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390 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mos encontrado, da parte do governo hespanhol, os melhores desejos de se chegar a um accordo satisfactorio.

O sr. Presidente: - Agradeço ao sr. presidente do conselho a sua explicação.

O sr. D. Affonso de Serpa: - O sr. marquez de Monfalim encarregou-me de participar a v. exa. e á camara, que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão de hoje.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

O sr. Visconde do Seisal: - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de guerra e fazenda.

Lido na mesa mandou-se imprimir.

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa um parecer; das commissões reunidas de guerra e fazenda.

Lido no mesa mandou-se imprimir.

O sr. Sousa Pinto: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre o projecto de lei, que auctorisa o governo a despender até á quantia de 680 contos de réis para acquisição de armamento o material de guerra.

Lido na mesa mandou-se imprimir.

O sr. Franzini: - Tenho a honra de mandar tambem para a mesa um parecer das commissões reunidas de fazenda e guerra.

Lido na mesa mandou-se imprimir.

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa uma proposta, assignada pelo sr. visconde de Fonte Arcado e por mim. Passo, em conformidade com o regimento; a ler a minha moção.

(Leu.)

Nesta proposta não entra a sessão nocturna de hoje.

Não é minha intenção querer que a camara reconsidere, não desejo isso, porque acato a sua resolução. Com esta proposta não faço senão consubstanciar o pensamento da camara, e fazer com que se possa, mais maduramente e com toda a circumspecção, examinar os assumptos sobre que teem de recair votação.

Não vejo rasão alguma para que haja sessões nocturnas, obrigando-nos a vir aqui depois de sessões trabalhosas, como estão sendo actualmente as sessões desta camara, pela infinidade de projectos que já teem parecer, e todos elles de alta magnitude.

Nestas circumstancias, e na presença de tantos e tantos projectos, importando a maior parte delles augmento consideravel de despeza, nada ha que justifique esta pressa de discutir e votar.

Estando o paiz tranquillo, o governo não devia ter receio de estar no seio da representação nacional. Se é indispensavel que esses projectos se discutam e sejam ainda votados, o governo devia prorogar as camaras para que se examinassem, com toda a circumspecção as suas medidas, e a camara podesse vota-las com conhecimento de causa e com consciencia do que fazia. Esta pressa prejudica o governo, que escallou o poder por meios pouco dignos, e que todos os dias se vae desprestigiando pelo errado caminho que segue, e pelo desprezo que tem pelas praxes parlamentares.

Se o governo não vê isto que é palpavel, deve-o ver a camara, cuja missão agora é oppor-se aos desvarios de um gabinete, que nos conduz á ruina.

A camara dos pares se não seguir outro caminho será uma chancella que obedece á vontade poderosa e imperiosa dos ministros. E por isso que lá fora se diz que a camara dos próceres precisa ser reformada radicalmente, porque vota os projectos sem os examinar, e porque não sabe a maior parte das vezes o que vota.

Effectivamente, se a camara caminhar assim, não deixará de ter rasão de ser esta convicção. Pois, poderá algum dos dignos pares, com a mão na consciencia, assegurar que, havendo sessões diurnas até ás cinco horas, e em seguida sessões nocturnas das oito até ás onze, seja possivel tratar seriamente assumptos graves, e discutir estes projectos e examina-los com attenção, vinco todos desacompanhados de esclarecimentos que nos possam elucidar? Será porventura possivel conhecer o alcance de medidas desta ordem, que não trazem esclarecimentos alguns, e examina-las seriamente, quando o governo se recusa obstinadamente a mandar os esclarecimentos que eu por varias vezes tenho pedido? Note a camara que a maior parte destes projectos são, de augmento de despezas, e de despezas enormes.

É necessario que o paiz saiba a verdade toda. As propostas do governo, sobre que se quer passar rapidamente, augmentam a despeza em 5.000:000$000 réis, ou mais. E para que se não cuide que isto é uma asserção gratuita, vou ler á camara a nota de algumas dessas despezas, que eu pude colligir á pressa, porque pouco tempo tenho tido de meu para estudar a ordem do dia.

(Leu.)

Esta proposta para a reforma da secretaria da justiça, segundo se diz., é um dos maiores escandalos que se está para praticar. É uma despeza que corresponde ao capital de 50:000$000 réis a 7 por cento, pois de outra forma, não póde ser considerado o encargo annual de 3:500$000 réis que resulta dessa reforma, e tudo isto para o sr. Barjona despachar afilhados.

Quer a camara saber a quanto monta a despeza dos projectos que pretendem fazer passar sem discussão, o cuja nota eu já li, e que de novo vou ler á camará?

Fortificações de Lisboa 180:000$000
Para concluir os caminhos de ferro do Minho e Douro 1.700:000$000
Para começar o caminho de ferro da Beira Alta 1.506:000$000
Compras de navios 200:000$000
Obras publicas no ultramar 800:000$000
Armamento do exercito 680:000$000
Reforma da secretaria da justiça 3:5OO$000
Escola de cavallaria 95:000$000
Obras de Ponta Delgada 84:000$000
Obras do porto artificial da Horta 72:000$000
Obras da penitenciaria central 120:000$000
Obras da alfandega de Lisboa 48:000$000
Trabalhos para as aguas de Bellas 84:000$000
Acquisição de propriedades da camara municipal de Lisboa 200:000$000
Augmento de soldo aos officiaes 120:000$000
Compra de barcos e lanchas a vapor 105:000$000

Somma 5.997:500$000

Se se juntarem a estas despezas muitas outras, cuja nota eu aqui não tenho, como, por exemplo, a despeza que se vae fazer com os regimentos de artilheria, com a escola de torpedos, com a policia de Coimbra, e outros projecticulos augmentando a empregados ordenados e reformando outros, approxima-se de 7.000:000$000 réis.

Sr. presidente, pela simples inspecção destas verbas se vê que o governo procura fazer despezas, que não são indispensaveis, quando a nossa receita publica não chega para pagar encargos impreteriveis. Note a camara que metade da receita é absorvida pelos juros da divida, e que da outra metade, ainda metade é destinada a pagar ao exercito o armada, e portanto só fica uma quarta parte para o resto das despezas, e, como não chega, resulta um déficit, não o que apresenta o orçamento, mas um déficit real de 7.000:000$000 réis.

Já se vê que a perspectiva que se apresenta é assustadora, e que, se o parlamento não pozer termo a estes desperdicios e systema perdulario, a ruina é inevitavel. Mas não é isto tudo, é necessario dizer ainda que, alem do déficit de 7.000:000$000 réis temos uma divida fluctuante de 12.000:000$000 réis, e que o governo tem ainda de collocar os 5.000:000$000 réis do emprestimo para que foi

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mós encontrado, da parte do governo hespanhol, os melhores desejos de se chegar a um accordo satisfactorio.

O sr. Presidente: - Agradeço ao sr. presidente do conselho a sua explicação.

O sr. D. Affonso de Serpa: - O sr. marquez de Monfalim encarregou-me de participar a v. exa. e á camara, que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão de hoje.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

O sr. Visconde do Seisal: - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de guerra e fazenda.

Lido na mesa mandou-se imprimir.

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa um parecer; das commissões reunidas de guerra e fazenda.

Lido no mesa mandou-se imprimir.

O sr. Sousa Pinto: - Tenho a honra de mandar para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre o projecto de lei, que auctorisa o governo a despender até á quantia de 680 contos de réis para acquisição de armamento o material de guerra.

Lido na mesa mandou-se imprimir.

O sr. Franzini: - Tenho a honra de mandar tambem para a mesa um parecer das commissões reunidas de fazenda e guerra.

Lido na mesa mandou-se imprimir.

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa uma proposta, assignada pelo sr. visconde de Fonte Arcado e por mim. Passo, em conformidade com o regimento; a ler a minha moção.

(Leu.)

Nesta proposta não entra a sessão nocturna de hoje.

Não é minha intenção querer que a camara reconsidere, não desejo isso, porque acato a sua resolução. Com esta proposta não faço senão consubstanciar o pensamento da camara, e fazer com que se possa, mais maduramente e com toda a circumspecção, examinar os assumptos sobre que teem de recair votação.

Não vejo rasão alguma para que haja sessões nocturnas, obrigando-nos a vir aqui depois de sessões trabalhosas, como estão sendo actualmente as sessões desta camara, pela infinidade de projectos que já teem parecer, e todos elles de alta magnitude.

Nestas circumstancias, e na presença de tantos e tantos projectos, importando a maior parte delles augmento consideravel de despeza, nada ha que justifique esta pressa de discutir e votar.

Estando o paiz tranquillo, o governo não devia ter receio de estar no seio da representação nacional. Se é indispensavel que esses projectos se discutam e sejam ainda votados, o governo devia prorogar as camaras para que se examinassem, com toda a circumspecção as suas medidas, e a camara podesse vota-las com conhecimento de causa e com consciencia do que fazia. Esta pressa prejudica o governo, que escallou o poder por meios pouco dignos, e que todos os dias se vae desprestigiando pelo errado caminho que segue, e pelo desprezo que tem pelas praxes parlamentares.

Se o governo não vê isto que é palpavel, deve-o ver a camara, cuja missão agora é oppor-se aos desvarios de um gabinete, que nos conduz á ruina.

A camara dos pares se não seguir outro caminho será uma chancella que obedece á vontade poderosa e imperiosa dos ministros. E por isso que lá fora se diz que a camara dos próceres precisa ser reformada radicalmente, porque vota os projectos sem os examinar, e porque não sabe a maior parte das vezes o que vota.

Effectivamente, se a camara caminhar assim, não deixará de ter rasão de ser esta convicção. Pois, poderá algum dos dignos pares, com a mão na consciencia, assegurar que, havendo sessões diurnas até ás cinco horas, e em seguida sessões nocturnas das oito até ás onze, seja possivel tratar seriamente assumptos graves, e discutir estes projectos e examina-los com attenção, vinco todos desacompanhados de esclarecimentos que nos possam elucidar? Será porventura possivel conhecer o alcance de medidas desta ordem, que não trazem esclarecimentos alguns, e examina-las seriamente, quando o governo se recusa obstinadamente a mandar os esclarecimentos que eu por varias vezes tenho pedido? Note a camara que a maior parte destes projectos são, de augmento de despezas, e de despezas enormes.

E necessario que o paiz saiba a verdade toda. As propostas do governo, sobre que se quer passar rapidamente, augmentam a despeza em 5.000:000$000 réis, ou mais. E para que se não cuide que isto é uma asserção gratuita, vou ler á camara a nota de algumas dessas despezas, que eu pude colligir á pressa, porque pouco tempo tenho tido de meu para estudar a ordem do dia.

(Leu.)

Esta proposta para a reforma da secretaria da justiça, segundo se diz., é um dos maiores escandalos que se está para praticar. E uma despeza que corresponde ao capital de 50:000$000 réis a 7 por cento, pois de outra forma, não póde ser considerado o encargo annual de 3:500$000 réis que resulta dessa reforma, e tudo isto para o sr. Barjona despachar afilhados.

Quer a camara saber a quanto monta a despeza dos projectos que pretendem fazer passar sem discussão, o cuja nota eu já li, e que de novo vou ler á camará?

Fortificações de Lisboa 180:000$000
Para concluir os caminhos de ferro do Minho e Douro 1.700:000$000
Para começar o caminho de ferro da Beira Alta 1.506:000$000
Compras de navios 200:000$000
Obras publicas no ultramar 800:000$000
Armamento do exercito 680:000$000
Reforma da secretaria da justiça 3:5OO$000
Escola de cavallaria 95:000$000
Obras de Ponta Delgada 84:000$000
Obras do porto artificial da Horta 72:000$000
Obras da penitenciaria central 120:000$000
Obras da alfandega de Lisboa 48:000$000
Trabalhos para as aguas de Bellas 84:000$000
Acquisição de propriedades da camara municipal de Lisboa 200:000$000
Augmento de soldo aos officiaes 120:000$000
Compra de barcos e lanchas a vapor 105:000$000

Somma 5.997:500$000

Se se juntarem a estas despezas muitas outras, cuja nota eu aqui não tenho, como, por exemplo, a despeza que se vae fazer com os regimentos de artilheria, com a escola de torpedos, com a policia de Coimbra, e outros projecticulos augmentando a empregados ordenados e reformando outros, approxima-se de 7.000:000$000 réis.

Sr. presidente, pela simples inspecção destas verbas se vê que o governo procura fazer despezas, que não são indispensaveis, quando a nossa receita publica não chega para pagar encargos impreteriveis. Note a camara que metade da receita é absorvida pelos juros da divida, e que da outra metade, ainda metade é destinada a pagar ao exercito o armada, e portanto só fica uma quarta parte para o resto das despezas e, como não chega, resulta um déficit, não o que apresenta o orçamento, mas um déficit real de 7.000:000$000 réis.

Já se vê que a perspectiva que se apresenta é assustadora, e que, se o parlamento não pozer termo a estes desperdicios e systema perdulario, a ruina é inevitavel. Mas não é isto tudo, é necessario dizer ainda que, alem do déficit de 7.000:000$000 réis temos uma divida fluctuante de 12.000:000$000 réis, e que o governo tem ainda de collocar os 5.000:000$000 réis do emprestimo para que foi

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auctorisado. N'estas circumstancias acha a camara que é prudente e previdente a marcha do governo? Tudo o que eu tenho dito não são asserções banaes, é a verdade que se deve ao paiz e que o governo ainda não ousou contradizer. Acha, pois, a camara que esta é a occasião opportuna de recorrer ao credito, quando é tão critica a situação?

O recurso ao credito agora subirá a 13.000:000$000 reis!

Quando a situação do governo é esta, quando elle procede por modo tão inaudito, quer á camara compartilhar com elle a responsabilidade, sujeitando-se aos seus caprichos, e impedir-me a mim de examinar com toda a circumspecção estas medidas.

Quer a camara, abdicando das suas prerogativas, dar rasão ao publico, que julga uma necessidade a reforma radical da camara dos pares?

Sr. presidente, eu creio que é tão grande o numero das propostas, que teem sido dadas para ordem do dia, que se os dignos pares as conhecem não as têem podido, com certeza, estudar por falta de tempo. Portanto, appello para o bom senso da camara, e espero que ella attenderá com bom acolhimento estas ponderações.

Sinto não ver presente o sr. Barros e Sá para lhe dizer qual é o systema que não evita a revolução. Actos desta ordem são sempre os precursores de acontecimentos serios e graves. Oxalá que eu não venha a ser propheta. Desculpe me a camara de fallar com esta franqueza; mas eu prezo-a muito, sou membro della, e não desejo vê-la desprestigiada, e mover-se automaticamente ao mais leve aceno do sr. Fontes.

Se a camara for subserviente, abdicando o seu poder, no que fará muito mal, continuará a dizer-se que ella não tem rasão de ser e que é uma mera chancella, e que está sujeita ás veleidades do sr. presidente do conselho, votando sem exame tudo o que é verdadeiramente serio e grave. E quererá a camara nestas circumstancias deixar de examinar projectos de alta importancia, tolher-me a palavra e obrigar alguns de seus membros a virem aqui á noite sem poderem pelo seu mau estado de saude? Se assim for, isto levar-nos-ha muito longe.

Emquanto é tempo deve a camara, occupando o seu logar e compenetrando-se da sua missão, pôr um dique a esta torrente caudal de despezas desregradas, e lembrar-se que estamos apenas no começo, pois os srs. ministros já nos disseram que isto ainda é pouco, que o pedem só por agora, e que tencionam para o anno pedir muito mais, porque estas sommas são insuficientes!!

Nós temos funccionado durante dois mezes quasi sem ter que fazer, e reunindo-nos uma ou duas vezes por semana; e agora, á ultima hora, sem rasão plausivel, havemos ser obrigados a ter sessões todos os dias, e alem disso sessões nocturnas, discutir e votar sem estudar? Não póde ser, é impossivel, é um escândalo contra o qual protesto formalmente. Faça, pois, a camara o que entender. Quando as cousas chegam a este termo, a opposição deve lavrar um protesto solemne e retirar-se, deixando o governo fazer o que quizer, o vá a responsabilidade a quem competir.

Concluo, pedindo aos srs. tachygraphos que tomem nota de todas as verbas de despeza pedidas pelo governo, que ha pouco li, porque desejo que ellas sejam conhecidas. do publico.

Em resumo, o governo tem um déficit de 5.000:000$000 reis, uma divida fluctuante de 12.000:000$000 réis, e apesar disso vae recorrer ao credito para acabar as obras dos caminhos de ferro do Douro e Minho, que importam ainda em 1.700:000$000 réis, para começarão caminho de ferrosa Beira Alta, para o qual são necessarios já réis 1.506:000$000. Tudo isto junto aos 5.000:000$000 réis do emprestimo que ainda não foi collocado, e a outras despezas, de algumas das quaes já fallei, provenientes da approvação dos projectos que eu pretendo examinar, indica-nos e mostra-nos claramente que o governo tem de contrahir um emprestimo pouco mais ou menos de 13.000:000$000 réis. Será isto prudente e previdente perante a situação critica da Europa? Encontraremos nós dinheiro barato em Inglaterra, onde costumamos ir procura-lo? Submetto a minha apreciação á intelligencia e perspicacia dos dignos pares que me ouvem.

Leu-se na mesa a proposta do sr. Vaz Preto.

É do teor seguinte:

Proposta

Proponho que, em logar de sessão nocturna, as sessões diurnas comecem ao meio dia e findem ás seis horas da tarde.- Vaz Prato = Visconde de Fonte Arcada.

O sr. Presidente: - O sr. Vaz Preto propoz que de amanhã em diante as sessões comecem ao meio dia e acabem ás seis horas da tarde, ficando assim dispensada qualquer sessão nocturna que houver de ser proposta nas sés- soes que se seguirem á sessão de amanhã.

A proposta foi admittida á discussão.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): - Não tenho que referir-mo á proposta do digno par, essa questão é inteiramente com a camara; mas, como s. exa. disse que o governo quer obrigar os dignos pares a votarem, sem discutir todos os projectos de lei dados para ordem do dia, cumpre-me observar-lhe que todas as questões são aqui amplamente tratadas, e ainda que muitas vezes acontece votarem-se sem discussão varios projectos que tiveram detido exame na outra casa do parlamento, todavia o que está em uso nesta camara é julgar-se a materia discutida sómente depois de esgotada a inscripção.

Portanto, de maneira nenhuma se póde dizer que o governo pretende impor aos dignos pares que não discutam; e tanto que todas as propostas importantes, ultimamente trazidas a esta casa, não teem sido votadas senão depois de fallarem sobre ellas os dignos pares que quizeram pedir a palavra.

O sr. Vaz Preto occupou-se agora da questão de fazenda. Eu creio que o melhor modo de aproveitarmos o tempo é não tratarmos as questões fora do seu logar.

S. exa. apresentou uma relação de projectos que produzem augmentos de despeza, e que effectivamente não se podem assim considerar.

O projecto, por exemplo, da creação de obrigações para occorrer a certas despezas extraordinarias, não cria despeza nova, tem unicamente por fim determinar o modo de levantar as sommas necessarias para o pagamento de despezas extraordinarias, que se estão fazendo, que se fazem ha muitos annos, em virtude de diversas leis, e algumas das quaes teem até receita especial para os encargos dos emprestimos que for necessario levantar para occorrer a ellas.

O digno par entende que, votando a camara 3:000$000 réis de despeza, vota o capital que dá de juro essa quantia. Ora, se applicassemos este calculo ao orçamento, teriamos que a despeza do estado não é de 28.000:000$000 réis, mas de 470.000:000$000 réis. Já se vê, pois, quanto é errónea a teoria de s. exa.

Limito aqui as minhas observações, porque julgo que não é este o ensejo apropriado para tratar da questão de finanças.

O sr. Vaz Preto: - O que eu tenho a perguntar ao sr. ministro é se noa estamos numa situação excepcional que nos obrigue a praticar, tambem actos excepcionaes? Pergunto ainda se ha algum motivo especial para que o governo tenha duvida de prorogar as côrtes por mais dez, quinze, ou vinte dias, a fim de fazer passar todas as suas propostas, deixando-nos, ao menos, examina-las, discuti-las e vota-las com consciencia do que fazemos? Pergunto se ha algum inconveniente em serem apresentados ao parlamento todos os documentos que o habilitem a votar com conhecimento de causa?

Apesar de eu não poder entrar competentemente nas

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questões financeiras e diante de s. exa., que póde se dizer, é homem da profissão, sempre perguntarei como é que se satisfazem os encargos a que me referi? Fallei na secretaria da justiça, pedem-se 3:500$000 réis para reformar os quadros daquella repartição. Este encargo não representará um capital? Parece-me que representa. O encargo de réis 3:500$000, corresponde a 7 por cento ao capital do réis 50:000$000, tanto quanto é necessario para satisfazer ao ónus que o sr. ministro da justiça propõe.

Emquanto ás outras verbas, e eu refiro-me apenas áquellas de que pude tomar nota, augmentam consideravelmente a despeza elevando-a a perto de 7:000$000 réis.

Ora, perguntarei eu: havendo todos estes projectos, havendo uma reforma eleitoral que ataca o acto addicional da carta, e que deveria ser convenientemente estudada e considerada, pois que é uma das propostas mais importantes, devendo como tal ser discutida maduramente, pergunto eu se se poderá em tão curto espaço de tempo estudar convenientemente tantos e tão variados assumptos, como são aquelles a que se referem os projectos que temos de apreciar, obrigando-se os dignos pares a assistir sem descanso a sessões diurnas e nocturnas, o que nem ao menos lhes permitte o poderem ler esses projectos sobre que têem que votar?

Nestas condições por que não proroga o governo a sessão?

Receia estar no seio da representação nacional? Parece que é aonde deveria estar melhor, visto ter o seu apoio.

Quanto a mim, sr. presidente, se nos obrigam a discutir por esta forma, convertendo-nos em chancella, entendo que á opposição não resta senão um alvitre, o lavrar um protesto solemne, e deixar a maioria da camara cobrir com a sua responsabilidade a dos ministros. Proceda, pois, a camara como muito bem entender, não ouça as minhas palavras, não se preoccupe com as minhas prophecias; conte, porem, que mais tarde ha de ser forcada a attender o juizo do paiz, que ha de ser severo e justo.

O sr. Presidente: - O que está em discussão é a proposta do sr. Vaz Preto, para que, em logar de sessões nocturnas, excluindo a de hoje, as sessões desta camara comecem ao meio dia e durem até ás seis horas.

Eu devo ponderar á camara; que alguns dignos pares me teem declarado, que pelo seu estado de saude não podem assistir a uma sessão que dure seis horas consecutivas.

N'este caso, se a camara me não determinar o contrario, eu vou submetter á sua approvação-se quer que as nossas sessões comecem ao meio dia e terminem ás cinco horas. Se não obtiver vencimento, consulta-la-hei-sobre se quer que comecem a uma hora e acabem ás cinco. E em vista do pouco tempo que nos resta, eu pedirei que ponhamos termo a este incidente, a fim de entrarmos na ordem do dia.

O sr. Vaz Preto: - Eu peço licença para retirar a minha proposta, visto v. exa. consultar a camara sobre outras, com que me conformo.

O s. Presidente: - Os dignos pares que approvam que as nossas sessões comecem ao meio dia e acabem ás cinco, teem a bondade de o manifestar.

Não foi approvado.

O sr. Presidente: - Vou propor da uma hora ás cinco horas.

Consultada a camara, foi rejeitada a proposta.

O sr. Larcher: - Sr. presidente, consta-me que em uma das anteriores sessões foram aqui apresentadas pelo digno par, o sr. Costa Lobo, algumas considerações com respeito ás condições ascuticas desta casa. Sinto não ter estado presente, por que poderia ter dado á camara algumas explicações sobre o assumpto, por isso que dirigi como engenheiro os trabalhos da construcção desta sala até principios de 1865.

Consta-me tambem que veiu aqui hontem um engenheiro meu collega, chamado pela secretaria desta camara, para examinar o desvão do telhado, sob o ponto de vista de risco de incendio, e que o engenheiro, depois de ter procedido ao exame, dissera, que tinha ali encontrado materias inflamáveis, taes como estopa, cuja presença exigia apenas um certo cuidado na illuminação, e que mais tarde se providenciaria quando acabassem as sessões.

Em vista do que, devo declarar a v. exa. e á camara, que nunca ordenei nem aconselhei que se agglomrassem materiaes de combustão rio desvão do telhado desta sala, declaração que faço simplesmente para declinar de mim a responsabilidade de um acto cujo alcance não comprehendo, o não para levantar quaesquer receios que, segundo parece, não teriam rasão de ser.

O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem): - Eu tinha pedido a palavra ácerca da proposta do digno par, o sr. Vaz Preto, porque desejava dizer alguma cousa a seu respeito; porem a proposta votou-se sem que eu, humilde creatura, tivesse occasião de expor as rasões que tinha para a approvar ou rejeitar.

Não me parece muito regular que, existindo sobre a mesa uma proposta, e havendo quem quizesse usar da palavra sobre ella, se pozesse essa proposta á votação sem se conceder a palavra a quem a tinha pedido.

ORDEM DI DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão na generalidade do parecer n.° 298, sobre o projecto de lei n.° 300.

Tem a palavra sobre a ordem o sr. Carlos Bento da Silva.

O sr. Carlos Bento (sobre a ordem): - Sr. presidente, na presença da multiplicidade dos assumptos que chamam a nossa attenção, e sobre os quaes é indispensavel adoptar uma resolução, eu teria necessidade de usar repetidas vezes da palavra, só a minha saude e os meus recursos intellectuaes correspondessem á importancia e variedade desses assumptos.

Eu felicito o parlamento portuguez de poder resolver em uma curta prorogação de sessão um tão grande numero de negocios.

Ha parlamentos que considerariam como um titulo de gloria o facto de fazerem passar, em uma sessão legislativa, a reforma eleitoral, a reforma administrativa, a organisação militar, ou um caminho de ferro qualquer; mas, o nosso não se contenta com tão pouco, porque, com uma actividade que muita gente não julgaria propria do nosso clima, e num pequeno prolongamento de sessão, resolve todas estas questões e, segundo parece, perfeitamente.

Sr. presidente, estou persuadido que nos têem calumniado aquelles que suppõem que este paiz não é dotado de actividade.

Appareça um só parlamento do mundo, que apresente uma actividade igual á do nosso, não para resolver a questão de fazenda, declarando-se em sessão permanente emquanto não se extinguir o déficit, mas para mostrar que confia em que a ingratidão da receita publica não será tanta que não acompanhe o progresso da despeza. (Riso.)

Sr. presidente, nós caminhamos sempre com a maior rapidez, quando se trata do um augmento de despeza; por isso me parece que em relação ás nossas circumstancias talvez nenhum outro paiz (a não ser em circumstancias extraordinarias de fome, peste ou guerra) nos marche na frente; nós podemos servir de modelo aos paizes estrangeiros, ou pelo menos de espanto, pela forma como malbaratámos os dinheiros publicos; e quem for mais timido do rapido progresso de desequilibrar a receita e a despeza, vê tornar-nos o exemplo.

Esta camara, na minha opinião, está innocente s^ a recusarem de ter impedido as discussões, ella, coitada, que num quarto de hora votou 28.000:000$000 réis. Mas réis

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28.0OO:000$000, não de receita, mas de despeza, sem que a minima perturbação a viesse embaraçar!.. . (Riso.)

Disse o sr. presidente do conselho, n'um relatorio notavel "o déficit em Portugal, ou acaba de uma vez, ou nunca acabará".

Ora, como elle ainda não acabou de uma vez, já sei que não terei a alegria de assistir a tão satisfactorio espectaculo, de receber um bilhete de enterro do nosso déficit. (Riso.)
Trata-se de um melhoramento incontestavel.

Ora, os melhoramentos entre nós, são grandes melhoramentos quando se gasta bastante dinheiro, e para se adoptarem immediatamente votam-se logo grandes verbas! Uma- vez votadas e gastas, está reconhecido que foi melhoramento!

Lá fora para se fazer um melhoramento requer-se primeiramente um vagaroso andamento, quando mais ou menos deva influir na riqueza publica; para nós não ha embaraços, como não ha a proporção entre o capital fixo e o circulante, porque tudo é fixo.

Sr. presidente, eu não desejo prolongar estas divagações que, comquanto pareçam estar fora da materia, não estão, têem relação bem intima; mas, repito, como não tenho desejos de prolongar o debate não seguirei mais neste caminho.

Ha poucos dias o governo, tratando de uma questão que tem relação com esta, sustentava que o estado deveria tomar a seu cargo a construcção e exploração de caminhos de ferro.

Eu não combato essa idéa, que está sendo adoptada em diversos paizes, e com que sympathiso; e esta idéa está ligada com a da defeza do paiz.

Ora, eu supponho que é sempre bem gasto tudo que se gasta com a defeza do paiz, e creio que não ha ninguem que sustente que os caminhos de ferro não concorre, ou podem concorrer para a defeza do paiz.

Entre nós deu-se um facto notavel: deu-se o facto de alargarmos a via de um caminho de ferro que estava em construcção, dando-se-lhe largura igual á da via que se lhe seguia na nação vizinha; e neste facto não seguimos o exemplo da vizinha Hespanha a respeito dos caminhos de ferro francezes, que attendeu mais aos resultados militares sem deixar de attender aos resultados economicos.

Entre nós a unica precaução que se toma é adoptar uma construcção que importa o maior custo.

Eu notarei a opinião de um militar distincto, que escreveu que se os caminhos de forro francezes não tivessem a mesma largura dos caminhos allemães, o cerco de Paris teria sido impossivel.

O que repetirei, pois, sr. presidente, é que nós, que em tudo buscámos imitar os paizes mais adiantados, deviamos já ter seguido o exemplo que nos teem dado outras nações, que no-los podem dar, porque nos precederam neste ramo de administração.

Todas teem estabelecido commissões centraes para regular a rede dos caminhos de ferro; mas aqui faz se com relação a este importante assumpto o mesmo que fazemos a respeito de todas as outras nossas cousas, isto é, olha-se primeiro que tudo para os empenhes a favor de suppostos interesses locaes.

Eu lembro-mo perfeitamente de um relatorio, elaborado por uma commissão de trinta e tantas pessoas na nação vizinha, sobre a rede dos caminhos de ferro; e ultimamente creou-se ali uma outra commissão com o mesmo fim, commissão onde estão representados financeiros, capitalistas, militares, etc.

Nós podemos avaliar todos os factos sem querermos offender o amor proprio de uns ou de outros. E não é só este governo que não tem olhado verdadeiramente para este assumpto. - Tenho ouvido fali ar muito em aprendizagem, e que por causa della é que os nossos caminhos de ferro não foram o que deveriam ser.

Mas creio que ainda não passamos de aprendizes, não porque os nossos engenheiros não sejam capazes, ou não tenham a competencia necessaria para executar obras de primeira ordem, mas porque esses engenheiros estão debaixo da pressão exercida por influencias individuaes da nossa terra.

Eu estou com muito medo de abusar da paciencia da camara.

Vozes: - Não abusa.

O Orador: - Quando vejo um tão grande numero de projectos de maxima importancia, para serem discutidos e votados por esta camara n'um pequeno espaço de tempo, realmente estou receioso de me occupar do projecto que discutimos, e dos outros que lhe hão de succeder no debate.

O nosso collega, o sr. Vaz Preto, propoz que as sessões fossem de seis horas, depois houve outra proposta para que fossem do cinco horas, e depois propoz-se ainda que fossem de quatro.

A camara não approvou nenhuma destas propostas.

Eu pela minha parte acho que nem o espaço de dois mezes seria sufficiente para a discussão dos projectos que têem vindo para esta camara, se fossemos a tratar delles devidamente em relação á sua importancia.

Todavia a necessidade da votação será superior a todas as outras necessidades, e neste caso será mais que bastante o tempo que nós consagrámos ordinariamente aos nossos trabalhos.

Não serei eu, pois, quem ha de reincidir no erro que estou praticando. Nem mesmo a minha saude permitte acompanhar a actividade da camara, que ha do custar um dispêndio de forças, que não está em harmonia com as posses da minha situação de saude.

Nesta questão trata-se mais particularmente de remediar os inconvenientes de se não concluir um caminho de ferro importante, como é o do Algarve, e de continuar as linhas do Alem tojo, a respeito das quaes se tem levado a effeito trabalhos de importancia.

Nesta occasião seja-me licito chamar a attenção da camara para um facto notavel.

No momento em que se propõe a formação de uma companhia para a continuação das vias ferreas ao sul do Tejo, não é para estranhar que eu toque neste ponto.

Não houve inconveniente nenhum em a construcção e exploração do caminho de ferro do Alemtejo sair da administração do estado para a administração de uma companhia.

Disse se aqui isto, e insistiu-se nesta parte, para mostrar que não havia perigo em de novo passar a exploração e construcção dessas linhas das mãos do estado para as de uma companhia.

Efectivamente, se se consultarem os documentos officiaes, vê-se que esta opinião e exacta, tomando-se em conta os kilometros construidos pelo estado.

As vias ferroas, a que me estou referindo, na verdade custaram baratissimas ao estado, nos termos em que elle póde obter a propriedade daquelle caminho.

Mas, como entrou o estado na posse deste caminho? Como? . .

Porque teve a fortuna de fallir uma companhia.

Poderá o governo contar sempre com esta fortuna, se é fortuna, da desgraça alheia?

Não sei.

Um sr. director dos caminhos de ferro do sul e sueste, cavalheiro que infelizmente já não existe, num excellente relatorio, que apresentou a respeito da administração distas linhas, diz que se por acaso a companhia do 1864 tivesse podido continuar na administração dos mesmos caminhos, não se teria dado o facto importante delles se

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poderem concluir na totalidade com economia na construcção.

Note bem a camara que a construcção dos 118 kilometros de caminho de ferro, que foram construidos pelo estado a 13:000$000 réis, saiam construidos pela companhia a 18:000$000 réis de subvenção.

E note-se, que isto é exacto, como logo examinarei, e está escripto no relatorio a que me referi, o qual foi elaborado pelo sr. director do caminho de ferro do sul e sueste.

Ora, na presença disto, resulta que os cavalheiros que teem fallado a respeito das vantagens que se obtêem das construcções dos caminhos de ferro serem feitas por conta do estado, teem toda a rasão; mas eu digo mais, sr. presidente, eu digo que o director do caminho de ferro do sul e sueste hão fez o calculo aos encargos que pesariam sobre o thesouro, se por acaso se tivessem realisado todos aquelles que trazia comsigo o contrato de 14 de outubro de 1865.

Se elles se tivessem realisado, e não existindo construidos senão os 118 kilometros, não eram inferiores a réis 10.000:000$000.

Ora, na presença disto, sr. presidente, parece-me pouco serio para nós o estarmos a admittir um expediente que nos póde comprometter, porque não podemos sempre contar com as bancas rotas de uma companhia, e não de vemos nunca esquecer o que nos diz o director do caminho de ferro do sul no seu relatorio.

Nestas circumstancias mando pura a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

Ora, sr. presidente, nesta hypotheso e por esta forma obsta-se aos inconvenientes do que o caminho do ferro se faça aos poucos; desta forma, calculando nó I que a importancia de cada kilometro do caminho de forro do Algarve é de 20:000$000 réis, vamos construir proximamente 50 kilometros de caminho de ferro, quando polo contrato que fazemos com a companhia, e no praso de quatro annos, não podemos obter que se construam mais de 60 kilometros. Já a camara vê que a differença não é consideravel quanto ao numero de kilometros, sendo-a muito grande em relação á circumstancia de ficarem pertencendo ao estado.

Tendo de ser deduzido o rendimento dos kilometros construidos de novo, podemos concluir que temos um excesso de despeza de 45:000$000 réis, não tomando em linha de conta o augmento de rendimento dos kilometros já construidos. Se por acaso nós attendermos á garantia que o estado tem de receber uma somma equivalente a um termo medio, que comprehenda os annos de menor rendimento, e se por outro lado considerarmos que o rendimento desse caminho de ferro tem ido em progresso, havemos de concluir que a garantia para o estado é só de receber o equivalente ao que o caminho de ferro já rende, e não o que póde vir a render; recebe o estado proximamente o rendimento actual, ficando o caminho propriedade sua.

A modificação no systema de construcção primitiva adoptada pelo governo, não tem inconveniente nenhum, na opinião de um dos cavalheiros que pertence á commissão, e para mim essa circumstancia explica o calor com que aquelle digno par defendeu a construcção do caminho de ferro do Algarve. Esta infeliz provincia tem soffrido bastantes calamidades, mas o governo tem-lho acudido dentro dos limites da sua capacidade. Felizmente um phenomeno meteorológico que ultimamente teve logar, trouxera algum lenitivo aos males daquella desgraçada provincia, e isso poderá fazer com que esta substituição de systema não assuste tanto como me pareceu que devia assustar; mas é exacto que, fazer-se o caminho do ferro por um systema ou por outro, não vem a ser uma e a mesma cousa, é muito differente, porque póde dar logar a demoras na construcção.

Nós, felizmente, até certo ponto, relativamente fallando, com relação á construcção da linha do norte, assim mesmo quando começámos a contratar a feitura desse caminho com Hislop, foi em 1852, e só em 1864, isto é, doze annos depois é que o caminho de ferro estava prompto. Aqui devo dizer, comtudo, uma cousa, e é que o caminho de ferro effectivamente não ficou prompto senão o anno passado. A culpa dessa demora é de todos os governos, porque entenderam que não deviam fazer pressão sobre a companhia para concluir aquelle caminho, mas nem por isso é menos exacto o facto de não se completar o caminho senão muitos annos depois do praso marcado no contrato. Digo isto para demonstrar que o paiz não está em certas condições vantajosas para contratar a conclusão das suas linhas ferreis com todas as garantias, para que se conclua essa construcção dentro do praso que se estipular; mas, dir-se-ha que este argumento, em favor da construcção por conta do estado, que póde ter uma certa força, não a tem na occasião em que se levantam tão altos brados contra os encargos que o estado está actualmente a tomar, e não é neste momento que convem um augmento resultante de uma despeza desta ordem; eu, porem, não sou desta opinião, e se me observassem, que poderia haver difficuldade em realisar a somma necessaria para occorrer á despeza que traria, se este negocio corresse por conta do estado, eu diria que não vejo grande inconveniente na realisação dessa somma, quando me lembro que no ministerio a que v. exa. presidia, a ultima operação que se fez sobre o caminho de ferro, a importancia da emissão annunciada foi coberta setenta e sete vezes.

Ha pessoas que entendem que isto não se póde tomar ao pé da letra, e que dizem que um tal facto não póde significar inteiramente a expressão da verdade, mas é certo que raras vezes tem havido um resultado similhante e é preferivel que se desse esse facto, a não se ter coberto a totalidade da emissão.

Em todo o caso, o facto prova que ha uma certa fé nas obrigações do caminho de ferro, o que eu muito estimo, assim como a ha nos titulos de divida publica fundada, o que eu tambem estimo; mas o que eu desejaria é que este credito e esta fé publica se manifestassem tambem com relação a outros papeis de credito, e que se não desse, a par destes indícios do credito publico, um phenomeno que não me parece muito satisfactorio, e vem a ser que, emquanto todos os titulos de divida publica se mantêem num preço elevado, as acções das companhias commerciaes e industriaes são emittidas a baixo do par, pelo menos uma grande parte dellas.

Isto não me parece que seja um facto concludente do progresso da nossa prosperidade, parece-me antes uma tendencia que não concorre de certo para augmentar a riqueza do paiz, porque se vê que o capital foge da agricultura e das outras industrias.

É muito bom que estas emissões se façam com facilidade, mas quando a procura excedo os limites da applicação rasoavel do capital, é sempre inconveniente, porque demonstra que não ha confiança em qualquer outra applicação.

Sr. presidente, eu tambem entendo que a idéa de realisar o capital para o caminho de ferro do Algarve é uma idéa acceitavel; mas peço perdão para declarar á camara, que não se trata disso neste projecto; trata-se de receber o juro desse capital, o que é muito diverso.

Estou de accordo com a idéa repetida em muitos documentos publicos, e que vem no parecer da commissão.

(Leu.)

Neste ponto não trato da questão de saber se a companhia perde ou ganha. Não trato de ter um accesso de melancolia por antecipação pela pobre companhia, nem tambem um accesso de inveja pelas suas prosperidades.

Ponho de parte as considerações desta natureza, porque, na minha opinião, ha um ponto mais importante do que este: é o de constituir a possibilidade do governo realisar

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este capital em occasião de difficuldade, e essa occasião póde apresentar-se.

Ora, não me parece que quando o governo se veja obrigado a tomar sobre si qualquer encargo, em um futuro mais ou menos proximos possa realisar esta operação, tornando effectiva a cobrança deste capital, quando tiver alienado estes caminhos. E já se viu o governo lançar mão desse recurso quando, pela dificuldade das circumstancias em que se achou julgou necessario celebrar um contrato para receber 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis.

Portanto, parece-me que é bom conservar uma propriedade, sobre a qual o governo possa realisar, de um modo vantajoso, um emprestimo de 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis.

E não se diga, que no momento actual ha contradicção em se propor que o governo construa este caminho, quando se falla dos encargos que o estado tem de tomar sobre si, para occorrer a tantas emprezas mais ou menos industriaes, a respeito das quaes se pede o subsidio de recursos do estado.

Não me parece que seja licito dizer que o governo não póde fazer caminhos de ferro baratos, quando ha kilometros feitos a 13:000$000 réis. E se para este caminho, de que se trata, se adoptasse o alvitre de via reduzida, poderia produzir a economia de um terço da sua construcção e talvez da sua exploração. Pelo menos é essa a opinião de engenheiros muito distinctos.

Se o governo não póde construir caminhos de ferro nestas condições, como é que póde construir os do Minho e Douro?

Ha uma commissão, que foi encarregada pela sociedade dos engenheiros civis de formular o seu parecer sobre a construcção da rede dos nossos caminhos de ferro. E a este respeito direi que nós estamos todos os dias a votar caminhos de ferro e a descurarmos a parte technica; contamos com a intelligencia do acaso, sem ainda sabermos qual ha de ser a rede da nossa viação accelerada.

Quando trata da construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro, diante da qual o governo não recuou, entendendo que devia emprehende-la por sua conta, diz aquella commissão de engenheiros civis:

(Leu.)

Trago este exemplo como objecção áquelles que suppõem que a iniciativa do governo deve só applicar-se ás grandes emprezas, que não é proprio da sua elevada missão occupar-se da construcção de caminhos de ferro menos importantes.

Num parecer de um illustre engenheiro, que está agora á frente da direcção dos dois caminhos de ferro do Minho e Douro, vejo eu tambem confirmadas as observações que a referida commissão apresentou; e neste momento sinto muita satisfação por encontrar no relatorio do engenheiro de quem fallo, um testemunho, para mim escusado, da capacidade e qualidades moraes que correspondem ao conceito que todos devemos fazer do actual ministro das obras publicas, o sr. Lourenço de Carvalho, de quem sou amigo.

(Leu)

Já a camara vê que este caminho de ferro, o mais difficil, o mais dispendioso, o que, segundo a opinião de alguns engenheiros, não ha de cobrir as despezas que com elle se fizeram, foi emprehendido por conta do governo, e, portanto, não sou eu temerário quando peço ao governo que emprehenda a construcção de linhas ferreas mais baratas.

Eu creio, sr. presidente, que estando agora todas as attenções voltadas para a questão do Oriente, será difficil haver no mercado estrangeiro uma attenção tão especial para as occidentaes praias lusitanas, que possamos realisar com grande vantagem o que se pretende pelo projecto em discussão.

Mas, diz-nos o sr. ministro das obras publicas, se a adjudicação não se effectuar, por não convirem as propostas, nesse caso apresentarei ao parlamento, na futura sessão legislativa, uma proposta para que o caminho de ferro do Algarve seja feito por conta do estado.

Aqui se demonstra que o Algarve póde não aproveitar nada com o projecto actual, aqui tem aquella provincia como seria util a adopção da proposta que mandei para a mesa.

A respeito de construcções de caminhos de ferro temos prolongado um pouco a nossa aprendizagem, e isto por uma infinidade de circumstancias.

Nas explicações dadas pelo sr. engenheiro Boaventura encontra-se o motivo por que saiu por maior custo.

Elevaram-se os salarios, e o custo das expropriações foi muito sensivel na linha do Douro.

Esta circumstancia da elevação do preço da expropriação é muito para attender e considerar em linha de conta,

As provincias que lucram evidentemente com os caminhos de ferro que as atravessam, que desfructam directamente dos beneficios que lhes acarreta a viação accelerada, querem ainda acrescentar a esses beneficios o elevado preço por que cedem as propriedades expropriadas.

Sobre este assumpto eu chamo a attenção do governo para que haja a maior cautela possivel, pois ha individuos que vendem uma parte da sua propriedade obtendo por ella muito mais ainda do que se a vendessem na sua totalidade.

Uma outra circumstancia me parece tambem dever merecer a nossa attenção, e vem a ser o estabelecer-se juro aos capitães empregados emquanto se está procedendo á construcção.

Nós, que suppomos saber de tudo e conhecer tudo, se olhássemos para o que se passa lá fora, teriamos occasião de ver que se não procede pela mesma forma.

O capital recebe juro depois de feita a construcção da linha, se o rendimento della dá para esse juro, de outra forma teremos sempre a repetição do singular phenomeno que se deu com o caminho de ferro do norte.

Os capitães venceram juro emquanto a linha se construía, e deixaram de os vencer logo que se concluiu!

Ora, eu receio que aconteça alguma cousa similhante com respeito a .este caminho.

Em Inglaterra, que bem nos póde servir de exemplo, quando se trata da construcção de um caminho de ferro, o estado, apesar de não conceder subvenção, não permitte juro durante a construcção e limita, a importancia das obrigações, ou capital de emprestimo, em relação ao capital por acções.

Para que se não deem factos analogos, é que eu proponho a construcção por conta do governo, e se as circumstancias actuaes não offerecem um ensejo favoravel para o levantamento de fundos, aguarde-se que melhorem essas condições.

Ora, ha mais uma circumstancia ainda.

Fez-se uma concessão de um caminho de ferro, que comprehende um ramal que sé dirige ao caminho de ferro do sueste.

Esta concessão fez-se em 1874, mas ainda se não levou a effeito.

Houve tambem uma concessão feita por uma portaria em 1875, e eu receio que por este projecto se considere em vigor a concessão do ramal de Cezimbra a Cacilhas, sejam quaes forem as rasões para condenar ou ter condemnado a mesma concessão.

Se isso é um facto, parece-me que tem inconvenientes a disposição do projecto de que se trata.

De mais a mais, a fixação das tarifas que se estabelece ainda não comprehende todas as garantias, que se suppunha deviam resultar dessa fixação, porque me lembro que n'esta casa do parlamento, o então ministro das obras publicas, sr. Cardoso Avelino, disse que, apesar da fixação do maximo das tarifas, o governo não devia consentir nunca que se tentasse fazer uma parte deste ramal sem estar concluido o caminho de Cacilhas a Cezimbra.

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Ora, se é necessario inserir neste projecto a disposição relativa ás tarifas, porque não se comprehende tambem nelle a declaração solemne feita por aquelle sr. ministro?

Sr. presidente, isto não me parece tão insignificante, que se não possa suppor que só os proprietarios desta concessão teem vantagem em se entenderem com quem vier licitar á praça, apesar do sr. ministro dizer que basta olhar para o mappa, para ver que o caminho de Cacilhas a Cezimbra não tem importancia; porque e um facto que ajunta consultiva de obras publicas, que tem olhos, e que tem lóbulos cerebraes, julgou da maxima inconveniencia fazer-se esta concessão, e fez mais, até teve a sagacidade de adivinhar antes della ser claramente estabelecida.

Já vê o meu nobre amigo, que não é bastante olhar para o mappa, porque a junta consultiva de engenheiros é de suppor que não deixe de ter mappa.

Mas, admittindo-se mesmo que o não tem, o que u corto, é que para uma companhia que tenha do vir ao mercado, sempre lhe deve fazer peso o facto de haver a consulta do uma corporação de homens technicos, principalmente se se entender que essa companhia está inhibida de fazer propostas ao governo sem estar de accordo com aquelle concessionario.

Sr. presidente, uma nação não vive só dos seus interesses, vive tambem do seu direito, e então lembre-se o governo não aconteça com esta concessão o que não ha muito tempo succedeu em Londres por causa do caminho Larmanjat.

Se houve inconveniente na concessão do caminho de Cacilhas a Cezimbra, não quero dizer que a culpa foi do actual sr. ministro das obras publicas; mas o que lho peço é que não continuemos neste systema, porque o governo precisa estar revestido de força para poder reagir contra qualquer proposta menos aceitável.

Vejo neste projecto um certo caracter provisorio, que não me parece seja recommendação bastante para a camara o approvar. O projecto vem destituído de certos elementos que seria bom que se soubessem.

Tratando do caminho de ferro do Algarve perguntarei eu ha conveniencia em fazer aquella linha de via estreita ou de via larga? Se ha conveniencia em a estabelecer de via reduzida, porque desde logo se não estabelece? Ha conveniencia na via larga? Não sabemos. Ora, eis aqui está provado que o projecto é insufficiente, porque não temos os dados de que carecemos, e, portanto, a camara não deve dar uma auctorisação tão ampla como aquella de que se trata. Se é conveniente a via reduzida para o caminho de ferro do Algarve, que inconvenientes ha em que isto se diga no projecto?

Esta lei é de tal forma vaga que não sei como se possa votar. Tem ou não o sr. ministro opinião a este respeito?

Se o sr. ministro entendo que deve ser de via estreita, porque rasão se ha de ir subordinar ás considerações de uma companhia a opinião do governo e as conveniencias do thesouro, do paiz e daquella provincia?

A minha opinião, sr. presidente, é que o governo deve emprehender por sua conta a construcção desta linha, e a rasão é porque eu não estou convencido, como o sr. ministro, que a construcção do caminho de ferro por conta da companhia é mais rapida que por conta do governo; e isso prova-se pelas concessões que o governo tem dado, que nunca se tem realisado com mais promptidão pelas companhias do que pelo governo, nem mesmo nas linhas mais essenciaes.

Não se diga tambem que o obstaculo é a questão de fazenda, porque exactamente a questão de fazenda é a que menos tem preoccupado os srs. ministros, e a prova é que eu vejo que um homem, como é o presidente da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, assignou vencido este projecto. E eu supponho que aquelle cavalheiro, cuja aptidão financeira conheço, tambem partilha a idéa de que era melhor levantar o capital quando as exigencias financeiras o permittissem.

O sr. ministro da fazenda tem rasão em não gostar das requisições que se lhe fizessem para a construcção das linhas, mas no meu projecto eu remediava os inconvenientes. É certo que o projecto apresentado ás côrtes em 1876 pela administração anterior, que tinha o defeito de não ter no seu seio e sr. Lourenço de Carvalho, chegou sem ter solução até 1878; mas não foi por falta de tempo, mas porque a idéa de alienar o caminho de ferro se sustenta por uma idéa menos exacta, que é, que os caminhos se fazem mais rapidamente por conta do companhias do que por conta do estado.

Sr. presidente, antes de findar, felicito o digno par, relator do projecto, pela sua auspiciosa estreia, que nos elucidou com muita competencia, e pela forma como entra nestas discussões.

É sempre motivo de satisfação ver os que começam a sua carreira politica apresentarem uma noção dos seus trabalhos como aquelle que s. exa. acaba de nos apresentar.

O illustre relator da commissão fallou na garantia que dava para o estado o deposito feito por esta companhia; permitta-me, porem, s. exa., que eu diga que o verdadeiro deposito quem o faz é o governo, por isso que vae entregar á companhia uma importancia do 4.000:000$000 réis de trabalhos já feitos; por consequencia o governo é quem verdadeiramente faz o deposito, e deposito muito consideravel e real, sem contestaccão, entregando á companhia uma grande extensão de linha já construida e em exploração.

O sr. ministro disse, e disse muito bem, que o caminho de ferro do sul e sueste fora um adiantamento feito ás provincias do Alemtejo e do Algarve. S. exa. quiz de algum modo significar que a construcção das linhas ferreas ao sul do Tejo era um elemento de prosperidade futura com que se dotavam aquellas provincias; todavia não se póde julgar que esse facto, só por si, possa concorrer para que uma provincia, nas condições em que se acha o Alemtejo, chegue a um estado de desenvolvimento economico que a eleve á altura de prosperidade a que tem direito de chegar. O estabelecimento de um caminho de ferro não se póde dizer que deve ser a ultima palavra do governo com relação aos melhoramentos de que carece uma região que está nas circumstancias daquella a que me refiro. A este respeito posso lembrar que, quando ainda neste paiz não se cuidava do estabelecimento de linhas ferreas, homens muito eminentes, taes como Mousinho da Silveira, Joaquim Antonio de Aguiar, Silva Carvalho, e outros a quem a nação portugueza é devedora de grandes beneficios, poderam effectuar melhoramentos importantes que tornaram muito mais favoraveis, do que eram até então, as condições economicas deste paiz. Por consequencia, entendo que não basta só fazer caminhos de ferro, que resta ainda muito a fazer na provincia do Alemtejo, cujas circumstancias peculiares, torno a dizer, exigem medidas de outra natureza, que transformem a situação pouco vantajosa em que ainda se acha aquella parte do nosso territorio.

Quando se apresenta, como effeito immediato do estabelecimento do caminho de ferro do sul, o desenvolvimento de uma certa parte da provincia, é preciso attender tambem ás circumstancias em que esse desenvolvimento se effectuou.

É preciso ver que houve proprietarios que, dispondo de varios recursos, concorreram para esse desenvolvimento, porque ao capital alliavam a intelligencia e uma grande forca de vontade.

Foi assim que o sr. José Maria dos Santos póde transformar uma charneca inculta era uma colonia agrícola que prospera de dia para dia.

Reconheço que o caminho de ferro o auxiliou nesse benéfico emprehendimento, todavia posso acrescentar que esta ultima circumstancia não foi talvez o que determinou aquelle desenvolvimento de riqueza publica.

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Eu sou velho, infelizmente, tive occasião de percorrer a provincia do Minho quando ali não havia um palmo de estrada, nem uma secção de caminhos de ferro; comtudo, encontrei naquella provincia uma notavel intensidade de população a par de um admiravel desenvolvimento agrícola. E a que só devia isso? Devia-se ás condições em que os costumes e a legislação civil tinham collocado aquelle paiz.

Um distincto economista, tendo visitado ultimamente aquella parte do paiz, attribuiu o seu desenvolvimento a estas causas, e disse que esse era sempre o resultado do aforamento que elle chama arrendamento hereditario, e que igual phenomeno encontrou na Hollanda.

Aqui está como a legislação civil póde transformar as condições de uma provinda.

Se nós adoptássemos uma lei de1 expropriações para os terrenos que ficam nas proximidades das linhas ferreas do sul do Tejo, e tomássemos outras medidas, cujo alcance economico podesse produzir o desenvolvimento da riqueza publica e da população daquelle paiz, de certo fariamos melhor do que limitando-nos unica e simplesmente á construcção de linhas ferreas.

Por parte da administração passada houve uma indicação economica que, se não póde ser acceita inteiramente como foi apresentada, parece-me comtudo que deve ser aproveitada de alguma forma, pelo menos em parte. Essa indicação é a que tem relação com o tributo dos terrenos incultos.

O imposto mais pesado que temos e incontestavelmente, comparado com o do outras nações, o imposto de transmissão de propriedade por titulo oneroso.

Pois não poderiamos nós ensaiar um systema de expropriações nas proximidades da linha férrea do sul, que tornasse mais facil a acquisição da propriedade e a cultura dos terrenos, sem prejuizo da receita do estado, mas creando, pelo contrario, uma nova fonte de receita com o augmento da materia collectavel?

Eu creio que no Alemtejo a totalidade do, imposto de transmissão por titulo oneroso anda por 70:000$000 réis; reduzido este imposto a metade, com certos ónus, o desfalque temporário seria de menos de 30:000$000 réis.

Em 1851 deu-se o facto notavel, quando se reduziu o imposto de transmissão da propriedade por titulo oneroso de 10 a 5 por cento, de em poucos annos a receita com 5 igualar a importancia do que se recebia com 10.

O que era preciso mostrar bem claramente era que o seu producto se empregava no melhoramento daquella provincia.

Entendo, portanto, que é mais conveniente que se realisem os melhoramentos daquella provincia por conta do estado, do que por conta de companhias, porque estas não teem os seus interesses ligados ao paiz.

Ha já algum tempo que se ha no Times financeiro de Londres uma observação notavel.

Tratava-se do producto liquido dos caminhos de ferro, e concluía-se que de todos os caminhos conhecidos, aquelles em que as despezas de exploração eram menores eram os portuguezes.

Cuidam os dignos pares que se apontava este facto como um elogio? Não, senhores; dizia-se que a economia era feita á custa do serviço. Eis aqui como uma companhia póde lucrar sem que o publico lucre.

Como não pretendo cansar a camara, e não desejo igualmente cansar-me mais, dou por concluida esta minha peroração.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): - Sr. presidente, não acompanharei o digno par em todas as considerações que acaba de expor á camara, não só porque algumas dellas são estranhas ao assumpto, mas por ter a convicção de que não podia corresponder aos desejos de s. exa.; procurarei, pois, restringir-me o mais possivel.

Não se trata, na actual discussão, de indagar e estudar qual o melhor systema, qual a melhor das teorias para construir caminhos de ferro.

Construem-se pelo systema que mais convem, em relação á occasião e ao caminho de que se trata.

S. exa. apresentou uma proposta, que tem por fim auctorisar o governo a concluir a rede dos caminhos de ferro do Alemtejo por conta do estado, e dou-lhe esta larga significação, porque evidentemente, á proposta para um emprestimo do 1.000:000$000 réis para o futuro anno economico, devem corresponder outras até final conclusão daquellas linhas nos annos seguintes.

O digno par manifestou claramente o pensamento, de que entende que estos caminhos de ferro devem ser construidos por conta do estado; mas o governo é do opinião que esse systema, na actualidade, não é tão vantajoso como aquelle que se acha consignado no projecto em discussão.

Não quer isto dizer que desde o momento que o resultado não corresponda á espectativa do governo, e ás esperanças justificadas daquelles que teem esse resultado como certo, o governo não apresente outras propostas de leis tendentes a resolver este negocio que é de maximo interesse. Mas póde porventura o governo, nas actuaes circumstancias financeiras, em que, no dizer de um digno par, se vão correr o grave perigo de se augmentar a despeza em réis 8.000:000$000, que tal é a cifra em que, por um artificio engenhoso, o sr. Vá z Preto calculou as novas despezas que vamos fazer; póde o governo, digo, em taes circumstancias ir augmentar uma somma, tão consideravel já, com os encargos da que seria necessario levantar para a conclusão das linhas ferreas ao sul do Tejo? Parece-me que isso não seria prudente.

O governo prefere, e crê que com grandes vantagens publicas, realisar o seu pensamento por uma operação, que se não é estrictamente financeira, é pelo menos o meio mais prompto e menos gravoso de concluir a rede do Alemtejo e construir a linha do Algarve.

Por este systema o estado, sem prescindir da receita que produzem as linhas construídas já, e sem ficar sobrecarregado com encargo algum novo, terá em pouco tempo aquella rede concluida, e o Algarve servido por uma linha férrea, factos estes que não me parecem insignificantes.

São estas as vantagens que este projecto póde trazer, e me levam a adoptar este systema de preferencia ao que o digno par recommenda, o que pelo menos nos traria, desde já, um encargo de 60:000$000 a 70:000$000 réis. -

(Interrupção do sr. Vaz Preto que se não ouviu.)

Já vou responder a tudo que o digno par deseja. S. exa. propõe que aquellas linhas se concluam por conta do estado ...

(Interrupção.)

Quando ha poucos dias se votou aqui o caminho de ferro da Beira Alta, e se estabeleceu que se abrisse concurso para a sua construcção, e no caso do não apparecerem propostas vantajosas fosse construido por conta do estado, parece-me que era essa a occasião mais opportuna de discutir qual dos dois systemas era o melhor - se devemos seguir o que recommenda a construcção por conta do governo, ou o que a entrega a emprezas particulares.

O digno par entende que o estado deve reservar para si a posse da rede do sul do Tejo, como acto de providencia, para assim ficarmos prevenidos contra qualquer crise angustiosa, da qual nos salvaria essa propriedade importante, atirando a para o mercado o levantando sobro ella sommas consideraveis.

Pois quando se recommendam as vantagens que se nos diz que lá fora se tira da administração das linhas ferreas por conta do estado, quando com o apoio dos exemplos estranhos se insiste na conveniencia, sob os pontos de vista estratégico e economico, de manter na posse e administração dó estado as linhas que hoje lhe pertencem, é que se inculca ao mesmo tempo a vantagem de mais tarde as alie

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nar em um momento de perigo e de penuria do thesouro? Se se pretende realisar o valor destas linhas, seria esse o ensejo mais asado e vantajoso para fazer uma boa operação? Realmente não me pareceria essa a occasião melhor escolhida.

Estou convencido, e neste ponto respondo a uma das perguntas do digno par, o sr. Vaz Preto, que a melhor maneira de realisar o valor dos caminhos de ferro actualmente em exploração, é justamente por esta forma, pela qual se consegue que a companhia que toma as linhas em exploração fica obrigada á conclusão de toda a rede, e tem o maximo interesse em explora-la na sua totalidade. E assim se acham realisados simultaneamente o facto financeiro da alienação do caminho com o facto economico da conclusão das linhas e seus prolongamentos.

Ligar numa só operação estes dois factos importantes afigura-se-me ser o melhor modo de resolver este problema de administração. Tudo quanto seja facilitar a execução do pensamento do governo, attendendo cuidadosamente aos interesses do estado, e proporcionando ao mesmo tempo rasoaveis vantagens á empreza constructora, parece-me ser uma boa norma de administração a que os poderes publicos se honram de conformar-se.

Fallou tambem o digno par, o sr. Carlos Bento, ácerca da largura da via adoptada para as linhas portuguesas, e parece-me que s. exa. entendia suficiente para o nosso paiz a largura primitiva, igual á da via franceza.

Esta discussão, realmente interessante pelo lado technico, é comtudo extemporanea e quasi ociosa neste momento. Eu creio que a largura da via franceza teria sido inteiramente sufficiente para o nosso paiz. Hoje, porem, a questão está posta de lado. Aquillo que importa é que a rede dos nossos caminhos se desenvolva e complete no minimo espaço de tempo, e pelo modo que reuna maior numero de vantagens publicas.

Uma parte, a essencial dessa rede, só póde ser construida com a actual via de lm,67. A outra, ainda muito importante, e complementar da primeira, deve ser construida, a meu ver, de via reduzida, pela economia que dahi resulta, sem prejuizo do seu modo de funccionar.

Tambem o digno par entende que, desde o momento em que o estado está construindo por sua conta as linhas ferreas do Minho e do Douro, que são as que apresentam maiores difficuldades a vencer, é até certo ponto contradictorio que não construa as linhas ao sul do Tejo, que são muito mais fáceis de levar a effeito. Esta rasão não produz, porque se o estado já tomou sobre si o grande encargo que deriva da construcção das linhas ao norte do Douro, muito menos habilitado se acha hoje a tomar novos encargos, ainda que menores.

Peço desculpa a s. exa. de tirar esta inducção contraria do seu argumento, mas esta e a verdade.

E permitta-me s. exa. que, com respeito á linha do Douro, cujas dificuldades aqui apresentou lendo um documento oficial, que eu levante a asserção, ou antes a apreciação que s. exa. faz dos resultados da exploração daquella linha, baseando-se no parecer de uma commissão de engenheiros civis portuguezes. Eu tenho a este respeito uma opinião definida e categorica, não só como engenheiro civil, mas tambem como deputado e como ministro.

E permitta-me s. exa. que lhe diga que a opinião dessa commissão está muito longe de exprimir a opinião da maior parte dos engenheiros portuguezes, ácerca das linhas ao norte do Douro e de quasi todas as outras linhas que devem completar a rede dos caminhos portuguezes. (Apoiados.)

Ainda muito recentemente num relatorio, com que acompanhei uma proposta apresentada ao parlamento, eu procurei mostrar quaes os resultados economicos que ha a esperar da exploração daquellas duas linhas.

E realmente tanto quanto o espirito pratico póde caminhar por uma especie de analogia comparada, e pela inducção dos factos que resultam dos trabalhos estatisticos, que nós temos não só com relação áquellas linhas, mas ás outras do nosso paiz, e ás principaes de Hespanha, e tomando em conta as condições economicas de população e cultura da região que servem, é perfeitamente justificada a opinião daquelles que pensam que as linhas ferreas do Minho e Douro são as que nos hão de trazer maiores vantagens, e as que hão de produzir maior receita, e principalmente depois de ligadas com a rede do paiz vizinho.

O digno par mostrou desejos de saber claramente qual é a opinião do governo com relação á largura da via férrea do Algarve, se ha de ser de via reduzida ou de via larga.

A opinião do governo a tal respeito é já perfeitamente conhecida, pela discussão que teve logar na camara dos senhores deputados. Mas nunca é demais que o governo a apresente, da maneira mais franca e explicita, desde o momento que nesta casa ainda ha quem tenha duvida a tal respeito.

Sr. presidente, eu tenho de ha muito tempo a convicção que os interesses da provincia do Algarve ficam perfeita o plenamente attendidos, construindo de via reduzida a linha que a ha de ligar com a capital e com as restantes provincias do paiz.

Já em 1870, na camara electiva, eu tive a honra de expor esta opinião, modesta, mas convictamente na minha qualidade de deputado. Disse então mais, e repito-o ainda hoje, que a adopção da via estreita para aquella linha era a que melhor se prestava ao complemento obrigado da viação accelerada d'aquella provincia, qual é a construcção de uma linha em todo o litoral que do extremo a extremo permitta prompto e barato transporto a passageiros e mercadorias daquella rica e populosa região. Tanto esta linha do litoral como a principal que em 40 kilometros lhe é commum, deve ser construida de via estreita pela economia que dahi resulta, satisfazendo cabalmente ao movimento a que tem de servir.

Deixando, porem, por agora a linha do litoral, a que o projecto só não refere, é certo que a applicação da via reduzida póde ainda hoje realisar uma economia de proximamente um terço da despeza a effectuar, o que sobre um capital de 2.700:000$000 réis, que em tanto está calculada a construcção e acabamento da linha do Algarve, significa uma economia de 800:000$000 a 900:000$000 réis. E não pareça que o governo não tenha que entrar em taes considerações, desde o momento que pretende entregar a uma companhia a construcção deste caminho de ferro.

Por duas rasões intuitivas não póde ser indifferente ao governo uma tal reducção de despeza: a primeira, e porque essa vantagem se póde e deve reflectir na importancia da annuidade que a companhia tem de pagar ao estado, e essa annuidade deve ser tanto maior quanto menores forem os encargos da companhia a quem as linhas foram adjudicadas; a segunda, é porque a reducção do capital a desembolsar deve facilitar consideravelmente a apresentação de companhias a licitar, visto que o maior receio que este projecto offerece áquelles que o combatem é geralmente que os encargos que a companhia tem a tomar são de tal ordem, que ninguem se resolverá a concorrer com o seu capital para uma empreza que obriga a tanto dispendio.

Mas em tal caso, poderá dizer-se para que conservar as duas hypotheses de via larga e via estreita, deixando ao governo a escolha definitiva conforme o entenda mais conveniente?

Por uma rasão muito simples. Se a opinião do governo é a preferencia decidida da via reduzida, póde muito bem acontecer que uma ou mais companhias entendam que a adopção da via estreita lhes não traz conveniencia em attenção á necessidade de material circulante de diversas condições, e ao facto de uma baldeação obrigada na estarão de Casevel.

A primeira objecção cáe por terra desde que se observe

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que, havendo a comprar material para todas as linhas a construir, a parte afferente á linha do Algarve custaria muito menos para via estreita do que para via larga.

A segunda perde tambem toda a, sua importancia quando se pensa que, construida a linha do litoral, que deveria em todo o caso ser de via reduzida, haveria duas baldeações inevitaveis em Faro e Poço das Ferreiras, na ligação com a parte commum da linha principal.

Seja como for, o governo não quiz assumir a responsabilidade de difficultar a licitação, impondo exclusivamente a via reduzida, e prefere resolver como for mais conveniente em presença das propostas formuladas para as duas hypotheses.

Estas são as rasões que determinaram o governo a acceitar a modificação da linha do Algarve para via reduzida, sem de todo rejeitar a hypothese de via larga.

Assim o aconselham os interesses do estado e da companhia que haja de tomar esta empreza, e não me acobardo de declarar que procuro attender aos legitimos interesses das companhias, porque estou certo que não ha nenhum governo, nem nenhum homem publico, nem nenhum corpo de estado, nem nenhum cidadão, que possa desejar o prejuizo das companhias, e que não estime ver a sua prosperidade sem prejuizo dos interesses do estado. (Apoiados.)

Sr. presidente, prometti ser muito resumido, e vejo que tenho faltado a esta minha promessa, por consequencia o que tenho ainda a responder aos dignos pares que me precederam será em muito breves palavras.

O artigo 8.°, a que se fez referencia na discussão, e que o digno par propõe que se elimine, diz o seguinte:

"Ficam sendo consideradas como fazendo parte desta lei as clausulas do decreto de 15 de julho de 1875, relativo á concessão do ramal do Pinhal Novo a Cacilhas."

Agora vejamos o que diz o decreto:

"3.ª Condição. - Que as tarifas e despezas acessórias que forem adoptadas na linha de Cacilhas a Cezimbra e ramal do Pinhal Novo, em caso nenhum e em nenhum tempo serão inferiores ás tarifas e despezas accessorias que estiverem fixadas e vigorarem no caminho de ferro do sul e sueste, quer este caminho seja explorado pelo governo, quer seja por uma companhia.

"4.ª - Que fixadas e approvadas as tarifas para a linha de Cacilhas a Cezimbra e ramal do Pinhal Novo, a empreza não póde modifica-las no todo ou em parte, sem a previa approvação do governo, e cumprindo sempre o disposto na condição 3.a; e não póde tambem contratar nem estabelecer tarifas especiaes, excepto para transporte de mercadorias directamente de Cacilhas a Cezimbra, e vice-versa, ou directamente de Cezimbra ao Pinhal Novo, e vice-versa."

Ora aqui tem v. exa. as disposições do decreto que interessam ao assumpto.

Esta disposição, como já tive a honra de dizer, não é senão em favor da companhia que porventura tenha de tomar a adjudicação da construcção e exploração das linhas ao sul do Tejo; não tem outro fim senão pôr essa companhia completamente ao abrigo do qualquer perigo que lhe possa vir do caminho de ferro de Cacilhas, perigo que eu sempre reputei imaginário.

Nunca me persuadi que da exploração e construcção da pequena rede, que tem por pontos extremos Cacilhas, Cezimbra e Pinhal Novo, podesse resultar o menor mal.

Devo dizer que não pretendo de modo algum apreciar em minha vantagem a realidade dos factos contra a opinião emittida pela junta consultiva de obras publicas, que muito respeito por ser constituida de homens eminentes na especialidade, mas isto não invalida em nada a opinião que sempre tive ácerca dos resultados economicos do caminho de ferro de Cacilhas e ramal do Pinhal Novo.

Devo ainda acrescentar que os factos têem, até hoje confirmado esta opinião, e hão de continuar a confirma-la para todo o sempre, infelizmente para a empreza.

Com relação á consignação no artigo 8.° do projecto das clausulas e condições do decreto de 15 de julho de 1870, repito o que já disse, não é mais do que a consignação de uma garantia para toda e qualquer companhia, garantia que o governo na sua primitiva proposta não julgava precisa, mas que não teve duvida em acceitar sob a inspiração das commissões da camara dos senhores deputados, para desvanecer imaginarios perigos, que porventura se receassem da construcção do ramal do Pinhal Novo a Cacilhas, sob o fundamento de que uma estação de caminho de ferro em Cacilhas fosse fazer concorrencia á estação do Barreiro.

Esses perigos não devem occorrer ao espirito de ninguem, apesar da nossa imaginação ser fertil em inventar receios que nunca se verificam.

Vou concluir, sr. presidente, respondendo a uma outra consideração apresentada pelo digno par o sr. Carlos Bento.

Parece-me que s. exa. é do opinião, que se reservasse a conclusão da rede ao sul do Tejo para quando á provincia do Alemtejo fosse applicada uma serie de medidas legislativas, que tivessem por fim promover a colonisação naquella vasta região que, como s. exa. diz, tem quasi a superficie da Bélgica, e ao mesmo tempo proporcionassem os meios de levar a effeito uma larga exploração agrícola, aproveitando os recursos naturaes daquelle solo fertilíssimo...

(Interrupção do sr. Vaz Preto que se não ouviu.}

S. exa. queria que desde já este projecto viesse acompanhado de taes medidas legislativas.

Pois, sr. presidente, não bastam aspirações. E antes de tudo é necessario começar por alguma cousa. Não escapam a esta lei as mais grandiosas emprezas.

A minha opinião é que a primeira das providencias que ha a tomar, para melhorar as condições das provincias do Alemtejo e do Algarve, ou de quaesquer outras, são os caminhos de ferro, porque elles desenvolvem a riqueza agrícola d'aquellas provincias abrindo aos seus productos o largo consumo dos centros de população e os portos de mar por onde a exportação os ha de levar aonde mais possam valer.

E para prova disto ahi está a colonia do Pinhal Novo, devida á iniciativa de um proprietario abastado e emprehendedor, que não teve receio das difficuldades ou sacrificios, e isto tudo realisado sob o influxo creador do caminho de ferro que passa por aquella localidade.

Creio ter tocado todos os pontos a que o digno par se referiu, e por isso limito aqui as minhas considerações, pedindo desculpa á camara do tempo que lhe tomei..

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. Carlos Bento.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Artigo 1.° É o governo auctorisado a levantar até á somma de 1.000:000$000 réis, para ser applicada dentro do anno economico de 1878-1879 á continuação da construcção por conta do estado dos caminhos de ferro do Alemtejo e Algarve.

Art. 2.° O levantamento desta quantia será realisado por emissões de obrigações, nos termos da carta de lei de 2 de julho de 1867. Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 12 de abril de 1878.= Carlos Bento.

O sr. Presidente: - E uma substituição ao projecto. Vou propor á camara se a admitte á discussão.

Foi admittida.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu tinha pedido ao sr. ministro das obras publicas, que me respondesse a algumas perguntas, que serviriam de certo para esclarecer a camara, visto o projecto vir tão falho dos esclarecimentos necessarios. Mas, infelizmente, s. exa. respondeu de uma

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forma tão vaga, que eu não o comprehendi, nem a camara tão pouco.

Visto, porem, que s. exa. não respondeu precisamente áquellas perguntas, dirigir-lhe-hei outras, que são de grande importancia para a questão que se discute.

Eu pergunto a s. exa. emquanto calcula o valor do caminho de ferro do sul actualmente, o quanto elle rende? Quer dizer, qual será a quantia provavel que o governo poderá obter se pozer aquelle caminho em venda?

Eu faço esta pergunta, porque acho se deve conhecer o valor real do caminho do ferro, e porque acho altamente exquisito que o governo, para fazer um caminho de ferro vá alienar uma propriedade de valor, para sor paga pelo proprio rendimento.

Pergunto ao governo se já tem algumas propostas de companhias para esse fim? Estes esclarecimentos são necessarios que o illustre ministro os dê á camara. A primeira pergunta que eu fiz ao governo tem relação com uma outra, que eu tambem já tive a honra de fazer ao sr. Lourenço de Carvalho.

Pergunto: quaes foram os motivos que determinaram o governo a retirar da venda o caminho de ferro do sul e sueste, cujo producto estava destinado para os caminhos de ferro das Beiras e prolongamento do Algarve, e agora vae alienar esse caminho? Sobre este ponto insisto eu, e espero que s. exa. responda.

A outra pergunta que faço a s. exa. é: qual foi a rasão por que o illustre ministro alterou o praso do concurso, que era de noventa dias, como estava determinado na lei de 14 de outubro de 1875, e agora passa a ser de quarenta?

A outra pergunta, a que preciso que s. exa. responda, é a seguinte:

Pelo facto do concessionario do ramal de Cacilhas não ter cumprido as portarias do governo para começar o caminho de ferro, conforme se tinha obrigado pelo seu contrato, esse ramal fica sem effeito? Ficando sem effeito, como entendo que deve ser, o governo não póde introduzir neste projecto artigo algum ácerca do ramal de Cacilhas, porque é reconhecer o direito do concessionario, que acabou por não ter cumprido o contrato, e por consequencia o artigo 8.° deve ser por sua natureza eliminado.

Ora, antes de começar as reflexões que tenho ainda a fazer sobre este assumpto, peço ao sr. ministro que responda precisamente ás perguntas que acabo de fazer.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Sr. presidente, eu procurarei responder mais concisamente do que já respondi, ás perguntas que me dirigiu o digno par o sr. Vaz Preto. Muitas dellas já estão respondidas nos documentos que apresentei na commissão, e não me refiro só ao parecer que ella deu, refiro-me tambem aos documentos officiaes que se teem apresentado em ambas as casas do parlamento.

S. exa. perguntou qual é a opinião do governo ácerca do systema de via estreita e via larga? E perguntou igualmente qual a rasão por que não vendeu o caminho de ferro do sueste para a construcção do da Beira, e só o vende agora para a construcção do caminho cio ferro do Algarve?

O governo entende que a melhor maneira de realisar o valor do caminho de ferro do sul e sueste é fazer esta operação, não como simples operação financeira, mas como operação de natureza mixta, como já disse.

O digno par perguntou em quanto o governo calcula o custo do prolongamento da linha férrea do sul e sueste, o em quanto importam os encargos que hão de vir; respondo, que a despeza total a effectuar para construcção de todas as linhas está orçada em 4.200:000$000 reis.

O digno par deseja ainda saber quaes são os encargos, que dahi provem, caso o governo construa as linhas por sua conta; direi a s. exa. que as minhas funcções aqui não são de calculador, e que a importancia do encargo depende exclusivamente do juro que o governo haja de pagar pelo capital levantado.

Qual é a economia que póde resultar da adopção da via reduzida para a linha do Algarve em relação ao custo da via larga; respondo que essa economia é geralmente calculada em um terço da quantia a despender nesta ultima hypothese.

Pergunto a s. exa. qual é a annuidade que a companhia tem de pagar? A importancia da annuidade depende da licitação. Como posso eu saber quaes são as propostas que as companhias hão de offerecer no concurso?

A perguntas, como esta que me dirigiu o digno par, só é possivel responder com dotes propheticos que eu não possuo.

O sr. Vaz Preto: - O sr. ministro não respondeu ás perguntas essenciaes e por isso vou repeti-las. Em quanto calcula s. exa. o valor provavel do caminho de ferro do sul? Tem o governo algumas propostas de companhias era conformidade com o projecto que discutimos? Qual é a rasão por que se consigna aqui a materia do artigo 8.°?

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Eu já respondi ao digno par, e sobre o assumpto da primeira pergunta ha numerosos documentos officiaes, onde s. exa. póde esclarecer-se. Ainda ha pouco esteve o sr. Carlos Bento fazendo a apreciação de um relatorio muitissimo completo a esse respeito.

O sr. Vaz Preto:- E o sr. ministro recebeu já algumas propostas do companhias?

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Não tenho propostas de companhia alguma, nem podia ter, porque não está aberto o concurso, mas consta-me haver mais de uma companhia que pretendem apresentar-se á licitação.

O sr. Vaz Preto: - E a concessão do caminho do ferro de Cacilhas ainda subsiste?

O sr. Ministro das Obras Publicas: - A concessão do caminho de ferro de Cacilhas subsiste, e subsisto mesmo em virtude das portarias que o governo expediu sobre este assumpto.

O sr. Visconde da Praia Grande: - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de marinha e fazenda.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Vaz Preto: - Chamo para este ponto a attenção aos dignos pares.

A camara ouviu a resposta do sr. ministro das obras publicas ás perguntas que eu lhe fiz.

S. exa. disse, que nos relatorios officiaes havia todos os esclarecimentos necessarios sobre o valor do caminho de ferro do sul; logo está o sr. ministro das obras publicas de accordo com um desses relatorios, onde só calcula em 9.000:000$000 réis o producto da venda daquelle caminho. Quer dizer: se o governo vendesse o caminho de ferro do sul obtinha 9.000:000$000 réis, com os quaes podia satisfazer ás despezas da construcção dos caminhos de ferro da Beira Alta e do Algarve, e, portanto, era mais avisado o procedimento do governo quando tinha apresentado um projecto para a construcção das linhas da Beira com a base da venda do caminho de ferro do sul. Esse projecto foi destruido, e desappareceu com o pretexto de que o caminho de ferro do sul não se podia vender por ser uma propriedade importante; e pouco tempo depois apparece este projecto, ácerca do qual o digno par, sr. Larcher, tem graves apprehensões, apprehensões que no publico lançam desfavor para o governo.

Aqui tem v. exa. por que eu affirmo que neste projecto ha o que se vê e o que não se vê. Por isso eu queria que o governo procedesse de outra forma, e não viesse tão de leve trazer á camara um projecto desta ordem sem o acompanhar de esclarecimentos.

Quando o governo apresentou na camara dos senhores deputados um outro projecto, em que se tomava por base a venda daquelle caminho de ferro, não só ouvi dizer, mas

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sei que uma companhia estava disposta a comprai-o, porque entendia que o seu dinheiro ficava muito bem collocado se fizesse uma similhante operação. A historia do caminho de ferro do sul envolve acontecimentos graves, e não só tem trazido grandes difficuldades ao paiz, mas tem posto o governo em serias contradicções.

Sr. presidente, v. exa. e a camara sabem perfeitamente as dificuldades com que o paiz teve de lutar, e a indemnisacão que teve de dar a uma companhia fallida.

No entanto, o sr. ministro das obras publicas diz que o caminho de ferro nos ficou eminentemente barato!

Ora, nós devemos olhar, não só para o que se vê, mas para o que se não vê. Esse caminho custou-nos embaraços financeiros muito serios. O mercado de Londres estava para nós fechado, e só podemos realisar emprestimos por alto preço, e tudo isto por termos feito a concessão a uma companhia- que não póde cumprir aquillo a que se obrigou.
Eu concordo em que o caminho de ferro está relativamente barato, e que vale mais do que os 9.000:000$000 réis que custou, não obstante o seu rendimento de hoje não corresponder ao juro daquelle capital. Isto quer dizer, que não convem fazer contratos que tenham por base o seu rendimento actual. Isto é evidente, e, portanto, mostra, sr. presidente, que esta operação se não deve fazer por ser contraria ao interesse do paiz.

A primeira cousa que o governo tinha a fazer era abrir praça para a venda do caminho de ferro do sul, porque só assim reconheceria o seu valor real e procedia convenientemente para os interesses do thesouro, e para utilidade do paiz, não o adjudicando a uma companhia pela forma que indica este projecto.

É deveras curiosa a rasão por que o governo, tendo apresentado um projecto de lei, que tinha por base a venda do caminho de ferro do sul, o fez substituir por este que hoje discutimos. Os motivos desta substituição não os disse o sr. ministro, mas posso eu dize-los, porque é bom que se saiba tudo.

Nas commissões de fazenda e obras publicas reunidas levantou-se grande discussão sobre este assumpto, e o sr. ministro da fazenda, collocando-se á frente dos que não queriam a venda do caminho de ferro do sul, fez com que o sr. Caridoso Avelino, então ministro das obras publicas, desistisse da venda, sob o pretexto de que era uma propriedade importante do paiz; que tinha um futuro auspiciosissimo.

Fez-se isto, e ao mesmo tempo que se procedia por esta forma, desistindo-se da venda do caminho de ferro do sul, fazia-se a concessão do ramal de Cacilhas. Sendo Cacilhas, como todos dizem, a testa dos caminhos de ferro do sul e sueste, a companhia que tiver a concessão fica em condições superiores a todas as outras para poder licitar. Creio mesmo que, dada esta circumstancia, nenhuma outra concorrerá.

Escusa de dizer o sr. Lourenço de Carvalho que a testa do caminho de ferro é o Barreiro, pois o sr. Avelino tanto julgou o contrario, que para elle poder concorrer com Cacilhas gastou lá, sem estar auctorisado, proximamente réis 1.000:000^000. Nós combatemos aqui com toda a força o escândalo da concessão, e não o podemos impedir; e hoje, apesar do concessionario não ter cumprido as condições do contrato, e, portanto, ter acabado a concessão, assim mesmo o governo, por um sophisma, vem salva-lo, introduzindo neste projecto uma disposição para esse fim.

Já vê v. exa. que pela natureza das cousas a testa das linhas do sul e sueste ha de ser forçosamente Cacilhas; do que resulta, que aquella importantissima propriedade do estado sofrerá uma grande depreciação e um grave prejuizo. Prejuizo que ha de ser muito maior quando a rede do Alemtejo estiver completa. Não me parece bem acertado, que quando as linhas que o estado explora vão de dia para dia augmentando de valor e de rendimento, deixando-nos antever um futuro auspiciosissimo nesta occasião, se entregue a uma companhia esta valiosa e importante propriedade para se concluirem as linhas do Alemtejo, e fazer o caminho de ferro do Algarve, considerado pelo sr. ministro das obras publicas como uma linha secundaria, e que nunca deve ser de via larga, porque só póde servir, na opinião de s. exa., para transporte de algumas mercadorias preciosas e de passageiros.

Devendo, pois, ser o caminho de ferro do Algarve de via reduzida, como sustenta o sr. ministro das obras publicas, que reconhece que aquella linha ha de dar pouco desenvolvimento ao commercio, por isso que nunca póde fazer concorrencia ás tarifas dos transportes marítimos; segue-se que a alternativa de via larga ou de via reduzida, se não é uma transigência do governo com alguns deputados da maioria, transigência culpável, porque ataca os interesses do resto da nação, significa pelo menos pouca estabilidade nas opiniões do sr. Lourenço de Carvalho.

O sr. ministro das obras publicas tem a obrigação de ter uma opinião precisa sobre o systema de construcção; deve pois, declarar se adopta a via larga ou a via reduzida, e na conformidade dessa opinião definitiva é que a disposição do projecto devia ser redigida.

Mas diz s. exa. "que se acaso fosse o estado que fizesse a construcção por sua conta, preferia a via estreita, que essa era a sua opinião; não sabendo, porem, se a companhia partilhava essa opinião, rasão por que tinha introduzido no projecto o principio da dualidade das vias".

Sr. presidente, é preciso olhar esta questão debaixo de dois pontos de vista-completar as linhas do sul e sueste, ligando-as com o caminho de ferro de leste e com a fronteira de Hespanha na direcção da linha hespanhola de Huelva, e ligar o Alemtejo com o Algarve por um caminho de ferro.

Nesta occasião devo dizer que a continuação da linha de Extremoz até ao caminho de ferro de leste é inconveniente, e que devia dirigir-se directamente a Eivas, porque o percurso são apenas 45 kilometros, e tinha a vantagem de se approximar da linha férrea hespanhola.

O governo, que tem sempre o pensamento em augmentar a despeza, sem lhe importar com o thesouro, entendeu que devia levar a linha ao Grato, augmentando desta sorte o percurso, que fica sendo de 66 kilometros; dando-se alem disso a circumstancia de não ter essa linha as condições estratégicas que teria seguindo a outra directriz a Eivas, por isso que a linha em direcção a esta praça ficava debaixo da sua artilheria.

Já não bastava a concessão do celebro ramal de Caceres, que nos colloca numa situação estratégica bem desfavoravel, vem agora mais esta linha para difficultar a defeza do paiz contra qualquer invasão.

Ainda aqui o governo mostra bem o amor que tem á companhia do caminho de ferro do norte e leste.

Não sei quaes sejam os cálculos do sr. ministro das obras publicas, o que sei é que se o caminho de ferro do Algarve for feito de via larga custa tres vezes mais do que custaria sendo de via reduzida; e que, portanto, a camara dá uma auctorisação muito lata ao governo pelo projecto, da qual elle póde abusar, como é provavel, desde que este projecto é de compadres e para compadres.

O digno par, o sr. Larcher, tem tambem estas apprehensões, e o sr. conde de Cavalleiros expô-las muito claramente, explicando o que se não vê e o que está debaixo de véu espesso.

O artigo 8.° bem nos demonstra que aqui ha o quer que seja de occulto.

Deixemos por agora este ponto.

Veja o sr. ministro das obras publicas como os cálculos que eu lhe vou ler destroem completamente os seus:

Prolongamentos da linha do sul e sueste, de Estremoz ao Grato, e de Serpa em direcção ao caminho de ferro que vem de Huelva, são 98 kilometros, a 22:800$000 réis cada

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um dá 2:234:400$000 réis, e encargo para o thesouro, a juro de 7 por cento, 156:408$000 réis.

Prolongamento das mesmas linhas, mas em logar do Crato a Elvas são apenas 81 kilometros, cujo custo será de 1.846;800$000 réis, e encargo para o thesouro 129:276$000 réis.

Caminho de ferro do Algarve:

De Cazevel a Faro 154 kilometros, cada um a preço de 11:400$000 réis dá 1.755:600$000 réis, e encargo para o thesouro 122:892$000 réis.

Deduzindo do capital 1.755:600$000 réis as despezas das obras ultimamente feitas na importancia de 580:000$000 réis, fica o capital do 1.175:000$000 réis e o encargo de 82:292$000 réis; portanto, teremos:

Prolongamentos pelo Crato 156:408$OOO
Caminho de ferro do Algarve 82:292$000
238:690$000
Deduzido o producto liquido da media dos ultimos tres annos, que é de 160:000$000
Teremos a differença apenas de 78:690$000
Prolongamento para Elvas 129:276$000
Caminho de ferro do Algarve 82:292$000
Deduzido o producto liquido da importancia de 160:000$000

Portanto já v. exa. vê que no caminho de ferro do sul, quer o prolongamento de Estremoz seja para o Crato, quer para Elvas, este prolongamento ha de ser de via larga, porque faz parto da grande rede do Alemtejo; e tanto esta parte do caminho como a que liga o Alemtejo com Hespanha pelo Huelva, que é a linha peninsular, são as que devem trazer maior rendimento ao caminho de ferro, porque fica por um lado ligado com a Hespanha, e por outro lado com o resto do paiz.

No entanto, pelas doutrinas do sr. ministro, e asseverações feitas já aqui, não succederá assim; pelo contrario, o rendimento decrescerá; e tanto que calcula que os kilometros dos prolongamentos renderão 500$000 réis cada um, é p da linha do Algarve 400$000 réis, valor inferior ao que rende actualmente o caminho que o governo explora. Esta doutrina é absurda, e admira como o sr. Lourenço de Carvalho se atreveu a sustenta-la, tendo sustentado outra diametralmente opposta ácerca dos caminhos de ferro do Minho e Douro. As theorias de s. exa. são diversas, conforme as conveniencias.

Por que rasão não applica s. exa. esta theoria ao caminho de ferro do Minho e do Douro?

Como não lhe faz conta o argumento, sustenta exactamente a theoria opposta. S. exa. disse que, logo que as redes do Minho e do Douro estejam completas, o augmento de receita será extraordinario. E por que não o na de ser tambem para o Alemtejo e Algarve?

O illustre ministro deve compenetrar-se de que a linha que liga o caminho de ferro do sul pelo Huelva é uma linha de ferro peninsular, porque não só liga á Hespanha o Alemtejo e o Algarve, mas todo o resto de Portugal, desde que esteja feita a ligação com a linha do Isste, quer no Crato, quer em Elvas.

E desde esse momento ha de forçosamente augmentar o rendimento kilometrico de toda a rede.

E perguntarei, pois, como quer s. exa. que lhe acceitemos os seus cálculos? Pois o caminho póde por algum modo descer de rendimento, quando se estende e completa a sua rede!?

Eu, repito, não comprehendo os cálculos do sr. ministro, que lhe servem para demonstrar cousas inteiramente oppostas.

No Minho e Douro entende que quanto maior e o percurso, maior se torna o rendimento kilometrico; e quando se trata do Alemtejo, que fica ligado com Hespanha por ser caminho de ferro peninsular, então já a theoria muda! Isto, sr. presidente, é um contrasenso e mostra bem que o governo não tem opinião fixa, e que a muda tantas vezes quantas lhe couvem.

Sr. presidente, o sr. ministro das obras publicas disse que era sua convicção de que a primeira necessidade do governo é fazer os caminhos de ferro em todas as provincias. Se essa é a sua convicção, por que fica, pois, excluida a Beiro Baixa?

Talvez seja por que a opinião do sr. Lourenço de Carvalho já foi de que esta linha era a primeira e a mais importante.

Como s. exa. nunca sustenta a mesma opinião nas suas differentes posições officiaes, não admira que para preterir o caminho de ferro da Beira Baixa diga agora que não tem recursos.

No entanto tem recursos para fazer o caminho de ferro da Beira Alta, que custa quatro ou cinco vezes mais caro, e tem recursos para o caminho do Algarve!

Estas contradicções, sr. presidente, estão abaixo do tudo, e portanto, não as commentarei; deixo essa tarefa á camara e ao publico.

O caminho de ferro do Algarve á uma linha de segunda ordem, e custa muito mais cara do que a linha da Beira Baixa; e, apesar disso, para essa linha não invoca a falta de recursos do thesouro, a necessidade de organisar a fazenda publica.

Para esse desapparecem todos os inconvenientes, e todas as difficuldades, e já não o assusta o déficit de 5.000:000$000 réis e uma divida fluctuante de 12.000:000$000 reis!

Para onde vamos nós!? Para onde nos quer levar o governo!? Não nos persuadamos que estamos em maré de rosas, a situação do paiz é mais assustadora do que se imagina.

De mais, sr. presidente, este projecto ainda tem um outro inconveniente, e é ser ainda o mesmo que foi apresentado em 1876.

De lá até aqui têem-se feito obras de grande vulto, já custam perto de 000 contos; e não obstante, as condições para alienar o caminho de ferro do sul são as mesmas. Neste caso era melhor te-lo alienado em 1876, pois poupariamos o dispêndio daquellas obras, que continuam.

Tudo isto revela a leviandade do governo, e o pouco zelo pela cousa publica.

É necessario, pois, que nos entendamos. Ou apparecem companhias que vem licitar de boa fé ou de má fé; no primeiro caso é porque ellas entendem que tiram lucros; no segundo caso é porque contam com indemnisações; portanto conclue-se que o governo não deve alienar o caminho; porque, se ha lucros, tirem-se; se os não ha, evite complicações como as que já teve por contratar com uma companhia naquellas circumstancias.

Estas companhias quasi sempre são estrangeiras e protegidas pelo governo do paiz a que pertencem.

Essas companhias hão de, pois, vir pedir indemnisações e acclarações.

(Interrupção ao sr. ministro das obras publicas, que não se ouviu.}

O certo é que o governo não tem forca para fazer cumprir os contratos, e a prova disso é o que succedeu com o caminho de ferro do norte, que só se concluiu muitos annos depois de findo o praso marcado no contrato, chegando a ter a sua conclusão definitiva o anno passado, e isto só depois do governo ter feito um presente á companhia, concedendo-lhe o imposto de transito por trinta e seis annos.

O que quer dizer, que a companhia só depois de receber o valor do que tinha de despender para cumprir o contrato é que tratou de satisfazer á condição do contrato!

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Veja a camara como são sempre desgraçadas as negociações que temos com as companhias estrangeiras.

Ha ainda um ponto importante no projecto, que é o artigo 8.° O sr. ministro das obras publicas diz que "tem por fim dar garantia a qualquer companhia que se apresente contra as apprehensões dos perigos que possam advir para as linhas do sul da concessão do caminho de ferro de Cacilhas"; quanto a mira esse artigo não tem outro fim senão fazer reviver a concessão do ramal de Cacilhas, que estava morta. Este artigo não foi da iniciativa do governo; peço, pois, ao sr. ministro das obras publicas que o elimine, e peco-lhe tambem que faca cumprir a lei. O concessionario do ramal de Cacilhas tinha de começar as obras dentro de certo praso que lhe estabeleceu uma portaria, porem não as começou, não cumpriu aquillo a que estava obrigado, por consequencia a concessão morreu, e desde esse momento é inuiil aqui este artigo.

Peço, pois, a s. exa. que o retire deste projecto, porque as observações que fez p sr. conde de Cavalleiros são muito serias, e é necessario dissipar as apprehensões do publico e todas as suspeitas a que dá logar este artigo.

Este é um negocio muito grave, e por isso é preciso que o governo tenha todo o empenho em mostrar que a operação que vae fazer com o caminho de ferro do sul não prende nada com a concessão a que por ahi chamam cacilhada, que foi mais um presente que o governo fez a um seu amigo, á sua maioria, a um deputado da nação, como disse aqui o sr. conde de Cavalleiros.

As circumstancias que se teem dado com esta concessão dão justo fundamento a suspeitas, e a dizer-se que neste projecto ha uma parte occulta que se não vê.

Hoje põe-se á venda o caminho de ferro do sul, amanhã retira-se da venda, no outro dia faz-se a concessão do ramal de Cacilhas, e feita ella põe-se de novo á venda o caminho de ferro do sul!

Que systemas são, pois, estes?

Que significam estas contradicções?

Que empenho ha em alienar uma linha, que tem um futuro auspicioso, segundo affirma o proprio governo?

Altos mysterios! É o que se não vê.

Que significa aqui o artigo 8.°?

Peço ao governo que elimine o artigo 8.°, para que essas apprehensões se desvaneçam completamente, artigo que não é aqui necessario; e tanto que não foi s. exa. que o inseriu no projecto como o proprio sr. ministro das obras publicas confessou, mas que foi introduzido pela commissão na camara dos senhores deputados.

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas que se não ouviu.)

Quer dizer que a sua opinião não era essa.

(Nova interrupção do mesmo sr. ministro que não se ouviu, tambem.)

Então concordou depois que subiu ao poder?

Por consequencia tomou a responsabilidade do facto, e entendeu que era necessario inserir no projecto este artigo para ficar reconhecido de certa forma um direito, que tinha acabado?

Neste caso o illustre ministro, em logar de zelar os interesses da nação, tornou-se procurador do concessionario do ramal de Cacilhas.

Este projecto não seria approvado na camara dos senhores deputados se não fosse a restauração do ministerio regenerador.

O sr. Lourenço de Carvalho sabe perfeitamente a impugnação que elle soffreu na camara dos senhores deputados o anno passado, e o governo tratava de transigir, segundo o seu costume.

Agora, porem, mudaram as cousas, porque a camara está no ultimo periodo da sua existencia; e os srs. deputados entenderam que era necessario transigir tambem com o governo, porque a eleição geral vae ter logar.

Não só passou este projecto, mas passaram outras medidas importantes, que estavam no fundo dos archivos das commissões, donde não havia esperança de as tirar.

É mau precedente que projectos desta gravidade se discutam á ultima hora. Se o governo entende que precisa delles para governar, e não ha inconveniente nem complicação alguma, prorogue a sessão, para desassombradamente discutirmos e tratarmos tão importantes questões.

Sr. presidente, uma das cousas que é necessario estabelecer no projecto, e sobre que hei de apresentar uma emenda quando se chegar á especialidade, é que o caminho de ferro do Algarve seja de via reduzida. Sobre este ponto não tenho a mais leve duvida, não porque seja essa a minha opinião como homem technico e entendedor daquella especialidade, mas porque tenho por mim as opiniões dos homens competentes e entendidos. Entre elles avulta a opinião auctorisada do proprio sr. ministro das obras publicas, engenheiro distincto. A sua opinião, a respeito do caminho de ferro do Algarve, cuja construcção eu entendo que é prejudicial para o paiz, é clara, precisa e assentada.

Eis aqui tem a camara um trecho interessante de um discurso do sr. ministro das obras publicas, pronunciado na outra camara.

"Declaro, porem, com a maior franqueza, que se tivesse assistido ás sessões em que se tratou da linha do Algarve, eu teria apresentado algumas considerações, tendo por fim rejeitar a construcção do prolongamento do caminho de ferro de Casevel a Faro, por uma forma que eu entendo muito mais praticavel e em condições, a meu ver, mais justificadas perante a boa economia, daquellas, em que o projecto actual propõe a resolução deste assumpto, aliás de toda a importancia.

"Realmente não é facil comprehender que o prolongamento do caminho de ferro de Casevel até Faro possa encontrar uma companhia que queira construi-lo, contando apenas com a exploração de um pequeno traço em condições tão desfavoraveis.

"Mas ha ainda outra consideração, e nessa talvez os illustres deputados pelo Algarve me não acompanhem; o caminho de ferro do Algarve, na minha opinião, deve ser construido de via estreita.

"O caminho de ferro do Algarve é destinado ao movimento de passageiros e de mercadorias, que podem com as tarifas dos caminhos de ferro, e que até certo ponto podem denominar-se preciosas." -

Estas rasões fortes e as mais convincentes não são uma asserção gratuita.

Vou ler ainda mais outro periodo, não menos expressivo, e que as corrobora:

"O Algarve tem muitos artigos aproveitaveis ou destinados á exportação ou ao consumo da metropole. Nem se estranhe esta expressão desde que o Algarve já foi aqui designado como uma provincia do ultramar. Ã maior parte, porem, dos riquissimos productos do Algarve não podem vir pelo caminho de ferro, porque o transporte pelo caminho de ferro em 350 kilometros é um ónus gravissimo para essas mercadorias, que prefiram sempre os navios de longo curso para o commercio de exportação, e os navios de cabotagem para o seu transporte para Lisboa.

"E a prova de que essas mercadorias não podem com essas tarifas dos caminhos de ferro está no que dizia o sr. Marçal Pacheco - que o governo, construindo o caminho de ferro poupava o subsidio que dava annualmente á empreza da navegação a vapor para o Algarve, o que quer dizer, que as mercadorias não podem com a tarifa marítima, porque se ellas fossem transportadas pelos vapores da carreira subsidiada, de certo a receita dahi proveniente remuneraria largamente a empreza da navegação."

Note-se, o sr. Lourenço de Carvalho entendeu que as mercadorias não podiam ser transportadas do Algarve neste percurso de 350 kilometros, porque as tarifas do caminho de ferro eram elevadas em relação ao transporte por mar.

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Por consequencia, para que serve este caminho de ferro? Espero que o illustre ministro o dirá á camara.

Eu vou continuar ainda a leitura de mais outro trecho, porque desejo que a camara fique bem instruída:

"Se o illustre deputado não quer o caminho de ferro para transporte de mercadorias, então para que o quer? Para passageiros e raras mercadorias? Exactamente o que eu acabei de affirmar á camara. A baldeação é um phantasma que persegue muita gente...

"O sr. Marçal Pacheco: - Eu não fallei em baldeação.

"O Orador: - Eu estou referindo as minhas proprias idéas. As despezas da baldeação estão hoje computadas pelos engenheiros conhecedores desse serviço, determinadas pela experiencia em muitas linhas onde elle se acha organisado e montado como deve ser, estão reputadas ao equivalente a um percurso de 4 kilometros de via férrea e 1 kilometro de estrada ordinaria. Pois v. exa. quando fica com o caminho a mais de 1 kilometro de estrada ordinaria já não quer o caminho de ferro? Já o assustam para o transporte de mercadorias as despezas de mais 1 kilometro a percorrer por estradas ordinarias?"

Aqui estão bem claras as idéas que o sr. Lourenço de Carvalho professava quando era deputado; ficava-lhe, pois, muito bem que fosse coherente, e que não imitasse os maus exemplos que lhe dão os seus collegas.

O sr. Lourenço de Carvalho estando convencido, como está, de que o caminho de ferro do Algarve é inutil para transporte de mercadorias, insere neste projecto a condição de o poder adjudicar sendo de via larga.

Pois s. exa. ignora que este caminho de via larga custa 3.000:000$000 réis, e que de via reduzida custa apenas 800:000$000 a 900:000$000 réis?

Sr. presidente, parece-me ter demonstrado, que olhada debaixo de todos os pontos do vista a alienação do caminho de ferro do sul, pela forma que se apresenta, é prejudicial ao paiz.

Isto melhor ainda se demonstrava se este projecto de lei não viesse desacompanhado dos respectivos dados e de esclarecimentos que poderiam derramar luz na discussão.

Dizem-me alguns dos meus collegas que já deu a hora. Peço, pois, a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão nocturna.

O sr. Barros e Sã: - Requeria a v. exa. que consultasse a camara sobre se permittia que todos os pareceres, que estão impressos e distribuidos, se considerassem em ordem do dia, dispensando-se nesta parte o que dispõe o nosso regimento, segundo o qual só depois de quarenta e oito horas poderão ser discutidos.

O sr. Presidente: - Já deu a hora. Como hoje ha outra sessão, logo consultarei a camara sobre o requerimento que acabou de fazer o sr. Barros e Sá.

Os dignos pares que tiverem de apresentar alguns pareceres de commissões, podem manda-los para a mesa.

Leram-se na mesa alguns pareceres,

O sr. Presidente: - A sessão nocturna começa ás oito horas, sendo a ordem dos trabalhos a que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 12 de abril de 1878

Ex.mos srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Duque de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, do Bomfim, de Cabral, de Cavalleiros, do Farrobo, da Fonte Nova, de Linhares, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Fonte Arcada, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Scisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barão de Ancede, D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Barreiros, Larcher, Martens Ferrão, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pita.

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