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330 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

verosimil aquillo que temos presenciado e que estamos presenciando? Alguns alrotadores dão vivas á republica e apedrejam a força publica. A guarda municipal com algumas pranchadas dispersa o motim. O governo é o responsavel por esta repressão.

De que lado está aqui a prevaricação? Do lado dos tumultuarios, ou do lado do governo, mantenedor da ordem? Quem cumpriu o seu dever, e quem faltou a elle? Quem deve ser louvado, e quem deve ser censurado?

Temos a ventura de possuir no nosso seio um insigne estadista que se apresentou a dirimir a questão. Esse grande homem d'estado abraçou-se com os tumultuarios, e propoz, sustentou e effectuou a deposição do governo. Um estadista, disse eu? Foram dois os que se apresentaram na liça em defeza da assuada. Foram dois os que se disputaram a distincção de serem os propugnadores da inviolabilidade da assuada. Tão soffregos estavam o sr. Barjona e o sr. Fontes da ambição de serem os Cids da arruaça, que o sr. Barjona se adiantou a propor a censura ao governo, querendo assim defraudar o sr. Fontes das suas legitimas e inauferiveis regalias. Mas em tal não consentiu nem elle nem o sequito dos seus fieis. E nós tivemos aqui o divertido espectaculo de ver o sr. Barjona a apear-se humilhado da peanha a que se tinha erguido, e confessar em tom penitencial que se tinha astuciosamente adornado com as pennas do pavão, e que a sua era a modesta plumagem da gralha.

Assim, pois, que não reste a menor duvida a este respeito.

Quem tem o sêllo grande das desordens é o sr. Fontes. É o chanceller mór das arruaças.

Foi essa sua chancella, foi essa censura ao governo repressor das alrotarias, que creou aquelle ministerio que ali se vê, o qual não representa outra cousa senão o triumpho do alvoroto e a humilhação e o escarneo das leis e das instituições. E as leis e as instituições foram humilhadas e escarnecidas, para que fossem satisfeitas as vaidades, as ambições e os intuitos de alguns homens que não reconhecem outro mandamento politico senão a completa indifferença pelos meios de attingirem os seus fins. Alvoroçar os espiritos, inquietar a industria e o commercio, aproveitar o auxilio de republicanos e socialistas, suscitar a agitação popular por todos os modos e em toda a parte, desacreditar os impostos, e não duvidar até mesmo parcialisar e consociar a camara dos pares com os promotores dos disturbios, para tudo lhes dá ensanchas a sua consciencia politica.

Agora a sua ultima façanha foi conseguirem enthronizar a arruaça nas cadeiras do poder.

Porque aquelle ministerio não significa outra cousa. E é para lamentar que o sr. ministro da guerra, que acaba de nos dizer que nunca se revoltou, e honra lhe seja; é para lamentar que; depois de chegar á alta posição do exercito em que se acha, entrasse agora para um ministerio originario de uma arruaça, e em que foi insultado o proprio exercito.

(Sussurro nas galerias.)

(Interrupção.}

V. exa. sr. presidente, cumpre o seu dever, impondo silencio ás galerias. Assim o exige a dignidade d'esta assembléa. Pelo que me diz respeito a mim pessoalmente, são-me completamente indifferentes esses rumores. Sabe v. exa. qual é um dos grandes males d'este paiz? É a pusillanimidade dos poderes publicos. (Apoiados.) Falta-lhes quem diga o que pensa, e faça o que deve. Essa coragem espero que me não ha de falhar, caso me seja necessaria. O que eu quero é ser ouvido. O mais dá-me pouco cuidado. Porém, d'aqui a alguns mezes, estas manifestações hão de ser contra os oradores governamentaes. Hão de ter então sobre o meu proposito a mesma influencia que têem agora.

Mas, sr. presidente, creio que antes da interrupção que acaba, de dar-se eu me referia ao sr. Fontes como auctor da moção de censura que derrubou o governo passado pelo facto de elle ter mantido a tranquilidade nas das de Lisboa. Dizem por ahi que s. exa. é o segundo monarcha d'este paiz...

(Interrupção.)

Permitta-me v. exa. que lhe diga, que eu estava bem longe de imaginar que alludia ao poder moderador, o qual v. exa. não respeita mais do que eu. Mas, v. exa. não me deixou acabar a minha oração. Ha inconvenientes em interromper o orador no meio da sua phrase.

Eu ia dizendo que similhante boato era aleivoso, e que ninguem de ora avante lhe poderia dar o menor credito, depois de ver o sr. Fontes cingindo o barrete phrygio do anarcha.

Mas, estes actos do sr. Fontes e dos seus sectarios traduzem-se, por fim, em factos que são da responsabilidade d'esta camara. De onde resulta que tudo isto é altamente serio e grave.

Pois esta camara foi instituida pela constituição para dar rasão aos alteradores da ordem publica? Pois esta camara foi estabelecida pela constituição para glorificar delictos punidos pelo codigo penal?...

(Interrupção.)

Sr. presidente, ainda que v. exa. me é superior a todos os respeitos, eu sou mais velho n'esta camara do que v. exa. Ha quatorze annos que aqui tomo parte nas discussões, e ainda até agora nenhum presidente julgou necessario chamar-me á ordem. E a rasão é porque em todo este tempo eu não dirigi nunca a ninguem uma unica offensa pessoal. Mas tambem tive sempre por principio o expressar a minha opinião sobre os acontecimentos politicos com a maxima sinceridade e franqueza. E o que estou fazendo agora. Nunca até hoje me foi contestado esse direito. Agora se v. exa. entende que não deve cohibir, eu sento-me. Mas não sem primeiro pedir á camara que me mantenha a liberdade da palavra, porque é esta uma questão que interessa a cada um de nós. Hoje é commigo. Ámanhã será com outro.

Pois é ou não verdade que foi proposta pelo sr. Fontes, e votada n'esta camara, uma moção de censura ao governo pela repressão de uma arruaça? E ou não verdade que é em virtude d'essa moção que aquelle ministerio foi elevado ao poder? O que é, pois, esse ministerio senão a glorificação da arruaça? (Apoiados.}

Como posso eu expressar-me de uma outra maneira, sem faltar ao que devo á veracidade, á consciencia, ao serviço publico e ao sentimento da minha propria dignidade?

(Interrupção.}

Acato todos os poderes do estado. Mas acato ainda mais a verdade e a justiça. Nem estou aqui para outra cousa senão para velar pela sua observancia na governação do estado.

Já disse que respeito o caracter particular dos srs. ministros e do sr. Fontes. Sou mesmo, se quizerem, seu grande admirador. Mas eu estou apreciando actos publicos, praticados por homens politicos, e praticados por elles no seu caracter politico. Estou apreciando actos que eu julgo no maximo grau perniciosos para o bem d'este paiz. Estou apreciando actos que eu julgo dignos de inexcedivel reprovação. É, pois, evidente que a minha linguagem não póde ser senão aquella que eu estou usando.

Sr. presidente, ha n'este mundo uma justiça retributiva. É aquella Nemesis, a quem os povos da antiguidade rendiam culto, e que faz reverter sobre o perpetrador os effeitos do proprio maleficio. Oxalá que eu seja um falso propheta. Mas o sr. Fontes e os seus correligionarios levaram esta camara a dar um passo, que póde ter para ella funestas consequencias. A historia fornece-nos temerosos exemplos do que succede ás assembléas legislativas que pactuam com a anarchia,

Quando o senado romano exilava o consul que reprimíra