma diminuição de rendimentos alfandegarios, e não nos deu compensadora differença no movimento commercial.

O tratado de 1895 é de responsabilidade regeneradora, o de 1899 de responsabilidade progressista, e não foram senão dois assignalados erros que os partidos do rotativismo commetteram.

Mas eu não podia pensar, quando na ultima sessão me entretinha a descrever a obsessão de arrependimento, de que estava tomado por uma especie de monomania o chefe do Governo Sr. João Franco, não podia pensar que tres dias volvidos, n'este singelo projecto que pretende estender a Porto Rico varias vantagens que foram concedidas aos Estados-Unidos, eu viria encontrar em materia de economia mais uma pagina frisante e saliente d'essa obsessão de arrependimento, que hoje é quasi absolutamente impossivel deixar de encontrar quer em problemas financeiro-economicos, quer em materia de politica ou de administração.

O Sr. João Franco não dá hoje um só passo que não seja em diametral opposição com o seu passado.

Ora, se isto coincidisse apenas com os problemas de administração, ainda se podia explicar como um processo de viver, de obter uma falsa popularidade, uma maneira de interessar o paiz pela exhibição de um novo figurino.

Mas que um homem de Estado, e com elle um Governo inteiro, até em projectos de secundario valor se apresente em contradicção com o que disse hontem, oh! Sr. Presidente, já é crueldade da sorte e negra sina!

Corria o mez de junho do anno da graça de 1899, o Sr. Beirão trazia ao Parlamento um projecto de lei, que tendia a alcançar a ratificação do instrumento diplomatico que approvava a convenção feita entre Portugal e os Estados-Unidos.

Então estava na opposição o partido regenerador, e o seu leader parlamentar era o Sr. João Franco.

Abriu a discussão, sabe V. Exa. quem ?

Quem saiu de lança em riste a combater, foi o meu amigo, illustre economista e distincto ornamento do partido regenerador-liberal o Sr. Mello e Sousa.

S. Exa. proferiu então um dos seus bellos discursos, que não leio agora á Camara, no qual dizia que essa convenção era um completo desacerto, e, ao terminar, o illustre Deputado d'aquelle tempo, transformado no sympatico Par de hoje, exclamava: «O tratado que se vae celebrar, longe de nos trazer vantagem, nos acarretará um prejuizo consideravel.»

Pois, Sr. Presidente, sabe V. Exa. qual foi o segundo orador que se levantou de lança em riste contra o tratado com os Estados Unidos? Foi o Sr. João Franco Ferreira Pinto Castello Branco.

Levantou-se S. Exa., reeditou as considerações do Sr. Mello e Sousa, que já então era a nimpha Egéria em assumptos economicos, e pedia ao então Ministro dos Negocios Estrangeiros:

«Que se não apressasse a fazer tratados, porque, para os fazer, procurando vantagem para os nossos productos agricolas, teria de sacrificar alguma ou algumas das industrias de algodão, de lã, da seda, e metallurgicas, ficando assim perdidos os grandes esforços que se teem empregado para nos elevarmos a este respeito, e ficando sem trabalho, e na miseria, milhares de operarios».

Assim, pois, o Sr. João Franco, actual Presidente do Conselho, recebeu na ponta da sua espada flammejante esse tratado, depois do Sr. Mello e Sousa, o mesmo sympathico Digno Par que nós temos presente, haver applicado uma tremenda sova ao projecto; e assim a opposição regeneradora-liberal, com o Sr. João Franco á frente, com o Sr. Mello e Sousa como propheta, combatia e votava contra a tratado.

O mesmo Sr. João Franco, agora transformado em chefe de situação, vae á Camara dos Senhores Deputados e apresenta um acto que é a forma indirecta de adherir em doutrina e em ideias á existencia e manutenção do tratado com os Estados Unidos, porque evidentemente não ha melhor maneira de promover á sua sustentação do que applicá-lo á ilha de Porto Rico.

De modo que, a altitude do Sr. João Franco, que em 1899 era de absoluta contradicção com esse tratado, sete annos volvidos, depois da respectiva propaganda messianica em todo o paiz, e da crise moral de arrependimento, apresenta-se defensor do que em 1899 reputava um prejuizo sensivel para os nossos interesses; sete annos volvidos, o tratado com a Republica Norte-Americana é cousa tão boa, que até se deve estender á ilha de Porto Rico. Cousa tão boa! Lembra-me a zarzuela, de que o Sr. Luis de Magalhães tambem deve lembrar-se; lá se dizia:

El que quiera comprar cosa buena Que se venga aqui.

(Hilaridade).

V. Exa. vê que, não me alargando em demasia de considerações, não posso ser considerado como tendo incorrido nesse vicio do obstrucionismo, que tanto provoca as iras maximas do Sr. João Franco.

Vou terminar, mas não o quero fazer sem exprimir perante a Camara um voto.

Quando um Governo, desde as cousas grandes até ás cousas minimas, desde os importantes problemas da administração até o detalhe de um pequeno projecto, não é senão uma contradicção viva entre o que fez e o que faz, entre o que disse e o que diz, esse Governo está ferido de morte.

É claro que á semelhança da baleia, que, depois de arpoada, pode ainda espadanar com as suas barbatanas, o Governo procurará aguentar-se e mover-se no revolto oceano politico, mas o arpeu lá está.

E creia V. Exa. que mais dia, menos dia, havemos de ver o Sr. João Franco, com o seu batel, abordar, Deus lhe dê boa hora, ás plagas da desesperança.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: — Está extincta a inscrição. Vae votar-se o projecto.

Foi approvado.

Página 508

508 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a discussão dos projectos a que dizem respeito os pareceres n.ºs 11, 12, 13 e 14.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 10 de dezembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquez-Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holsten; Arcebispo de Calcedonia; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Cartaxo, de Figueiró, de Lagoaça, de Paraty, de Sabugosa, de Tarouca, de Valenças, de Villar Seco; Viscondes: de Asseca, de Monte São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Carlos Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Me deiros, Francisco Maria da Cunha, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa, Vasconcellos Gusmão, Avellar Machado, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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