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N.º 43

SESSÃO DE 29 DE MARÇO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens (vice-presidente)

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Leitura do decreto, pelo qual Sua Magestade ha por bem adiar as côrtes geraes para o dia 30 do mez de maio proximo.

Ás tres horas da tarde, sendo presentes cincoenta e dois dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio do reino, remettendo, para conhecimento da camara dos dignos pares do reino, o decreto autographo datado de hoje, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem adiar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza, para o dia 30 de maio do corrente anno.

Para o archivo.

É o seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia, no artigo 74.°, § 4.!, depois de ter ouvido o conselho de estado, nos termos do artigo 102.° da mesma carta:

Hei por bem adiar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza, para o dia 30 de maio do corrente anno.

O presidente da camara dos dignos pares do reino assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço da Ajuda, em 29 de março de 1881. = REI. = Antonio Rodrigues Sampaio.

O sr. Presidente: - Em virtude do decreto que acaba de ser lido, estão adiadas as côrtes geraes da nação portugueza até ao dia 30 de maio do corrente anno.

Está levantada a sessão.

Eram tres horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 29 de março de 1881

Exmos. srs. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes: de Penafiel, de Pombal, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna, de Monfalim; Condes: de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Rio Maior, da Torre; Viscondes: de Alves de Sá, de Borges de Castro, de Chancelleiros, da Gandarinha, de S. Januario, das Laranjeiras, de Ovar, da Praia, de Seabra, do Seisal, de Soares Franco, de Valmor, de Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Augusto de Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Couto Monteiro, Pequito de Seixas Magalhães Aguiar, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Bazilio Cabral, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Henrique de Macedo, Mendonça Cortez, Gusmão, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Mancos de Faria, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Daun e Lorena, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Canto e Castro, Placido de Abreu, Alheiros, Ferreira Novaes.

Discurso proferido pelo digno par, o exmo. sr. Costa Lobo, na sessão de 28 de março de 1881, e que devia ler-se a pag. 316, col. 2.ª in-fine.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, devo começar confessando a minha grande veneração pelo illustre presidente do conselho de ministros. Sentirei profundamente que aquillo que eu vou dizer lhe possa ser desagradavel. Mas o illustre ministro sabe melhor do que ninguem que é uma das frequentes e tristes necessidades do homem publico o ter de sacrificar os seus sentimentos ao cumprimento do seu dever.

Posto isto, seja-me licito felicitar a camara, ou antes o auctor da moção que derrubou o governo passado; seja me licito felicital-o a elle e aos seus sequazes pelo brilhante resultado que alcançaram da sua obra.

Ali está, pois, o governo que ha de conciliar a ordem com a liberdade. Ali está o governo que ha de inventar impostos que não offereçam o minimo gravame, e que os ha de cobrar no meio do jubilo e gratidão dos contribuintes. Eil-o ali, o governo que enche todas as medidas na craveira dos srs. Vaz Preto e conde de Valbom. Eil-o ali, esse governo que vae tirar ao sr. marquez de Ficalho todo o medo de que se confessa acabrunhado. Aquelle é que é o governo que, na phrase exdruxula do sr. Barjona, está á altura da gravidade das circumstancias, e por maior, acrescento eu, que seja o peso especifico das mesmas circumstancias.

Emfim, é elle o governo composto dos ministros que acabâmos de ouvir; uns ministros que não têem opinião nenhuma sobre cousa nenhuma, e que precisam de adiar o parlamento para fazerem estudos preparatorios que os habilitem a ter alguma opinião sobre alguma cousa.

E foi para isto que tanto barafustou, esbravejou e estrebuxou a ex-opposição! E foi para isto que nós, os pares silenciosos, tivemos de escutar, com a paciencia de um Job coberto de gafeira, dia após dia, durante tres longos mezes, a eloquencia esbaforida d'aquelles que nos cantaram as excellencias da administração da penitenciaria, e que nos excruciaram com todas as rabularias da jurisprudencia militar! E foi para isto que, por fim, e, como dizia o padre Antonio Vieira, para ajuntar o fim com o fino, que esta camara, por votação da sua maioria regeneradora, estabeleceu um novo principio de direito publico constitucional. Porque esta camara estabeleceu um novo principio de direito publico. Assim ficou d'ora ávante assentado que toda a vez que um partido queira empolgar o poder, não tem mais que fazer senão promover um arruido nas ruas, que n'esse arruido seja apupada a força armada, que n'elle se soltem gritos contra os poderes constituidos. Então na camara dos pares - credite pòsteri! na camara dos pares se levantará um dos seus membros, proporá uma censura ao governo que reprimiu a desordem, e a maioria d'essa camara dará rasão aos desordeiros, e despedirá o governo que commetteu o inqualificavel delicto de os reprimir. Quem o poderia acreditar? Quem jámais julgaria sequer

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verosimil aquillo que temos presenciado e que estamos presenciando? Alguns alrotadores dão vivas á republica e apedrejam a força publica. A guarda municipal com algumas pranchadas dispersa o motim. O governo é o responsavel por esta repressão.

De que lado está aqui a prevaricação? Do lado dos tumultuarios, ou do lado do governo, mantenedor da ordem? Quem cumpriu o seu dever, e quem faltou a elle? Quem deve ser louvado, e quem deve ser censurado?

Temos a ventura de possuir no nosso seio um insigne estadista que se apresentou a dirimir a questão. Esse grande homem d'estado abraçou-se com os tumultuarios, e propoz, sustentou e effectuou a deposição do governo. Um estadista, disse eu? Foram dois os que se apresentaram na liça em defeza da assuada. Foram dois os que se disputaram a distincção de serem os propugnadores da inviolabilidade da assuada. Tão soffregos estavam o sr. Barjona e o sr. Fontes da ambição de serem os Cids da arruaça, que o sr. Barjona se adiantou a propor a censura ao governo, querendo assim defraudar o sr. Fontes das suas legitimas e inauferiveis regalias. Mas em tal não consentiu nem elle nem o sequito dos seus fieis. E nós tivemos aqui o divertido espectaculo de ver o sr. Barjona a apear-se humilhado da peanha a que se tinha erguido, e confessar em tom penitencial que se tinha astuciosamente adornado com as pennas do pavão, e que a sua era a modesta plumagem da gralha.

Assim, pois, que não reste a menor duvida a este respeito.

Quem tem o sêllo grande das desordens é o sr. Fontes. É o chanceller mór das arruaças.

Foi essa sua chancella, foi essa censura ao governo repressor das alrotarias, que creou aquelle ministerio que ali se vê, o qual não representa outra cousa senão o triumpho do alvoroto e a humilhação e o escarneo das leis e das instituições. E as leis e as instituições foram humilhadas e escarnecidas, para que fossem satisfeitas as vaidades, as ambições e os intuitos de alguns homens que não reconhecem outro mandamento politico senão a completa indifferença pelos meios de attingirem os seus fins. Alvoroçar os espiritos, inquietar a industria e o commercio, aproveitar o auxilio de republicanos e socialistas, suscitar a agitação popular por todos os modos e em toda a parte, desacreditar os impostos, e não duvidar até mesmo parcialisar e consociar a camara dos pares com os promotores dos disturbios, para tudo lhes dá ensanchas a sua consciencia politica.

Agora a sua ultima façanha foi conseguirem enthronizar a arruaça nas cadeiras do poder.

Porque aquelle ministerio não significa outra cousa. E é para lamentar que o sr. ministro da guerra, que acaba de nos dizer que nunca se revoltou, e honra lhe seja; é para lamentar que; depois de chegar á alta posição do exercito em que se acha, entrasse agora para um ministerio originario de uma arruaça, e em que foi insultado o proprio exercito.

(Sussurro nas galerias.)

(Interrupção.}

V. exa. sr. presidente, cumpre o seu dever, impondo silencio ás galerias. Assim o exige a dignidade d'esta assembléa. Pelo que me diz respeito a mim pessoalmente, são-me completamente indifferentes esses rumores. Sabe v. exa. qual é um dos grandes males d'este paiz? É a pusillanimidade dos poderes publicos. (Apoiados.) Falta-lhes quem diga o que pensa, e faça o que deve. Essa coragem espero que me não ha de falhar, caso me seja necessaria. O que eu quero é ser ouvido. O mais dá-me pouco cuidado. Porém, d'aqui a alguns mezes, estas manifestações hão de ser contra os oradores governamentaes. Hão de ter então sobre o meu proposito a mesma influencia que têem agora.

Mas, sr. presidente, creio que antes da interrupção que acaba, de dar-se eu me referia ao sr. Fontes como auctor da moção de censura que derrubou o governo passado pelo facto de elle ter mantido a tranquilidade nas das de Lisboa. Dizem por ahi que s. exa. é o segundo monarcha d'este paiz...

(Interrupção.)

Permitta-me v. exa. que lhe diga, que eu estava bem longe de imaginar que alludia ao poder moderador, o qual v. exa. não respeita mais do que eu. Mas, v. exa. não me deixou acabar a minha oração. Ha inconvenientes em interromper o orador no meio da sua phrase.

Eu ia dizendo que similhante boato era aleivoso, e que ninguem de ora avante lhe poderia dar o menor credito, depois de ver o sr. Fontes cingindo o barrete phrygio do anarcha.

Mas, estes actos do sr. Fontes e dos seus sectarios traduzem-se, por fim, em factos que são da responsabilidade d'esta camara. De onde resulta que tudo isto é altamente serio e grave.

Pois esta camara foi instituida pela constituição para dar rasão aos alteradores da ordem publica? Pois esta camara foi estabelecida pela constituição para glorificar delictos punidos pelo codigo penal?...

(Interrupção.)

Sr. presidente, ainda que v. exa. me é superior a todos os respeitos, eu sou mais velho n'esta camara do que v. exa. Ha quatorze annos que aqui tomo parte nas discussões, e ainda até agora nenhum presidente julgou necessario chamar-me á ordem. E a rasão é porque em todo este tempo eu não dirigi nunca a ninguem uma unica offensa pessoal. Mas tambem tive sempre por principio o expressar a minha opinião sobre os acontecimentos politicos com a maxima sinceridade e franqueza. E o que estou fazendo agora. Nunca até hoje me foi contestado esse direito. Agora se v. exa. entende que não deve cohibir, eu sento-me. Mas não sem primeiro pedir á camara que me mantenha a liberdade da palavra, porque é esta uma questão que interessa a cada um de nós. Hoje é commigo. Ámanhã será com outro.

Pois é ou não verdade que foi proposta pelo sr. Fontes, e votada n'esta camara, uma moção de censura ao governo pela repressão de uma arruaça? E ou não verdade que é em virtude d'essa moção que aquelle ministerio foi elevado ao poder? O que é, pois, esse ministerio senão a glorificação da arruaça? (Apoiados.}

Como posso eu expressar-me de uma outra maneira, sem faltar ao que devo á veracidade, á consciencia, ao serviço publico e ao sentimento da minha propria dignidade?

(Interrupção.}

Acato todos os poderes do estado. Mas acato ainda mais a verdade e a justiça. Nem estou aqui para outra cousa senão para velar pela sua observancia na governação do estado.

Já disse que respeito o caracter particular dos srs. ministros e do sr. Fontes. Sou mesmo, se quizerem, seu grande admirador. Mas eu estou apreciando actos publicos, praticados por homens politicos, e praticados por elles no seu caracter politico. Estou apreciando actos que eu julgo no maximo grau perniciosos para o bem d'este paiz. Estou apreciando actos que eu julgo dignos de inexcedivel reprovação. É, pois, evidente que a minha linguagem não póde ser senão aquella que eu estou usando.

Sr. presidente, ha n'este mundo uma justiça retributiva. É aquella Nemesis, a quem os povos da antiguidade rendiam culto, e que faz reverter sobre o perpetrador os effeitos do proprio maleficio. Oxalá que eu seja um falso propheta. Mas o sr. Fontes e os seus correligionarios levaram esta camara a dar um passo, que póde ter para ella funestas consequencias. A historia fornece-nos temerosos exemplos do que succede ás assembléas legislativas que pactuam com a anarchia,

Quando o senado romano exilava o consul que reprimíra

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os furores de uma facção agitadora, a independencia d'esse senado estava prestes a expirar entre os applausos e por obra d'essa mesma facção.

Quando, em tempos modernos, as assembléas legislativas da França deixavam desfilar no recinto das suas deliberações os executores dos sinistros mandados da communa, essas assembléas não tardariam a ser victimas da propria tyrannia, que elles tinham favoneado.

Eu sei que n'estes grandiosos quadros mal se ajusta a mesquinhez d'esta nossa actualidade e dos seus homens. Mas a historia, para que seja proficua, deve ser estudada no seu espirito e não nos seus pormenores, que se não tornam a repetir. E, por grandes os pygmeus que sejam os actores da scena politica, as desgraças que elles têem o poder de acarretar sobre o seu paiz são igualmente destruidoras.

Vós invocastes em vosso auxilio o espirito demagogico. Mas sabei que a demagogia é uma força inconsciente e bruta, e mais terrivel que a propria dynamite. Hontem serviu-vos para derribar o vosso adversario. Ámanhã derrocará o proprio tecto que nos abriga. Vós sujeitastes a acção serena dos poderes publicos ao tripudiar das turbas. Mas, lembrae-vos do apologo da escriptura: As arvores beneficas, as que mantêem e protegem a vida, pozeram-se sob o dominio do espinheiro alvar; e do espinheiro partiu o incendio que abrazou a oliveira e a figueira, o cedro do Libano, e as cearas da planicie.

Vós deturpastes, para os vossos fins, a natureza do corpo politico que a constituição propoz especialmente á manutenção da ordem e da legalidade. E nem sequer vos embaraçou o pensamento de que essa instituição, desmentindo a sua origem, o seu caracter, a sua missão e as suas tradições, viesse a padecer as consequencias da vossa insaciavel cobiça do poder.

Eis, sr. presidente, o preço que custou ao paiz a felicidade de possuirmos aquelle ministerio.

Agora que vão elles fazer? Não o sabem elles dizer. Mas sei-o eu.

Titeres do sr. Pontes, hão de obedecer ao seu manejo.

O sr. ministro da guerra já declarou que approvava o additamento feito por esse digno par no projecto de lei relativo á promoção dos coroneis; o que augmenta consideravelmente as despezas do estado.

Tudo o mais será pelo mesmo teor.

O que vão elles fazer? Vão fabricar inscripções de divida publica.

De caminho montarão a machina eleitoral, farão surgir a divida fluctuante, extincta pelo governo passado, tornarão o mais extensivo e farto que ser possa o banquete do orçamento, e assentarão praça e soldo a todos os vozeadores importunos que o solicitarem.

O sr. Fontes foi o organisador, e é o sustentador do governo. Que póde este, pois, fazer senão trilhar o mesmo caminho que esse digno par percorreu durante a sua larga estada no poder?

Essa calamitosa experiencia está ainda na memoria de todos. E o saber que vae ella de novo ser repetida quasi que me tentou a proferir o mesmo brado que, ha quatro seculos, foi o grito de guerra de um celebre reformador - Povo, abri os olhos e fechae a bolsa.

Não o faço, porém, sr. presidente. Porque eu não tenho por costume seguir na opposição o procedimento indecoroso d'aquelles que a todos os obstaculos se soccorrem para impedir o levantamento dos impostos necessarios para pagar as despezas do estado, e as despezas provenientes dos esbanjamentos que elles proprios praticaram.

Mas, se a experiencia do passado deve ser a nossa conselheira para o futuro, se os males padecidos devem ser a nossa salvaguarda contra as occorrencias que os originaram, eu, em presença d'aquelle ministerio e do seu inspirador, direi aos contribuintes - Abri os olhos, se não quereis esvasiar a bolsa.

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