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CAMARA DOSJMGNOS PARES

SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1861

presidência do ex.»» sr. visconde de l.aborim vice-presidente

, . -,. (Conde de Peniche

Secretários: os dignos pares |D pedro Bj.;to ^ RÍQ

(Presentes os srs. ministros ão reino, fazenãa, guerra e justiça.)

A's duas horas e meia reunido o numero legal, decla-rou-se aberta a sessão.

Lida a acta da sessão antecedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondência:

Um officio do ministério da marinha, enviando para serem distribuídos pelos dignos pares, sessenta exemplares da conta da sua gerência relativa ao anno económico de 1859-1860, e do exercicio de 1857-1858.— Manãaram-se distribuir.

O sr. J. F. ãe Soure: — Tenho a honra de participar á Camara que a commissão de agricultura, commercio e industria se acha installada, tendo nomeado para seu presidente o digno par marquez de Ficalho, a mim para secretario e relatores aquelles a quem forem distribuidos os pareceres.

O sr. Conãe ão Bomfim: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta renovando a iniciativa do projecto n.° 139. Este projecto veio da camará dos srs. deputados para aqui, e ainda não foi approvado por causa de um paragrapho, e consequentemente caducou; foi depois renovada a sua iniciativa n'esta camará por um digno par que já falleceu, o sr. visconde de Athoguia, e por essa occasião foi aqui discutido e approvado;(mas na outra camará caducou, em virtude da dissolução. É por este motivo que mando para a mesa a minha proposta renovando a iniciativa do mesmo projecto.

Leu-se na mesa e é ão teor seguinte:

«Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 139.-= Conãe ão Bomfim. »

O sr. Marquez ãe Ficalho: — Sr. presidente, v. ex.a dá-me a palavra sobre a ordem?

O sr. Presiãente: — Tem v. ex.a a palavra.

O sr. Marquez ãe Ficalho: — Sr. presidente, pareceu-me hontem ouvir na discussão geral que o espirito de classe entrava muito n'ella, e por isso tenho a fazer uma declaração, e vem a ser que não é o espirito de classe que me fez entrar n'esta questão; posso prova-lo com documentos, que são as trinta e sete mil assignaturas em que estou incluído. Questão de classe nunca a vi aqui, senão quando em 1834 votámos a lei mais liberal de liberdade de imprensa que temos tido (apoiaãos). Questão de classe d'esta camará não me lembro de a ver senão quando propozemos a abolição dos vinculos assignada por tres marquezes, em cujo numero eu entrava; por consequência desejo que na continuação da discussão se entenda que não ha espirito de classe, nem o pôde haver, e muito principalmente da minha parte que tenho o meu nome confundido nas trinta e sete mil assignaturas (apoiaãos).

O sr. Presidente:—Todos fazem justiça ás qualidades de v. ex.a

Passámos á ordem do dia, que é o objecto da discussão de hontem. Tem a palavra digno par o sr. Joaquim Filippe "de Soure.

O sr. J. F. de Soure: — Sr. presidente, da primeira vez que fallei, disse que esta questão como se apresentou e do modo por que continuara, não deixava ver o fim a que se encaminhava, pareceu-me ao principio que era uma simples pergunta feita ao ministério;- depois começaram todos a divagar, saindo fora do que tinha feito o objecto da pergunta; eu, porém, restringi-me á questão da legalidade, parecen do-me que os meus argumentos foram porém contrariados de um modo que julgo verdadeiramente improcedente. Eu tinha dito, que toda a associação, que toda a corporação, que toda a congregação em que por morte de algum ou

alguns dos associados, os bens não são liquidados e divididos, isto é, toda a pessoa moral ou juridica, como outros lhe chamam, que não tem direitos preexistentes, não vivia legalmente senão com as condições que as leis lhe marcavam ; mas o instituto das irmãs da caridade tinha preterido estas condições, logo a sua existência legal havia terminado.

Disse-se: «Mas o alvará de 1819 creou esta instituição, e é d'ahi que deriva a sua existência legal». Concordo. Porém houve depois o decreto de 1833, que acabou com todos os prelados maiores das ordens e communidades religiosas, impondo a estas a obrigação de se sujeitarem aos prelados diocesanos, e esta disposição é que as irmãs da caridade violaram, faltando ao cumprimento da obrigação sem o qual não podiam continuar a existir.

Quando me dirigi ao digno par que levantou esta questão dizendo-lhe que s. ex.a só reconhecia força no primeiro decreto, não quiz dirigir-lhe uma offensa; e entenda-se por uma vez que eu não levantarei n'este recinto nunca uma insinuação malévola, não farei allusões a pessoa alguma, com animo de injuriar. Quando seja forçado a fazer uma provocação, sei qual o logar e o modo.

Disse eu, sr. presidente, que o decreto de 1819 tinha tido tanta força como o de 1833, e que a differença era que o segundo se contivesse disposições contrarias eram ellas revogatórias das do primeiro, por ser posterior. O primeiro decreto permittiu, porque só por uma permissão especial é que pode existir uma congregação entre nós e em toda a parte, porque aonde ha a mais perfeita liberdade as associações que assumam um caracter de entidade e capacidade juridica não podem existir senão em virtude da lei, e portanto é necessário que a lei as permitta e institua... (O sr. Conde ãa Taipa:—A palavra sobre a ordem.) O digno par pede a palavra sobre a ordem, parece talvez querer-me advertir de que eu estou fora da ordem; mas permitta-me s. ex.a que lhe diga —que s. ex.a estava hontem mais fora da ordem do que eu o estou hoje.

Dizia eu —que nenhuma associação, não fallo nas associações mercantis o industriaes, e estas mesmas, tomando o caracter de companhias, já precisam mais alguma cousa para a sua existência; fallo de associações cujos bens ficam sempre pertencendo a esse ente moral em forma permanente, essas associações ás quaes só a lei por uma ficção concede a capacidade juridica; não podem existir senão em conformidade com as condições impostas pela mesma lei. Ora, o decreto de 1819 permittiu esta instituição chamada de irmãs de caridade; o decreto dc 1833 disse —se vós quereis continuar a existência como congregação haveis de prestar obediência ao prelado diocesano, porque não podeis ter um prelado superior vosso — e advirta-se que a congregação da missão era uma instituição portugueza. Porventura sujeitou-se o instituto ao que por este decreto lhe foi prescripto? É a sua própria confissão que responde—não. Então as irmãs da caridade transgrediram este preceito legal, não podendo existir senão em virtude d'elle, e quer-se hoje que o ministério, declarando que ellas deixaram legalmente de existir, estivesse fora da sua missão; invadisse attribuições do poder legislativo! Não é assim, e se merece alguma censura seria por o não ter feito mais cedo.

A este respeito tenho dito quanto é bastante para mostrar, na minha opinião, que o ministério cumpriu o seu dever, porque elle é o executor das leis no governo constitucional.

Não é n'esta occasião que deveriamos discutir se as disposições da lei são convenientes ou não ; o governo 6 arguido por ter declarado, na conformidade das leis, que uma certa associação não podia existir legalmente, e se se provar que o governo cumpriu a lei temos satisfeito ao ponto da questão. Entretanto appella-se para o sentimentalismo, para a moralidade do disposto na lei, e para a religião; pois então não haveria religião n'este paiz quando aqui não existia o instituto das irmãs da caridade? (Uma voz: — Não se disse isso.) Se ninguém o disse, pergunto-o eu? Catholicos somos nós todos, nós prestámos, ao tomar assento n'esta camará, um juramento de defender a religião catholica.

Então para que vem este argumento? Não sei. Quer-se por força fazer acreditar que é de necessidade, para conservarmos a pureza da nossa religião e os sentimentos catholicos, que haja irmãs da caridade. Não pôde ser; era preciso renegar todo o nosso passado religioso (apoiaãos), era

necessário renegar esse tempo em que a religião foi não menos acatada e pura do que é hoje: esse tempo em que não haviam irmãs da caridade entre nós.

Póde-se argumentar e trazer para a discussão, a conveniência de tal instituição; póde-se dizer que (e voltaremos a esta questão) essa instituição é util porque ajuda a firmar os sentimentos religiosos, mas o que de modo algum se pôde dizer, é que não é catholico quem não quer o instituto de irmãs da caridade, e muito menos quem o não quer com uma organisação estrangeira. Isto não se pôde sustentar: appello para os sentimentos do meu nobre amigo o digno par, que fallou em nome da religião.

O sr. Aguiar: — Peço a palavra.

Disse-se ainda mais, e eu o ouvi com pasmo...

Peãiram a palavra os srs. Marquez ãe Vallaãa, Conãe ãe Thomar e ministro ãa fazenãa.

Que em outro tempo se queimava quem não ouvia missa: agora jião sei se se quer queimar ou seja queima...

O sr. Conãe ãa Taipa: — Quer, quer.

O sr. Conde ãe Thomar: —E talvez mais util fallar o sr. ministro depois de um orador da opposição; não é util que ao mesmo tempo fallem sobre o mesmo accordo.

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Peço a palavra depois do sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro ãa Fazenda (Antonio José dAvila): — Fal-larei quando for conveniente.

O sr. Conde ãe Thomar: — Peço a palavra depois do sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro ãa Fazenãa: — Peço a palavra depois do sr. conde de Thomar.

O sr. Visconãe de Balsemão: — Sr. presidente, v. ex.a dá-me a palavra?

O sr. Presiãente: — Permitta-me v. ex.a que eu primeiro faça a inscripção necessária, sobre os nomes dos dignos pares que tem a palavra:— os srs. Marquez de Ficalho, Aguiar, conde de Thomar...

O sr. Conãe ãe Thomar: — Se v. ex.a me permitte, direi, que os dignos pares que tem a palavra, dirão o que pouco mais ou menos eu diria se fallasse; portanto, peço a v. ex.a me dê a palavra depois do sr. ministro.

O sr. Ministro ãa Fazenãa:—Peço a palavra depois do sr. conde de Thomar.

O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Peço-a agora depois do sr. ministro da fazenda.

O sr. Visconãe ãe Balsemão: — Eu pedi a palavra, para quando se tratasse das irmãs da caridade e da questão politica— se o ministério exorbitou as suas attribuições.

O sr. Presidente: — Pôde continuar o sr. Soure.

O sr. Vellez Caldeira: — Peço também a palavra.

O sr. Soure (continuanão): — Eu não sei se estou fora da' ordem...

Vozes: — Não está; está na ordem.

Eu hontem fui limitadíssimo, porque quiz restringir-me á questão; vi porém que se faziam divagações, por este terreno em que me acho, e ao qual eu tinha a maior repugnância em vir; não fui eu de certo que chamei a questão para elle, mas sim os dignos pares que me precederam. Entretanto se v. ex.a e a camará entenderem que este não é o ponto a tratar, estou prompto a calar-me.

Vozes: — Está na.ordem.

Eu ouvi hontem e ouvi com bastante pasmo «que a inquisição, em outro tempo suppliciava, porque se não ouvia missa; agora, quer-se suppliciar... quem ouve missa». (O sr. Conde ãa Taipa:—Apoiado). Pois eu sou dos que ouvem missa, cumpro sempre este preceito da igreja, e ainda não tive medo que me suppliciassem, nem por este motivo fui insultado nem me consta de se ter dirigido a ninguém. E levar a exageração ao seu extremo. Este argumento não prova nada; não ó exacto, e eu protesto contra elle. Eu não vejo a irreligião, eu não vejo a desmoralisação maior, hoje, do que era em outro tempo; antes observo que o respeito á religião é agora o mesmo, ou mais ainda, do que n'esses tempos que nos inculcam (apoiaãos).

Emquanto me não mostrarem estatísticas d'este paiz, que façam fé comparadas com as de outros estados, hei de também sustentar sempre que este paiz está tão morigerado, como estão os mais civilisados do continente da Europa.

Mas para que vem estes argumentos? Para que nos alcunham de bárbaros, para que nos taxam de irreligiosos, para que nos lançam em rosto uma desmoralisação que não temos? Ou isto é uma arma politica, ou uma questão de mero capricho. Pois como se pôde avançar a proposição de que a religião acaba se não tivermos irmãs da caridade! Se n^o tivermos congregações religiosas!

O que eu vi em certa epocha, sr. presidente, foi alcunhar de Ímpios todos os liberaes; mas o que não pôde deixar de dizer-se é que esses liberaes aceusados de impiedade, quando tomaram as rédeas do governo, trouxeram uma epocha de mais fervor pelo culto divino, de mais respeito pela religião do que havia d'antes.

Se o argumento do digno par tivesse algum fundo de exactidão provaria apenas que o fanatismo e a impiedade se distanceiam igualmente da verdadeira religião; sendo ambos deploráveis.

Tomei notas sobre outros pontos, mas reservo-me para quando se tratar se deve ou não haver irmãs da caridade.

Mas, sr. presidente, quem é que não quer irmãs da caridade? Ainda não ouvi sustentar a negativa, estive n'uma commissão com differentes cavalheiros, alguns dos quaes fazem parte d'esta camará, onde se discutiu largamente este objecto, e não houve um só vogal que não sustentasse, que julgava conveniente o instituto das irmãs da caridade; e ac-cordou-se unanimente em que poderiam fazer bons serviços á religião e ao estado, debaixo de certa ordem e de certa organisação.

A discordância versava meramente sobre a sujeição ao

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ordinário ou ao prelado maior da missão. Pois só consiste a sua santificação e utilidade em estarem sujeitas a um- prelado estrangeiro superior? Só assim é que podemos colher o fructo d'esta intituição? Parece-me que não; e um digno par que se senta do lado direito, e que tanto argue o governo, já annunciou que n'esse ponto estava divergente dos seus amigos politicos, porque queria irmãs da caridade, sujeitas ao prelado diocesano. Estamos então completamente de accordo; pois é justamente por isso que sempre tenho pugnado, e o governo não quer outra cousa; mas o que não desejo é que se faça uma arma politica d'aquella instituição. Desejo esta instituição religiosa com caracter nacional e não estrangeiro.

O que quer o governo? O governo quer reorganisar o instituto das irmãs da caridade; já apresentou no anno passado um projecto n'este sentido e ha de renovar a sua iniciativa, creio eu, mas entendo não dever permittir que ellas se eximam da sujeição ao seu superior ordinário.

Disse-se aqui hontem, que se queria armar á popularidade das classes baixas. Eu julgo que se não quer fazer desta questão uma questão de classes; a lei só reconhece as differentes classes para assegurar a todas o livre exercicio das suas profissões; nada mais.

Fallou-se também aqui em complicações em que o governo está envolvido. Não sei que complicações essas sejam, mas sejam quaes forem as complicações em que o governo se encontre, elle não deve de modo algum recuar no cumprimento do seu dever, e se porventura encontrar difficuldades insuperáveis, em logar de ceder deve antes cair com honra e dignidade, expondo ao paiz com toda a lealdade a rasão por que o faz.

O sr. Conde da Taipa:—Pediu a palavra sobre a ordem para rectificar algumas idéas, porque lhe parece que a discussão vae progredindo sobre bases falsas. Fallou se sobre entidade juridica, ou não juridica; mas, elle orador, declara que a entidade juridica é uma cousa de que se pôde prescindir n'este caso. Muito bem se sabe que em França ha cem ou duzentas congregações, e só quatro são reconhecidas como entidades jurídicas. Na constituição de 1848 lá appareceu um provincial dos dominicanos de habito preto que não tem capacidade juridica; não ha senão as irmãs da caridade ou lazaristas, as missões estrangeiras, os irmãos da doutrina christã, e outra que n'esta occasião se não recordava.

Em Portugal não ha legislação, nem governo, a legislação administrativa não existe. Pegue cada um no código francez, procure no index das congregações religiosas, e veja a legislação que ha para seguir no modo de estar das sociedades, tanto das reconhecidas como das não reconhecidas, e verá que a vantagem em serem ou rião reconhecidas é tão pouca, que ha apenas quatro que são reconhecidas.

Quando lhe couber a palavra na matéria mostrará ao digno par o sr. Soure, a inquisição, e a respeito da religião sempre dirá n'esta occasião que ao sairem as creanças das fabricas, dirija-se a ellas, pergunte-lhes os mandamentos da lei de Deus e verá os que lhe respondem.

Como tem a palavra sobre a ordem, reservar-se-ha para outra occasião.

O sr. Presidente:—V. ex.a quer a palavra sobre a ordem?

O sr. Conde da Taipa:—Sim, senhor, para responder ao sr. Joaquim Filippe de Soure.

O sr. Visconde de Balsemão: — Sr. presidente, quando hontem o digno par o sr. conde de Thomar veio com esta questão á camará, entendia e parecia-me curial, que s. ex.a, concluindo o seu discurso, terminasse com alguma proposta; e foi a rasão por que não tendo succedido assim, e tendo-se a discussão tornado immensamente vaga, eu pedi a palavra sobre a ordem, e pedia a v. ex.a que me explicasse qual era a ordem da discussão, porque se estavam tratando duas questões importantes. Uns tratavam do mérito das irmãs da caridade,_em quanto que outros ao mesmo tempo tratavam da questão: se o governo tinha ou não cumprindo a lei.

Este ultimo objecto, sr. presidente, parece-me que é o assumpto de que nos devemos oceupar; porque, o que pelo discurso do sr. conde de Thomar se tratava de saber, era se o governo tinha ou não exhorbitado; por isso pedi a palavra para trazer a questão a este terreno, para se ver que o governo estava dentro dos limites da lei.

Não entrarei agora, porque não é do meu dever, visto que se não trata d'esta questão, na apreciação da utilidade e merecimento das irmãs da caridade, porque quando chegar essa occasião hei de ser eu que o prove, mas o que quero é que esse instituto seja essencialmente portuguez.

Estou persuadido, sr. presidente, qué não é necessária uma importação estrangeira d'esta natureza para um paiz tão catholico como ó Portugal, porque seria renegar o passado do meu paiz, dos meus avós e de mim próprio, se entendesse que este paiz necessitava para ser catholico que viesse uma importação estrangeira de irmãs de caridade; pelo contrario, nós temos grandes provas de que este paiz sempre foi eminentemente catholico, e para o ultramar pó-de-se dizer afoutamente que foi Portugal quem levou a civilisação juntamente com a cruz de Christo; portanto, era desconhecer a indole portugueza quem desconhecesse que nós éramos catholicos fervorosos.

A questão pois de que se vae tratar é sobre se o governo está ou não auctorisado para fazer o que acaba de praticar, e, na minha opinião, o que já ha mais tempo devia ter feito; porque entendo que o decreto de 1833, que aboliu os prelados maiores, abrangia na sua letra e espirito todas as corporações que os tinham.

Posta a questão n'estes termos,"resta-nos saber se ellas, as irmãs da caridade, não estão ou estão sujeitas a um pre-

lado maior. Se o estão, como ninguém duvida, e se tem mostrado d'esta discussão, estão na letra e no espirito do decreto de 1833, e por esta occasião direi também que não entro agora na apreciação d'este decreto, porque como lei do estado é nosso dever mante-lo, e acata-lo.

Veio porém aqui alguém com um argumento que pretendeu fazer valer de que essa lei estava revogada, e disse o digno par o sr. conde de Thomar que já tinha apresentado esse argumento e que não tinha sido destruído; peço perdão, comtudo, a s. ex.* para lhe dizer que o ministério então lhe respondeu na minha opinião cabalmente, se s. ex.* se não deu por satisfeito, a camará de certo o estava, por que o governo apresentou muitos e vários documentos para mostrar que tinha obrado em conformidade da lei, e que era feito um d'esses documentos no tempo em que s. ex.a formava parte da administração.

Disse também s. ex.a que ha um decreto de 1851 que deroga o de 1833, e passarei a ler alguns trechos d'esse mesmo decreto á camará para mostrar que não ha relação alguma com a actual corporação (leu).

Esta lèi de 1851 refere-se ao decreto de 1833, na parte em que por elle estão sujeitas aos prelados portuguezes quaesquer corporações religiosas que existam no paiz, e não podia tal lei senão referir-se ás disposições da legislação anterior na parte em que não soffreu modificação, por lei posterior, e que abrangia as irmãs de caridade, porque as irmãs de caridade, quando o decreto de 1851 foi publicado, estavam sugeitas ao prelado portuguez, unicamente.

A lei do 1851 sr. presidente, não podia olhar senão para as disposições anteriores, e regular o exercicio de corporações que existiam em conformidade das leis, e querer ad-duzir o contrario para invalidar uma lei anterior, a respeito de um facto muito posterior não sei como se possa admittir, esta não me parece a hermenêutica juridica, porque tenho visto esta questão tratada por jurisconsultos distinctos, e observo que todos elles estão conformes em opinião neste ponto, aliás seguir-se-ía o absurdo, porque se a lei aboliu os prelados maiores não podia a lei regulamentar posterior approvar o contrario, som por disposição expressa a derrogar.

O que eu também achava muito mais curial, era que o digno par o sr. conde de Thomar requeresse a intelligencia da lei interpretada n'esta camará pela sua distincta commissão de legislação, se é que entendia que ella era duvidosa, ao menos para s. ex.a As irmãs da caridade portuguezas se algum tempo estiveram sujeitas a superior estrangeiro, nos últimos tempos estavam sujeitas ao prelado diocesano, depois é que se subjeitaram novamente ao prelado maior, e esta sujeição não foi expontânea, mas sugerida como ellas mesmo o confessam; também aqui se disse que a sujeição ao prelado maior estrangeiro era tolerada, mas se assim era, para que vieram ellas pedir auctorisação ao em.mo cardeal patriarcha? Ellas porém, o que confessam é que pessoas tementes a Deus é que as aconselhavam a pedir esta sujeição, por consequência, o que se vê é que ellas próprias reconheciam, que deviam estar sujeitas ao prelado diocesano, e ainda o estariam se não fossem as sugestões em contrario feitas por pessoas, cuja piedade e boa fé não contesto.

Disse-se igualmente que o governo exorbitou, porque tinha apresentado um projecto na outra camará para orga-nisar o instituto, mas esse projecto caducou, e ainda quando não caducasse, emquanto não fosse approvado, o governo tinha obrigação de fazer cumprir a lei, a quem se negava a cumpri-la; e o era.™ patriarcha é o próprio que diz, que ellas resistiram a sua auctoridade, porque sendo intimadas para se sujeitarem á obediência do prelado diocesano, ou a dissolverem-se, recusaram e disseram que até á morte não se sujeitariam senão ao seu prelado maior, no que dizia respeito aos negócios da ordem, e emquanto aos que não fossem da sua regra não tinham duvida, comtanto que o seu prelado não mandasse o contrario, porque então não obedeceriam ao prelado portuguez; por consequência, á vista d'isto, o governo obrou e obra dentro dos limites constitucionaes, emquanto não for revogado o decreto de 1833.'

Quando se creou um instituto de irmãs de caridade no Porto, lá vem a clausula da obediência ao prelado diocesano, e isto passou-se em 1845, quando o sr. conde de Thomar estava no ministério, o que mostra que s. ex.a então entendeu a lei do mesmo modo que o ministério actual, sendo assim um dos primeiros que reconheeeíi a lei de 1833, applicavel a similhantes corporações.

A minha opinião portanto é que o governo não exorbitou e cumpriu a lei, e quando se tratar da questão das irmãs de caridade, pedirei novamente a palavra para dizer qual é a minha opinião a respeito da sua utilidade e merecimento, do qual ninguém duvida, segundo me parece, n'esta camará, mas só se mostra divergência no modo da sua constituição futura.

O sr. Marquez de Ficalho: — Sr. presidente, memoria e vontade tenho eu, entendimento é que me falta ás vezes; mas eu recordo-me bem das palavras que proferi: eu disse que aceitava esta questão como catholico, como liberal e como soldado; não alludi a ninguém, pois nunca faço allu-sões; todos sabem que sou um homem immensamente tolerante, e por isso é que insisto em querer a liberdade para todos. Eu disse que queria a educação publica com religião porque a não entendo de outro modo; eu disse que como liberal queria deixar livre e respeitar a liberdade de consciência de cada um, eu disse que como soldado entendia que fazendo as irmãs da caridade parte de todos os exércitos, eu não podia deixar de ter uma certa ufania se entre nós as visse também marchar com tantas divisões, e tantas peças de artilheria; por consequência é claro que n'isto não offendi ninguém, nem provoquei a questão religiosa.

Agora o que é admirável na verdade, é o ver como esta questão se está tratando: eu ha tres annos que sou aceusado de lazarista completo, mas n'estes tres annos ainda lhes não fiz tantos elogios como os meus inimigos n'estes dois dias, começando pelos que se acham no relatório do decreto que hontem se publicou! Eu confesso que não entendo já esta questão; o que eu entendia era que podia haver-quem quizesse só o ensino civil, e quem o não quizesse desacompanhado do ensino religioso; de outra forma não sei para que nos cansamos em argumentar de um modo que podiamos gastar largos annos; pois nós todos concordamos em louvar o instituto, e ha de se criminar o instituto porque é de Paris; fica-se sempre a discutir que ó estrangeiro, que é portuguez, que pôde ser d'esta forma, que não pôde ser d'aquella." A questão é outra, muito mais elevada; extremem-se os campos; para um lado os que querem simplesmente o ensino civil, para outro os que querem o ensino com a religião: essa questão entendo eu; não digo que sei entrar n'ella, mas conheço-a perfeitamente. Façam um instituto portuguez segundo as regras de S. Vicente de Paulo (que sem isso não pôde ser a mesma instituição) e eu me comprometto a que em vinte e quatro horas haveis de ver do mesmo modo um instituto francez; por consequência esta questão é muito seria; é de querer, ou não querer: se o governo quer deveras formar um instituto de irmãs da caridade, segundo o espirito e regra de S. Vicente de Paulo, procure os meios competentes e traga essa questão ao parlamento, se não quer, acabe por uma vez com isto: são estas as minhas primeiras quatro palavras que já disse aqui ha tres annos; o mais é estar a sophismar a questão sem utilidade alguma.

Eu digo que fazem mal e muito mal em nos alcunharem de reaccionários religiosos, eu .não me hei de servir d'essas armas, mas posso dizer, que não conheço reacção sem acção (apoiados): so ha reacção religiosa, a acção não pôde ser muito religio-a; isto é o que eu podia dizer se me descuidasse do meu protesto de não atacar ninguém.

Concluo porque não quero tomar mais tempo á camará, porque já fallei hontem, e ha outros oradores muito mais competentes que se me hão de seguir.

O sr. Aguiar: — Qualquer que seja a minha opinião sobre a questão de que sc trata, não tenho necessidade de fazer uma profissão de fé religiosa, nem a declaração de que me conservo na mesma posição politica em relação ao ministério, apesar de não concordar em que elle usurpou uma attribuição do corpo legislativo, e commetteu assim uma grave violação da lei fundamental do estado, dissolvendo a corporação das irmãs da caridade admittida em Portugal por decreto de 19 de abril de 1819.

Entendo que n'esta questão não pôde haver opposição nem ministerialismo (apoiados), e que ella deve ser inteiramente livre, qualquer que seja a extensão que se lhe queira dar.

Invoco o principio já invocado por um dos oradores -que me precederam, ainda que mal applicado então, de que a liberdade dc consciência deve ser respeitada. A epinião que tenho é ditada pela minha consciência; acredito que a dós meus amigos e a dos meus adversários politicos é também consciência; não faço nem a uns nem aos outros a injustiça de attribuir as suas opiniões contrarias á minha,' a um espirito de reacção contra a liberdade. Aqui se senta perto de mim um dos illustres e esforçados cavalheiros, a quem a liberdade deve os maiores sacrifícios e importantes serviços. Fallo do nobre marquez de Ficalho. S. ex.a tem sobre a questão das irmãs da caridade opiniões, devidas talvez a um demasiado escrúpulo religioso. O digno par é em todo o caso incapaz de abandonar os principios liberaes, que tem constantemente seguido (O sr. Marquez de Ficalho: — Apoiado.) e ha de sustentar a causa da liberdade com a dedicação com que a tem sustentado sempre. Confio que elle me fará a justiça que eu lhe faço, respeitando a minha opinião n'uma questão que, no meu entender, nada tem com a religião que professamos.

Tem-se divagado muito, sr. presidente, e esta divagação tem complicado a questão, que ó muito simples; tem-se feito considerações estranhas e inopportunas, tem-se fallado em desmoralisação, e em muitas cousas de que me não recordo; lembro-me só de que a um dos oradores nem as fogueiras da inquisição escaparam. Appellou-se para a religião, e comtudo a religião nada tem com as irmãs da caridade, e mal lhe iria se d'esta instituição dependesse a sua existência ou a sua estabilidade (apoiados).

Se a religião pôde ser invocada aqui convenientemente é para sustentar que a sujeição das irmãs da caridade, qualquer que ella seja, ao superior da congregação ou seu delegado, sendo uma isenção da auctoridade do prelado diocesano, é pouco conforme com o espirito do evangelho, e com a ordem primitiva do estabelecimento da igreja.

A questão que aqui se deve discutir é esta. Podia o governo, sem usurpar as attribuições do corpo legislativo dissolver a corporação das irmãs da caridade? A proposição que o sr. conde de Thomar estabeleceu é que, sendo a dissolução de uma corporação que existe por lei, objecto legislativo, só pôde ser determinado por acto das cortes, e em consequência o governo procedeu com manifesta incompetência e commetteu um attentado aggravado pela circumstancia de se acharem ellas reunidas. E' portanto uma questão puramente juridica, é a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do decreto que determinou a dissolução. Esta questão depende essencialmente de outra, e a sua, resolução depende da resolução d'esta.

É applicavel ás irmãs da caridade a disposição do decreto de 9 de agosto de 1833 que extinguiu os prelados maiores dos conventos, mosteiros, casas religiosas e corporações que vivem congregadas em communidade, e determinou que ellas só podessem continuar a existir, ficando

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com inteira sujeição e obediência aos prelados diocesanos? Se é applicavel, o governo é competente para decretar a dissolução da corporação das irmãs da caridade visto não se verificar uma condição legal e indispensável para a continuação da sua existência, a inteira sujeição c obediência ao patriarcha de Lisboa a quem recusam obedecer sem sujeição ao superior do seu instituto. Se não é applicavel, o governo é incompetente, porque subsisto o decreto de 14 de abril de 1819, e só por uma lei pôde a corporação das irmãs deixar de ter a existência legal, que tem por virtude d'clle.

E' em relação a esta questão que eu vou fazer algumas reflexões e apresentar, alguns argumentos que, segundo me parece, mostram que no decreto de 9 de agosto são comprehendidas as irmãs da caridade.

O decreto de 9 de agosto attendendo principalmente a que a instituição dos prelados maiores das ordens militares e monachaes, e de quaesquer outras corporações que vivem congregadas em eommunida.de, é opposta ao espirito do evangelho e á religião catholica, segundo o qual os fieis são súbditos espirituaes dos bispos das respectivas dioceses, ordenou que estes as aceitassem á sua obediência, fazendo-lhes guardar os seus institutos e regras.

O sr. Marquez de Ficalho:—Faça favor de ler o artigo 4.°

O Oraãor: — O artigo 4.°, cujas palavras não posso referir exactamente, porque apenas tenho aqui um extracto, estabelece que as communidades que negarem obediência ao que se acha determinado no artigo antecedente sejam processadas e punidas como rebeldes, e declara que as casas d'essas communidades ficam extinctas, e os bens incorporados na fazenda nacional.

O sr. Marquez ãe Ficalho: — Peço ao sr. ministro da justiça que faça executar este decreto tal qual.

0 Oraãor:—Este decreto é um dos actos da dictadura de Sua Magestade Imperial o Duque de Bragança, e os actos d'esta dictadura que contém disposições legislativas, tem força de leis, e como taes têem sido considerados, e o são hoje, menos na parte em que têem sido competentemente alterados.

- Não é difficil demonstrar que no decreto de 9 de agosto são comprehendidas as corporações que professam o instituto de S. Vicente de Paulo. Estas corporações instituidas para o fim de se empregarem no exercicio de actos de beneficência evangélica, de humanidade e de caridade christã, no serviço dos enfermos, e na instrucção e educação da infância, não podem deixar de ser consideradas como corporações religiosas, ou como congregações cujos membros vivem em commum. Ellas têem o instituto ou regra que lhes deu o santo fundador, e por ella se governam; vivem em communidade, e obedecem segundo as definições d'essa regra a um superior geral. Isto basta para que não possam evadir-se á providencia do artigo 3.° d'aquelle decreto, que é commum a todos os que pela sujeição aos prelados ou superiores da sua respectiva congregação se subtrahem á obediência devida á auctoridade episcopal que o mesmo decreto quer restabelecer.

¦ Em 1834 foram extinctas as ordens religiosas do sexo masculino, e eu que aconselhei a Sua Magestade Imperial o Duque de Bragança esta medida, não me arrependi ainda de ter dado este conselho, e de ter tomado sobre mim a responsabilidade de referendar o decreto de 23 de maio d'aquelle anno.

Estava então convencido de que d'esta medida se seguiam importantes vantagens ao paiz, e de que sem ella seria difficil a sustentação e a consolidação das instituições liberaes.

Entrou então em duvida se n'essa extineção foi compre-hendida a congregação dos padres de S. Filippe Nery. Consultei um prelado illustre pelo seu saber, e pelas suas virtudes, e que depois foi um dos primeiros ornamentos da diocese de Lisboa e d'esta camará.

Eu vou ler o seu parecer na parte, de que pôde tirar-se argumento para por analogia se julgar o instituto de S. Vicente de Paulo, comprehendido no decreto de 9 de agosto, como o dos padres do oratório foi declarado comprehendido no decreto de 28 de maio.

«E para mim fora de duvida que as casas dos padres do oratório de S. Filippe Nery devem ser julgadas incluidas na extineção geral ordenada pelo decreto de 28 de maio.

«Elles professam o instituto de S. Filippe Nery.

«Elles têem particulares estatutos ou regras, por onde se governam, como qualquer outra communidade religiosa. ¦

1 «Elles vivem em communidade debaixo de obediência de prelados, como todas as familias regulares, que havia n'estes reinos.

«Elles, finalmente, se alimentam dos bens e rendas que possuem e administram em commum.

«E á vista d'isto como poderão isentar-se de serem comprehendidos entre os regulares, para se evadirem á providencia, que a lei quiz fazer commum a todos?»

Entre as rasões em que este bem pensado e bem elaborado parecer se funda, é ainda uma a de que nas corporações dos padres de S. Filippe Nery se verifica a isenção ou quasi independência da auctoridade episcopal «isenção summamente nociva ao interesse publico, e não muito conforme á ordem primitiva do estabelecimento da egreja.»

Mas, não faltam nem auctoridades, nem diplomas, e documentos officiaes para mostrar que o decreto de 9 de agosto comprehende na disposição dos artigos 3.° e 4.° as irmãs da caridade.

É verdade que esta applicação se não fez até 1838, antes parece que ellas continuaram a viver em Lisboa, segundo as regras de S. Vicente de Paulo, sujeitas ao superior residente em Paris ou a um delegado; porém isto não mostra que o decreto de 9 de agosto lhes não era applicavel, mostra que não lhes foi effectivamente applicado, e

d'este facto não se conhece senão que não foi executado, como o devia ser.

Porém em 1838 foram as mesmas irmãs da caridade as que reconheceram que o decreto as comprehendia, e requereram ao cardeal patriarcha Silva que tomando-as debaixo da sua obediência, mandasse proceder á eleição de superiora, e lhes desse director, e assim se praticou no tempo d'este prelado, e dos seus successores no longo período do dezenove annos, em conformidade com o decreto de 9 de agosto. A auctoridade de tres prelados tão eminentemente religiosos, e tão distinctos pelo seu saber e pelas suas virtudes, como foram os cardeaes Silva, Saraiva e D. Guilherme, é para mim de muito peso.

A opinião do ultimo é enunciada de um modo positivo, e em termos que não admitem a menor duvida, na informação a que se refere o decreto de 9 de julho de 1845.

«O meu parecer, diz este prelado, é que o instituto das irmãs de caridade está sujeito*immediatamente em Lisboa á auctoridade do patriarcha, e que qualquer outra casa filial que venha a estabelecer-se deve ficar sujeita ao respectivo prelado diocesano, salvo sempre a inspecção e fiscalisação da auctorida administrativa sobre as relações civis e temporaes da communidade, sendo esta a legislação vigente entro nós, expressa no artigo 3.° do decreto de 9 de de agosto de 1833.»

Não leio toda a informação porque é extensa, e não devo abusar da paciência da camará. O governo conformando-se com este parecer, com o do procurador geral da coroa, e com o do governador civil do Porto, permittiu por esse decreto de 1845, que no Porto se estabelecesse o instituto de S. Vicente de Paulo, com a clausula de ser observado o creto de 9 de agosto, sobre a sujeição e obediência ao ordinário da diocese. O decreto de 1845 foi referendado pelo sr. José Bernardo da Silva Cabral, então ministro da justiça, sendo o sr. conde de Thomar ministro do reino. Diz se no decreto, que Sua Magestade attendendo a que o augmento de uma instituição que se emprega com fervoroso zelo e disvélo no exercicio de actos dc caridade christã, merece a sua maternal solicitude, e tendo em vista aquelles pareceres: «ha por bem conceder o rep,io consenso para poder admittir-se e estabelecer-se na cidade do Porto o instituto das irmãs da caridade, segundo as, direcções dadas por S.Vicente de Paulo eficando como em Lisboa sujeito ao respectivo prelaão ãioce,sano (salva a inspecção e fiscalisação da competente auctoridade superior administrativa, sobre as relações civis e temporaes da communidade), nos termos do artigo 3.° do decreto de 9 de agosto de 1833. »

Pôde á vista desta clausula e da referencia feita a este decreto, duvidar-se se elle é applicavel ás irmãs da caridade, e se a obediência ao prelado diocesano, com exclusão da sujeição a um superior estrangeiro é uma condição indispensável para a continuação da existência d'esta instituição em Portugal? Dir-se-ha que o decreto de 1845 manda guardar as direcções dadas ao instituto por S. Vicente de Paulo, e que segundo ellas as irmãs de caridade estão sujeitas ao seu superior geral. Mas não se vê que invocar o decreto de 9 de agosto para concluir que as irmãs de caridade ficam sujeitas a um superior que não é o ordinário, é um absurdo! Não declara o decreto de 1845 que ellas ficam sujeitas ao ordinário como em Lisboa? E como estavam então as irmãs de caridade sujeitas ao patriarcha de Lisboa? Tinham ellas alguma sujeição ao superior da congregação de Paris?

O que o decreto declarou referindo-se ás definições ou á regra de S. Vicente,de Paulo, foi que o instituto admittido no Porto havia de ser regido por ella, mas com sujeição ao bispo da diocese, da mesma forma que é regido a instituto em Lisboa..

Se de se mandar seguir essa regra se seguisse que ella ficava subsistindo na parte relativa á obediência ao superior, que ella estabelece, seguir-se-ia também que o decreto de 9 de agosto, mandando que se ficasse observando os institutos e regras das corporações que eram sujeitas a prelados maiores, mantém esta sujeição ao mesmo tempo que a destroe pela extineção d'elles, e pela sujeição e obediência aos bispos das dioceses.

Até 1857 estiveram sempre as irmãs de caridade na inteira obediência ao prelado diocesano, e foi-lhes applicado o decreto de 9 de agosto sem hesitação alguma. Em junho d'esse anno as irmãs de caridade pediram ao prelado, que então presidia á diocese de Lisboa, para se reunirem ás irmãs de França com sujeição ao superior geral, que então se achava nesta capital, e o prelado concedeu-lh'a, limitan-do-a segundo as prescripçÕes da sua regra, e as leis do reino.

Eu não creio que este prelado, entendendo como elle entendia, que o decreto de 9 de agosto era applicavel ás irmãs de caridade, e que era incompatível com as sus disposições a sujeição aquelle superior, concedesse a licença em termos que por ella deixasse o decreto de ser executado, porque a licença é uma derogação d'essas disposições, ou uma dispensa. Se elle vivera .teria occasião de explicar e»te acto, e de certo o explicaria satisfatoriamente.

Como tem sido entendido e applicado não pôde ser invocado, em taes termos não podia ser concedida a licença sem violação do decreto de 9 de agosto, e por isso só de facto as irmãs de caridade se conservam sujeitas ao seu superior em Paris, e o facto nem destroe o direito, nem o constituo; e este mesmo facto ainda por outra rasão não pôde allegar-se porque suppondo que a licença foi concedida nos termos em que se pretende entende-la, e que o podia ser, ella foi caçada pelo prelado actual.

Para mostrar que as irmãs de caridade existem legalmente, e não poder a corporação ser dissolvida senão por uma lei, traz-se o artigo 13.° do decreto de... de 1851. Este artigo encarrega o conselho geral de beneficência de ligar com as diversas instituições a seu cargo a benemérita cor-

poração das irmãs de caridade, e de fazer que esta instituição se desenvolva e augmente.

Como é quo d'aqui se concluo o reconhecimento da existência legal desta corporação com sujeição ao superior de Paris! Pois na data d'e.sse decreto não estavam as irmãs de caridade sujeitas inteiramente ao patriarcha dc Lisboa! Estavam sem duvida, e neste e-tado concordo em que tenham urna existência legal, porque o decreto de 9 de agosto não extinguiu esta corporação, só declarou quo ficava extincta não se sujeitando á condição necessária para a continuação da sua existência, a inteira sujeição á auctoridade do patriarcha, e em 1851 essa condição verificava-se, e as irmãs de caridade não só se não recusaram a aceita-la, mas foram ellas mesmas, como já disse, que solicitaram que as tomasse debaixo da sua immediata obediência, desligando-se do superior de Paris. Pela ^recusa posterior dc voltarem á obediência do prelado diocesano, a que se tinham subtraindo, fundando-se na licença que obtiveram, e que lhes foi concedida pelo actual patriarcha, é que a corporação foi mandada dissolver em conformidade do artigo 4.° do decreto de 9 de agosto.

O sr. Conde de Thomar:—O artigo diz que serão processadas.

O Oraãor:—É verdade; o decreto ordena que sejam processadas pela desobediência, mas não ó pela desobediência, é por não aceitarem umíi condição sem a qual a lei não as admitte, que as casas das corporações de quo trata esse decreto são declaradas extinctas e os bens incorporados na fazenda publica, como acontece cm similhantes casos, de maneira que a extineção é a consequência de não terem uma existência legal, porque estas corporações não podem existir senão pela lei e com as condições que ella prescreve.

Em conclusão, eu não posso considerar no decreto, que ultimamente determinou a dissolução do instituto de S. Vicente de Paulo em Lisboa, uma usurpação do attribuição do poder legislativo: mas não se julgue que eu approvo a marcha que o governo tem seguido a respeito das irmãs da caridade, e d'este objecto terei occasião de me oceupar mais detidamente.

Agora limito-me a dizer que me parece, que se o governo tinha a consciência, quando publicou a portaria de 5 de março ultimo sobre as irmãs da caridade, de que procedera segundo as leis, c no u-o das suas legitimas attribuições, devia faze-la cumprir por dignidadedo governo, que se houve obstáculos ás irmãs, dentro ou fora do paiz, era necessário que se fizesse patente, que se a medida da dissolução era já ordenada na portaria, como me parece ter já ouvido a algum dos ministros, não havia motivo para o ordenar de novo, embora por um decreto, que, se o governo encontrou difficuldades na execução da portaria, encontrará as mesmas na execução do decreto (o sr. Conãe ãe Thomar:—Apoiado). Que não diminuía essas difficuldades a circumstancia de haver no decreto a assignatura do chefe do estado, porque por isso elle não pôde deixar de ser considerado como um acto puramente ministerial, e pelo qual são responsáveis os ministros (apoiados), que se o governo recciou que este negocio tivesse de ser submettido ao poder judicial, e este não considerasse legal a portaria, o mesmo receio devia ter convertida a portaria no decreto, c finalmente que a minha convicção é que o decreto de 22 de junho ha de ter o mesmo resultado que teve a portaria de 5 de março.

Concluo, pedindo ao governo que du as explicações convenientes sobre este objecto.

O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Disse que tinha pedido a palavra para depois de fallar o sr. Avila.

O sr. Presiãente: — V. ex.a está inscripto n'este logar.

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Usando n'csta occasião da palavra, pede-a novamente para depois do sr. ministro da fazenda o sr. Avila.

Elle, orador, acostumado a dar francamente a sua opinião nas matérias mais graves que se têem agitado perante este senado, entende que faltaria a si, que abandonaria uma posição da qual não recua, se n'este momento guardasse silencio, e não levantasse a luva que se lançou, se não tomasse nota das observações apresentadas, se não discutisse algumas das doutrinas que se expenderam, o não acompanhasse com os seus commentarios as observações feitas por alguns oradores que tomaram parte n'esta questão.

Vergando debaixo do peso de aceusações gravíssimas, estão hoje a maior parte dos homens que entendem que as suas convicções os devem levar a defender a liberdade religiosa e a Uberdade da igreja; por um lado se diz que são exclusivistas, por outro, que entendem que sem certas e determinadas instituições não pôde o governo manter-se; que as instituições baqueain; finalmente, alcunham-se de fanáticos! Felizmente a todos estes acabava de amnistiar o sr. Aguiar, quando disse que fazia justiça aos sentimentos dos que defendiam doutrinas oppostas áquellas de s. ex.a; pois as tinha por conscienciosas; mas ainda quando o digno par os não tivesse amnistiado, e com os mais, elle orador, quando s. ex.a com todo o peso da sua eloquência o tivesse querido acabrunhar, teria elle escudo para se defender, e brandiria as mesmas armas que illustravam tantos homens graves, tanto no campo do raciocínio, como nas lides das tribunas, citaria, por exemplo, a lord John Russell, mr. Guizot, o conde de Montalembert, e muitos outros, não só entre os catholicos, mas mesmo entre os protestantes que defenderam a liberdade religiosa, e com tanto mais valor quanto mostravam que o seu enthusiasmo era desinteressado e verdadeiro, por isso que estes últimos não pertenciam ao grémio da nossa religião. Todos que têem conhecimento da historia parlamentar da Inglaterra, todos que têem observado a marcha dos-negócios públicos n'a-quelle paiz clássico da liberdade, admiram o seu nobre

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exemplo, e elle, orador, quizera que o imitássemos. E na Inglaterra, é n'aquelle paiz, que verdadeiramente se chama clássico da liberdade, quando se tratou a questão da instrucção publica, que se viu sair da camará dos lords uma deputação, dirigindo-se ao palácio da rainha, a pedir-lhe que não desse a saneção a uma medida, a qual julgavam coarctar as publicas liberdades da Inglaterra.

O digno par sabe, porque é lido n'estas questões, sa-bem-no todos que se oceupam d'estes negócios, que na Inglaterra, paiz protestante, por diversas vezes os ministérios, e entre elles o de sir John, quiz coarctar um pouco essa liberdade da Inglaterra, e não o conseguiu; tal é a força do espirito publico n'aquelle paiz. Foi ahi que o ministério de sir Robert Peei apresentou o bill para a dotação de um seminário catholico, e apesar da generosidade da maior parte das pessoas inglezas, aquelle gabinete encontrou, por parte dos bispos catholicos, uma linguagem severa, recusando a doação tal qual lhe fora offerecida. Pois era uma doação generosa, uma pensão avultadissima. Sir Robert Peei ao principio viu em roda de si a opposição n'esta medida; sobre a mesa da presidência depositava-se um requerimento com milhares de assignaturas, mas sir Robert Peei não se deixava dirigir por falsos caprichos de uma multidão desvairada; disse que era homem do seu partido, e que se honrava d'isso, porém mais que tudo se honrava de ter uma opinião firme, e de a sustentar sempre com coragem. Era elle pois quem dirigia o partido; não se deixava dirigir por elle como aqui os srs. ministros, evprincipal-mente o sr. presidente do concelho, que seguiu sempre uma via tortuosa, não segue a verdadeira estrada, e por fim, quando menos o espera, precipita-se, cáe e morre.

A questão de liberdade de ensino é hoje uma questão de civilisação europea, como os homens verdadeiramente conhecedores das necessidades dos differentes paizes entendem; felizmente elle orador a entende também como esses homens illustres, de quem segue o exemplo, ainda que como simples soldado n'esta cruzada augusta da civilisação. A liberdade de ensino é hoje uma questão do dominio de todos, não só nos parlamentos politicos, mas em diversos congressos. Lembrará a propósito esse congresso da reforma penitenciaria, em que os homens mais notáveis reconheceram a necessidade de reformar a sociedade por meio da educação religiosa, porque a sociedade é má quando o principio religioso não a dirige. Só em Portugal é que se não quer isso, e aos homens que sustentam e defendem esta opinião dá-se o nome de reaccionários!... Elle orador tem visto lamentar aos homens mais abalisados da sciencia e da politica o estado decadente da Europa, e por isso quando viu subir á tribuna, entrar na arena, e expender as suas opiniões, o seu nobre amigo o sr. Filippe de Soure, ficou maravilhado de o ouvir exclamar que Portugal estava hoje como ha cincoenta annos tinha sido. «E carecemos nós de reformas, de ordens religiosas que dirijam o ensino publico? Não. Mil vezes não. » Foram estas as expressões de s. ex.a, pouco mais ou menos.

Tem-se fallado muito em reformas em Portugal, e o par ¦ tido a que o sr. marquez de Loulé pertencia era justamente o partido chamado reformador, hoje não sabe elle, orador, se é esse o partido de s. ex.a, não sabe quaes são essas reformas, mas interroga a consciência do nobre ministro, e deve interroga-la dirigindo-se directamente a s. ex.a . como homem publico que é, pois da sua vida privada nada quer saber, nem isso está na sua indole, nem na do partido conservador a que o orador pertence. Quaes são e onde estão as grandes reformas ? Lembra-se de ter lido em certo auctor escrevendo sobre a influencia das reformas; que «debalde se formarão edifícios e se dará uma nova forma ás penitenciaria*, se o espirito religioso não edificar o coração dos condemnados para que tornem a ser cidadãos prestantes e úteis á sociedade». Veja-se o que tantos outros homens de grande vulto e sempre memoráveis tem escripto sobre a mesma matéria, e entre todos chama a attenção para o que em suas obras disse mr. de Tocque-ville. Veja-se o que elle diz.

Disse-se n'esta camará que o paiz está prospero; que as reformas são desnecessárias; que caminhamos desassombrados; que estamos no melhor dos mundos possiveis! Foi isto o que deduziu das palavras do sr. Joaquim Filippe de Soure! Os nossos estabelecimentos de educação no entender de s. ex.a estão em estado prospero; mas elle, orador, para responder desde já de uma maneira decisiva apontar-lhe-ha somente para um estabelecimento á frente do qual se acha hoje s. ex.a, ainda que interinamente. Responder-lhe-ha com as,próprias palavras que vem no relatório do sr. José Maria Eugénio. E bem triste a pintura que ali se faz d'este estabelecimento. E quem esteve á frente d'essa administração tanto tempo? Foi o sr. marquez de Loulé. O que fez elle ? Não fez nadav O que o orador leu e todos vêem escripto é que ali a desordem predominava, o respeito não existia; a limpeza mal se conhecia; o aceio dos alumnos não se podia manter; em logar de livros bons que podessem morigerar aquelíes jovens entregues á sociedade para lhes dar um destino, o sr. marquez de Loulé dormia profundo somno, porque dorme sempre, quando se não trata d'estas aceusações da moda contra certas instituições, ou contra alguns nobres seus parentes.

Se as palavras que pronuncia irão exprimissem a verdade, se não as podesse acompanhar com provas, não teria a audácia de as proferir: di-las porém porque as pôde provar até á saciedade. Continuando, dirá mais que essa casa pia, tanto tempo entregue ao sr. marquez de Loulé, não começou mais cedo a ser reformada para se não chocar o melindre de alguém; mas elle orador pede á rasão esclarecida de todos os dignos pares, lhe digam se aquelle estabelecimento não carecia ha muito tempo de uma grande reforma ou, por assim dizer, de uma transformação completa.

Antes de passar a responder á argumentação do sr. ministro da marinha, que sente não ver n'aquella occasião presente, pede permissão para observar ao sr. Avila, por quem sente uma sincera estima, e está convicto de que s. ex.a lh'a retribue (O sr. Ministro ãa Fazenda:—apoiado), que sente vê-lo fazendo parte de um ministério, que o não deixa prestar a este paiz os serviços que eram de esperar do seu talento, pois é sabido que s. ex.a não pôde fazer tudo que quer, e aquillo a que as suas convicções o levariam.

Quem foi senão o sr. ministro da marinha que veiu levantar n'esta camará a questão do sentimentalismo, já suscitada na imprensa pelo seu partido? Ha muitos annos que estavam banidas do nosso diccionario politico certas phrases offensivas dirigidas de classes a outras classes, de corporações a outras corporações, facto este que mostrava o nosso adiantamento e bom juizo: e é esta uma verdade que ainda ha pouco elle, orador, viu corroborada num documento publicado pelo nobre duque de Saldanha: porém esta boa pratica deixou de ser seguida pelos homens de certo partido. Este partido até trata de especular não só com as injurias, como sublevando paixões que suscitem rivalidades de classes, torcendo o sentido ás palavras, e desvirtuando as idéas que ellas representam. Pois o sol não nasce para todos, para o nobre e para o plebeu, para o rico e para o pobre, para o artista e para o camponez? Certamente. Já n'outra occasião elle, orador, dissera n'esta camará que havia uma porção de homens que, comquanto se dissessem negociantes, não o eram de facto, porque não negociavam, nem pertenciam a essa honrada e briosa classe de negociantes que compõe as praças de Lisboa e Porto. A estes ninguém os offendeu nem oífende, mas os cavalheiros de industria, os moedeiros falsos, é d'esses de quem então fallou, e agora repete, que esses taes não são dignos de pertencer á nobre classe do commercio.

O homem de bem mostra que o é pelas boas acções que pratica, são ellas que o illustram, são ellas que o elevam; e o rei, quando faz nobre o homem, não faz mais que pôr o sêllo no documento de um publico testemunho dos serviços e talentos d'esse homem.

E que dirá elle, orador, da classe dos artistas? Dirá que é uma classe honrada, e que se se tem desvairado é porque tem sido iIludida por esses que se dizem seus amigos, mas que são falsos amigos e que se servem dos artistas para fins particulares.

Bem sabido é que foram os artistas de Lisboa, os nobres, e os homens de todas as classes, que sacudiram o jugo de Castella, e se por acaso se desse uma occasião similhante, que de certo se não dará, ver-se-ía que no amor dos portuguezes e na sua fidelidade á pátria existem ainda hoje os mesmos sentimentos, que no coração dos nobres e no de todas as classes da sociedade existem ainda os mesmos brios; e provariam por obras que todos são descendentes d'esses portuguezes que sentaram no throno a D. João IV (muitos apoiados).

E' assim que o orador responde ao sr. ministro da marinha, pois que disse que esta questão era uma questão da aristocracia! Pôde ser; mas o facto é que os privilégios que a aristocracia tinha acabaram, e não hão de voltar mais esses privilégios, e se voltarem, elle orador, apezar de pertencer por nascimento a essa classe, havia de combater taes idéas.

Deseja sinceramente que extremem bem os campos para se saber quem são os verdadeiros reaccionários. A revolução não é senão o esforço que um homem ou uma corporação faz para se livrar de outros homens em quem não confia, e que podem commetter excessos no exercicio dos cargos do estado que estão oceupando. Camarilhas são os homens que especulam com certos principios e idéas para á sombra d'ellas poderem dominar as classes, e atacar a liberdade. Tyrannia é por exemplo ir a uma imprensa e verificar se nas gavetas, que estavam fechadas e que se abriram á ordem da auctoridade, se achava certo papel que procuravam, e que lá não estava. E este acto foi commettido sob a administração de um cavalheiro rasgadamente progressista, como se appellida hoje o chefe da secretaria do reino, e ordenado como demonstração tardia de respeito pela augusta pessoa do Soberano. Já n'outra occasião elle orador pediu contas n'esta tribuna por serem premiados os aucto-res d'esses pamphletos e injuriosas invectivas. Houve um jornal de horrorosa memoria, chamado O Patriota, que dirigiu as maiores injurias á Rainha e ao Senhor D. Fernando, e veiu depois outro jornal, que substituiu aquelle, e disse = que tomava a responsabilidade do seu antecessor =. Pois os redactores d'esses jornaes foram despachados para empregos públicos!

Permitta-lhe a camará o dizer agora que essa imprensa violenta não só tem aggredido os vivos, procurando desvirtuar assim a auctoridade de cidadãos respeitáveis e prestantes, mas até tem Insultado as cinzas d'aquelles que já deram contas a Deus das suas acções n'este mundo. Assim aconteceu quando teve logar.o despacho de um titulo que era, de juro e herdade, da casa d'elle orador. Havia-o requerido no tempo da administração do sr. marquez de Loulé, mas s. ex.a deixou este negocio esquecido na gaveta, e quando o sr. Antonio Maria de Fontes lhe succedeu, achando aquelle requerimento, e reconhecendo a justiça e o direito, assignou sem hesitação o respectivo decreto. O sr. marquez de Loulé permittiu que n'um jornal dos seus se aggredisse não somente o sr. Fontes por aquelle despacho, mas ainda mais, que se insultasse a memoria de um seu parente, o pae d'elle orador, porque esse fidalgo tinha seguido uma opinião dynastica, sem comtudo nunca ter tomado parte nas perseguições do tempo do sr. D. Miguel, nem apontar armas contra a sua pátria. Não se offende assim um cidadão prestante. Como isto era um facto publico, por isso o notou.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros:—Mas é falso.

O Orador:—Repete que' se escreveu o dito artigo eque-s. ex.a tem a responsabilidade d'elle.

O sr. Presiãente do Conselho de Ministros (Marquez de. Loulé):—Não tenho responsabilidade nenhuma disso.

O Orador: — Passa a responder a algumas asserções do sr. Joaquim Antonio de Aguiar como signatário do decreto-de agosto de 1833 (O sr. Aguiar:—Ainda não era ministro), mas como tendo apoiado aquelle decreto, e como signatário do que em 1834 extinguiu as casas religiosas (O sr. Aguiar: — Esse sim). Dissera o digno par que aquellas ordens não eram conformes com os principios do evangelho, e appellára também para a instituição dos prelados maiores...

O sr. Aguiar:—Eu não disse que as ordens religiosas, que foram extinctas pelo decreto de 31 de maio, eram contra a religião, e fallei da isenção juridica dos prelados maiores.

O Oraãor:—Ellas eram instituídas pelos santos, e então é a esses que cabia a censura, mas nãO'aos prelados maiores; e as irmãs da caridade não estavam isentas da sujeição aos prelados diocesanos, porque esse era um artigo do credo, e espanta-se portanto o orador que s. ex.a dissesse-que também estavam contra a lei. Porque disse o sr. Aguiar que as irmãs da caridade existiam aqui em virtude, não do-decreto, mas contra elle. Mas s. ex.a foi ministro em 1835-e 1836, e ellas ficaram; depois o sr. Aguiar apoiou o mi-nisterto chamado da regeneração, e o sr. duque de Saldanha, com os srs. Rodrigo da Fonseca Magali ães, visconde de Athoguia e Fontes Pereira de Mello, assignaram a lei de 1851, que deu organisação ao instituto de beneficência, em que se dizia que as irmãs da caridade seriam unidas aquelle estabelecimento para prestar o mesmo serviço.

Agora não se querem irmãs de caridade, diz-se que estão contra lei, mas fecham-se os olhos ás associações secretas, que não têem estatutos approvados, e são prohibi-das pelo código penal; e quando n'outra occasião elle, orador, chamou para isto a attenção do sr. marquez de Loulé, s. ex.a só respondeu que elle, orador, chamava revolucionários a todos que não pensavam como o preopinante. Não era assim. Julgam-se revolucionários aquelles que destroem, que abalam a sociedade em todos os seus fundamentos; são estes que denomina os revolucionários; mas s. ex.** julga que um homem qualquer, por ser mais enérgico, é-um revolucionário, é um homem perigoso. Os ministros que promettem conservar esta associação e depois a dissolvem, os ministros que se contradizem constantemente,, os ministros que se declaram os primeiros defensores da imprensa, e são os primeiros que querem acabar com a imprensa, entrando em seus escriptorios, nas suas officinas, destruindo tudo, esses é que são muito liberaes e amantes da ordem!

O orador conclue chamando a attenção para o estado da. governação civil, para as finanças, para a magistratura, para outros mais ramos do serviço publico, e admira-se de que nenhuma d'estas muitas e variadas questões vitaes se-resolva, para se gastarem todas as forças na questão das irmãs de caridade, não se adoptando uma resolução em conformidade com a civilisação, e como meio de tornar effectivo o respeito á religião. Prestará o seu voto ao governo que proceder n'esta conformidade.

Vozes:—Deu a hora, deu a hora.

O sr. Presiãente:—A sessão seguinte será na sexta-fei-. ra, e a ordem do dia a continuação desta discussão. Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e tres quartos ãa tarãe.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 26 de junho de 1861

Os srs. Visconde de Laborim; Marquezes de Ficalho, de Loulé, das Minas, de Niza, de Vallada, de Vianna; Condes das Alcáçovas, do Bomfim, de Mello, de Mesquitella, de Penamacor, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar; Bispo de Beja; Viscondes de Algés, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, de Castro, de Fonte Arcada, da Luz, de Sá da Bandeira; Barões das Larangeiras, de Pernes, da Vargem da Ordem, de Foscoa; Avila, Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, Sequeira Pinto, Costa Lobo, Moraes Pessanha, Aguiar, Soure, Larcher, Braamcamp, Pinto Basto, Silva Costa, Reis e Vasconcellos, José Lourenço da Luz,, Baldy, Castello Branco, Brito do Rio.

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