510 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Não falei pois em obstruccionismo, nem disse cousa alguma que pudesse considerar-se uma ameaça, ou uma consideração attentatoria da independencia e dignidade do Parlamento, que a ninguem mais do que ao Governo cumpre acatar. (Apoiados).
Referiu se o Digno Par ao modo como foram aproveitadas as sessões que se teem realizado n'esta camara e se as minhas palavras precisavam de uma demonstração por factos, não a podiam ter mais eloquente do que a que o Digno Par se encarregou de fazer.
Houve 4 sessões até o dia 15, é certo; mas não disse o Digno Par que depois do dia 15 de novembro houve 5 sessões em que se tratou exclusivamente de assuntos politicos, que se podem designar por questões das «abelhas palacianas», das cartas de El-Rei, dos acontecimentos de 4 de maio. E na realidade do que se discreteou foi acêrca da maneira como tinha caido o Ministerio regenerador e o actual Governo tinha sido elevado aos Conselhos da Corôa.
O Sr. João Arroyo: — E tambem se tratou da maneira de o fazer cair agora.
O Orador: — Isso é para d'aqui a tanto tempo, que o obstruccionismo ha de cansar-se antes.
Se não, o Digno Par verá.
O Sr. Sebastião Baracho: — Presumpção e agua benta...
O Orador: — Isto durou até a discussão do contracto dos tabacos, e ainda depois em mais sessões antes da ordem do dia.
O Sr. José de Alpoim: — O que eu disse foi que até o dia 15 houve apenas 4 sessões, e na 4.ª já o Digno Par Hintze Ribeiro instava por que começasse a discussão da resposta ao Discurso da Coroa, o que, por effeito da ausencia do Sr. relator, foi demorado até 6 de novembro.
O Orador: — A verdade é que, desde o dia 15 de outubro até que entrou em discussão o contracto dos tabacos, houve 5 sessões, gastas e consumidas em assumptos meramente politicos.
Pareceria que, depois d'isto, a discussão de resposta ao Discurso da Corôa ficava aligeirada. Não succedeu porem assim.
Esse debate protelou-se por tanto tempo, preencheu tantas sessões que o Digno Par Sr. Conde de Lagoaça, que ainda estava no Rio de Janeiro quando se começou a discutir aqui a resposta ao Discurso da Corôa, se lastimava de não tomar parte n'elle. Pois aquelle Digno Par partiu para Portugal e ainda chegou a tempo de usar da palavra na mesma discussão.
O Sr. José de Alpoim: — Uma viagem de oito dias !
O Orador: — Mas não vale a pena nenhum de nós inquietar-se por este motivo. Eu uso sempre para com os membros do Parlamento de uma serenidade absoluta, não porque seja esse o meu temperamento ou possua essa grande qualidade do Digno Par, mas porque desconfio da minha propria impulsividade, e durante os 15 annos que estive votado ao ostracismo, habituei-me a collocar-me em pontos de vista mais exactos, que me permittiram comprehender que o que importa não é o que cada um diz, mas o que cada um faz, e que é um erro grosseiro imaginar que um povo se dirige e governa com phrases.
Nas minhas palavras não ha a brilhante eloquencia do Digno Par, mas convenço-me de que, se os factos estiverem como estão do meu lado, permitta-me S. Exa. que lhe diga que por mais que se esforce em valer-se dos seus elevados dotes oratorios, proferindo accusações vehementes contra o Governo, elle continuará ficando intangivel deante d'essa catadupa de palavras, sem influencia alguma sobre elle, porque se sente com a razão do seu lado.
No fim do mês já havia sobre a mesa projectos importantes, como eram as convenções internacionaes feitas pelo Governo transacto e outros que eram já obra d'este Governo. Os membros dos partidos que fizeram aquellas convenções, que realizaram aquelles tratados, naturalmente o não fizeram por julgar que eram de um valor insignificante e não merecia a sua attenção este facto de ligar o destino do país a outra nação.
Mas o que nós estamos a ver é quê effectivamente se perdeu muito tempo com a discussão da resposta ao Discurso da Corôa.
Estes são os factos e eu pergunto a favor de quem elles militam, se a favor do Governo ou do Digno Par.
Se a resposta ao Discurso da Corôa tivesse uma discussão menos larga, e menos demorada, se em logar de se estarem a discutir os assuntos que nesta Camara absorveram tão largas sessões, já a partir do meado do mês transacto, outros projectos teriam occupado a attenção da Camara, uns estariam a discutir-se e outros teriam já obtido a approvação da Camara, e entre esses os que representam o pensamento do Governo.
No campo dos factos nenhuma contestação pode ser apresentada ás minhas palavras, que valem menos é certo, que as do Digno Par que, pelo brilho e eloquencia com que as pronunciou, nos permittiu apreciarmos o que é digno de se chamar bella peça oratoria.
Mas isso em nada me preoccupa.
Diz o Digno Par que me fazia uma proposta, e era que as suas palavras fossem impressas e affixadas ao lado do discurso por mim pronunciado na Camara dos Senhores Deputados e ao qual a Camara resolveu conceder essa honra, não porque elle valha em si, mas pelas affirmações que contem, pelo restabelecimento da verdade que encerra e pelo convencimento que a Camara teve de que se lhe devia dar no país a mais larga circulação.
Pela minha parte dou o meu voto favoravel, porque o discurso do Digno Par alem de ser uma bella peça oratoria, apoia e confirma o que eu tenho feito com respeito á lentidão dos trabalhos d'esta Camara.
Mas V. Exa. comprehende, não sou eu que o posso requerer n'esta Camara; aqui «penas sou chefe do Governo.
Se fosse Par do Reino, mandaria para a mesa um requerimento n'esse sentido.
Mas se alguem o quiser fazer, o Governo terá muito prazer em se associar a qualquer proposta n'esse sentido.
Demais isso não dará muito trabalho ao Digno Par, pois que o discurso de S. Exa. vem exactissimamente reproduzido no Dia. De onde se vê mais uma vez que o Estado é sempre o peor servido; as notas tachygraphicas estavam muito imperfeitas, tendo me causado a sua revisão em immenso trabalho; ao passo que uma empresa particular conseguiu reproduzir com a inexcedivel exactidão o discurso do Digno Par.
O Sr. José de Alpoim: — Isso tem uma simples explicação; fui eu que o mandei para lá.
V. Exa. comprehende bem que um trabalho, em que ha citações e numeros, um trabalho para o qual foi necessario folhear cuidadosamente o summario das sessões, é uma cousa estudada e reflectida.
O Orador: — Entende o Digno Par que as minhas palavras representavam uma ameaça á Camara dos Dignos Pares.
No discurso que pronunciei na outra Casa do Parlamento, nunca disse nem proferi palavras que pudessem merecer esta classificação.
Diga o Digno Par quaes foram essas palavras ou quaes os actos que possam traduzir-se em ameaças á Camara dos Dignos Pares do Reino.
O Sr. José de Alpoim: — Eu disse o contrario. Pela muita consideração