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N.º 45

SESSÃO DE 31 DE MAIO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Antonio Maria de Fontes de Mello

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr. conde de Castro faz algumas perguntas ao governo com respeito ao tratado de Lourenço Marques e á adjudicação feita pelo governo hespanhol á sociedade Financière, da construcção do ramal de Salamanca, e pede sobre este ponto explicações ao sr. conde do Casal Ribeiro. - Resposta do sr. conde do Casal Ribeiro e do sr. ministro dos negocios estrangeiros (Hintze Ribeiro). - Considerações do digno par o sr. Andrade Corvo. - Usam da palavra os dignos pares srs. conde de Castro e Vaz Preto. - Requerimento do sr. Henrique de Macedo, pedindo que seja remettida á camara copia dos documentos que constituem o processo da syndicancia ultimamente feita aos actos da camara municipal de Lisboa. - O sr. conde de Valbom requer que se dispense o regimento para entrar logo em discussão o projecto que approva a convenção celebrada com a Hespanha para regular a propriedade litteraria e artistica. - O digno par, o sr. Montufar Barreiros, manda para a mesa o parecer n.° 181, da commissão administrativa, sobre o projecto de lei n.° 143. - O digno par, o sr. Palmeirim, manda para a mesa o parecer n.° 182, da commissão de guerra, sobre o projecto n.° 167. - O digno par, o sr. Mendonça Cortez, manda para a mesa varias representações de camaras municipaes e de freguezias, pedindo a approvação do contrato do caminho de ferro do Pombal. - O digno par, o sr. Quaresma, manda para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino, ácerca do despacho do sr. Pedro Ferrão para administrador de Condeixa. - A camara constitue-se em sessão secreta. - A sessão torna-se publica ás quatro e meia horas, declarando o sr. presidente que fôra approvada a convenção sobre a propriedade litteraria com a Hespanha. - O digno par, o sr. conde do Castro, pergunta á mesa se considerava em ordem do dia os projectos que estavam em discussão quando se adiaram as côrtes. - O sr. conde do Casal Ribeiro pergunta ao governo se tencionava prorogar o praso do tratado de commercio com a França. - Resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros (Hintze Ribeiro). - Observações dos srs. conde do Casal Ribeiro e ministros das obras publicas (Hintze Ribeiro) e da fazenda (Lopo Vaz). - O digno par o sr. Mendonça Cortez pergunta se ainda estava na ordem do dia o projecto relativo á reforma dos coroneis. - Resposta do sr. presidente.

Ás duas horas da tarde, sendo presentes 31 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo a considerar satisfeita pelo curso de marinha, que possue o alferes do exercito Antonio José Cazimiro Ferreira, a habilitação preparatoria de geographia exigida pelo, decreto de 24 de dezembro de 1863.

Á commissão de guerra.

Teve segunda leitura o requerimento apresentado pelo digno par o sr. Henrique de Macedo; é do teor seguinte:

Requerimento

1.° Requeiro que, pelo ministerio dos negocios do reino, seja remettida com urgencia a esta camara copia dos documentos que constituem o processo da syndicancia ultimamente feita aos actos da camara municipal de Lisboa, embora tal processo esteja actualmente affecto ao exame da procuradoria geral da corôa e fazenda;

2.° Que logo que tal copia de entrada na secretaria da camara seja mandada publicar na folha official, ainda que n'essa data a sessão legislativa tenha já sido encerrada ou adiada.

Camara dos pares, em 28 de março de 1881. = O par do reino, Henrique de Macedo.

(Estavam presentes os srs. ministros da justiça e das obras publicas. Entrou durante a sessão o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, não cansarei a camara, porque em breves palavras vou expor os assumptos que me levaram a fallar n'esta occasião; desejo, porém, aproveitar a presença do sr. ministro das obras publicas, que interinamente dirige tambem os negocios estrangeiros, para lhe endereçar umas perguntas, ás quaes julgo que s. exa. me poderá responder.

Dirigir-me-hei primeiramente a s. exa. como ministro dos negocios estrangeiros.

Desejava que o illustre ministro me informasse e á camara sobre se a noticia que tem corrido, de que o nosso governo chegára a um accordo com o governo inglez sobra um adiamento indefinido do tratado de Lourenço Marques, é ou não é verdadeira?

Eu não faço esta pergunta de surpreza, porque sou de opinião que ha um certo numero de assumptos, e entre estes os internacionaes, a que deve ser estranha a politica partidaria, e não seguirei, portanto, os exemplos d'aquelles que têem envolvido este negocio em um tal ou qual mysterio, tratando de o explorar em proveito das suas conveniencias politicas.

Estranhando, pois, o procedimento do partido que apoia o actual governo, procedimento em que tiveram uma grande parte alguns dos actuaes srs. ministros, e que eu acho em desharmonia com as idéas de outras pessoas que privam com o ministerio e que desempenharam n'este negocio um papel importantissimo, não analysarei, todavia, esse procedimento.

Limitar-me-hei, pois, a essa simples pergunta, e não insistirei ainda assim n'ella se se entender que vae ferir algum melindre politico, ou póde produzir algum inconveniente.

Todavia observarei que não se discute agora o tratado de Lourenço Marques; trata-se unicamente de saber se é ou não verdadeira a noticia publicada nos jornaes: e este é que é o meu fim.

Não pretendo desvairar a opinião publica, pois não quero seguir o systema adoptado por um certo elemento que ultimamente appareceu no paiz, o dos arruaceiros, que largamente exploraram este assumpto, fazendo de uma questão de exclusivo interesse nacional uma questão partidaria.

O tratado de Lourenço Marques não é tão bom, como os poucos apologistas, que tem, pretendem inculcar; mas de certo tambem não é tão mau, como a facção, a que acabo de me referir, quiz dar a suppor.

Mas como a par da questão internacional ha uma outra de politica interna, é d'esta que me vou occupar.

Suppondo mesmo que o tratado estava approvado, nem por isso devem certos homens importantes do nosso para

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continuar a vergar sob o peso de graves accusações, que é mister desfazer com a verdade dos factos.

Desejava ver justificados inteiramente os que são victimas d'essas accusações, e que de sobre elles se afastasse por uma vez o labéu que lhes foi lançado, pois sou o primeiro a prestar homenagem ao seu patriotismo e a elevação dos seus intuitos.

E n'este ponto refiro-me especialmente ao negociador do tratado, a quem devo muito respeito e consideração pelas suas altas qualidades, pela sua sciencia e pelos serviços que tem prestado ao paiz.

Estimaria, portanto, que este cavalheiro aproveitasse a occasião em que se lhe proporciona o ensejo de se justificar plenamente.

E é tambem esta uma das rasões que me levaram a encetar este debate.

Sr. presidente, não tratarei já do facto da assignatura posthuma do tratado, isto é, da assignatura, quando o governo de então havia já pedido a sua demissão, e os respectivos ministros estavam apenas encarregados dos negocios de simples expediente. Mas occupar-me hei de um outro ponto que me parece de bastante importancia, e sobre o qual é conveniente que se faça luz.

Tem-se dito que n'um assumpto tão grave, como é o d'este tratado, não houvera solidariedade ministerial, e que não foram consultados pelo sr. Andrade Corvo os seus collegas no ministerio.

Por outro lado, porém, varios jornaes e sobretudo as correspondencias mandadas d'aqui para alguns jornaes do Porto, que são affectos á actual situação, têem asseverado que os collegas do sr. Corvo tiveram conhecimento do assumpto em conselho de ministros, e que ata um d'elles tinha feito no tratado importantes emendas, que depois haviam sido acceitas pelo outro negociador.

Qual d'estas duas versões será exacta?

Faço inteira justiça ao caracter honrado do sr. Corvo e ao conhecimento que s. exa. tem das praxes seguidas em taes casos, para não dever suppor que s. exa. deixasse de se pôr de accordo com os seus collegas em um negocio tão grave, ou de os consultar sobre elle.

No entanto é muito para notar que esses mesmos collegas do sr. Andrade Corvo tenham evitado todas as occasiões de se pronunciar sobre o tratado, assim como é tambem notavel o facto praticado por alguns dos membros do actual gabinete, que, quando deputados, e na vespera d'aquelle celebre meeting, em que se tratou de atacar a administração passada, por causa do mesmo tratado, propozeram, de certo obcecados pela paixão politica, e talvez pela ambição do poder, o seu adiamento, facto sem precedente pelas circumstancias que se davam, pois sendo o tratado da inteira responsabilidade da administração regeneradora, quando esse adiamento não foi acceito, saíram da sala!

Este procedimento foi vergonhoso, e direi mais que importa uma grande immoralidade politica.

Dizendo isto, sr. presidente, não me refiro ás pessoas dos srs. ministros, nem mesmo como deputados, que fizeram essa proposta, porque os tenho na conta de pessoas muito honestas, especialmente o sr. ministro das obras publicas, que muito considero, mas o facto é que um tal procedimento é inqualificavel!

Sr. presidente, sobre o ponto da apresentação ou não apresentação do tratado em conselho de ministros, tem o illustre negociador, como homem de bem que é, de aproveitar o ensejo para dar explicações. E estou convencido que ha de dal-as de uma maneira completa, porque faço inteira justiça ao caracter honesto e respeitavel de s. exa.

Direi agora qual a minha opinião sobre o facto do adiamento. Muita gente julga um grande triumpho diplomatico o adiamento, mas eu não o considero tal. Eu que nunca tive occasião de manifestar a minha opinião sobre o tratado, o que não o teria por certo negociado nas condições em que elle está, dada a circumstancia de ter sido apresentado ao parlamento e porque não o reputo tão mau, como se tem pretendido inculcar, tel-o-ía naturalmente approvado, até por uma alta rasão do estado.

Mas por quem é que um tratado tem de ser apreciado e approvado?

Visto estar já submettido á apreciação da camara dos dignos pares, o regular era que fosse discutido e que a camara o approvasse ou rejeitasse. Porém, adiar, pactuar com uma opinião falsa e desvairada; que se formou em consequencia de se ter feito do tratado uma questão politica, não é coherente.

Para mim esta solução é gravissima.

Não farei todas as considerações que me occorrem n'esta occasião, não entrarei nos intuitos reservados que podem porventura existir na maneira por que se resolveu esta questão. É possivel mesmo que importantissimos interesses economicos em relação áquella nossa colonia estejam compromettidos pelo facto d'esse adiamento, e por isso, repito, não o posso considerar um triumpho diplomatico. Poderá ser, talvez, um grande expediente, que tire o governo de difficuldades politicas do momento, mas os interesses do paiz podem tambem ser altamente compromettidos com esta resolução. Eis a primeira pergunta que eu desejava dirigir ao sr. ministro das obras publicas e interino dos estrangeiros.

A segunda é a seguinte: Dizem os jornaes que o governo hespanhol acaba de ajudicar a construcção do ramal que do caminho de ferro de Salamanca vae entroncar com a linha da Beira Alta, fazendo esta concessão á Société Financière.

Não foi sem grande estranheza que eu tive conhecimento d'este facto, pois que, segundo informações por mim havidas, as negociações sobre este negocio entaboladas entre o nosso governo e o governo hespanhol davam-nos a esperança de uma solução muito diversa e mais conforme aos interesses do nosso paiz.

Supponho que estava já assentado o ponto da bifurcação, e que a construcção dos dois ramaes, quer para o caminho de ferro da Beira Alta, quer para a linha do Douro, seria posta a concurso simultaneamente; mas vejo que o procedimento do governo hespanhol é inteiramente outro!

Isto poderia ser apenas um caso imprevisto, mas tem contra si e contra o actual governo a circumstancia de ter tido logar depois do nosso gabinete ter resolvido a construcção immediata da ponte internacional sobre o Minho.

Desejava, pois, que o governo nos dissesse alguma cousa a este respeito, a fim de ver se podemos ter ainda a esperança de que se consiga chegar a alguma solução satisfactoria.

As negociações sobre o entroncamento das linhas hespanhoias com as nossas linhas tinham sido dirigidas com muito tino e intelligencia pelo nosso illustre representante na côrte de Madrid, o qual tenho a satisfação de ver presente.

Estimaria por isso muito que s. exa., se fosse possivel, nos d'esse algumas informações a este respeito, porque talvez se possa ainda voltar ao ponto em que estavam essas negociações.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: - Não quero hoje alargar-me em considerações relativamente a esta questão, mas é certo que ella é do maior interesse para o paiz e principalmente para a cidade do Porto.

Algumas reflexões mesmo deveria fazer sobre a inconveniencia de se ter mandado proceder desde já á construcção da ponte internacional sobre o Minho; limitar-me-hei, porém, a recordar que ainda na sessão passada, a proposito de uma questão de administração que aqui se ventilou, eu ponderei ao governo transacto a conveniencia de

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não ser demasiadamente apressado na construcção d'aquella ponte, porque eu já previa que, sem se resolver a questão do entroncamento do ramal da linha ferrea hespanhola com o caminho de ferro do Douro, não seria, talvez, prudente fazer aquella construcção.

Este negocio, torno a dizer, envolve graves interesses, sobretudo para a cidade do Porto. E direi mais, que a noticia de se ter mandado proceder á construcção da ponte internacional sobre o rio Minho causou grande sensação n'aquella cidade, que vê os seus interesses muito compromettidos. N'isto não ha exploração politica, ha apenas a referencia ao que hoje li em telegrammas dirigidos aos jornaes que são mais affectos ao governo. Portanto, muito desejaria que o sr. ministro das obras publicas nos dissesse algumas palavras de conforto e esperança, pelas quaes nos possamos convencer de que estas negociações não estão mal paradas.

Aguardo, portanto, a resposta de s. exa., para depois fazer as considerações que julgar opportunas.

O sr. Conde do Casal Ribeiro (sobre a ordem): - Lembro a conveniencia de serem tratados separadamente os dois assumptos sobre que o digno par chamara a attenção da camara.

O sr. Conde de Castro: - Estou de pleno accordo em que se trate separadamente de cada um dos assumptos a que me referi.

O sr. Presidente: - Mas eu não posso negar a palavra n'este momento ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que a pediu.

S. exa. regulará o seu discurso como entender.

Depois proporei á camara a indicação feita pelo sr. conde do Casal Ribeiro.

O sr. Ministro das Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Acatarei as resoluções da camara.

O digno par o sr. conde de Castro chamou a minha attenção sobre dois assumptos especiaes; sobre ambos me cumpre responder, sobre ambos estou prompto a responder.

Se a camara deseja tratar especialmente cada um de per si, tratarei; se pelo contrario entende que mais convem que responda de vez a ambas as perguntas que foram formuladas, desde já passarei a responder a essas perguntas.

O sr. Presidente: - Vou submetter á votação a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro.

Os assumptos que ha a discutir são primeiramente o que é relativo ao tratado de Lourenço Marques, e em seguida o que se refere ao ramal do caminho de ferro de Salamanca.

Supponho que é esta a ordem por que foram feitas as perguntas.

Os dignos pares que são de opinião que se separem estas duas questões, tratando de uma em seguida á outra, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Estavam inscriptos varios dignos pares, mas eu supponho que se inscreveram para fallar sobre assumpto diverso; por isso é talvez melhor seguir este incidente levantado pelo sr. conde de Castro, concedendo-se-lhes depois a palavra. (Apoiados.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Respondendo á primeira pergunta que me foi dirigida pelo sr. conde de Castro, relativamente ao tratado de Lourenço Marques, direi á camara que o governo, de inteiro accordo com o governo inglez, pede que se suste todo e qualquer procedimento parlamentar a respeito d'esse tratado.

Não está definitivamente regulada a questão do Trausvaal; a regularisação d'essa questão póde trazer comsigo a necessidade de modificações a attender, de negociações a encetar.

No interesse d'essas negociações, o governo julga inconveniente entrar por agora em mais amplas explicações; mas o que póde affirmar e affirma é que são cordialissimas as relações entre os dois governos.

Eu ficaria por aqui, se o digno par o sr. conde de Castro não tivesse alludido ao procedimento dos membros da outra camara, quando ali se discutiu o tratado de Lourenço Marques. S. exa., em termos, porventura demasiadamente asperos, referiu-se com desfavor ao procedimento dos que se haviam abstido de se pronunciar sobre o tratado, tendo aliás votado pelo seu adiamento.

É a primeira vez que me cabe a honra de fallar n'esta assembléa, que muito respeito; tenho mesmo pelo digno par que me interpellou toda a deferencia que lhe é devida; não desejando, por isso, afastar-me, de fórma alguma, dos deveres da mais stricta cortezia, limitar-me-hei a observar que a declaração, que acabo de fazer, está em inteira harmonia com o meu procedimento e o dos meus collegas por occasião da votação do tratado de Lourenço Marques na outra camara.

Pelo que toca ao negociador do tratado é me agradavel affirmar em nome do governo que a s. exa. prestâmos a alevantada consideração a que lhe dão innegavel direito os seus nobilissimos dotes de caracter, e os relevantissimos serviços, que s. exa. tem prestado ao paiz.

O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, v. exa. e a camara comprehendem que, depois de allusões tão directas a um assumpto em que eu tive parte tão importante e de que me cabe tão grande responsabilidade, não posso deixar de tomar a palavra.

Sr. presidente, o sr. conde de Castro, referindo-se á questão tão debatida de Lourenço Marques, encarregou-se da minha defeza com uma bondade e um zêlo que me lisongeiam muito e que muito lhe agradeço; mas isso mesmo me obriga a pedir a palavra. Fique socegado o digno par. Eu hei de justificar o meu procedimento, refutar as falsas accusações com que quizeram lançar um labéu sobre a minha honra: o digno par e o paiz hão de reconhecer que fiz o meu dever, como homem honrado que me prezo de ser.

Eu não sei se o tratado de Lourenço Marques é hoje na opinião publica bom ou mau, nem é esta a occasião de o discutir. A opinião publica julga-o mau, segundo s. exa. affirma; mas essa opinião publica, que o julgou mau, andava transviada e enganada por falsas apreciações, segundo tambem affirma o digno par. Ora, se a opinião andava transviada, quando julgou mau o tratado, é porque o tratado não é mau em si, na opinião tambem do sr. conde de Castro, opinião que eu altamente aprecio.

O tratado de Lourenço Marques foi negociado por mim, ad referendum, não como ministro dos negocios estrangeiros, mas como plenipotenciario, e tendo para isso recebido plenos poderes, assignados pelo presidente do conselho de ministros.

O negociador, porém, sendo o ministro dos negocios estrangeiros, não podia pedir instrucções ao ministro dos negocios estrangeiros. Tinha, comtudo, antes de concluir a sua missão de negociador do tratado, de consultar os seus collegas no gabinete; e a estes, depois, cumpria examinar o tratado e ver se merecia ou não a sua approvação; ou propor-lhe quaesquer modificações que julgassem necessarias.

Foi o que se fez: foi o que eu fiz. O tratado foi por mim apresentado em conselho de ministros, como o fôra o tratado da India; o conselho de ministros approvou-o, introduzindo-lhe algumas alterações. Essas alterações foram communicadas ao negociador inglez, que estava em Londres então, onde fôra á fim de destruir algumas objecções ponderosas que o gabinete britannico oppunha ao tratado, e foram acceitas pelo governo inglez.

O sr. Morier, ministro de Inglaterra, chegou a Lisboa, tres ou quatro dias antes de caír o ministerio de que eu fazia parte. Trazia a solução definitiva do seu governo so-

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bre o tratado; e eu, que não comprehendo que se possam fazer nem deslealdades nem descortezias, não caia fazer uma descortezia ao governo britannico recusando-me a assignar, como negociador, um tratado a que o governo portuguez fizera alterações que o governo britannico acceitára, não podia fazer uma descortezia e uma deslealdade ao sr. Morier, que se mostrara sempre durante as negociações de uma perfeita lealdade e de uma probidade meticulosa commigo. Assignei o tratado, como negociador, e, demais, ainda era ministro quando o assignei.

O ministro de Inglaterra chegou a Lisboa nas vesperas da queda do ministerio, mas este ainda não havia pedido a sua demissão, e eu não podia recusar-me, como negociador, a assignar o tratado sem praticar um acto de descortezia.

Em questões internacionaes, em todas, mas sobretudo n'estas, entendo que não se devem commetter actos similhantes, nem mesmo as mais leves faltas voluntariamente.

Assignei, pois, o tratado como negociador; mas o governo que se seguiu estava perfeitamente no seu direito de o não acceitar, se julgasse que elle não era conveniente aos interesses publicos; assim como o governo anterior podia tambem deixar de o acceitar quando lhe foi submetido, porque o tratado era ad referendum. Entretanto o governo progressista acceitou o tratado; e tanto que, mais tarde, entabolou novas negociações para lhe introduzir algumas modificações que julgava importantes. Não discuto agora essas modificações, nem direi agora sã ellas melhoraram ou prejudicaram o tratado. Creio que as modificações que se fizeram não foram de grande utilidade; mas eu não as discuto, repito.

O sr. Braamcamp julgou-as necessarias para acalmar os nervos irritaveis dos seus amigos politicos. Foz bem.

O que é certo é que o governo, presidido pelo seu amigo, o sr. Braamcamp, acceitou o tratado; e o sr. Braamcamp, como homem d'estado que cumpro o seu dever, com aquella seriedade com que costuma sempre tratar os negocios, apresentou-o ao parlamento, para ser discutido e approvado. O governo actual achou conveniente entrar em novas negociações com o governo inglez a fim de, por enquanto, sustar o andamento do negocio de Lourenço Marques, e não o trazer ás côrtes. Eu não discutirei tambem agora as rasões que o governo teve para isso.

Para mim o ponto principal, aquillo coma que muito folguei, foi com a declaração do sr. ministro dos negocios estrangeiros, de que continuam cordiaes as nossas relações com a Gran-Bretanha, porque entendo que a alliança com a Inglaterra é da maxima importancia e utilidade para Portugal; por consequencia a declaração do illustre ministro tranquillisou o meu espirito, por isso que eu estou convencido, repito, que muito importa aos interesses do paiz a conservação das boas relações com a nossa velha, e sempre leal alliada. O meu modo de ver a este respeito é, que a nossa politica colonial deve assentar solidamente na boa e perfeita harmonia com a Inglaterra, que possuo na Africa colonias muito vizinhas das nossas: o meu parecer é, que os nossos esforços devem tender todos para que caminhemos de commum accordo com o governe d'aquella nação, de modo que possamos desenvolver nas nossas possessões de Africa um progresso parallelo ao que se desenvolver nas possessões inglez, porque, aliás progredindo aquellas e ficando as nossas paradas, d'ahi não podem provir senão inconvenientes graves, de que mais tardo póde resultar a perda total do que é nosso. As vistas da Europa estão fixadas sobre a Africa; todos trabalham para a civilisação d'aquelle vasto continente, e nós, que ali possuimos tão vastos territorios não podemos separar-nos do grande movimento dos povos cultos, se queremos ser contados entre elles, e se não queremos ser expropriados pelo nosso desleixo. Para este fim a politica de cooperado com a Inglaterra é nos indispensavel.

O tratado de Lourenço Marques, que eu negociei com a Inglaterra, tinha sido anteriormente negociado com o Transvaal, quando estava independente aquelle paiz.

Passando a ser depois o Transvaal uma possessão britannica, entendi que era com a Inglaterra que devia negociar um tratado com iguaes intuitos, de beneficiar Lourenço Marques e promover o seu desenvolvimento com a construcção de um caminho de ferro. Portanto, vê a camara, não houve da minha parte senão um intuito patriotico, e não sympathia excessiva e não meditada pela Inglaterra.

Quando trato de negocios internacionaes, não tenho sympathia nem antipathia por nação alguma; tenho só em vista os interesses do paiz a que pertenço, e procuro alcançar para elle todas as vantagens possiveis em quaesquer negociações internacionaes. Reconheço, porém, que esta especie de negociações tem por base o interesse reciproco, e não se podem alcançar vantagens senão concedendo outras equivalentes. É sempre facil aos que declamam contestar esta equivalencia; mas cousas d'esta ordem só se podem apreciar na região serena da rasão, e não na perturbação apaixonada da politica.

Comparando o tratado com o Transvaal com o que se celebrou com a Inglaterra, é facil reconhecer que as condições são na escencia as mesmas. Pergunta-se, porque é que se não manteve com a Inglaterra o mesmo tratado que estava feito com o Transvaal? A rasão é simples; é porque as condições da Inglaterra com o Transvaal eram muito differentes das condições em que estava o governo d'aquella republica; e porque a Inglaterra nos assegurava melhor a construcção da linha ferrea e as obras do porto em Lourenço Marques do que o podia fazer o anterior governo do Transvaal.

Quando assignei o tratado, insisto, assignei-o, porque me julguei auctorisado a fazel-o, visto que era o negociador e tinha plenos poderes para isso; podia ser approvado ou deixar de o ser pelo gabinete demissionario, porque era um convenio ad referendum. A minha opinião é que a nossa politica colonial deve ser sempre a mesma com referencia ás nossas relações com a Inglaterra: e cada vez a rasão me leva mais a crer que uma tal politica não deve mudar.

O acto que pratiquei, e que tão mal apreciado terá sido, está de accordo com as minhas opiniões. O acto por mim praticado foi-o em consequencia do direito que me assistia para o fazer como negociador que era.

O sr. Ministro das Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, venho agora responder á segunda pergunta que me dirigiu o digno par o sr. conde de Castro, e que se refere á ligação do caminho de ferro de Salamanca com as linhas do Douro e Beira Alta.

Sr. presidente, pouco mais posso fazer do que repetir hoje a declaração que já hontem tive a honra de fazer na outra casa do parlamento.

A ligação do caminho de ferro de Salamanca com as nossas duas linhas do Douro e Beira Alta é, sem duvida alguma, de manifesta conveniencia para o paiz, pois que ninguem hoje póde duvidar de que as relações internacionaes são sempre mui convenientes para todos os povos, mas o que desejo tornar bem clara é a opinião do governo n'este assumpto.

É inquestionavel que o governo preferia a ligação do caminho de Salamanca á linha do Douro, que era esta a que mais convinha ao paiz e á fertilissima região do Douro, não só porque alimentava e dava vida a uma linha do estado mas porque vinha trazer interesses bastante importantes a uma cidade como é o Porto, interesses que o governo tem muito em mim respeitar e attender.

Sr. presidente, a questão do traçado é, sem duvida, importante, o ponto de bifurcação da linha que parte de Salamanca exerce inquestionavelmente uma grande influencia na derivação das mercadorias para uma ou outra li-

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nha; sendo o ponto de bifurcação em Boadilla era, na verdade, a linha do Douro a que por esse facto recebia maiores vantagens sendo, porém, o ponto de bifurcação em Ciudad Rodrigo, por exemplo, a derivação das mercadorias era para a linha da Beira Alta.

O governo julgava-se como com um direito adquirido em virtude das notas trocadas entre os dois paizes, para que o ponto de bifurcação fosse Boadilla. Era, sem duvida, esta a solução que mais convinha aos nossos interesses; é, porém, certo, que na Gazeta official, de Hespanha, de 26 d'este mez, se poz a concurso a linha de Salamanca a entroncar na da Beira Alta, e é tambem certo que não se poz a concurso, como o governo portuguez desejaria, uma linha que, partindo de um ponto de bifurcação designado, viesse entroncar na do Douro.

Devo, porém, repetir sobre este assumpto o que já hontem disse na camara dos srs. deputados; o governo não considera este negocio uma questão politica ou partidaria, por isso que o seu modo de pensar n'esta materia é o do governo transacto.

As indicações dadas pelo actual governo são precisamente em harmonia com as já dadas pelos seus antecessores.

Desde este momento a camara póde ter a certeza de que o governo envida todos os esforços, para que a ligação da linha de Salamanca com a Douro se effectue no mais breve espaço de tempo que seja possivel.

Sr. presidente, correu com insistencia, publicou-se até em alguns jornaes, que o governo hespanhol nomeara uma commissão de engenheiros civis e militares para, fixar o ponto de entroncamento da linha de Salamanca á Beira Alta, do qual deva partir o ramal para a Barca de Alva a entroncar na linha do Douro.

O que é certo, porém, é que não appareceu ainda tal nomeação na Gazeta official. Essa noticia teve origem em uma outra que foi publicada no jornal denominado Correspondencia de Hespanha, de 26 de maio, e que inculcava como conveniente a nomeação da commissão para a resolução do assumpto.

Não ha, por consequencia, nenhum acto official n'este sentido, e o governo ha de insistir nas negociações já havidas, para que se considere como ponto resolvido que o entroncamento seja em Boadilla.

A camara comprehende perfeitamente que estando pendentes as negociações com uma nação vizinha, com a qual existem as mais cordiaes e amigaveis relações, não posso ir alem do que deixo dito.

O digno par, o sr. conde de Castro, referiu-se tambem ao concurso aberto para a construcção da ponte internacional sobre o rio Minho.

A este respeito devo dizer o seguinte: Quando entrei para o ministerio, e me coube a pasta das obras publicas, encontrei esta questão nos termos precisos para ser resolvida. Todas as formalidades estavam preenchidas, e restava apenas mandar abrir o concurso.

Em 1879 tinha sido nomeada uma commissão de engenheiros para que, de accordo com os commissarios do governo hespanhol, se entendessem sobre a definição e situação da ponte internacional no rio Minho, e sobre o seu orçamento.

Essa commissão reuniu-se, concordou no local em que a ponte devia ser lançada, e encarregou até um dos seus membros de elaborar o orçamento das obras, o que se fez. Mais tarde, em 1880, o governo portuguez solicitou do governo hespanhol que approvasse as bases do accordo a que chegára essa commissão.

Effectivamente, o governo hespanhol, pela sua parte, cumpriu todas as formalidades necessarias para que o accordo ficasse approvado.

Depois, ainda em 1880, foi novamente nomeada uma commissão composta de vogaes portuguezes e hespanhoes para se entenderem definitivamente ácerca da construção da ponte.

Assentaram-se as bases para essa construcção o estipulou-se que uma vez approvadas pelos dois governos se abriria immediatamente o concurso.

Quando eu entrei para o ministerio, o governo hespanhol, tendo já approvado as bases para a construcção, solicitava do governo portuguez identica approvação.

Por sua parte o governo portuguez, que já havia dado todos os passos, nada mais tinha a fazer do que cumprir uma simples formalidade, qual a de approvar essas bases de construcção e mandar immediatamente abrir o concurso.

Posta a questão n'estes termos, só me cumpria fazer o que eu fiz; approvar as bases e mandar proceder ao concurso.

Já vê o digno par, o sr. conde de Castro, que nada mais fiz do que ultimar uma questão, cuja resolução era inevitavel, e cujo adiamento seria impossivel justificar.

Creio ter respondido ás observações do digno par.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Entende e comprehende que uma questão de tão alto interesse, como a que se debate, preoccupe as provincias que são atravessadas por aquelle caminho.

Declara que o gabinete actual, em tudo quanto diz respeito ás negociações para o prolongamento do caminho de ferro do Douro, seguira exactamente o mesmo caminho que o seu antecessor.

Diz que o procedimento do sr. ministro das obras publicas fôra correctissimo, e s. exa. mandára construir a ponte sobre o rio Minho. Se erro houve, provem esse erro da situação que elle e o seu antecessor acharam já creada.

Rematou por dizer que se não se abrira ainda concurso para as duas linhas hespanholas não se devia por esse motivo julgar que esse negocio ficava prejudicado, porquanto havia toda a rasão para se confiar na lealdade do governo vizinho.

(O discurso do digno par será publicado, quando s. exa. o devolver.)

O sr. Conde de Castro: - Poucas observações tenho a fazer, sr. presidente, porque creio na declaração do illustre ministro das obras publicas, encarregado tambem da pasta dos negocios estrangeiros, de que o actual governo continuou as negociações entaboladas pela situação transacta, e que tem todo o empenho em as levar a bom resultado para o paiz.

Tenho em muita conta as considerações feitas pelo sr. conde do Casal Ribeiro ácerca das relações diplomaticas, e dos deveres internacionaes que é preciso ter em vista.

Convenho em que á lealdade, por parte das outras nações para comnosco, devemos corresponder com igual procedimento e ser generosos para quem é generoso comnosco; todavia, a observancia d'estas boas regras diplomaticas não obsta a que, principalmente os paizes pequenos como o nosso, e nas circumstancias em que elle se acha, tenham tambem muito em vista a sua segurança e procurem garantias para que se não comprometia o seu futuro. Não me alongarei sobre este ponto; e só acrescentarei que, por isso mesmo que faço justiça ao caracter serio e circumspecto do sr. ministro das obras publicas, é que não posso deixar de dizer, concluindo, que me parece ter s. exa. andado precipitadamente, mandando proceder á construcção da ponte internacional sobre o Minho, sendo minha opinião que devia esperar, para salvaguardar os interesses economicos da cidade do Porto e provincias do norte, que se resolvesse o negocio do entroncamento do ramal hespanhol com a linha do Douro.

O sr. Vaz Preto: - É bastante seria, grave e importante para o paiz a questão de que nos occupâmos, é verdadeiramente uma questão internacional, e por isso entendo que deve ser tratada sem espirito algum partidario. Direi, pois, com toda a franqueza e lealdade que não com-

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partilho nem as doces illusões do sr. ministro das obras publicas nem as esperanças fallazes do sr. conde do Casal Ribeiro.

Não creio hoje na possibilidade de se alcançar do governo hespanhol um entroncamento conveniente que ligue a nossa linha do Douro com a de Salamanca. Impede-o hoje, impedil-o-ha sempre a quasi construida linha da Beira Alta.

Commetteram um grande erro os poderes publicos votando a construcção do caminho de ferro da Beira Alta nas condições em que o fizeram. D'esse erro imperdoavel, e que hoje já não tem remedio, são culpados os partidos politicos que se colligaram a despeito dos seus odios e rancores.

Os regeneradores, que estavam então no poder, os historicos e reformistas ainda não fundidos, que estavam na opposição, colligaram-se todos contra mim, que era o unico que advogava então os interesses do Douro, conjunctamente com os da Beira Baixa: que era a voz que clamava no deserto a favor do Porto. Os deputados da cidade invicta, esses que hoje a representam, e que parecem querer provar-lhe ainda a sua dedicação, faziam calorosos discursos a favor da linha da Beira Alta, e uniram-se todos sem distincção de partidos para fazerem votar a construcção d'aquella linha, apesar de eu mostrar ao governo de então com documentos irrefragaveis que os hespanhoes, desde o momento que fosse votado o caminho de ferro da Beira Alta, julgavam prejudicado o caminho de ferro do Douro.

É melhor confessar estes erros indesculpaveis, e que já não têem remedio, do que continuar a illudir a cidade do Porto e o paiz.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - O que eu sustentei foi que não tinha havido erros na negociação nem da parte d'este governo, nem da do transacto.

O Orador: - Conheço bem a historia d'estes caminhos de ferro, e conheço os erros que se praticaram, que foram, muitos e grandes.

Não me refiro ás negociações de que fallou o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, mas sim aos erros e faltas dos partidos politicos que se colligaram para commetterem um dos maiores attentados aos interesses da nação, e sobretudo aos interesses do Porto, empenhando-se á porfia ta concessão do caminho de ferro da Beira Alta. E dizendo isto, faço historia simplesmente, refiro os factos sem intuito de fazer censura a ninguem, porque respeito as intenções de todos. O que eu quero, o que eu pretende hoje, e o que eu desejo apenas, é que ao menos confessem esses erros, e não continuem a illudir o paiz, nem tão pouco a lançar poeira aos olhos dos portuenses.

Sr. presidente, se eu podesse regosijar-me com os erros dos meus adversarios, seria esta a occasião, porque as minhas predicções realisaram-se, as minhas prophecias estão dando os seus funestos resultados. Não me regosijo, porém, porque não me posso regosijar com os males do meu paiz; lamento apenas que os partidos e os governos estivessem tão obsecados que não vissem o que era obvio e intuitivo. A mim, que fui sem duvida o illuminado d'aquella occasião, parecia-me tudo limpido e claro como a luz do sol. Clamava então, clamava constantemente, e elles cerravam os ouvidos para não ouvirem a minha voz, e fechavam os olhos para não verem os documentos irrefragaveis, que eu lhes apresentava.

Contra a minha opinião todos os partidos, e o do proprio digno par que acabou de fallar, se levantaram! Fui vencido, mas o tempo encarregou-se de me fazer justiça. Vá, pois, a responsabilidade a quem compete.

A culpa é de todos aquelles que tinham o dever de estudar maduramente as questões serias e graves do paiz, e não as estudaram. A culpa é de todos aquelles que decretaram caminhos de ferro ás cegas, sem terem placo nem systema, sem terem estudado a rede dos caminhos de ferro peninsulares, nem terem comprehendido os interesses reaes da nação.

Sr. presidente, o erro foi tanto maior, a falta foi tanto mais grave, quanto os hespanhoes foram claros e precisos no que pretendiam e no que desejavam. As suas aspirações eram bem conhecidas e bem manifestas n'esse importantissimo trabalho elaborado pelos melhores engenheiros hespanhoes, trabalho em que está traçado o plano de todos os caminhos de ferro de Hespanha, e o seu entroncamento com Portugal.

Em logar de decretarem linhas ferreas sem conhecimento dos interesses internacionaes, commerciaes e estrategicos e de politica interna, era melhor que tivessem seguido tão louvavel exemplo, e fizessem primeiro estudo serio e consciencioso.

A culpa, o erro cabe aos portuguezes unica e exclusivamente. Não nos podemos queixar dos hespanhoes, que foram bem explicitos, e deixaram ver-nos bem claramente as suas aspirações. O seu objectivo era Lisboa e Porto. Differentes soluções apresentavam elles no seu plano para ligação dos caminhos de ferro peninsulares. Acceita uma d'essas soluções declaravam formalmente, que as outras ficavam prejudicadas. N'esta questão o sr. ministro das obras publicas não tem responsabilidade, porque o seu brilhante talento não se tinha entremettido ainda nas lides parlamentares, e por isso, felizmente, está livre das accusações justificadas que se fazem ao seu partido.

Eu creio, e com solidos fundamentos, que esta questão já não tem remedio, que é uma questão perdida, e por isso estou convencido que o sr. ministro das obras publicas, apesar dos seus bons desejos e patriotas intenções, nada poderá fazer. É melhor, pois, fallar claro ao paiz e desiludir o Porto.

Sr. presidente, eu vou avivar na memoria da camara o que por differentes vezes aqui tenho repetido, o que ainda no anno passado disse quando se tratou d'esta questão; apontarei os argumentos solidos em que me baseei, e referirei a opinião d'essa importantissima commissão hespanhola de engenheiros escolhidos e competentes.

Sr. presidente, os hespanhoes têem tido sempre como objectivo Lisboa e Porto, e n'este intuito apresentaram no seu plano de caminhos de ferro os differentes alvitres pelos quaes se podia realisar a ligação das linhas portuguezas com as hespanholas. Eis o que diz essa commissão com respeito ao Porto:

«La conveniencia de enlazar con el norte de Portugal á Salamanca, Zamora y el centro de Espana, está reconocida e comprobada por el tráfico ya estabelecido en dicha direccion, como lo demonstran patentemente los productos que rindem las aduanas situadas en esa parte de la frontera.

«Y esta circunstancia indujo á la comision a décir, al comparar la linea de Bégar á Avila con la de la misma poblacion á Zamora, que no podria prescindir-se de construir el trozo de ferro-carril de la ultima capital á Salamanca: es evidente, en effecto, que si ambas provincias han de quedar enlazadas con el norte de Portugal en vez de á cabo dos lineas distinctas, que penetrem en la nacion vicina, y portan respectivamente de Salamanca y Zamora, convenderá, atendiendo á la proximidad de estas capitales, enlazarlas por una via ferrea, de uno de cuyos puntos se dirive un solo ferro-carril que cruce la frontera.

«Las diferentes soluciones propuestas en la informacion son las seguientes:

«De Salamanca a la frontera de Portugal, aproximando-se le possible a la sierra de Gata;

«De Salamanca á aldea del Obispo;

«De la linea directa de Salamanca a Zamora, a entrar en Portugal por Fermosello;

«De Ledesma, por Vitigudino á la Fregeneda;

«De Zamora a Braganza.

«La primera, la tercera y la sexta, deben desde luego

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desechar-se, porque, segun resulta de los informes facultativos, no tienne prolongacion conveniente en el vicino reino.

«La quinta tampoco es aceptible, porque só o satisfaria cumplidamente á las necessidades de Zamora.

«Entre las dos restantes no queda duda alguma de que procede rechazar la de aldea del Obispo, porque aumenta la distancia al norte de Portugal, y si bien parece que facilita las comunicationes con el centro de Portugal, e si bien parece que facilita las comunicaciones con el centro de ese pais, hay tener en cuenta que las lineas de Salamanca á Malpartida, y de ese punto á Abrantes, acortando mas que aquella las distancias serian naturalmente las preferidas por el tráfico.

«En concepto, pues, de la comision, la linea internacional debe dirigirse á la Fregeneda, consiguiendo asi acercar á Oporto una considerable zona, cuyas exportationes se vienen haciendo por esa plaza.

«Proponiendo-se, si se juzga ser conveniente, que el camino de Salamanca á Zamora pase por Ledesma, claro es que el ferro-carril de que se tracta debera partir de lá ultima ciudad, lograndose de esa manera, no solo-servir igualmente bien a las provincias de Zamora y Salamanca, sino realizar un importante ahorro en la construction, segun se ha indicado ya al hablar de la transversal bético-estremano-castellana. La parte da linea que habra de construirse entre Salamanca y la Fregeneda, será pues, solo la de Ledesma á dicho punto, caso de que el gubierno de su magestad adopte esta solucion.

«La linea de la Frageneda deberá enlazar con otra portugueza que desde Oporto se dirija á Barca d'Alba, seguiendo la cuenca del Duero.

«En Portugal se han hecho estudios desde Oporto hasta Regua, importante centro vinatero; desde este punto hasta Barca d'Alba no se ha formado proyecto alguno, pero de los reconocimientps practicados resulta que esta seccion se halla en condiciones casi identicas á la primera: ambas reunidas mediram un desarrollo de unos 200 kylometros, y su coste será elevado, por la naturaleza del terreno que atraviesan. El rio Aguada, que sirve de frontera, poderá cruzarse con un viaducto de 30 a 40 metros de altura.

«Para continuar la linea por el interior de Espanha se presente la dificultad de salvar el desnivel que existe entre las aguas del Duero y la meseta en que está situada la provincia de Salamanca, pues la Fregeneda se halla á unos 400 metros sobre Barca d'Alba y a su distancia de 9 kylometros; este obstaculo, puede salvarse en concepto de la comision mixta de engenieros ya citada, subiendo por el Duero hasta llegar á yeltes, continuando por esta para elevarse á la alta meseta hacia Vitigudino, y seguiendo ya a Ledesma sin intorpocimento de ninguna especie. Adoptando este trazado se calcula la longitud del camino, en la parte espanola, en 90 kylometros.

«La comision, apesar de que incluye esta linea en el plan, debe hacer presente que su realisacion no tendrá caracter de urgencia hasta que las obras del ferro-carril de Oporto á la Frageneda, cuyo coste será bastante crecido, estan suficientemente adelantadas. Convendrá, pues, que el gobierno de su magestad no autorize la ejecucion del camino, interin no hayan adquirido gran desarrollo los trabajos en la nacion portugueza.

«Igualmente se hará constar que aun cuando la linea de Aldea del Obispo que de reducida á tener tan solo un interés local, el gobierno español podria autorisar su ejecucion en el caso de que el lusitano llevasse a cabo el dificil camino de Coimbra, (estacion del ferro-carril de Lisboa á Oporto, situada a 115 kylometros del ultimo punto) á la conocida plaza fuerte de Almeida, con el cual habria de enlazar el que se examina. La longitud de la linea entre Coimbra e Almeida se calcula en 180 kylometros; los 9 que median desde la ultima poblacion á Aldea del Obispo, se salvarian sin dificultad, podiendo atravessar el rio rio fronterico, Turones, por um punto de poca importancia. Desde Aldea del Obispo á Salamanca se ha verificado un estudio, del que resulta ser la distancia entre ambos puntos de no kylometros; hay que advertir, sin embargo, que con essa trazado se deja á Ciudad Rodrigo á 14 kylometros de la via en linea recta, pareciendo natural, caso de ejecutarse esta nueva comunicacion internacional, que se varie la traza, con objecto de acercala á aquella poblacion, aun cuando sea á costa de aumentar el desarrollo en 20 á 30 kylometros.»

Por esta simples leitura se vê e reconhece que aquella competentissima commissão tinha estudado este assumpto sob todos os aspectos, e por isso conhecia as vantagens e desvantagens de cada uma das soluções que, segundo a opinião dos homens technicos, podiam ser seis.

D'estas soluções quatro foram immediatamente postas de parte pelas rasões que a commissão considerou, e que expoz nos trechos que eu li, muito melhor do que eu poderei fazel-o.

É por essa rasão que eu, lendo esses trechos, chamei para elles a attenção da camara.

Excluidas, pois, a primeira, terceira, quinta e sexta soluções, apenas a commissão julga acceitavel a segunda e quarta, isto é, uma linha ferrea que por Ledesma, Vitigudino e Fregeneda fosse entroncar com a linha do Douro na Barca de Alva, e de outra linha ferrea que viesse de qualquer ponto da linha de Salamanca entroncar na Aldeia do Bispo com o caminho de ferro que, saíndo de um ponto da linha do norte, nas proximidades de Coimbra, se dirigisse pela Beira Alta ás immediações de Almeida para atravessar a fronteira.

Só estas duas hypotheses entendia a commissão hespanhola, no seu bem elaborado relatorio, as mais vantajosas para Portugal e Hespanha e as mais faceis.

Não occultou, comtudo, essa commissão a preferencia que dava á linha do Douro.

N'um dos trechos que1 eu li reconhecia a commissão que a linha da Beira Alta, como linha internacional, teria por concorrente, em condições mais vantajosas, a linha do Valle do Tejo que, alem de poder ser construida em muito melhores condições, era mais curta para a Europa que a da Beira Alta, seguindo em Malpartida a transversal para Zamora e entrando na linha de Salamanca.

Por estas singelas e modestas reflexões, que eu sujeito á consideração e benevolencia da camara, se vê, com bastante magua minha, que em Hespanha as questões de alta magnitude, de elevado alcance e de interesse nacional são estudadas com todo o escrupulo e cuidado, emquanto entre nós os governos resolvem-nas sem as conhecer nem as terem meditado.

Infelizmente quem governa menos no nosso paiz são os governos! Quem governa mais são as companhias.

Ainda um dia em que se me offerecer ensejo hei de desenvolver esta these, que envolve em si uma grande verdade, e encobre ao mesmo tempo uma chaga epidemica.

Segundo a commissão hespanhola e segundo o sr. Lourenço de Carvalho, e mais alguns engenheiros portuguezes, o caminho de ferro da Beira Alta devia ser um caminho de ferro caseiro, emquanto a linha internacional devia ser a do Douro.

Não succedeu, porém, assim; os differentes partidos politicos historicos, reformistas e regeneradores, e os deputados do Porto ligaram-se todos para darem a este caminho de ferro, que o sr. Lourenço de Carvalho considerava caseiro e comesinho, os fóros de linha internacional!

É que os interesses das companhias podiam mais que os interesses do paiz.

Eu, defendendo os interesses da Beira Baixa, defendia ao mesmo tempo os do Douro e Porto, porque estavam intimamente ligados; e se nada fiz, se a onda passou sobre mim, é porque não pude arcar com o poderio das companhias, apesar da justiça e da moralidade.

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Sr. presidente, eu desejo que as questões sejam, tratadas com toda a franqueza e que se diga claramente ao Porto qual é a sua situação hoje com respeito ao caminho de ferro do Douro, e que nada tem a esperar d'este governo, porque elle não tem a força nem rasão, em vista dos seus precedentes e das suas faltas n'esta questão, para levar o governo hespanhol a dar uma solução conveniente ao entroncamento de caminho de ferro do Douro. Esta minha convicção é tanto mais profunda, quanto ella nasce do erro praticado pelos differentes partidos acceitando a solução do caminho de ferro da Beira Alta.

O sr. conde do Casal Ribeiro mencionou á camara os esforços que tem feito e o zêlo que tem desenvolvia o para resolver favoravelmente para Portugal esta questão, e confessou que nada tem conseguido.

Devo dizer a s. exa. que, por mais talento que possua, não conseguirá jamais uma solução favoravel para Portugal hoje nas condições em que os respectivos governos collocaram este assumpto. E nós não nos podemos queixar da Hespanha nem dos seus governos, porque nos manifestaram clara e precisamente quaes eram as suas aspirações. Porque nos disseram franca e lealmente que proferiam a todas as soluções a linha do Douro que seguindo por Fregeneda, Vitigudino por Ledesma entroncasse com a de Salamanca; mas que, se porventura, o governo portuguez contra os seus interesses concedesse um caminho de ferro que, atravessando a Beira Alta transpozesse a fronteira nas immediações de Almeida a Hespanha, acceitaria tambem esse alvitre.

Contra todas as previsões, contra todos os interesses nacionaes esse caminho de ferro foi concedido. É o actual caminho de ferro da Beira Alta que passa a fronteira em Villar Formoso, e que pelo ramal hespanhol que foi agora posto a concurso se vae ligar com o caminho de ferro de Salamanca.

O mais notavel no meio de tudo isto é o alarido de todos os que commetteram este grande erro, como procurando por seus lamentos penitenciar-se! O mais notavel são as exclamações dos deputados do Porto e do seu partido, quando ainda no anno passado aggravaram mais a situação d'aquella cidade com a concessão do ramal da Figueira á linha da Beira Alta! O peior no meio de tudo isto é que a Beira Baixa, cujos interesses estavam ligados aos do Porto, foi tambem prejudicada!

Aqui está, e vejo por acaso diante de mim o cavalheiro que praticou o grande erro da concessão do ramal de Caceres. O sr. Barros e Cunha, levado pelo prurido de fazer um caminho de ferro de graça sem estudar a questão, praticou a grande falta de conceder á companhia de norte e leste o ramal de Caceres.

S. exa. caíu antes de eu lhe pedir estreitas e severas contas. S. exa. concedeu o que não podia conceder; concedeu como ramal uma linha internacional. S. exa. parece que ignorava que havia duas leis que garantiam o caminho do Valle do Tejo, uma portugueza e outra hespanhola, e não obstante s. exa. nada attendeu para praticar essa monstruosidade que para ahi está, e a que se chama hoje linha de Caceres.

S. exa. por esta concessão fez mais - invalidou todos os esforços do illustre general o patriota Sá da Bandeira, que fez passar a linha de leste sob as muralhas de Elvas. S. exa. abriu a uma invasão hespanhola o Alemtejo, e tornou mais difficil a defeza de Lisboa. Eis aqui estão as vantagens que o sr. Barros e Cunha tirou de fazer a linha de Caceres de graça.

A concessão era tão arrojada e inconveniente, que os proprios regeneradores, com quem eu tinha rompido por terem faltado á sua promessa emquanto á linha do Valle de Tejo, - linha da Beira Baixa; os proprios regeneradores, a quem eu fazia uma guerra tenaz e violenta, não se atreveram nunca a fazer essa concessão.

Mas deixemos o que já lá vae e que não tem, remedio.

A camara e o paiz sabem e conhecem bem os motivos e as rasões que me determinaram a mim e aos meus amigos a separar-nos da regeneração. São muito honrosos para nós porque aos interesses de paiz sacrificámos o socego a tranquilidade, e as affeiçoes pessoaes.

O dever descreveu-nos o caminho a seguir, não hesitamos um só momento embora tivessemos serios desgostos a soffrer, e grandes sacrificios a partilhar. Lancemos um véu sobre o passado e voltemos á questão que se debate.

Sr. presidente, não sei se feliz, se infelizmente eu conheço bem a historia dos caminhos de ferro em Portugal. Quando se apresentou o primeiro projecto para a construcção da linha do Douro era então ministro das obras publicas o sr. Andrade Corvo. N'esse projecto fazia-se uma promessa á Beira Alta. Achei tão exquisito, e tão excentrico o procedimento, que apesar de apoiar aquella situação não pude deixar de manifestar durante a discussão o meu desgosto, e com phrases acres combati a opinião do ministro. Já então eu presentia o que mais tarde havia de acontecer. Passados annos a promessa do caminho de ferro da Beira Alta traduziu-se em factos. Foi votada pela camara uma auctorisação ao governo para poder construir dois caminhos de ferro, um pela Beira Alta, que ligasse com a linha de Salamanca, outro pela Beira Baixa, que entroncando com a linha de Malpartida fosse directamente a Madrid. Então, como já disse, o governo regenerador, deputados reformistas e historicos ligaram-se todos contra o pequeno grupo que representava os interesses da Beira Baixa, e praticaram o monumental erro de conceder a uma companhia a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, pondo de parte o da Beira Baixa e sacrificando assim a linha do Douro.

Agora, sr. presidente, conhecem-se os resultados; faz-se justiça a esse grupo de homens, que defendendo os interesses da Beira Baixa defendiam ao mesmo tempo os interesses do paiz e do Porto, e o que era justo e rasoavel. Eramos nós que tinhamos rasão, o tempo encarregou-se de nol-a dar. No meio de tudo isto o que ha de peior, o que ha a lamentar, é que seja o povo, é que seja o paiz que não tem culpa, que pague os desvarios, os erros e as faltas dos partidos e dos governos. Ao menos confessem esses erros; não se reneguem ás suas faltas, e para o futuro resgatem por uma administração esclarecida o seu passado, que nada tem de invejavel.

Concluo o que tinha a dizer, repetindo que hoje o actual governo nada póde fazer a este respeito, e que se deve dizer francamente á cidade do Porto, que nada ha a esperar do governo hespanhol com relação á questão de que nos occupâmos.

O governo hespanhol, tendo em vista os seus interesses commerciaes, de politica interna, internacionaes, attende sobretudo aos que dizem respeito á defeza do paiz. No entroncamento com as linhas portuguezas elles olham primeiro que tudo para as condições estrategicas, e por isso querem que as linhas sejam construidas de fórma que passem por baixo da artilheria de alguma praça forte. Elles não prescindem que a linha da Beira Alta passe por baixo das muralhas de Ciudad Rodrigo.

Sr. presidente, supponhamos mesmo que não eram fallazes as esperanças do sr. conde do Casal Ribeiro, e que se levava a effeito o entroncamento das linhas portuguezas do Douro e da Beira Alia com a de Salamanca no ponto de Boadilha. Ainda assim esta solução unica que julgam mais favoravel para o Porto na actualidade, ainda assim o Porto continuava a ser prejudicado, e só faria por aquella linha o commercio necessario para satisfazer as necessidades da cidade. Todo o commercio que tivesse de fazer-se de exportação seguiria a linha da Beira Alta que, alem de mais curta, é sem duvida construida em condições muito superiores á da Beira Alta.

Isto não são asserções meramente gratuitas, não é opinião minha, é a opinião dos homens de sciencia, é a opi-

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nião de engenheiros distinctissimos, é o resultado e a conclusão dos estudos e dos trabalhos feitos.

Acabemos, pois, por uma vez com a especulação. Falle-mos ao Porto e ao paiz franca e lealmente, e digamos-lhe a verdade, e só a verdade.

O sr. Conde de Valbom (sobre, a ordem): - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para poder entrar em discussão o parecer n.° 174, relativo á convenção litteraria e artistica entre Portugal e Hespanha, parecer que se acha impresso ha já muito tempo.

O sr. Presidente: - O sr. conde de Valbom requer que seja dispensado o regimento para entrar em discussão o parecer n.° 174. Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre a fixação da força publica.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Franzini: - Mando tambem para a mesa um parecer da commissão de marinha.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Mendonça Cortez: - Mando para a mesa umas representações de muitas freguezias, e das camaras municipaes de Pombal, Alcobaça, Peniche, Obidos, Caldas e Leiria, pedindo a esta camara que approve o tratado do caminho de ferro de Lisboa a Pombal.

Mando tambem para a mesa o seguinte requerimento:

(Leu.)

Peço a urgencia, porque preciso d'estes documentos, e em presença d'elles verei se no interesse da causa publica terei ou não de annunciar uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas.

Leu-se na mesa e mandou-se expedir o requerimento, que é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que seja enviada a esta camara pelo governo, com a maxima urgencia, copia do contrato do governo com Henry Burnay á C.ª em 7 de maio de 1881 sobre caminhos de ferro; bem como a copia de quaesquer outros contratos ou compromissos que lhe digam respeito. = Mendonça Cortez.

O sr. Fernandes Vaz: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Quaresma: - Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação:

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Nota de interpellação

Requeiro que seja prevenido o sr. ministro do reino, de que necessito de chamar a sua attenção ácerca do despacho, que fez, nomeando o sr. Pedro Augusto da Silva Ferrão, administrador do concelho de Condeixa, districto de Coimbra. = Quaresma.

Mandou-se expedir.

Leu-se na mesa o parecer n.° 114.

É do teor seguinte:

PARECER N.° 174

Senhores. - A vossa commissão de negocios externos examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 164 vindo da camara dos senhores deputados, o qual approva o convenio concluido e assignado em 9 de agosto de 1880 entre Portugal e a Hespanha, para a protecção reciproca da propriedade litteraria, scientifica e artistica. Este projecto está em perfeita harmonia com a nossa legislação vigente, satisfaz aos dictames de justiça garantindo a propriedade litteraria com perfeita igualdade para ambos os paizes, e satisfaz plenamente ás justas aspirações manifestadas nos ultimos congressos litterarios no sentido de proteger as obras litterarias, scientificas e artisticas. N'estes termos é a vossa commissão de parecer que este projecto de lei está em circumstancias de ser approvado pela camara, a fim de ser submettido á real sancção.

Sala da commissão, 19 de março de 1881. = Carlos Bento da Silva = João de Andrade Corvo = Conde da Torre = Conde de Valbom = Visconde de Borges de Castro = Pereira Dias = Visconde de Valmor = Luiz de Carvalho Daun e Lorena, relator.

Projecto de lei n.° 164

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção concluida e assignada aos 9 de agosto de 1880 entre Portugal e a Hespanha, para a protecção reciproca da propriedade litteraria, scientifica e artistica.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 18 de março de 1881. = Antonio José da Rocha, vice-presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = José Julio de Oliveira Baptista, deputado vice-secretario.

O sr. Presidente: - Por bem do estado vae a camara constituir-se em sessão secreta.

Eram quatro horas da tarde.

Reabriu-se a sessão ás quatro horas e meia.

O sr. Presidente: - Vão ler-se os nomes dos dignos pares que approvaram o parecer n.° 174.

O sr. Secretario: - Leu.

São os seguintes:

Disseram approvo: - Os dignos pares Fontes Pereira de Mello, Mártens Ferrão; Marquezes, de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa e de Vallada; Condes, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, e de Valbom; Viscondes, de Alves de Sá, de Borges de Castro, de S. Januario, da Praia Grande, de Soares Franco; Ornellas, Aguiar, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Couto Monteiro, Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Sequeira Pinto, Barreiros, Cunha, Margiochi, Pereira Coutinho, Corvo, Abreu e Sousa, Cortez, Pinto Bastos, Fernandes Vaz, Horta, Mello Gouveia, Cardoso, Mexia Salema, Pires de Lima, Pereira Dias, Vaz Preto e Franzini.

O sr. Presidente: - O parecer foi approvado por 47 dignos pares.

O sr. Conde de Castro: - Eu desejo que v. exa. me diga se considera em ordem do dia todos os projectos que tinham já sido dados para ordem do dia antes do adiamento. Eu supponho que sim, porque o adiamento não foi mais que uma interrupção das nossas sessões.

O sr. Presidente: - De certo que continuam em ordem do dia todos os pareceres que já tinham sido dados para discussão anteriormente ao adiamento.

O sr. Conde de Castro: - Agradeço a v. exa. a sua explicação.

Eu tenho a pedir que, no caso de não estar dado para ordem do dia o parecer n.° 163, v. exa. tenha a bondade de o dar.

Sei que o sr. ministro da fazenda está occupado na outra camara com uma discussão importante, e por isso chamo a attenção do sr. ministro das obras publicas para o que vou dizer.

O parecer n.° 163 versa sobre o projecto, que torna livre de direitos de nacionalisação, até 31 de dezembro de 1882, a importação de navios de véla, de ferro ou madeira, cuja tonelagem não seja inferior a 400 metros cubicos, e quando sejam propriedades de subditos portuguezes ou de companhias auctorisadas por decreto do governo portuguez, e que naveguem na conformidade das leis do reino.

Julgo de grande importancia este assumpto, e principalmente ao commercio do Porto, e em especial aos seus armadores interessa muito que seja approvado este projecto, por isso que elle tende a alargar a navegação, e sem pre-

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juizo da industria nacional, porquanto não se construam em Portugal navios d'aquella lotação.

Como, porém, não o quero discutir na ausencia do sr. ministro da fazenda, e como seja possivel que s. exa. não possa comparecer n'esta casa nas proximas sessões, rogo ao sr. ministro das obras publicas, a quem tambem pertence este projecto, que previna o seu collega da fazenda dos meus desejos, a fim de que s. exa., ou qualquer de seus collegas, na sua falta, esteja presente na primeira sessão a fim de se poder entrar na discussão do mesmo projecto.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Faz algumas ponderações ácerca da nova prorogação do praso para continuar a vigorar o tratado de commercio com a França, visto que o praso actual termina em 8 de novembro. Pergunta se, não podendo alcançar-se essa prorogação de praso, ficava em vigor a tabella B annexa ao mesmo tratado, ou a pauta de 1842.

O sr. Ministro das Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Em relação ao que ponderou o digno par, o sr. conde de Castro, quando a camara julgar convediente discutir aquelle projecto, eu, ou qualquer dos meus collegas, viremos responder ás observações que forem feitas pelos membros d'esta camara. O governo considera este projecto de muita utilidade para o paiz, e por isso tem todo o empenho na sua approvação.

Respondendo ao digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, direi desde já, se a camara assim o entender, quaes são as intenções do governo a respeito do tratado de commercio com a França. Ao governo parece que seria inconveniente o passar bruscamente, em um dado momento, do regimen convencional, em que vivemos, para o regimen commum. Ao governo parece ser realmente vantajoso para os interesses economicos, commerciaes e industriaes do paiz acceitar em principio a negociação com a França. Dizer qual será o alcance d'essa negociação, se comprehenderá os differentes artigos da pauta ou aquelles que não têem similares entre nós, é assumpto para mais detido exame.

O governo tenciona, para poder levar por diante o seu proposito, abrir um inquerito industrial, a fim de conhecer os verdadeiros interesses do commercio e da industria, e á vista d'elle negociar como parecer mais conveniente.

Creio que o digno par o sr. conde do Casal Ribeiro ficará satisfeito com esta minha resposta. Por agora não posso dar outra que mais extensa e circumstanciada seja, por isso mesmo que o procedimento do governo depende, como acabei de dizer, dos resultados que o governo alcançar do inquerito industrial a que vae proceder e do que a experiencia da factos lhe aconselhar.

O sr. Mendonça Cortez: - Pedia a v. exa. que tivesse a bondade de me dizer se entre os projectos dados para ordem do dia está aquelle que durante muito tempo occupou as nossas attenções e que é relativo á questão aos coroneis.

Desejo tambem saber se o ex-relator d'aquelle projecto, que não vejo agora presente nas cadeiras dos srs. ministros, mas que está dentro d'esta sala, foi já substituido pela meretissima commissão de guerra.

O sr. Presidente: - Respondendo ao digno par, direi que considero em ordem do dia o projecto mencionado por s. exa. e cuja discussão foi interrompida. A camara poderá resolver se deve ou não continuar essa discussão.

Agora emquanto á substituição do relator da commissão de guerra, não me consta cousa alguma.

O sr. Mendonça Cortez: - Agradecendo a v. exa. a sua delicadeza, espero que promoverá uma resolução da commissão de guerra a esse respeito.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Faz algumas considerações sobre o assumpto em discussão.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Ministro das Obras Publicas e interino dos Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o tratado de commercio com a França, assignado em 11 de julho de 1866, foi ratificado em 15 de julho de 1867, e devia vigorar por doze annos; isto é, até 15 de julho de 1879.

Em 1878, o ministro de França em Portugal annunciou que o governo francez denunciava o tratado, para quando terminasse o praso.

Posteriormente entabolaram-se negociações para a prorogação d'esse praso, e o tratado foi effectivamente prorogado até 31 de dezembro de 1879, por uma declaração assignada em 8 de abril do mesmo anno.

Esta declaração de prorogação foi approvada pelas côrtes segundo consta da lei de 23 de julho de 1879, que, ao mesmo tempo que a approvou, auctorisou o governo a negociar uma nova prorogação até que se regulasse definitivamente este assumpto, podendo tambem acceitar o tratamento da nação mais favorecida.

Em 25 de novembro de 1879 fez-se a declaração da prorogação até seis mezes depois de publicada a tarifa geral do governo francez. Em 8 de maio publicou-se esta tarifa, e immediatamente o representante de França em Portugal communicou que esta publicação se effectuára.

Em 8 de novembro d'este anno termina, pois, o praso dos seis mezes, e, terminado elle, se não houver um regimen convencional, temos de acceitar o regimen commum.

Foi precisamente em vista d'isso que eu ha pouco declarei que o governo não julgava conveniente o passar rapidamente do regimen convencional para o commum.

Mas, pergunta o sr. conde do Casal Ribeiro, o que fazer?

O governo lançará mão de todos os meios, de que se julgar legalmente auctorisado, a fim de obstar a que se realise o que julga inconveniente. E, como a lei de 1879 auctorisa a prorogação do praso até que o assumpto se regule definitivamente, o governo julga-se munido da auctorisação necessaria para, n'este sentido, encaminhar as negociações.

O pedido de uma nova auctorisação parlamentar no momento, em que o governo tem negociações pendentes para a prorogação do tratado, traria comsigo embaraços inconvenientes, não menos attendiveis.

N'estes termos creio ter respondido cabalmente ás observações do digno par, o sr. conde de Castro, podendo assegurar a s. exa. que o governo envidará todos os seus esforços, para que se não passe de sobresalto do regimen convencional para o regimen commum, usando para isso das auctorisações que julga ter nas leis actuaes.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Responde ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver).

O sr. Ministro da Fazenda (Lopo Vaz): - Expendeu varias considerações em harmonia com as que haviam sido feitas pelo seu collega o sr. ministro das obras publicas.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Responde ao sr. ministro da fazenda.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Ministro da Fazenda (Lopo Vaz): - Sr. presidente, eu desejo simplesmente declarar que entrei na camara julgando que ella estava em sessão secreta, pois não olhei para as galerias e por isso julguei poder discutir um assumpto internacional; mas quando depois reparei que se estava em sessão publica entendi que como membro do governo devia abster-me de entrar n'essa discussão, e foi o que fiz, entendendo-se, porém, que o meu procedimento não significa receio de discussão. Não me parece, entretanto, que n'essas explicações publicas podesse haver inconveniente algum.

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O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã, 1 de junho, é a mesma que já estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco e meia horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 31 de maio de 1881

Exmos. srs.: Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Penafiel, de Vianna, de Vallada, de Sabugosa; Condes, das Alcaçovas, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Castro, da Fonte Nova, de Gouveia, de Paraty, de Bertiandos, de Podentes, de Porto Covo, de Valbom; Bispos de Lamego, eleito do Algarve; Viscondes, de Bivar, de Borges de Castro, da Praia Grande, de Soares Franco, de Villa Maior, da Gandarinha, de Chancelleiros, da Praia, de S. Januario; Augusto de Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Barros e Sá, Sousa Pinto, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Serpa Pimentel, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Francisco Machado, Palmeirim, Bazilio Cabral, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Maldonado, Moraes Pessanha, Andrade Corvo, Abreu e Sousa, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Ponte e Horta, Mello e Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Daun e Lorena, Pires de Lima, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Costa Lobo, Ornellas.

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