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N.º 43
SESSÃO NOCTURNA DE 12 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do Ex.mo sr. Duque d'Avila e de Bolama

Visconde de Soares Franco

Secretarios - os dignos pares, Visconde de Soares Franco, Montufar Barreiros

(Assistiram os Ex.mos srs. presidente do conselho e ministros, dos estrangeiros e da marinha.)

Ás oito horas da noite, sendo presentes 22 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que se julgou approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Cinco officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes propostas de lei:

l.ª Qualificando como crimes os maus tratos para com os animaes, e comminando penas para contra aquelles que os commetterem.

À commissão de legislação.

2.° Sobre a transferencia dos coroneis do ultramar para o exercito da metropole e regulando o seu accesso.

Ás commissões de guerra e fazenda.

3.° Auctorisando a accumulacão das pensões decretadas conforme a lei de 11 de julho de 1867, com as do montepio do exercito e da armada.

As commissões de guerra e fazenda.

4.° Auctorisando o governo a melhorar a reforma do major Urbano Antonio da Fonseca, no posto de tenente coronel.

Ás commissões de guerra e fazenda.

5.° Auctorisando o governo a organisar a escola e serviço, de torpedos.

Ás commissões de guerra e fazenda.

O sr. Presidente: - Eu creio que a camara concorda em que esta sessão seja considerada como continuação da sessão diurna. (Apoiados.)

Se algum digno par tem para mandar para a mesa alguns documentos ou pareceres de commissões é occasião de o fazer.

O sr. Conde do Rio Maior: - Pedi a palavra para mandar para a mesa duas representações das benemeritas corporações dos bombeiros de Lisboa e Porto, pedindo á camara para ser tomada em consideração a proposta que tive a honra de apresentar, para que estes benemeritos tenham direito a ser aposentados.

Requeiro a v. exa. que a estas representações se de o destino conveniente, e se mandem publicar no Diario do governo.

Assim se resolveu.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu peço a v. exa. que me seja enviada, não digo immediatamente, mas amanhã uma nota de todos os projectos de lei que esta camara tem de examinar ainda.

OBDEM DA NOITE

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem da noite.

Tem a palavra, sobre a ordem, o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto (sobre a ordem). - Sr. presidente, vou resumir o mais que poder as considerações que ainda tenho a fazer. Effectivamente, pouco ou nada se póde acrescentar ao que disse o sr. Carlos Bento. O seu profundo conhecimento ácerca do objecto que se discute, e as suas tão sensatas reflexões devem por força ter calado no animo da camara, e oxalá que calassem tambem no animo do governo. Serei portanto muito breve, resumindo quanto possivel as considerações que tenho a fazer, e a assembléa depois votará como entender.

Sr. presidente, como asseverou o sr. Lourenço de Carvalho, servindo-se dos cálculos officiaes, o caminho de ferro do sul vale agora 9.000:000$000 réis, e este preço é ainda um preço minimo, porque elle está, segundo a propria declaração de s. exa. eminentemente barato. Ora, se o governo fizesse o que eu entendo que devia fazer, e o que aconselha a boa prudencia, isto é, se alienasse esta propriedade do estado, propondo a venda do caminho de ferro do sul, e, abrindo praça, obtivesse este preço de 9.000:000$000 réis poderia satisfazer aos encargos, que hão de vir ao paiz, da construcção do caminho de ferro da Beira Alta, e não só alliviaria o paiz destes encargos, mas poderia ainda occorrer á conclusão da linha do Alemtejo, construindo por sua conta um caminho de ferro de via reduzida para o Algarve.

Com 9.000:000$000 réis satisfaziam-se estes encargos; construia-se o caminho do Algarve de via reduzida, o que seria muito mais barato, e ficava o governo ainda habilitado com uma verba para o caminho de ferro da Beira.

Já v. exa. vê, pelos cálculos officiaes, e pelas asseverações do proprio sr. ministro das obras publicas, que esta operação que o governo vae fazer é muito prejudicial e ruinosa para o paiz, e se é muito prejudicial e ruinosa á vista dos documentos officiaes, ainda é mais prejudicial e ruinosa á face das declarações do sr. ministro.

O sr. ministro das obras publicas disse, que para a rede dos caminhos de ferro do Alemtejo render e dar resultado profícuo, é necessario que os prolongamentos estejam concluidos, porque, quando se de este facto, fica o sul do reino ligado com a Hespanha, pela linha de Huelva, e com todo o paiz pela ligação com a nossa linha de leste. Então, nesse caso, e por essa forma, o commercio, a industria, a agricultura, numa palavra, a riqueza publica, desenvolver-se-ha rapidamente e a passos largos, e produzirá um grande augmento de receita por essas linhas.

Estas considerações, porem, não são sufficientes para justificar o projecto. Se houvesse em Portugal um plano completo ácerca da viação publica, onde estivesse traçada a rede de todos os caminhos de ferro, o governo não se veria nos apuros de não saber o que lhe convem, porque encontraria ahi designadas as linhas principaes, e as que primeiro se deveriam fazer, e bem assim os pontos de entroncamento com o reino vizinho.

A ligação natural e de absoluta necessidade do caminho de ferro do sueste era com o caminho de ferro da Beira Baixa ou do Valle do Tejo.

Admira até que, sendo este o primeiro caminho de ferro que se devia ter feito em Portugal, o governo o tenha sempre guerreado, apesar delle ser o complemento das linhas de sul e sueste.

Se se tivesse mandado fazer este caminho, o governo poderia, no caso de se ver em difficuldades e grandes apuros, vender então esta propriedade, que teria um valor real

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muito mais importante, para satisfazer qualquer despeza urgente, que porventura apparecesse.

Mas, eu não posso deixar de protestar, de me revoltar mesmo, contra este systema de, em logar de beneficiar propriedades do estado que são de valor importante, ir aliena-las quando ellas não teem o grande valor que se calcula que ellas virão a ter.

Se o governo pretende vender os caminhos de ferro do sul e sueste, para que conserva os do Minho e Douro?

Não seria melhor, hoje que as differentes nações da Europa tratam de adquirir as respectivas vias ferreas, que o governo procurasse comprar as do norte e leste, embora tivesse de fazer algum sacrificio?

Se é exacto, como disse o sr. ministro das obras publicas, ainda ta pouco tempo, que o capital empregado nos caminhos de ferro do norte e leste era um capital morto, um capital que não tinha produzido nenhum resultado para os accionistas, e que a companhia se via em embaraços, porque não tenta o governo a sua compra? Assim estaríamos senhores de todas as linhas, o que é sempre de alta vantagem.

Sr. presidente, visto que no animo do governo existe o pensamento de vender os caminhos de ferro de sul e sueste, se a camara não rejeitar esta medida, que muito prejudica os interesses do thesouro, eu desejaria que no projecto ficassem consignados dois principios: o primeiro, que os prolongamentos que devem ligar com a linha de leste e com a de Huelva fossem de via larga; segundo, que o caminho de ferro do Algarve fosse feito de via estreita.

É isto o que aconselha o bom juizo, e o corrobora a opinião do sr. ministro das obras publicas, visto elle ser destinado apenas para transportar mercadorias preciosas e passageiros.

Sr. presidente, nestas circumstancias não acho de necessidade absoluta o fazer-se a toda a pressa, ou immediatamente, o caminho de ferro do Algarve, que é uma linha verdadeiramente secundaria. Alem disso o não se fazer desde já não prejudica o commercio, pois que o Algarve tem portos de mar por onde exporta facilmente todos os seus productos e faz a importação necessaria, os quaes continuarão a servir-lhe da mesma forma depois de concluido o caminho.

As circumstancias precarias da fazenda publica, o pouco rendimento que póde vir a dar o caminho de ferro do Algarve, e a facilidade de communicações por mar, por onde exporte os seus productos e importe os estrangeiros, tudo neste momento aconselha o adiamento do caminho de ferro do Algarve.

Outro tanto não succede com os prolongamentos das linhas do sul e sueste.

O caminho de ferro do sul e sueste deve ligar-se immediatamente com o resto de Portugal pela linha de leste, e com Hespanha pela linha que se dirige ao Huelva, porque por esta forma fica o caminho de ferro uma verdadeira linha peninsular ligada completamente com toda a Hespanha, devendo dar um rendimento crescente todos os dias, e por conseguinte realisar-se o contrario do que disse o sr. ministro das obras publicas, que o rendimento, em vez da crescer, havia de diminuir.

Eu estou respondendo ao sr. ministro com as mesmas opiniões e com os seus proprios argumentos.

Disse s. exa. que os caminhos de ferro do Douro e Minho ainda não davam um rendimento lisonjeiro, mas que esse rendimento havia de crescer á proporção que se fosse construindo o resto da linha e que seria grande logo que a linha estivesse toda completa.

Se assim é, porque não applica s. exa. os mesmos principios, a mesma doutrina e as mesmas conclusões ao caminho de ferro do sul?

O rendimento do caminho de ferro do sul, segundo esses principios de s. exa., deverá tambem crescer todos as dias, e logo que esteja completo ser grande, e assim ha de ser, e em logar de render 500$000 réis por kilometro, como calcula o sr. ministro das obras publicas, renderá 700$000 ou 800$000 réis.

Parecia-me, sendo isto assim, mais acertado construir por administração do que adjudica-lo a uma companhia, que vae sem duvida lucrar muito.

Nesta occasião lembra-me uma observação do sr. visconde de Bivar, que disse que em questões desta ordem, o que se deve ter sempre em muita conta é a opinião do governo.

Eu, sr. presidente, desejava ter muito em conta essa opinião, mas ignoro qual ella seja, porque o governo tem opiniões inconstantes e diversas quando se trata da construcção de caminhos de ferro.

Umas vezes o governo diz que é necessario construir todas as linhas para dar o maximo desenvolvimento ao paiz e haver assim os meios de resolver a questão financeira. Depois muda logo de opinião, não querendo esta construcção simultanea, porque ella prejudica a organisação da fazenda publica.

Ainda ha pouco o governo desejava a construcção por conta do estado, agora apresenta o sr. ministro uma proposta para que ella seja feita por uma companhia e não quer acceitar a indicação do sr. Carlos Bento, que tende a adoptar-se o primeiro destes dois meios.

Portanto, sr. presidente, qual é a opinião do governo sobre este assumpto? Estou convencido, que nem elle proprio o sabe, porque a sua ultima opinião é a daquelles que exercem mais influencia sobre elle. Agora é a dos deputados do Algarve, noutro tempo foi a dos directores do caminho do ferro do norte, e no futuro sabe Deus o que será. Varia sempre conforme as circumstancias em que se acha, e eu não lhe posso dar valor, porque ella não é fixa, porque ella não é invariavel, e não tem base segura em que assente.

Neste caso creio que o que nós temos a fazer, é procurar com que o thesouro possa obter as maiores vantagens possiveis, oppondo-nos ao systema do governo o que pede auctorisação para fazer uma operação, cujos resultados ignora.

Disse o sr. visconde de Bivar, que na sua opinião (que eu respeito muito, e respeito por todos os motivos), o caminho de ferro do Algarve estava em circumstancias especiaes em que outros não estão, por isso que já se têem feito grandes despezas com elle.

Sr. presidente, eu não me admiro que s. exa., pertencendo áquella provincia, advogue os interesses della; concordo que tem rasão nas suas asserções, e no modo como as expendeu; mas primeiro que tudo devemos ter em vista os interesses do paiz.

Sr. presidente, se no caminho de ferro do Algarve se teem feito algumas obras, não podemos por isso elogiar o governo, antes pelo contrario o que deviamos era censura-lo, porque o governo por um acto dictatorial mandou começar aquelle caminho, que considerava secundario. O que se devia era propor uma accusação ao governo, que despreza a constituição e infringe as leis. Foi o proprio sr. Lourenço de Carvalho quem declarou, que este caminho não póde dar resultados importantes, porque vae servir quasi unicamente para transporte de passageiros. Neste presupposto é erro indesculpável do governo o considera-lo em primeiro logar e emquanto tivesse outras obras mais importantes, e não devia despender os dinheiros publicos numa obra que não é impreterivel, e nem sequer indispensavel.

Sr. presidente, eu concluirei as minhas observações, pedindo ao sr. ministro, que, em seu nome, e em nome do governo, nos declare a sua opinião expressa e clara a respeito deste projecto, porque o governo deve ter opinião.

O sr. Lourenço de Carvalho, nesta e na outra casa do parlamento disse, que este caminho havia de ser de via reduzida, por consequencia s. exa. tem obrigação de se con-

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servar fiel ás suas opiniões, desde que as manifestou tão expressamente, e com tanta convicção.

Desejava tambem saber se a concessão do caminho de ferro de Cacilhas subsiste ainda, ou se caducou pelo facto do concessionario não cumprir as condições do contrato? Faço esta pergunta, porque, tendo sido feita a concessão condicionalmente, e não tendo o concessionario satisfeito a essas condições, em virtude do que lhe foram expedidas portarias claras e expressas, na minha humilde opinião a concessão caducou e já não tem nenhuma rasão de ser; portanto inserir-se neste projecto um artigo, que dá uma certa força ao concessionario, e que lhe faz reviver o direito perdido e dar motivo a novas apprehensões, e a confirmar as que já existem.

O governo devia ser mais escrupuloso, e preoccupar-se mais com a opinião publica, e fazer desapparecer suspeitas, que lhe não vão bem.

O sr. Conde de Rio Maior: - Eu desejava saber se depois da votação sobre a minha proposta de adiamento, e votada, antes do projecto, a proposta do sr. Carlos Bento?

O sr. Presidente: - A proposta do digno par o sr. conde de Rio Maior é uma proposta de adiamento, e portanto ha de ser votada antes da generalidade do projecto, em seguida se ella for rejeitada, vota-se. projecto, e se elle for approvado na generalidade caduca a proposta do digno par o sr. Carlos Bento.

O sr. Vaz Preto: - Mando pois para a mesa uma proposta, que tem por fim a eliminação do artigo 8.°

O sr. Conde de Rio Maior: - Peço a v. exa. que consulte a camara, para que a votação sobre a minha proposta seja nominal.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde de Rio Maior propõe que a votação sobre a proposta de adiamento apresentada por s. exa. seja nominal, os dignos pares que são de voto que esta votação seja nominal tenham a bondade do se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tendo a camara resolvido votação nominal, os dignos pares que approvam o adiamento proposto pelo sr. conde de Rio Maior dizem approvo; os dignos pares que votam em sentido contrario dizem rejeito.

Fez-se a chamada.

Disseram approvo - Os dignos pares: Marquezes, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, de Cavalleiros, da Ribeira, do Rio Maior; Visconde, do Fonte Arcada; Sousa Pinto, Costa Lobo, Xavier da Silva, Sequeira Pinto, Vaz Preto.

Disseram rejeito. - Os dignes pares: Marquez de Ficalho; Condes, de Bomfim, de Cabral, da Fonte Nova, da Louzã, da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, dos Olivaes, de Porto Corvo, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Villa da Praia; D. Affonso de Serpa, Mello e Carvalho, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier Palmeirim, Andrade Corvo, Mamede, Franzini, Menezes Pita; Duque d'Avila e de Bolama presidente,, Visconde de Soares Franco, primeiro secretario, Eduardo Montufar Barreiros, segundo secretario.

Foi rejeitada por 30 votos contra 12.

O sr. Presidente: - Não está approvada.

Vae passar-se á votação da generalidade do projecto, e torno a repetir aos dignos pares, se o projecto for approvado na generalidade, caduca a, proposta do sr. Carlos Bento.

Consultada a camara, foi o projecto approvado na generalidade.

O sr. Presidente: - Está approvado o projecto na sua generalidades; vae passar-se á discussão na especialidade e vae ler-se o artigo 1.° seu paragrapho e numeros.

Leu-se na mesa.

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma substituição.

Eu, durante a discussão na generalidade, tratei de demonstrar com a opinião muito auctorisada do sr. ministro das obras publicas, que o caminho de ferro do Algarve devia ser feito de via reduzida.

O projecto estabelece a alternativa, e não é possivel admittir que o governo tenha duvidas, sabendo que da adopção de um ao outro systema resultariam encargos maiores ou menores para o thesouro.

O sr. ministro, como engenheiro, tem a opinião de que este caminho de ferro deve ser de via reduzida; agora vejo, porem, que s. exa., como ministro, vem adoptar um principio contrario ás suas convicções e ás suas idéas. Tem ou não s. exa. opinião a este respeito?

S. exa. sustenta agora que o caminho de ferro do Algarve deve ser de via larga? Explique, s. exa. as suas rasões á camara, para que se possa ao menos votar com algum conhecimento de causa, e não se estabeleçam, alternativas, que podem dar occasião ao thesouro ficar lesado em centenares de contos.

Leu-se a substituição proposta pelo digno par e foi admittida á discussão.

É do teor seguinte:

Proposta

Proponho que o § 1.° do n.° 4.° do artigo 1.°, fique substituido pelo seguinte: "§ 1.° A construcção do caminho de ferro do Algarve será feita como via reduzida". - Vaz Preto.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): - Não tomarei muito tempo á assembléa.

O digno par declarou que eu, na camara dos senhores deputados, tinha acceitado, a proposta apresentada por um illustre deputado para que fosse adoptada a via estreita para a linha do Algarve. Eu já hoje tive a honra de declarar nesta casa, que entendia que a via do caminho de ferro do Algarve devia ser reduzida. Mantenho comtudo no projecto as duas hypotheses, porque póde ser que a companhia, que contrate a sua construcção, prefira a via larga: é o que repito.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu insisti pela declaração do sr. ministro, porque s. exa. sabe perfeitamente que a construcção pela via reduzida custa muito menos do que pela via larga.

Ora, como eu desejava que o thesouro, em vez de ficar mais sobrecarregado, auferisse daqui os maiores proventos; por isso pedi a s. exa. que acceitasse a proposta para a via reduzida, proposta que tambem já foi feita na camara dos senhores deputados, de accordo com os srs. ministros.

O sr. Presidente: - Vae votar-se primeiro a emenda do digno par o sr. Vaz Preto, que elimina a faculdade que o governo poderia ter de optar pela via larga; e por consequencia elimina uma disposição do projecto proposto pelo governo.

Foi a emenda rejeitada, e em seguida approvado o artigo 1.° e seus §§.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa mais uma proposta, que provavelmente terá o mesmo resultado que teve a outra; mas, como desejo que fiquem bem consignadas as minhas opiniões, e mostrar ao paiz que o meu unico interesse é que nesta operação o thesouro aufira o maior numero de proventos; eis a rasão porque mando para a,, mesa a minha proposta.

Sr. presidente, adjudicando-se o caminho de ferro por via larga ou reduzida, eu quero que o minimo que se estabelece neste artigo seja para a via larga; mas se for adjudicado para via reduzida, quero que se junte á annuidade a differença do juro entre a construcção de via larga e de via reduzida.

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Esse capital de differença dá um certo juro, que deve ser junto á annuidade, e esta deve pois ser maior quando o caminho for adjudicado por via reduzida, quer dizer que os juros da differença devem-se juntar á annuidade de réis 160:000$000.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par, o sr. Vaz Preto.

Leu-se e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho o seguinte additamento ao artigo 2.°:

Se a linha for feita de via larga, pois, sendo de via estreita, juntar-se-ha á annuidade o juro da differença. = Faz Preto.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Parece-me que esta proposta é um additamento, e deve ter logar no artigo 3.° Este artigo diz:

"Artigo 3.° A licitação versará sobre a annuidade que devo ser paga ao governo, não podendo essa annuidade em caso nenhum ser inferior ao producto liquido calculado e fixado nos termos do artigo 2.°"

Entretanto eu vou consultar a camara sobre este additamento.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Pergunto a v. exa. se o additamento se vota antes ou depois da materia?

O sr. Presidente: - Vota-se primeiro a materia, e se ella for approvada tem ainda logar o additamento. Portanto, vou pôr á votação o artigo 2.° e § 2.°

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Agora vão votar-se o additamento do sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Não é a todo o artigo, é depois da palavra actualmente.

O sr. Presidente: - Essa proposta é negocio da commissão; eu vou consultar a camara. Os dignos pares que approvam o additamento do sr. Vaz Preto tenham a bondade de se levantar.

Não foi approvado.

Foram successivamente approvados sem discussão os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, e 7.º.

O sr. Presidente: -Está em discussão o artigo 8.°

Com respeito a este artigo ha uma proposta mandada para a mesa, que propõe a eliminação deste artigo; por consequencia está em discussão com o artigo.

Como nenhum digno par pede a palavra vae votar-se.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Era unicamente para requerer votação nominal.

O sr. Presidente: - Começa a votação pela proposta de sr. Vaz Preto.

O sr. Marquez de Sabugosa: -- Peço que sobre esta proposta haja votação nominal.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que são do voto que haja votação nominal tenham a bondade de se levantar.

Foi aprovado.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á votação da proposta do digno par o sr. Vaz Preto.

Fez-se a chamada.

Disseram approvo - Os dignos pares: Marquezes, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, de Cavalleiros, da Ribeira, de Rio Maior; Visconde de Fonte Arcada; Sousa Pinto, Costa Lobo, Xavier da Silva, Sequeira Pinto, Vaz Preto, Duque d'Avila e de Bolama, presidente.

Disseram rejeito - os dignos pares: Condes, do Bomfim, de Cabral, de Farrobo, da Fonte Nova, da Louzã, da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, de Eivar, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, da Vi1la da Praia; D. Affonso do Serpa, Ornellas e Vasconcellos, Mello e Carvalho, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier Palmeirim, Andrade Corvo, Martens Ferrão, Mamede, Franzini, Menezes Pita, Visconde de Soares Franco, primeiro secretario e Montufar Barreiros, segundo secretario.

Foi rejeitada por 30 votos contra 13.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, tendo-se votado a proposta, póde continuar a discussão do artigo 8.°

O sr. Presidente: - A discussão está terminada, mas se o digno par insiste e a camara resolver.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Eu não tinha senão a repetir o que hontem disse, e muito mais, mas não digo mais nada.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o artigo 8.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Os artigos 9.° e 10.n foram successivamente approvados sem discussão.

O sr. Presidente: - Vamos entrar na discussão do parecer n.° 299.

É o seguinte:

Parecer n.° 299

Senhores. - As vossas commissões de marinha e de fazenda, reunidas, examinaram a proposição de lei n.° 303, procedente da camara dos senhores deputados, auctorisando o governo a despender até á quantia de 200:000$000 réis com a construcção e armamento de novas canhoneiras a vapor, o vendo da exposição do mesmo governo a necessidade que ha de adquirir mais embarcações desta classe, por não haver dellas o numero sufficiente para render as que se acham em serviço em as nossas possessões, onde são tão necessarias e uteis, nem substituir as que já carecem de voltar á metropole, a fim de gerem reparadas: são de parecer que a referida proposição n.º 303 merece a vossa approvação e ser convertida no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E o governo auctorisado a despender até á quantia de 200:000$000 réis com a construcção e armamento de novas canhoneiras a vapor.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 3 de abril de 1878.= Visconde da Praia Grande - Conde do Casal Ribeiro = Visconde da Silva Carvalho = Visconde de Soares Franco = Marino João Franzini = Sarros e Sá = Augusto Xavier Palmeirim.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade e especialidade, visto ter só um artigo.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, a camara provavelmente estará lembrada das palavras do illustre ministro da marinha, quando a primeira vez se apresentou nesta casa do parlamento; s. exa. annunciou um programma tão pomposo, e nos fez esperar maravilhas de tal ordem na sua administração, que este projecto não póde causar-nos menos de que um grande desapontamento, se s. exa. não toma em offensa pessoal o uso de uma palavra ingleza. O nobre ministro fallou aqui em colonisar Moçambique, em desenvolver largamente a viação nas provincias ultramarinas, e num longo kirie eleyson de outros que taes melhoramentos; e a final o que é que o illustre ministro apresenta? Um emprestimo. Nem podia apresentar outra cousa. O emprestimo é, por assim dizer, o baptismo de sangue do ministro pertencente ao partido regenerador; s. exa. precisava sor armado cavalleiro e não o podia ser sem que apresentasse um emprestimo. O emprestimo é acto obrigatorio ao ministro regenerador, o quanto maior elle é, maior é a capacidade do ministro. Depois de tanta parola, s. exa. acaba por pedir ao credito mais uma esmola.

Mas, o que é mais curioso, é o seguinte: Quando s. exa. tomou conta da pasta da marinha, visto que ia arrojar-se a tão grandiosos commettimentos, estava menos que ninguem dispensado de cumprir os preceitos constitucionaes, e a primeira cousa a fazer era apresentar ao parlamento e ao paiz o orçamento do ultramar. E mais que nunca, desde que S. exa. vem pedir ao parlamento os meios necessarios

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para despezas extraordinarias. Mas até hoje ainda não vi apresentar o dito orçamento.

Nós temos o orçamento da metropole, mas do ultramar foi cousa que ainda não vi. O paiz ignora, com a mais completa ignorancia da mais santa innocencia, qual o estado financeiro das nossas colonias.

No relatorio do sr. ministro que precede o projecto de lei em discussão, nem uma sombra de sombra de informação a tal respeito. Neste relatorio, como em todos os que são apresentados pelo governo regenerador, do que se trata é de dar grande relevo ás necessidades do paiz. Estes relatorios nunca faliam nos recursos; é só nas necessidades. Mas quem não sabe que o dominio das necessidades é infinito?

Não sáe dos lyceus um só rapaz que não tenha papagueado sobre a insaciabilidade do coração humano, como premissa de certo argumento para provar a existencia de Deus.

As nossas necessidades nunca estão satisfeitas; estamos sempre carecendo de alguma cousa. Mas o que releva saber é se em nós ha possibilidade de o conseguir. Sobre isto, porem, nem uma palavra. As necessidades das colonias são muito nossas conhecidas. O que nós não conhecemos, e desejavamos muito conhecer, é o estado da sua caixa.

Qual é o seu balanço, o deve e ha de haver?
Ora, sabe v. exa. quaes são as ultimas contas que se publicaram?
São as que se referem á gerencia de 1873 a 1874. De modo que para apreciarmos o projecto em discussão, nem orçamento, nem contas. Só quantos contos são necessarios. Eu pedia muito a s. exa. que nos desse uma idéa do balanço da receita e despeza colonial, e de quaes são as relações em que Portugal está com as colonias com respeito ao debito e credito, isto é, se as colonias rendem para si, ou se Portugal deve abonar-lhe algum déficit.

Esta é a base sobre a qual temos de proceder. De contrario, é impossivel votar nenhum recurso ao credito, e muito menos no actual estado das nossas finanças.

Ora, este relatorio do illustre ministro é breve, e por isso é obscuro. Depois de fallar das necessidades das nossas colonias, diz: (Leu.)

São seis as canhoneiras, mas precisamos de construir mais, por isso que têem de ser rendidas. E o que aqui está. O estado quando precisa render uma canhoneira, construe outra immediatamente.

O que diria v. exa. de um homem que tivesse uma carruagem, e quando ella precisasse de concerto, comprasse outra immediatamente?

Pois não é possivel que as nossas canhoneiras se reparem sem comprar outras que as substituam no serviço?

Pois não podem as canhoneiras ser concertadas uma depois da outra, e perigarão as colonias com a ausencia de uma canhoneira?

Parece-me que o si, ministro encolhe os hombros. Estou a ouvir-lhe dizer: - olhem o mesquinho, olhem o ridiculo, olhem o miseravel. Portugal póde mandar construir as canhoneiras que quizer.

Assim será. Eu sou tacanho, e tenho minhas rasões para isso.

Eu dei aqui o outro dia o meu voto ao imposto do real d'água. Eu votei que o paiz fosse coberto de barreiras. Eu votei que a circulação dos vinhos fosse sujeita a uma fiscalisação gravosa e vexatoria.

O meu nobre é honrado amigo o sr. marquez de Sabugosa disse aqui, em outra occasião, que precisava de zelai o seu voto. O mesmo digo eu. Preciso tambem de zelar o voto que dei, não para larguezas, mas para que, custe o que custar, seja extirpado esse cancro do déficit que no consome as forças da vida.

Por consequencia, acho-me constituido na necessidade de velar por que todas as despezas que se apresentam ao voto da camara sejam escrupulosamente aquilatadas. Lembro-me bem do tempo em que todas as despezas eram votadas em a menor consideração pelos desgraçados resultados que podiam ter para as nossas finanças; sei os perigos a que isso nos conduziu; recordo-me de quando Portugal tinha de mendigar pelas bolsas estrangeiras os meios de pagar as suas letras vencidas, e que por pouco não foram protestadas.

Não quero ver o paiz laborando de novo nas mesmas ittribulações com que esteve a braços. Os exemplos do passado e a perspectiva do futuro obrigam-nos á maxima prudencia.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): - Não sei por que motivo o digno par que acaba de fallar se dirigiu a mim com tanta sanha.

Referindo-se ao que eu aqui dissera na occasião em que fui interpellado por alguns dignos pares, relativamente aos negocios do ultramar, s. exa. asseverou que eu tinha apresentado o programma mais pomposo que tem entrado as portas do parlamento. Appello das palavras do digno par, para v. exa. e para toda a camara, que viu bem a modesta com que apresentei um programma que não era meu mas que era, e ainda é, do paiz, porque não passava da exposição do que elle carecia, com referensia ao ultramar. Por essa occasião fallei, não no que havia de fazer, mas justamente nessas negregadas necessidades que incommodam o espirito e o coração de s. exa. Apontei o estado da nossa marinha, e o que ella reclamava; tratei da vantagem, mais que vantagem, da verdadeira necessidade que tinhamos de olhar por todos os meios ao nosso alcance para a defeza das nossas possessões de além-mar; fallei tambem das obras de saneamento que era preciso fazer para melhorar o lima doentio daquellas paragens, e acrescentei ainda que era necessario cultivar e arrotear aquelles paizes, que são extensos e productivos, se não quizessemos, que um dia a Europa os expropriasse por utilidade publica.

Já vê v. exa. e a camara que eu ainda não tratei de outros negocios, nem fiz outra exposição desde que tive a honra de entrar para o ministerio, se não do que carecemos para o melhoramento das nossas provincias do ultramar, e da nossa minguada marinha.

Portanto já o digno par na occasião, em que se ventilaram as questões a que me refiro, podia ter dirigido á minha humilde pessoa as exprobrações que entendeu dever dirigir-me a proposito do mais modesto projecto de lei que tem entrado nesta casa.

Sr. presidente,1 sabe v. exa. e a camara que eu não costumo faltar á verdade.

Vim ao parlamento dizer o que entendia e sabia, com a franqueza que toda a camara viu e votou.

Eu disse tambem que não podia desde já apresentar reformas radicaes para o ultramar, porque me faltavam, a mim ministro da marinha e ultramar, os dados indispensaveis para fundamentar as medidas que houvesse de trazer ao parlamento.

Por consequencia, impuz-me a obrigação de ser este anno o mais parcimonioso passível, não apresentando projecto algum, sem reconhecer bem a necessidade da sua apresentação, isto é, sem o poder fundamentar devidamente.

Sr. presidente, o meu illustre antecessor pediu réis 300:000$000 para navios da nossa marinha, e pediu mais 1.000:000$000 réis para a continuação das obras publicas no ultramar.

Sabe v. exa. o que eu fiz, seguindo os preceitos da purdencia que me impuz, e não querendo pedir sommas cuja necessidade não podesse absolutamente justificar?

Limitei-me a pedir para obras publicas 800:000$000 réis, e para navios 200:000$000 réis.

Se o digno par se não dá por satisfeito com estas rasões, é para mim difficil apresentar-lhe outras que mais o satisfaçam.

Eu vejo que todos os dias a opposição nas duas casas

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do parlamento nos aponta para as despezas exorbitantes, que, segundo ella diz, nos encaminham para um abysmo, que se ha de forçosamente abrir diante de nós!

Sr. presidente, eu respeito muito estes inculcados e avalumados temores da opposição, mas não renego os principios da minha escola, porque, como v. exa. sabe, ha diversas escolas politicas aqui.

Eu pertenço a uma escola politica que desde 1851 tem caminhado sempre inteiramente á borda desse abysmo com que nos quer atterrar a opposição, e á beira delle ou por cima delle, e ouvindo sem intervallos essas vozes agoureiras, tem traçado e construido todos os nossos caminhos de ferro e todas as nossas estradas; edificou a maior parto das nossas escolas e dotou o paiz com quasi todos os melhoramentos que nelle se encontram, e dos quaes já hoje está auferindo excellentes resultados.

É possivel que nós tenhamos gasto muito na nossa aprendizagem, mas é certo tambem que o grau do prosperidade a que temos chegado, é devido seguramente aos melhoramentos em grande parte iniciados pelo partido a que tenho a honra de pertencer.

Esse partido tem sido umas vezes muito popular e outras muito impopular, mas tom sustentado sempre os seus principios, tem-se regido por elles, e no dia em que o para entenda que este systema não é o verdadeiro, o partido regenerador não estará nem mais uma hora no poder (Apoiados.) para o deixar áquelles que a opinião julgar mais aptos para a governação do estado.

E digo isto por mim e pelos meus collegas. Realmente nós não temos o minimo desejo de nos impor. Se aqui estamos é porque entendemos que podemos ser uteis. Não temos outras ambições nem outro intuito.

Eu pedi ao parlamento que me deixasse mandar construir duas canhonheiras, pelo menos, e sabe v. exa. porque? É por que me consta, e consta a todos os dignos pares, que ainda temos possessões que se chamam Timor, Macau, India; na Africa oriental, Moçambique, e na Africa occidental, Angola, S. Thomé, Guiné e Cabo Verde, e ainda não sei que se tivesse podido realisar o milagre do passarmos a pé enxuto daqui para essas possessões, e ainda não soube que nenhuma nação que tenha colonias podesse passar sem navios.

No dia em que o paiz entenda que se póde transformar em capitão Boyton (Riso.) para ir sem auxilio de navios, ás nossas possessões e ali, com o rewolver daquelle insigne nadador nas mãos, sustentar o que até agora esta nação tem sustentado com as peças de artilheria que levam os seus navios de guerra, então não virei aqui pedir para construcção dos navios nem 200:000$000 réis nem 200 réis. (Apoiados.)

Antes disso, porem, não deixarei de satisfazer um dever dos mais impreteriveis, vindo dizer ao parlamento que é essencial que isto se faça. Eu não peço senão o que é essencial. Quer o digno par, querem os dignos pares, quer a camara que me ouve, que se deixem apodrecer os nossos navios nas estações em que estão, onde alguns já contam cinco ou seis annos, sem que ao menos se veja se os fundos desses navios estão em estado de servir?

S. exa. foi tão previdente que, adivinhando a minha resposta, disse que podiamos prescindir dessas novas construcções, porque quando estivesse estafado um navio dos estacionados por essas longínquas paragens de alem mar, esse navio, embora deixasse ali o nosso dominio sem guarda, podia vir a Lisboa, o aqui, ou em Inglaterra, ou noutra qualquer parte, fazer os reparos de que precisasse.

S. exa. não reflectiu certamente que temos deveres de honra a cumprir em toda a parte. Este conselho que s. exa. nos dava era o mais antipolitico que nos podia dar. Pois s. exa. não sabe que é necessario, para que não perigue a nossa honra e a nossa integridade da monarchia, vigiar que os tratados sejam cumpridos cabal e honradamente? Não sabe que somos por todos os viajantes que vão a Africa accusados de fazer o trafico da escravatura?

O sr. Costa Lobo: - Isso é no interior.

O Orador: - No interior, mas os escravos hão de vir á praia.

O sr. Costa Lobo: - O trafico faz-se no interior.

O Orador: - O trafico no interior, por força, mas os escravos hão de sair pelo litoral.

O sr. Costa Lobo: - Nem sempre.

O Orador: - Não creio isso. Parece-me que, se o trafico da escravatura se reduzisse ás compras que se fazem no interior, todas as nações que se têem colligado no intuito humanitário de acabarem com elle teriam já abolido os seus cruzeiros, e toda a sua fiscalisação costeira por inutil e mandariam para o interior os seus empregados e soldados.

O sr. Costa Lobo: - O que nos exprobam os viajantes que teem explorado a Africa é que os nossos negociantes capturam negros para os venderem a muitas tribus do interior, onde está estabelecida a escravatura, a troco de marfim e outros productos.

O Orador: - É para revender; é para se dirigirem ás nações da America e ás republicas do Pacifico; aliás, para que os queriam no interior da Africa? Essas tribus tambem vão para o Egypto, onde a escravidão existe do facto e de direito, e com isso e fora do nosso territorio não temos que exercer fiscalisacão alguma.

Se s. exa. for um dia ministro da marinha, e é muito digno disso, de certo não sustentará a theoria que sustenta agora na sua cadeira de par do reino.

Perdoe-me v. exa., que eu, habituado desde 1861 aos combates da palavra, ainda tome calor, quando se falla dos negocios do nosso ultramar, e da nossa honra como nação. O modo por que o sr. Costa Lobo me aggrediu, tomou-me de surpreza, tanto mais, que o fez sem que realmente para isso tivesse rasão, porque não me accusa a consciencia de o haver tratado jamais com menos attenções o respeitos.

S. exa. diz: "mas não nos dá as contas e não nos traz aqui o seu orçamento". É verdade, ainda não ha essas contas, mas espero em Deus e tenho fé na minha boa vontade, que hei de um dia apresentar-me ao parlamento, conhecedor de todas as despezas e receitas do ultramar, para poder dar esclarecimentos ao digno par e a todos os dignos pares que os requererem.

Devo, porem, lembrar ainda uma cousa. Esta despeza com os navios não é do ultramar. Nada tem com este projecto as contas a que o digno par se refere.

Chamo agora a attencão de s. exa. para um documento publicado em 1876, no qual vem o mappa geral das receitas e despezas das provindas ultramarinas, relativamente ao anno de 1875-1876.

(Leu.)

O sr. Costa Lobo: - Não foi distribuido nesta camara.

O Orador: - Nesse tempo não era eu ministro.

Aqui se encontram as contas a que s. exa. se referiu, e que parece desconhecer; aqui está descripto o que naquelle anno rendeu cada uma das provincias do ultramar.

Não leio agora todo este documento, porque é bastante longo, e me parece impropria a occasião, visto que não tratámos de uma despeza do ultramar, mas de uma despeza da metropole, no que ha differença. Entretanto, estas contas ficam á disposição do digno par e de toda a camara, se desejarem examina-las. São um documento official e authentico.

Sendo preciso dizer mais alguma cousa neste debate, tornarei a pedir a palavra; por emquanto tenho concluido.

O sr. Marquez de Vallada: - Pouco acrescentarei ao que disse o sr. Costa Lobo; mas permitta-me o nobre ministro da marinha declarar-lhe, que, em vista das palavras que s. exa. proferiu, dos factos que apontou, e das considerações que fez, tenho profunda convicção de que o governo deve estar arrependido da pressa que mostrou em substi-

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tuir o ministerio a cuja frente se achava o sr. duque d'Avila e de Bolama, que tão dignamente nos preside.

S. exas vieram cedo e talvez por isso saiam do poder mais cedo do que suppõem.

A falta de plano, a permanencia do systema de expedientes, são o mote mais dilecto, a epigraphe unica da bandeira da regeneração.

A bandeira da regeneração foi hoje desfraldada aqui com uma franqueza que, se honra o sr. ministro, não póde deixar de ser agradavel a nós todos.

O partido regenerador é o unico que tem realisado todos os grandes commettimentos!

Agradeçamos-lhe em nome da nossa divida sempre crescente e das difficuldades com que lutámos.

Ao menos o milagre não é grande, e não dá direito a s. exas a exigirem a sua canonisação decretada por nós. Os abysmos não se abrem, dizem s. exas, sr. presidente, porque os abysmos não existem. Falia se nos abysmos constantemente, roas as cousas caminham, e governo robustece-se.

É verdade, sr. presidente, mas quando o sr. Fontes nos fallava em um barril de pólvora, sobre o qual se havia de sustentar, viamo-lo nós cair meia duzia de dias depois diante de alguns penicheiros.

Esses abysmos não existem? A algibeira do contribuinte que o diga. Aonde se vão buscar as receitas para fazer face a estes constantes encargos, que crescem quotidianamente?

Ignoram porventura s. exas, que se apregoam os unicos mantenedores da ordem, que ha uma lei expressa que ordena que se não criem despezas sem se crear ao mesmo tempo a verba de receita donde ellas devem sair?

S. exas, que não são revolucionarios, que são os unicos sustentaculos da ordem, expulsaram do poder aquelle homem digno, honrado e venerando que preside aos trabalhos desta casa, porque estando no poder procurava extirpar os abusos e perseguir os culpados.

Curvaram-se diante de s. exa. para mais tarde o derribar do poder.

Honra ao sr. duque d'Avila, a quem fizeram sair do poder, por querer fazer respeitar as leis deste paiz; e fez-se tudo isto para manter a ordem e de certo para assegurar o credito das nossas finanças!

Diz-se, e é verdade, que o estado das nossas colonias carece da maior solicitude e attenção por parte do governo; e o que fazem s. exas, que por tantos annos teem estado á frente dos negocios publicos.

Trazem aqui este projecto, que não é definido, que nos não adianta em cousa nenhuma, e declaram que para o anno procurarão estudar um systema conveniente para a regeneração das nossas colonias!

Eu não regateio os dinheiros que se pedem para o ultramar, porque sou o primeiro a reconhecer a necessidade de melhorar e administrar convenientemente os nossos dominios de alem mar, mas para isso é necessario que se saiba o plano a que se obedece e o systema que se adopta.

O estar constantemente a pedir ao paiz encargos sobre encargos sem lhe crear as receitas correspondentes, é perigosissimo, e o viver de expedientes é deploravel.

Não se ludibria assim um paiz, e esses abysmos de que s. exas não têem medo foram previstos em França por muitos homens distinctos antes de 1789.

O governo fecha os olhos, cria as difficuldades, estas aggravam-se, e nós nem ao menos havemos de clamar, nem ao menos nos querem dar o direito de poder dizer ao paiz que attenda a este estado de cousas!

Porque o paiz tem, e deve ter sempre, as camaras que merece.

Se elle não conhece a sua força, se se deixa ludibriar,

se não sabe o que é a vida constitucional, queixe-se de si!

Os partidos que se reunam todos numa colligação verdadeiramente patriotica, para fazer conhecer aos homens, que se inculcam como os unicos que podem salvar o throno, a obrigação que teem de entrar no verdadeiro caminho da economia, que não é a mesquinharia, mas a boa ordem na administração das finanças.

Não é possivel deixar passar todos estes projectos, sem se perguntar quaes são as receitas que hão de fazer face as despezas que elles criam. Em que regimen vivemos? Estamos no governo absoluto ou no liberal? Fluctua nos ares a bandeira azul e encarnada, ou a bandeira azul e branca? A do absolutismo ou a da liberdade? O sr. ministro da marinha pede-nos agora 200:000$000 réis para comprar navios, amanhã pede-nos 800:000$000 réis para obras publicas, mas não nos diz quaes as fontes de onde ha de vir este dinheiro.

Se s. exa. guardasse estes pedidos para o anno, e os precedesse de um plano regenerador das nossas terras de alem mar, de bom grado lhe concederia estes pedidos, mas assim é impossivel.

Sr. presidente, eu não posso, repito, votar estes augmentos de despeza em tão larga escala, sem que venham acompanhados da receita precisa, sem que sejam dadas as explicações que pedi, e que a opinião publica reclama, porque não quero ver augmentar essa divida fluctuante, que tudo paga, e que, do mesmo modo que o déficit, nunca se vê extincta. (Apoiados.)

(O orador não reviu as notas do seu discurso.) O sr. Presidente: - Seguia-se agora, na ordem da inscripção o sr. conde de Cavalleiros, mas como s. exa. não está na sala, vou dar a palavra ao sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - O sr. conde de Cavalleiros acaba de entrar na sala.

O sr. Presidente: - Então tem a palavra o sr. conde de Cavalleiros.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço desculpa desta pequena demora, mas tive de sair da sala por me sentir incommodado de saude.

Sr. presidente, parece-me que o projecto mais simples, mais natural, mais necessario, que tem vindo a esta camara, é o que o nobre ministro da marinha acabou de defender.

O sr. Visconde de Soares Franco: - Apoiado. O Orador: - Não ha duvida que se trata de um projecto, que todos os homens amigos da prosperidade das nossas colonias encaram com sympathia, mas. dir-se-ha porque é que se guerreia?

Guerreia-se, pelo estado nervoso em que todos estamos, estado nervoso filho de um excesso de trabalho com que já não podemos, uns pela idade, outros pelos achaques e outros pela indolencia, que é o caracteristico nacional.

Sr. presidente, esta táctica de dar sessões á noite é velha, e o fim é cansar a opposição, e o governo conseguir que passem todas as leis, sem haver tempo, nem sequer para as examinar.

O sr. Vaz Preto: - Apoiado.

O Orador: - Eu já esperava que o meu nobre amigo, o sr. Vaz Preto, me apoiasse; estava bem certo disso.

Mas, sr. presidente, é uma infinidade de projectos que ninguem se entende.

Hoje mettem-me na algibeira o codigo administrativo, na outra algibeira o projecto de instrucção publica, na outra o do caminho de ferro; amanhã repete-se a mesma scena com outros projectos novos, de modo que são projectos de toda a parte, e tantos elles são que nem tempo ha de os ler, e para menos tempo termos ainda nos dão sessões a toda a hora, de dia e de noite!

Mas o povo fica sabendo que os projectos são approvados pela força, pelo excesso de cansaço a que nos levam muito de proposito, sr. presidente, para nada podermos fazer, e as questões passarem sem que ninguem possa occupar-se dellas.

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Sr. presidente, tratando do projecto em discussão, eu direi que, era logar de duas canhoneiras, eu quizera mais, mas que não houvesse nem um só pimpão, porque não é esse que nos ha de servir para as nossas colonias, e, emquanto aos barcos que se vão fazer ou comprar, oxalá que elles sejam como devem ser, e que a vaidade e o capricho de quem póde mais que os srs. ministros não venha transtornar a idéa de s. exas e não nos tragam barcos de ostentação e de luxo.

Não ha duvida em que a saraivada de projectos a pedir dinheiro é de assombrar, isso para ruim é de fé.

Mas, pergunto eu, quem tem a culpa disto? Têem todos; os governos e as maiorias; não me queixo das minorias, essas têem andado commigo, queixo-me das maiorias, dos amigos imprudentes principalmente, e da tendencia que os srs. ministros têem para prejudicar o credito e o nome dos governos. (Apoiados.) Mas, a verdade é que tambem muitas vezes são innocentes. Os peiores são os taes amigos.

O antecessor do sr. ministro pedia l.0OO:000$000 réis para reformar as nossas colonias, toda a gente se riu; nós que somos a segunda nação do inundo colonial!

Pois, sr. presidente, aquelle dinheiro foi abençoado, que chegou para tudo, para fazer grandes reuniões de pessoal, muitos engenheiros, muitos conductores de trabalhos, muitos empregados em trinta mil cousas, o para que? Para que podessem haver directores de obras publicas, com ordenados de 500$000 e 700$000 réis por mez! Pois isto é possivel? Póde lá ser? Empregados a ganharem 9:000$000 réis por anno!

Oh! sr. presidente, e v. exa. quer saber? O melhor é que ainda nem houve relatorio do que se fez o anno passado; ha de vir daqui a tres annos, quando já tivermos outra veia politica?

Ha contratos com engenheiros! ha ordenados de réis 9:000$000 annuaes! e adiantamentos de 12:000$000 reis! Quando doentes pagam pela sexta parte dos seus vencimentos, quando?

Agora s. exa. vae pedir-nos tambem mais 800:000$000 réis, e eu tenho pena, e tenho pena porque sympathiso com o sr. ministro, mas custa-me que venham pedir-se réis 800:000$000, para dar logo 400:000$000 réis ao pessoal.

Ouvi dizer que havia avanços de 12:000$000 réis: se é verdade, s. exas que o declarem, para que o paiz o saiba; se não é, que o desmintam.

Ha ordenados de 700$000 réis por mez! Quasi 9:000$000 réis por anno para um só homem!

Mas Deus não nos ha de pedir contas a nós, que queremos resistir a esta tendencia natural para augmentar as despezas.

Sr. presidente, no meio desta despeza enorme com o pessoal technico para as colonias, que vae absorver metade do que s. exa. pede, acontece que os desgraçados que foram aqui ajustados para trabalharem como operarios, e por ordenados pequenos, não têem recebido depois de lá estarem senão metade daquillo por que foram ajustados.

Mas isto acontece com os pequenos; porque para os outros fizeram-se abonações para serem descontadas pela sexta parte do soldo, que ainda que elles vivessem cem annos não acabavam de pagar.

Sr. presidente, eu peço licença para dizer que este embaraço nervoso de que alguns homens sinceros e grande parte do paiz se acham possuidos, e que os srs. ministros levam talvez a mal, foi tambem causado por s. exas, na maneira por que andaram naquelle negocio de Cacilhas, a que o povo chamou cacilhada.

E a rasão é simples: pelo decreto de 15 de março de 1875 foi concedida a linha férrea de Cacilhas ao sr. Filippe de Carvalho, um deputado da maioria que sustentava s. exa., e que era amigo intimo dos ministros, com a obrigação de concluir a obra em tres annos. No anno seguinte foi esta concessão augmentada com mudança da via estreita para larga, no outro anno houve mais a malfadada Quinta do Alfeite partida ao meio, e o concessionario ganhou mais um anno.

E veiu uma portaria de março de 1877, em que se dizia que as obras haviam de começar dentro de quatro mezes. Para que se queria que ellas começassem? Era para que, se não começassem, ser rescindido o contrato. Para isso é que foi a portaria.

Ora até hoje não me consta que as obras começassem, os quatro mezes já lá vão ha muito, logo este negocio morreu.

Foi isto o que eu pensei; agora, porem, vejo renascer este malfadado negocio no artigo 8.° do projecto que se discute, projecto em virtude do qual se vae fazer uma venda de favor, a quem quizer aproveitar uma grande propriedade, do estado pagando-a pela renda della.

Aqui tem v. exa. as rasões porque temos impugnado esta medida, e em especial o artigo 8.°, que está aqui para dar vida a uma concessão já morta.

Não tenho nada mais a explicar. Para mira está tudo explicado. Peço á camara me desculpe ter-lhe tomado tanto tempo, e o mal alinhavado da phrase, o que é filho do estado da minha saude.

O sr. Costa Lobo: - O illustre ministro da marinha começou novamente por insistir sobre a sua modéstia. Modesto, elle. É o seu fraco. Eu, porem, não disse cousa alguma para increpar a s. exa. nem a sua modéstia, riem a sua immodestia. O que eu disse foi que s. exa. se tinha apresentado com largos e pomposos projectos, e acabava por pedir um emprestimo.

Foi isto o que eu notei, o nem uma palavra proferi para declarar que o illustre ministro era ou deixava de ser modesto.

Mas, desde o momento que s. exa. provoca uma discussão sobre as suas virtudes, não posso deixar de estranhar que o nobre ministro, quando a primeira vez apresentou nesta camara o seu programma, julgasse dever incluir nelle a resolução da questão do Oriente, que actualmente tanto está fatigando a diplomacia da Europa.

Peço á camara que se recorde de qual era o futuro que, segundo a s. exa. se antolhava, estava reservado para Diu, a heróica Diu, dizia com enthusiasmo o illustre ministro. Era o avanço dos russos sobre Cambaia, portanto, a expulsão dos inglezes, portanto, a anniquilação da Inglaterra como potencia de primeira ordem. Depois disso a Russia construiria um caminho de ferro para Diu. E Diu, a heróica Diu, surgiria assim das suas ruinas sobre as ruinas da Inglaterra.

Invasão da Índia pela Russia, aniquilação da Inglaterra, um caminho de ferro para Diu, eis para s. exa., segundo me pareceu, a solução da questão do Oriente.

Mal se sabe lá fora que ha esta solução peregrina para a questão do Oriente, e que foi indicado nesta casa pelo ministro da marinha e das colonias de Portugal.

Similhantes arrojos da parte do sr. ministro podem levar algum sceptico a pôr embargos ao diploma que s. exa. se passa a si mesmo de refinada modéstia. A mim não, que tenho nella fé viva.

Creia s. exa. que nunca direi a menor heresia contra a immaculada natureza da sua modéstia, á qual tributo a mais perfeita homenagem. Não ha da minha parta o minimo desejo de contestar que é s. exa. o homem mais modesto que ha em Portugal e suas colonias.

O illustre ministro, depois de ter restabelecido os seus creditos de modéstia, começou a entoar o que eu chamarei a oração do cego do partido regenerador. Declarou que pertencia á escola politica que entende que o déficit só se póde extinguir por meio de melhoramentos materiaes que se introduzam no paiz, o que o partido regenerador tinha sempre seguido essa escola, procurando dotar o paiz com grandes melhoramentos. Numa palavra, s. exa. disse o mesmo que quasi diariamente se repete nesta casa, com relação ao systema de governo do partido regenerador, sys

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tema que eu defino de modo differente daquelle por que o nobre ministro o definiu.

O systema do partido regenerador é o systema do dr. Sangrado. (Riso.) Sangrias e agua morna era em que consistia o methodo do curativo daquelle medico; o do partido, regenerador consiste em sangrias e mais sangrias no credito do paiz e agua morna de discursos pomposos e magnificos. (Riso.)

O sr. ministro da marinha zombou de mim, porque eu affirmei que a escravatura se fazia no interior da Africa, como só todos os escravos não houvessem de vir á praia para serem embarcados, replicou s. exa. Pois s. exa. que pediu emprestados ao seu amigo Thomé de Diu o turbante e a cabaia, para andar, assim disfarçado, a fazer pelas praças prelecções sobre as colonias, pois s. exa. ignora que, não fallando do Egypto, ha no interior da África tribus onde predomina a escravatura? Pois s. exa. ignora que os nossos negociantes das colonias são accusados, com r a s ao ou sem ella, de trocarem pretos escravos por marfim? E que e o marfim que vem á praia, e não os escravos? Pois s. exa. ignora que os inglezes têem allegado que a vigilancia do seu cruzeiro é inefficaz para extripar a escravatura, enquanto aquelle trafico não for destruido?

S. exa. tornou do novo a rir-se de mim. E desta vez com rasão.

Eu dissera que o paiz ignorava de todo o ponto a situação financeira das colonias. S. exa. saca de um livro com uma capa vermelha, e dá-me a entender que ali estava o que eu reclamava. Eu, para mostrar que não tinha fallado de leve, interrompi, para declarar que esse documento não o tinha s. exa. mandado distribuir na camara.

Como havia eu de manda-lo distribuir, responde s. exa., se eu então não era ministro?

E riu-se.

Riu-se da minha ingenuidade em acreditar que s. exa. tivesse mandado distribuir um documento que esclarecesse a camará! Prometto-lho que não tornarei a cair noutra.

E que livro era aquelle que s. exa. produzia com tanto triumpho? Umas Tabellas estatisticas de não sei que anno atrás!

Eu peço-lhe a conta da receita e despeza, eu peco o orçamento. E s. exa. sáe-se com umas tabellas estatisticas.

Em conclusão. Depois do discurso do sr. ministro ficou a camara sabendo alguma cousa a respeito da receita e despeza das nossas colonias?

Cousa nenhuma.

E apesar disso vamos votar agora 200:000$000 réis, e amanhã ou depois mais outros 800:000$0OO réis.

O sr. Martens Ferrão: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica, com as alterações que acceita ao projecto do codigo administrativo.

Vão tambem juntas ao parecer as propostas dos dignos pare?.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu desejo ter conhecimento das obras que ainda ha a fazer, e do seu preço approximado, a fim de que a camara saiba o que vota.

Vejo que são bastante consideraveis as despezas que se querem votar, mas ignoro quaes as economias que se podem fazer.

Ora, este caminho que seguimos e muito perigoso. É necessario accudirmos ás urgências do estado, mas é tambem necessario resumir quanto possivel todas as despezas.

O sr. ministro da marinha diz que este projecto do seu antecessor foi por elle adoptado.

Espero que s. exa. verificará, como é de esperar da sua intelligencia, se todas as disposições delle devem subsistir, tendo o maior cuidado em vigiar que as sommas votadas

sejam effectivamente empregadas nas obras a que se destinam.

E será tambem util fazer publicar-se uma resenha do que ha de despender-se.

Entretanto, o que eu vejo é que se pede uma auctorisação para o governo contrahir um emprestimo de 800:000$000 réis, alem de 1.000:000$0000 réis que já se haviam gasto nas obras publicas emprehendidas nas provincias ultramarinas!

Mas, quaes são estas obras?

Não se sabe, pelo menos eu não deprehendo daqui quaes ellas sejam.

Não sei mesmo se as que se querem fazer são essencialmente necessarias, porque aqui falla-se de ordenados e de outras cousas que não me esclarecem.

Finalmente não tenho mais a dizer, e só desejaria muito que me dessem algumas explicações a este respeito.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Não impugno este projecto, o parece-me mesmo que elle póde satisfazer a uma necessidade; tenho porem algumas duvidas sobre a execução deste projecto, porque não vejo aqui explicado quaes são os meios com que o governo conta para satisfazer a essas despezas, nem se o governo tem pessoal para guarnecer estes navios. O projecto nada diz a este respeito. Por consequencia ignoro onde o governo ha de ir buscar receita para occorrer a estas despezas e como ha de obter o pessoal necessario para equipar os navios, o que me parece difficil nas circumstancias actuaes, porquanto não ha muito ainda que o sr. ministro da marinha declarou nesta casa que não havia marinheiros em numero sufficiente para os navios existentes, sendo forcado a conservar no serviço as praças da armada que têem já acabado o tempo em que são obrigadas a servir.

Agora permitta-me o sr. ministro da marinha, que eu concluindo o que tenho a dizer, faça uma pequena observação com respeito ás palavras proferidas por s. exa. defendendo o partido regenerador.

O nobre ministro diz que tem ouvido por muitos annos a opposição declarar que nós vamos caminhando para um abysmo, e que apesar disso o partido regenerador tem continuado a dotar o paiz com grandes melhoramentos, sem que nós tenhamos caído nesse abysmo.

Oxalá que s. exa. possa sempre fallar assim. O que eu j digo é que os melhoramentos que ou vejo feitos pelo governo regenerador, são no exercito e na fazenda completa desorganisação, e a par disso ter crescido immensamente a divida consolidada, augmentado muito a divida fluctuante, e o déficit ser cada vez maior.

Tenho dito.

(O orador não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Vaz Preto: - Eu não tinha usado da palavra quando v. exa. ma deu, porque entendi que o sr. ministro da marinha ou o sr. relator da commissão daria explicações com relação ás observações que tinham feito os oradores que fallaram contra o projecto; e tanto mais esperava; isto, quanto é certo o governo ter sido aggredido por uma forma tal, que era dever seu dar explicações á camara e responder a quem o tinha atacado.

Todavia o governo entendeu o contrario; conservou-se silencioso, e silencioso se conserva ainda. Nestes termos, antes de continuar as reflexões que desejo fazer, peço a s. exa. que me responda a uma pergunta.

Resultando deste projecto um augmento de despeza, desejava que s. exa. me dissesse se está resolvido a seguir o preceito da lei de 16 de maio de 1866, referendado pelo sr. Fontes, e a transcripção do regulamento de contabilidade no § 5l.°?

A lei de 16 de maio de 1876, referendada pelo sr. Fontes Pereira de Mello, diz: "Que não se póde emittir titulos de divida publica sem ao mesmo tempo se declararem os meios de satisfazer os encargos dahi resultantes", e o ré-

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gulamento de contabilidade estabelece que não se deve votar despeza sem receita correspondente.

Pergunto, pois, ao sr. ministro da marinha, qual era a receita que o governo entendia dever crear para fazer face aos encargos de que se trata?

Os governos têem obrigação de respeitar as leis, e este muito principalmente as que foram referendadas pelo sr. Fontes Pereira de Mello.

Esta lei a que me refiro foi pelo sr. Fontes apresentada com o unico intuito de impedir o systema seguido pelo partido regenerador, que era estar constantemente votando despezas, de forma que, em logar do se estabelecer o equilibrio orçamental, o déficit ia sempre augmentando.

Portanto, antes de proseguir nas minhas reflexões, desejava que o sr. ministro da marinha indicasse qual era a opinião do governo ácerca dos meios para satisfazer a despeza que se pede.

O sr. Ministro da Marinha: - Sou antigo amigo do digno par que acaba de fallar, e por isso mesmo, quando não fosse obrigação minha responder ás perguntas que s. exa. me dirigiu, bastava a muita deferencia que por elle tenho, para não poder esquivar-me a dar-lhe resposta.

Direi em primeiro logar que o governo trouxe ao parlamento algumas propostas para crear nova receita, as quaes foram já votadas na outra camara, e julgo que tambem nesta.

Não me parece facil saber a quanto ascenderá essa receita, como tambem me parece que não é agora a melhor occasião para se averiguar se as diversas despezas que é necessario fazer, têem ou não teem receita á sombra da qual se abriguem.

Se eu podesse pedir auctorisação para despender estas sommas sem precisar recorrer ao credito, creia o digno par que a pediria.

Eu achava muito mais agradavel vir apresentar uma proposta como esta que se discute, indicando ao mesmo tempo a origem da receita com que se contava para occorrer aos novos encargos que se tornava indispensavel contrahir; isto satisfazia-me necessariamente, mas não era porque eu esperasse obter maior benevolencia da parte dos que me fazem opposição.

Ainda ha pouco se votou um projecto meu em que o governo não pedia augmento de despeza, e nem por isso foi menos impugnado; pedi uma auctorisacão para reformara secretaria da marinha, declarando que era sem augmento de despeza e, nem assim, escapou ás iras da opposição.

Por consequencia, ou de uma forma ou de outra, ou com receita ou sem ella, estou convencido de que a minha proposta não deixaria de merecer a desapprovação do digno par.

Quanto ao outro ponto, a lei que s. exa. apontou, referendada em 1876 pelo meu digno amigo o sr. presidente do conselho e que se refere á emissão de titulos de divida, creio que não tem nada com as disposições contidas na proposta em discussão; e quanto ao regulamento, não me consta que se lhe deva attribuir forca de lei. Do que se trata é de um emprestimo que talvez possa sair da receita que se votou, e nesse caso fica perfeitamente a coberto. Senão, sairá da unica fonte de que póde sair.

O sr. Vaz Preto: - Ouvi as explicações do sr. ministro da marinha, e agradeço a s. exa. a deferencia que teve para commigo, e agradeço-lhe sobre maneira, ainda que a minha individualidade desapparece diante da minha qualidade de membro do parlamento, por consequencia a deferencia, quando eu faço qualquer pergunta, é mais para a camara do que para mim; comtudo não deixo por isso de agradecer a s. exa. a sua attenção.

O sr. ministro da marinha disse que esta lei não SG refere nem póde ser applicada ao projecto que se discute.

Pois a que se refere?

Quando é que póde ser applicada?

Quando é que tem logar a emissão de titulos de divida publica?

Não os emitte o governo para consolidar a divida fluctuante que forma, recorrendo ao credito para satisfazer estas despezas?

Por consequencia esses titulos de divida publica para que são emittidos senão para satisfazer o pagamento de despezas, que não teem receita correspondente?

Parece-me pois que a lei a que me referi tem applicação para o caso sujeito. Só isto não póde ser contestado, para que vem s. exa. dizer que a lei de 16 de maio de 1866 não tem agora applicação?

Para que foi ella feita senão para acabar com esse systema do se estar a augmentar a despeza sem ao mesmo tempo se crear a receita correspondente, isto no intuito de só chegar ao equilibrio do orçamento e extinguir o déficit?

Parece impossivel que se digam ás vezes heresias destas e que partam ellas dos bancos dos srs. ministros!

Disso tambem o sr. ministro da marinha que estas despezas talvez possam sair das receitas que se votaram; mas não sabe o que- essas receitas hão de dar. Desde o momento que não sabe o que ellas produzirão, não tem certeza, e portanto é pouco previdente entregando-se ao acaso, podendo cumprir facilmente se attendesse ao preceito da lei a que me tenho referido. Por este projecto pedem-se 200:000$000 réis para a compra de navios e lanchas a vapor para o serviço das colonias. O encargo que dahi provem, se não se crear receita nova, ha de ser pago pelas receitas ordinarias. Ora, como estas não chegam, o resultado e recorrer-se ao credito, e nesse caso ha de resultar um encargo para todos os annos que a 7 por cento corresponde a 14:000$000 réis.

Eu faria a proposta, de ser pago este encargo com o producto das gratificações que são dadas contra lei, e estimaria que o governo a acceitasse, porque com ella se cria a receita correspondente para satisfazer ao encargo. Esta proposta é inoffensiva e mostra a minha boa vontade. Poderá dizer-se que a rasão por que eu fallo nestas questões, é porque não tenho confiança no actual governo e lhe faço opposição, mas a verdade e que a marcha politica do gabinete não preoccupa só os membros da opposição, preoccupa tambem os proprios amigos do governo. Vejo na outra casa do parlamento, o presidente da commissão de fazenda apresentar declarações do seu voto, protestando contra estes augmentos de despeza. Ora, quando vejo isto por parte daquelles que apoiam o ministerio, não posso deixar de ter receio que o governo por este systema nos conduza a um abysmo!

É exactamente porque tenho esses receios e essas apprehensões, que me custa, por uma imprudencia, por uma precipitação, por um systema de gastos immoderados por parte deste governo, ver caminhar o paiz para a sua ruina, tornando-se de anno para anno mais difficil a sua situação, chegando-se a um ponto em que se não encontre solução possivel.

Por isso, sr. presidente, quando vejo todos os dias lançar ao paiz ónus sobro ónus, quando vemos ainda agravar esses ónus com uma despeza que ascende a 4.000:000$0OO réis, pois a tanto sobem as despezas que a camara tem ainda para votar este anno, não posso deixar de lamentar profundamente este facto, e de protestar contra o proceder errado do actual gabinete.

Como ha de o governo occorrer ás difficuldades com que tem de lutar?

É necessario attender bem aos factos. Temos a collocar 5.000:000$000 réis do emprestimo, que ainda não foram collocados, o que faz com que a verba que temos de pedir ao credito exceda a 11:000$000 réis ou 12:000$000 réis. Será lisonjeiro o termos um déficit de 5.000:000$000 réis, e uma divida fluctuante de 12.000:000$000 réis, e aconselhará a prudencia que em face das complicações da Europa se aggravem ainda os nossos males com novos sacrificios?

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Será prudente este systema que o governo está seguindo todos os dias?

Se as circumstancias economicas não permittiram que se collocasse convenientemente o emprestimo na sua totalidade, perguntarei eu se hoje, que a situação da Europa é complicada, se hoje que os horisontes se apresentam ameaçadores e carregados, o governo poderá ter facilidade em levantar um emprestimo de 11.000:000$000 ou 12.000:000$000 réis em boas condições?

Parece-me que não.

E nestes termos o que aconselharia a prudencia e a previdencia era que o governo se limitasse apenas a pedir ao parlamento auctorisação para as despezas impreteriveis e de absoluta necessidade.

A despeza de que se trata será impreterivel e de absoluta necessidade? Não, e é o proprio sr. ministro quem o diz, pois declara que não sabe de que o ministerio a seu cargo precisa, que não conhece as suas necessidades, mas que apesar disso pede desde já esta verba, e que para o anno pedirá mais.

Procede-se assim, sr. presidente, sem conhecimento das necessidades e sem se attender ao nosso estado financeiro, e sem ao menos se apresentarem os esclarecimentos convenientes em que se baseia este pedido.

Não se persuada o sr. ministro que eu não desejo augmentar a nossa marinha, mas a questão está em saber se se póde fazer.

Se se podesse, não seria eu só, mas todos os portuguezes, que teem orgulho de que os nossos navegadores fossem os primeiros que levassem a civilisação lá fora, e nos dessem o imperio dos mares; todos votariam de bom grado quaesquer sommas que podessem concorrer para, termos uma marinha que satisfizesse as nossas necessidades e exigencias.

Mas, podemos nós faze-lo? Não senhor. Pois se não o podemos fazer na situação precaria em que nos achamos, se vemos as cousas turvas em roda de nós, o que mais nos convem fazer emquanto é tempo, é tratar da organisação financeira, para que, se mais tarde vierem algumas complicações, não nos vejamos em difficuldades, que não será facil prever quaes sejam.

Disse o sr. ministro da marinha, respondendo ao sr. Costa Lobo, que se apresentou este projecto foi em nome das necessidades das colonias, que são immensas; mas, a isto responder-lhe-hei, que é exactamente em nome das necessidades, não das colonias, mas sim do continente, que tambem são immensas, e ás quaes precisámos occorrer quanto antes, que nós nos oppomos a similhante pedido. É necessario não sacrificar a metropole ás colonias, porque é altamente imprevidente e imprudente que o governo procure aggravar as difficuldades da metropole, a ponto de a fazer correr perigo.

Sr. presidente, disse s: exa. que pertence á escola que tem marchado constantemente á beira do abysmo, mas que tem dotado o paiz com grandes melhoramentos. Quem marcha constantemente á beira do abysmo, póde um dia escorregarem-lhe os pés e precipitar-se, e isso é que eu temo, porque a tal escola póde arrastar comsigo o paiz.

Essa escola tem lançado á terra sementes que se não produzem immediatamente, hão de mais tarde dar os seus fructos nocivos.

Essas sementes são os desperdicios, os esbanjamentos, os successivos augmentos de despeza, que teem já collocado á fazenda publica no estado terrivel em que se encontra, e que de futuro nos levará á ruina.

Pergunto eu: o governo, que apresentou este projecto, está resolvido a apresentar para o anno um orçamento, no qual se ache equilibrada a receita com a despeza? Faço esta pergunta ao governo, e se elle me responder affirmativamente, voto-lhe este projecto. Eu, que estou combatendo o governo pelo systema que está seguindo, desde que me declare quaes os seus planos financeiros e os meios

que tenciona empregar a fim de conseguir em resultado apresentar um orçamento sem déficit., voto-lhe este projecto, e voto tambem, ao sr. presidente do conselho, o projecto relativo aos armamentos.

Sobre este ponto é que desejo ouvir os esclarecimentos do governo, porque se elle tenciona fazer marchar as cousas do mesmo modo, se não equilibra a receita com a despeza, o déficit produz cada anno novos encargos, e o que seria facil resolver hoje, amanhã tornar-se-ha difficil, se não impossivel.

O sr. presidente do conselho reconhece que o orçamento com déficit não é senão um rol de despezas sem significação alguma.

Se é, pois, esse o seu convencimento, porque não emprega os meios de que elle seja uma realidade pratica?

O sr. ministro da marinha, apesar de entrar para o ministerio com os olhos fechados e sem saber cousa alguma, vem pedir logo á camara auctorisações, até para a reforma da secretaria de marinha!

Este proceder revela grande ousadia e muita confiança na sua pessoa. Comtudo, melhor era, e mais consentaneo com a indole deste systema, ou fazer as reformas, ou pedir as auctorisações baseadas.

Limitarei aqui as minhas observações, concluindo por declarar que desejava votar este projecto, se estivéssemos em boas circumstancias, ou que o governo faça a declaração de que na sessão futura apresentará medidas á camara pelas quaes se equiparem a receita com a despeza, de modo que o orçamento seja verdadeiro e não uma ficção.

Vou mandar para a mesa uma proposta, e essa proposta é para satisfazer á lei de 20 de maio de 1866.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que os 200:000$000 réis que são pedidos para concertos de navios, sejam pagos pelas gratificações que são dadas pelos differentes ministerios sem lei que as approvo. = Vaz Preto.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o projecto, porque a inscripção está acabada.

Foi approvado o projecto na generalidade.

Leu-se o artigo 1.°

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae agora votar-se o additamento proposto pelo digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Requeiro que haja votação nominal sobre o meu additamento.

A camara não concedeu votação nominal.

Foi o additamento rejeitado e em seguida approvado o artigo 2.°

Leu-se na mesa o parecer n.° 315.

Parecer n.° 315

Senhores. - Foi presente ás vossas commissões reunidas de fazenda e obras publicas, que o examinaram como lhes competia, o projecto de lei n.° 304 vindo da camara dos senhores deputados. Tem elle por fim auctorisar o governo a fazer uma nova emissão de obrigações, necessaria para a continuação e acabamento dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Pelas informações apresentadas na proposta do governo vê-se que as obras destes caminhos de ferro estão no ultimo periodo da sua construcção, esperando-se que em junho se possa abrir á exploração a linha do Minho até Caminha e seguidamente até Valença e que a do Douro possa entrar em exploração até ao Marco de Canavezes no mez de julho, e por todo o mez de setembro até á Régua ou mesmo Pinhão.

Entende o governo que para continuar e concluir este tão importante melhoramento material, e que se apresenta já tão promettedor de grande rendimento, lhe é necessaria e

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sufficiente a quantia de 1.706:000$000 réis. E as vossas commissões, considerando que é uma necessidade urgentissima e indiscutivel a conclusão destas linhas no mais curto espaço de tempo, e attendendo ás informações apresentadas pelo governo, são de opinião que deve ser approvado, para subir á sanccão regia o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 304

Artigo 1.° É o governo auctorisado a levantar até á quantia de 1.706:000$000 réis as sommas necessarias para a continuação e conclusão dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Art. 2.° O levantamento desta quantia será realisado por emissão de obrigações, nos termos e pela forma consignada na carta de lei de 2 de julho de 1867.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das commissões reunidas de fazenda e obras publicas, em 9 de abril de 1818.= Marquez de Ficalho = Barros e Sá = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens = Jayme Larcher = Visconde de Bivar = Augusto Xavier Palmeirim = Marino João Franzini = Visconde da Praia Grande = Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho = Carlos Alaria Eugenio de Almeida == D. Affonso de Serpa Leitão Pimentel, relator.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, este parecer não foi distribuido,

Algumas Vozes: - Nós não o temos.

O sr. Presidente: - Eu vou mandar ler o projecto outra vez para lembrar aos dignos pares que estão enganados, porque effectivamente o parecer já foi distribuido e ha muito tempo dado para ordem do dia. Por consequencia, sem uma decisão da camara, eu não podia agora retirai-o da ordem do dia.

Foi approvado o projecto na generalidade e em seguida approvado o artigo 1.°

Leu-se o artigo 2.°

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, deste projecto, como disse a v. exa., não tive conhecimento 5 mas neste ponto sempre perguntarei ao sr. ministro das obras publicas uma cousa. Não desejo negar os meios com que s. exa. precisa ficar habilitado, mas o que desejo é que o sr. ministro informe a camara se pela approvação deste projecto ficará o caminho concluido?

O sr. Ministro das Obras Publicas:- Vou sómente responder ao digno par que o governo com a auctorisação que por esta lei lhe é dada, fica habilitado a concluir estes caminhos de ferro, na parte que hoje se acha em construcção.

O sr. Vaz Preto: - Se eu tivesse examinado o projecto não incommodaria o sr. ministro a pedir-lhe declarações.

Comtudo não se perde nada em que a camara e o paiz saibam, que quando se vem pedir ás côrtes uma somma qualquer para a construcção de um caminho de ferro, deve-se logo ficar prevenido que se ha de vir pedir outro tanto para o mesmo fim; porque se fazem os orçamentos sempre por metade e depois das obras estarem adiantadas se as quizermos concluidas, para não perder tudo, havemos de auctorisar nova despeza.

Nós não podemos confiar demasiadamente nas declarações dos srs. ministros, apesar do sr. visconde de Bivar nos dizer que em objectos desta ordem as declarações do governo merecem toda a consideração.

Posso ter muita consideração pelas pessoas dos srs. ministros, mas quanto ás suas opiniões como homens de governo não posso ter a mesma consideração, porque desgraçadamente s. exas têem mostrado que não têem uma opinião fixa, pois varia todos os dias e a todos os instantes; hoje apresentam uma, amanhã já é outra, e assim continuamente conforme as suas conveniencias.

Sobre um objecto em que se não deve ter senão uma só opinião, já eu vi aqui o sr. presidente do conselho apresentar tres opiniões differentes. Refiro-me á construcção do caminho de ferro da Beira Baixa. Qual dessas tres opiniões seria a verdadeira?

O que é celebre é que esta inconstancia do sr. Fontes tem-se pegado aos collegas de s. exa., e tanto que até o proprio sr. Lourenço de Carvalho, que coiro engenheiro tinha uma certa opinião sobre alguns dos nossos caminhos de ferro, depois que é ministro já mudou de parecer a respeito dellas, e já o vi mesmo apresentar tres opiniões, como o sr. presidente do conselho, sobre o mesmo assumpto.

Nestas circumstancias, peço ao meu illustre collega, o sr. visconde de Bivar, que me diga qual das tres opiniões do sr. Lourenço de Carvalho devo ter em consideração, qual tem auctoridade, porque dimanando todas tres de um membro do poder executivo, representado aqui pelos sra. ministros, é natural a hesitação que possamos ter sobre qual é dellas a verdadeira, ou a que devemos venerar.

Sobre este ponto nada mais direi.

Desejo que estes factos fiquem bem patentes e registados, porque ha cousas que parecendo simples á primeira vista, são comtudo complicadas, e carecem de grande ponderação, quando se reflecte bem nellas.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção, e vae-se votar o artigo 2.°

Posto á votação o artigo 2.°, foi approvado.

Foram tambem approvados os restantes artigos do projecto, sem nenhum digno par ter pedido a palavra.

O sr. Presidente: - Se a camara concorda, a sessão de amanhã (13) começará á uma hora da tarde. (Apoiados.)

A ordem, do dia serão os pareceres n.ºs., 296, 307, 288, 318, 301, 319, 312 e 313.

Está levantada a sessão.

Eram onze horas da noite,

Dignos pares presentes na sessão nocturna
de 12 de abril de 1878

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Marqueses, de Ficalho, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, do Bomfim, de Cabral, de Cavalleiros, do Farrobo, da Fonte Nova, da Louzã, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, do Bivar, de Fonte Arcada, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, do Soares Franco; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Larcher, Andrade Corvo, Martens Ferrão, Mamede, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pita.

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