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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 45

EM 17 DE DEZEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Não houve expediente. — O Sr. Ministro da Guerra dá esclarecimentos acêrca de uma manifestação de officiaes do exercito no Centro Regenerador Liberal do Porto. — O Digno Par Sebastião Baracho pede que sejam publicados, no Summario, os documentos lidos pelo Sr. Ministro. — Referem-se ás manifestações do Porto, o Digno Par João Arroyo, Ministro da Guerra, o Digno Par Hintze Ribeiro e novamente o Digno Par João Arroyo. — O Digno Par Luciano Monteiro manda para a mesa o parecer da commissão de administração publica, sobre o projecto de lei relativo á concessão de diversas auctorizações á Camara Municipal de Coimbra. — O Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos envia para a mesa, por parte das commissões de administração publica e de negocios externos, os pareceres relativos, respectivamente, ao projecto de lei sobre liberdade de associação e ao que approva, para serem ratificados, a acta geral e o protocolo da conferencia de Algeciras. Estes pareceres foram a imprimir. — O Digno Par Fernando Larcher manda para a mesa dois requerimentos pedindo documentos pelos Ministerios da Guerra e do Reino.

Ordem do dia (continuação da discussão do parecer n.° 17, referente á criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional). — Usam da palavra os Dignos Pares. Sebastião Baracho e Francisco José Machado. — Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, assim como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se a presença de 31 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O Sr. Ministro dá Guerra (Vasconcellos Porto): — Sr. Presidente: vou desempenhar-me do compromisso que assumi no sabbado para com a Camara, de lhe relatar quaesquer informações officiaes que recebesse da divisão do Porto relativas ao incidente a que se referiram os Dignos Pares Srs. Pimentel Pinto, Baracho e Alpoim.

Antes de communicar a nota official que recebi, seja-me permittido explicar um facto a que S. Exas. se referiram, e acêrca do qual não desejo que possa existir a menor duvida.

Desde o primeiro dia em que tive a honra de ser investido n'estas funcções, tenho sempre seguido as normas que o dever me impõe, para com os generaes commandantes das divisões.

Os Dignos Pares Pimentel Pinto e Baracho referiram-se ao facto de ter sido applicada uma penalidade a um

official, por uma infracção commettida, tendo eu procedido, segundo S. Exas., de uma maneira summaria.

Devo dizer a S. Exas. que procedi em conformidade com os regulamentos e que a elles me tenho constantemente subordinado.

Não tomei a iniciativa de qualquer procedimento relativo a infracções de disciplina, e, se procedi em relação ao caso em questão, foi porque u respectivo processo, tendo corrido todos os, seus tramites, foi enviado ao Ministerio da Guerra, visto que se tratava de um facto que excedia as attribuições do general commandante da divisão.

Vou agora referir-me ao caso do Centro Regenerador Liberal do Porto. Entendo dever communicar á Camara o que ha sobre o assumpto, para não restar a menor duvida de que procurei, por todas as formas, seguir d'uma maneira absoluta as regras que me impuz no exercicio do meu cargo.

Vou communicar as informações que recebi, e assim creio que me desempenho do compromisso que tinha tomado. Recebi uma nota expedida pelo general commandante da 3.ª divisão, em que diz:

«Cominando da 3.ª Divisão Militar. — Repartição. — N.° 55. — Confidencial. — Porto, 15 de dezembro de 1906. — Ao Sr. Director Geral da Secretaria da Guerra. — Do Commando da 3.ª Divisão Militar.— Lisboa. — Tendo os jornaes d'esta cidade nos ultimos dias alludido a uma manifestação collectiva feita por officiaes de cavallaria 9 e infantaria 18 n'um centro politico d'esta cidade, determinei que o coronel commandante da 6.ª brigada de infantaria procedesse ás necessarias averiguações sobre o assumpto, a fim de me habilitar a proceder como for de justiça, o que communico a V. Exa. para conhecimento de S. Exa. o Ministro da Guerra. = Pedro Coutinho da .Silveira Ramos, general de divisão».

Hoje recebi outra nota em seguida á primeira do commandante da divisão do Porto:

Commando da 3.ª Divisão Militar. — Repartição. — N.° 57. — Confidencial — Porto, 16 de dezembro de 1906. — Ao Sr. Director Geral da Secretaria da Guerra. — Do commandante da 3.ª divisão militar. — Em additamento ao assumpto de que trata a minha nota confidencial n.° 55, de hontem, participo a V. Exa. que das informações que desde logo exigi aos commandantes dos regimentos de cavallaria n.° 9 e infantaria n.° 18, unicas unidades a que pertencem os officiaes que compa-

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receram no centro regenerador-liberal na noite de 13 do corrente, se deduz o seguinte:

1.° Alguns officiaes d'aquellas unidades reuniram-se na noite de 13 do corrente no Centro Regenerador Liberal, uns porque já eram socios d'aquelle club, outros por n'aquella noite se inscreverem como socios, dando entrada na casa do centro não em grupos ma separadamente.

2.° Que ali foram apresentados por um d'elles, socio já anteriormente inscripto, ao governador civil do Porto, como presidente do centro, proferindo elles por essa occasião palavras de elogio e louvor ao Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Ministros e ao Governo pela execução do seu programma patriotico.

3.° Que é absolutamente falso terem os alludidos officiaes dito que punham as suas espadas ao lado do Chefe do Governo, não se tendo nenhum d'elle referido á dictadura militar nem proferido as palavras a que se refere o Primeiro de Janeiro quasi no fim da sua local sobre este assumpto, inserta no seu numero do 14 do corrente.

Todavia, para melhor esclarecimento de assumpto de tal gravidade, ordenei a syndicancia a que se refere a nota já alludida, de cujo resultado darei immediatamente conhecimento a V. Exa. para conhecimento de S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra, logo que me seja apresentada. = Pedro Coutinho da Silveira Ramo3, general de divisão.

O Sr. Sebastião Baracho: — Peço ao Sr. Ministro que consinta que os documentos que S. Exa. acaba de ler sejam publicados no Summario das sessões.

O Sr. Ministro da Guerra (Vasconcellos Porto): — Não tenho duvida nenhuma em acceder ao pedido de V. Exa.

O Sr. João Arroyo: — Sr. Presidente: na sessão de sabbado, quando os meus collegas os Dignos Pares Alpoim, Dantas Baracho e Pimentel Pinto se reportaram ás noticias acêrca das occorrencias no Centro Regenerador Liberal do Porto, não me foi concedida a honra de usar da palavra.

Ouvi com toda a attenção a communicação que o Sr. Ministro da Guerra acabou de fazer á Camara; mas eu peço a S. Exa. a fineza de me enviar os documentos, visto que não estão publicados, porque ha n'elles uma phrase que muito me impressionou.

(O Sr. Ministro da Guerra envia ao Digno Par Arroyo os documentos a que S. Exa. allude).

Sr. Presidente: V. Exa. comprehende qual é, em principio, a minha attitude n'este desgraçado incidente, incidente que eu não duvido classificar de ordem publica.

Os factos occorridos no Centro Regenerador Liberal do Porto, como manifestação de espirito de desordem e anarchia que reina nas espheras do poder, e que ainda não tinha attingido a classe militar, afiguram-se-me de gravidade superior á que pode ia ferir-se da communicação do Sr. General Commandante da 3.ª divisão.

Sr. Presidente: escuso de dizer a V. Exa. e á Camara qual é o meu ponto de vista fundamental, ao versar este assumpto. Entendo, como todos os homens liberaes, que no exercicio das garantias que assistem a todo o cidadão portuguez, e aos termos do nosso codigo fundamental, é preciso que não só os Governos, mas que os membro das duas Camaras Legislativas, ponham o maximo espirito de tolerancia e de tino na apreciação dos factos decorrentes. Por forma alguma eu juntaria a minha palavra ou o meu voto. em qualquer occasião, a uma demonstração draconiana da força administrativa, a uma altitude mais do que severa, mais do que austera, irreductivel, intransigente, n'aquillo que respeita ao livre exercicio de um dos primeiros direitos do cidadão portuguez.

Entendo mais, Sr. Presidente, que as instituições de um paiz qualquer, mas em particular as instituições de um paiz constitucional, teem de ir buscar a sua força, o respeito da sua auctoridade, o prestigio para essas mesmas instituições, a uma larga applicação dos principios de tolerancia administrativa. Accrescento que esta verdade é tanto mais uma verdade innegavel e evidente, que ella pode constituir, através de um largo periodo constitucional, não direi o apanagio unico, mas a melhor das caracteristicas do partido que se organizou em 1851 e que tomou e partido regenerador.

Quantas vezes, ao estudar-se a organização dos partidos constitucionaes portuguezes, a opinião mais sensata e reflectida reconheceu que o melhor differencial que pesava no sentido das ideias regeneradoras era uma applicação completa dos principios de transigencia com os adversarios, e das normas de pureza do regimen.

Mas, Sr. Presidente, eu que fui educado n'este ideal de politica portugueza, eu que recebi a lição, o ensinamento que me advinha de um regimen politico, através de variadas luctas partidarias, a n’esta direcção e n'este caminho, acho-me collocado num ponto de vista em que entendo que se não deve negar a livre expansão dos direitos individuaes dos cidadãos portuguezes, mas que tambem se não pode permittir que essa expansão exceda os limites passados os quaes ella representa um verdadeiro perigo, já não direi para as instituições, mas para a ordem publica portugueza.

Se me ligo a essa politica, a esse principio de tolerancia, não posso deixar de ver com a mais incendida indignação, pela primeira vez, de ha trinta e seis annos para cá, que o elemento militar portuguez ousasse, reunindo-se, conglobando-se, pesar nos destinos da politica portugueza e impulsional-os n'uma determinada corrente.

O exercito, Sr. Presidente, é a nação armada, mas o exercito é absolutamente incolor, absolutamente anodino n'aquillo que respeita á discussão livre dos politicos portuguezes.

O exercito não pode assumir cor politica ou partidaria em quaesquer conjunturas, e seja qual for o partido que governe.

Se assim não fosse, então nós, que representamos a sociedade civil portugueza, teriamos o direito sagrado, o dever imprescindivel, de nos defendermos de uma forca que se alheou da sua missão, e que enveredou por um caminho de perigos e de anarchia.

Sr. Presidente: não pretendo concitar o Sr. Ministro da Guerra a uma repressão violenta no que respeita aos desacatos occorridos no Centro Regenerador Liberal do Porto.

Não pretendo levar o Governo, e muito especialmente o Sr. Ministro da Guerra, a uma repressão dura e áspera contra os officiaes que collaboraram n'aquella mais que estranha manifestação; não lhe peço isso, mas quero mostrar á Camara como da contextura d'este documento, cujas palavras não ponho em duvida, mas cujo, sentido é necessario que seja nitidamente apercebido pela Camara, quero demonstrar, repito, como da leitura de uma das phrases d'este documento se conclue que por um lado são perfeitamente justificadas as apreciações feitas pelos Dignos Pares que na ultima sessão usaram da palavra sobre este assumpto, e por outro lado como é absolutamente indispensavel que o Governo assegure á Camara e ao paiz que empregará o melhor da sua actividade e das suas instancias e, se for preciso, o melhor da sua força, no intuito de impedir que actos d'estes se repitam em qualquer ponto do territorio portuguez.

Sr. Presidente: este documento é a demonstração de como os laços de camaradagem, o espirito de bondade, o animo reflectido e sensato do general commandante da divisão do Porto influiram para que elle pudesse attenuar os factos de modo a não chamar sobre os cavalheiros que praticaram aquelle mau acto, as coleras do Governo e as do Parlamento.

Sr. Presidente: eu não censuro o

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procedimento d'este general, e só aprecio o documento que tenho aqui, pedindo á camara que reflicta n'estas palavras, na maneira attenuada de dizer, n'esta forma suave de relatar os factos, que, aliás, não logra dissipar a verdade evidente.

Ouça a Camara:

«Que ali foram apresentados por um d'elles, socio já anteriormente inscripto, ao governador civil do Porto, como presidente do centro, proferindo elles, por essa occasião, palavras de elogio e louvor ao Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Ministros e ao Governo, pela execução do seu programma patriotico.»

Alguns officiaes já pertenciam aquelle centro e outros inscreveram-se n'aquella noite, como consta d'este documento.

Sr. Presidente : um pequeno parenthesis.

Eu prezo-me de ser um amigo pessoal, de ha longa data, do governador civil do Porto; tenho por S. Exa., ao lado de uma antiga estima, provada em muita occasião difficil da nossa vida academica e politica, uma sympathia e consideração que não consagro a muitos homens.

Considero o Sr. Dr. Pinto de Mesquita como uma das. mais bellas intellencias da minha geração academica, um advogado da mais justa fama e nomeada, um homem educado, de verdadeiros conhecimentos de administração e da mais vasta instrucção.

Dito isto, Sr. Presidente, eu porei na minha referencia a S. Exa. todas as attenuantes e cuidados , que naturalmente a palavra de um homem bem humorado não esquece quando se refere ao seu amigo dedicado.

Estimaria que q Sr. Governador civil do Porto, honrando a alta magistratura de que está investido, não juntasse ao exercicio d'essa magistratura a de presidente effectivo. de um centro politico partidario.

V. Exa. vê que n'este documento se não diz que os officiaes fizeram uma manifestação collectivamente, mas evita-se dizer que a fizeram individualmente.

O general commandante, bondoso, sim, mas animado do espirito de correcção, não pode esquivar-se a dizer que esses officiaes foram cumprimentar o presidente do centro, que era a primeira autoridade administrativa d'aquelle districto, e que elogiaram o Sr. Presidente do Conselho e o Governo, pela execução do seu programma patriotico.

D'este documento, d'este mesmo papel, que é o primeiro elemento de defesa official enviado ao Sr. Ministro da Guerra, se conclue que foram empregados todos os esforços para evitar que ao publico, e em especial ás Camaras, fosse apresentada a reproducção exacta dos acontecimentos; mas apesar de todas as attenuantes e de todos os euphemismos empregados, a verdade é que aquelles officiaes effectivamente se reuniram n'um centro partidario, falando deante do seu presidente effectivo, que ali se encontrava, e que por uma circumstancia estranhavel é a primeira autoridade do districto, e que assumiram uma attitude nitidamente partidaria, collocando-se, não ao lado do Governo, mas ao lado de um Governo, pondo-se não ao lado da autoridade legitimamente constituida, mas ao lado de um determinado Ministerio.

Esse programma que os officiaes chamaram patriotico, é o que a opposição combate, com um direito que tem de ser respeitado pelos Srs. officiaes e pelo Governo.

O programma que esses officiaes qualificaram de patriotico, e que tantos encómios lhes mereceu, tem sido severamente atacado e combatido pela opposição das duas Camaras, com um direito que deve ser respeitado, como deve ser igualmente acatado o das maiorias que acompanham o Governo.

Considero as occorrencias do Centro Regenerador Liberal do Porto como constituindo um pacto illegal, inconveniente e deploravel.

Sr. Presidente: vou concluir como comecei, asseverando mais uma vez os meus principios de tolerancia, inteira e igual para todos os cidadãos portuguezes, e pedindo ao Governo que lembre ao exercito que a sua verdadeira missão não pode ser atraiçoada por qualquer ponto de vista de politica partidaria, quer o Governo seja o do Sr. João Franco ou de outro qualquer estadista.

Dito isto, Sr. Presidente, creio ter-me conservado nos justos termos que um homem de Estado deve impor ás suas palavras parlamentares.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Vasconcellos Porto): — Sr. Presidente: quando eu hoje vim á camara apresentar as primeiras noticias officiaes que tinha recebido a respeito do incidente sobre o qual já haviam falado varios Dignos Pares, eu não julgava por forma nenhuma que o Sr. Conselheiro João Arroyo iria fazer incidir quaesquer reparos sobre uma corporação que não merece senão o maior louvor pelas demonstrações constantes da sua disciplina, do seu respeito á lei, do seu amor ao país, e que está sempre prompta a defender a integridade da patria em qualquer conjuntura em que ella seja atacada. (Apoiados).

D'essa corporação não vem acto que provoque apreciações desfavoraveis, e, por isso. injustas.

Estou completamente tranquillo, pois tenho a certeza de que nenhuma infracção de disciplina se commetteu.

O Digno Par Sr. Conselheiro João Arrojo leu essas informações, que hoje apresentei á Camara, mas interpretou-as como não correspondendo ás intenções de quem as redigiu.

S. Exa., sobre um assumpto tão grave, como o que se prende com a disciplina do exercito, fez considerações que muito me maguaram.

O Sr. João Arroyo: — Peço a palavra.

O Orador: — S. Exa. attribue ao commandante da 3.ª divisão intenções que com certeza não estavam na consciencia d'aquelle illustre militar.

S. Exa. deu a entender que o commandante da 3.ª divisão, influenciado por. quaesquer considerações, deixou de expressar a verdade dos factos, taes quaes se passaram.

Sr. Presidente: parece impossivel que um espirito tão lucido como o do Digno Par apreciasse essas informações por uma forma tão errónea.

Já disse, e torno a repetir, que o commandante da 3.ª divisão militar não cedeu a quaesquer influencias, e que da sua parte não houve o menor desejo de se afastar da verdade dos factos.

Eu podia perfeitamente dar caracter de nota confidencial ás informações que recebi, se porventura não quisesse usar da maxima lealdade e da maxima franqueza; mas, pelo contrario, apressei-me a apresentar a nota que recebi, para que se não pudesse pôr a menor duvida em relação á verdade dos factos, e para que se não pudesse admittir um acto de indisciplina no exercito português, que se pode considerar modelo a esse respeito, não sendo neste ponto inferior a outros exercitos.

Está-se procedendo a uma syndicancia.

O resultado d'essa syndicancia ha de vir ao Parlamento, e então se verá como eu usei da mais completa sinceridade, e da mais absoluta lealdade em relação ás primeiras informações que recebi, e mesmo em relação a todos os actos, posteriores.

O que até agora está apurado é que não ha um unico facto que possa servir de base para se poder classificar o acto que os officiaes praticaram de infracção disciplinar.

Não foi uma manifestação collectiva, porque os regulamentos militares explicam bem o que é uma manifestação d'essa ordem.

Uma conversação num gabinete de 1 um centro, e com o director d'esse cen-

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tro, não pode nunca revestir a forma de manifestação collectiva.

Tanto importa que lá estivessem no centro dois officiaes, como vinte ou quarenta.

Não vejo que tenhamos chegado já ao ponto de, no gabinete de uma direcção ou de um centro, um certo numero de officiaes, que ali se encontrassem reunidos, não poderem n'uma livre conversação com o presidente d'esse centro fazer apreciações sobre um programma patriotico de um Governo, quer seja o que actualmente occupa as cadeiras do poder, quer seja qualquer outro.

Não se trata de apreciações politicas partidarias, mas de referencias a um programma de Governo.

Pois os militares já estão excluidos de poderem manifestar as suas ideias?

Não terão o direito de se manifestarem sobre o que entendam relativamente a melhores condições materiaes ou moraes do seu paiz?

Se assim é, não sei para que estes officiaes hão de vir ao Parlamento. Então o melhor é fechar-lhes a porta das assembleias legislativas e reduzi-los á condição de exercerem tão só as funcções do seu mester.

De todas as circumstancias apontadas, não encontro nenhuma que me pareça poder ser considerada como infracção disciplinar.

Só poderei pronunciar-me definitivamente sobre o assumpto quando a syndicancia esteja completa; todavia não devo deixar sem reparo affirmações injustas.

O que me parece é que nós, com aquella serenidade que o caso demanda, devemos aguardar o seguimento de todo este processo, para, depois de julgado por quem tem o direito e a força de lei para o fazer, o apreciarmos sem paixão.

Dizendo isto não tenho o mais pequeno intuito de desprimor para com todos os membros d'esta Camara.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — V. Exa., para ser coherente com o que acaba de dizer, devia abster-se de fazer quaesquer considerações sobre o assumpto, desde que o apuramento dos factos está pendente de uma syndicancia.

O Orador: — Eu apenas respondo a algumas referencias do Digno Par o Sr. João Arroyo, para que a falta de resposta minha não pudesse representar por qualquer forma menos deferencia para com a Camara e, em especial, para com o Digno Par a que me referi.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: — Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu responda ao Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Presidente:: — Os Dignos Pares que entendem que se deve dar a palavra ao Sr. João Arroyo tenham a bondade de se levantar.

(Depois de verificar a votação).

Está approvado por 22 votos contra 16.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Está approvado, contra o voto do Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. João Arroyo: — Agradeço á Camara o permittir que eu use novamente da palavra para responder ao Sr. Ministro da Guerra.

Não abusarei da sua benevolencia, mas não posso deixar de pôr em relevo, n'este momento, que contrario á resolução da Camara foi o voto do Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Apoiado.

O Orador: — Quem é que me dá apoiados?

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): — Fui eu, o Presidente do Conselho.

O Orador; — A Camara, com a sua votação, mostrou que o Governo andou mal quando se pronunciou no sentido de que a palavra não devia ser dada a um membro d'esta casa que havia sido aggredido. E o Sr. João Franco, com os seus apoiados, deu mais uma prova da sua péssima orientação, que vae ao ponto de pretender dirigir os trabalhos parlamentare3.

Sr. Presidente: posto este facto em evidencia, com a significação politica e o relevo parlamentar que lhe competem, permitia-me V. Exa. que eu proteste, o mais energicamente que ser possa, contra a direcção que o Sr. Ministro da Guerra deu ao seu discurso, quando S. Exa. me concedeu a honra de me responder.

Eu convido qualquer dos meus dignos collegas presentes a que me diga se é possivel exceder a minha moderação de phrase, a minha maneira de dizer, pensada, reflectida e sensata.

Pergunto se é possivel exceder as conveniencias a que recorri, quer quando me referia aos direitos do cidadão portuguez, quer quando alludi á força armada, ou ao exercito nacional. Peço a V. Exas. que me digam se é, porventura, possivel ultrapassar os limites da prudencia que puz na minha palavra,

Em todo o meu discurso não houve a mais pequena palavra, já não direi de injustiça, já não direi de desagrado, mas de qualquer forma menos amavel para com o exercito portuguez. Não houve, na minha referencia ao illustre commandante da divisão, o menor aggravo, a não ser que se queira considerar como proposito de aggressão a critica feita á forma como a noticia dos factos foi communicada ao Governo.

Não houve, no uso do meu direito de palavra, senão a mais intransigente prudencia nas referencias que fiz aos representantes da forca armada portugueza.

Mas eu, Sr. Presidente, que sei como se pode especular á conta de allusões, que não fiz, protesto desde já, e declaro absolutamente faltas de funda mento, falhas por completo de verdade, todas as referencias do discurso do Sr. Ministro da Guerra, que signifiquem conter qualquer affirmativa em relação a phrases desagradaveis por mim proferidas contra o exercito portuguez.

Não, Sr. Presidente, não se ha de especular com palavras que não proferi, com intuitos que me não animaram.

Fique pois bem lavrado o meu protesto e a minha declaração de que da minha parte não houve referencias desagradaveis ao exercito.

O Sr. Ministro da Guerra respondeu a si proprio, e não a referencias minhas.

Sr. Presidente: eu nunca fiz a corte a instituições algumas: nem a instituições reaes, nem a instituições populares, nem a instituições militares.

Uso apenas dos meus direitos parlamentares, movido do mais accendido culto dos interesses nacionaes.

Feitas estas declarações, parece me ficar bem demonstrado que me não afastei de maneira alguma dos limites de respeito e de consideração devidas ao exercito portuguez.

Desde que eu pedia, não uma repressão austera do passado, mas uma cautela prudente em relação ao futuro, dava um testemunho bem claro do meu modo de pensar.

Isto dito, Sr. Presidente, não quero sentar-me sem notar o estranho facto do Sr. Ministro acabar por onde devia ter começado.

S. Exa., commettendo a precipitação de não esperar pelo resultado da syndicancia, foi o primeiro que sobre o assumpto emittiu a sua opinião.

Se eu não podia atacar, como é que S. Exa. pode defender?

Com que direito pode S. Exa. declarar como não existente um facto para o apuramento do qual se nomeia uma commissão de syndicancia?

Não peço castigo severo para os factos passados, não ataco os homens, e

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peço só, para bem da ordem publica, que o Sr. Ministro da Guerra e todo o Governo tomem as necessarias providencias para que factos tão lamentaveis e deploraveis se não repitam.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Luciano Monteiro: — Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei que concede diversas autorizações á Camara Municipal de Coimbra.

Foi a imprimir.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa, por parte das commissões de administração publica e de negocios externos, os pareceres relativos, respectivamente, ao projecto de lei sobre liberdade de associação, e as que approva, para serem ratificados, a acta geral e o protocollo da Conferencia de Algeciras.

Foram a imprimir,

O Sr. Fernando Larcher: — Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:

1.° Copia da syndicancia levantada no regimento de cavallaria n.° 3 respeitante ao conflicto havido § entre o commandante e o tenente Martins de Lima, a qual deu origem á questão dos abonos, ditos illegaes, feitos á charanga do mesmo regimento.

2.° Copia do teor do despacho ministerial que recaiu sobre essa syndicancia e o qual determinou os descontos feitos no soldo dos officiaes pertencentes ao mesmo regimento.

3.° Uma relação nominal dos officiaes que soffreram ou ainda actualmente soffrem esses descontos, especificando qual a quantia pela qual cada official foi debitado.

4.° Copia dos requerimentos dos officiaes do referido regimento, reclamando do Ministerio da Guerra, por lhes ter sido imposto sem allegação ou participação de especie alguma, um desconto nos seus vencimentos mensaes que elles reputavam indevido.

5.° Copia do despacho ou despachos ministeriaes que incidiram sobre estes requerimentos ou reclamações.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares do Reino, 17 de dezembro de 1906. = O Par do Reino, F. Larcher.

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me sejam enviados os seguintes do-3umentos :

1.° Copia da representação entregue por varios cidadãos em 19 de setembro ultimo ao Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Ministros, pedindo-lhe uma syndicancia aos actos da Camara Municipal de Lisboa e qual o teor da resposta que obteve.

Copia das informações das repartições que sobre esse assumpto foram consultadas.

2.° Copia da acta ou actas das sessões da mesma Camara em que esta pediu ou resolveu pedir ao Governo uma syndicancia aos seus actos e igualmente qual a resposta que obteve do Governo.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares do Reino, 17 de dezembro de 1906. = O Par do Reino, F. Larcher.

Mandaram-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.º 17, e sobre o projecto de lei n.° 11, relativo á criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

O Sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Continua com a palavra o Digno Par Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: — Sr. Presidente : devidamente , autorizado, declaro que o Digno Par Sr. Avellar Machado não assiste á sessão de hoje, e faltará, porventura, a mais algumas, por incommodo de saude.

Feita esta declaração, direi que responderei ao Sr. Ministro da Guerra, acêrca dos negocios militares portuenses, no seguimento da succinta recapitulação que vou explanar, dos assuntos que versei na sessão anterior.

N'esse proposito, recordarei que comecei por demonstrar a situação inconstitucional do Governo; indiquei os projectos que deveriam ser preferidos ao que está na tela do debate; justifiquei a existencia da commissão superior de guerra, cujos notaveis serviços a recommendam no conceito militar; e ponderei que, se reformas havia a fazer, incidissem ellas preferentemente sobre os Codigos de Justiça Militar e da Armada, e sobre o Regulamento Disciplinar.

Relativamente a este ultimo alvitre, e referindo-me aos acontecimentos que tiveram por theatro o Centro Regenerador Liberal do Porto, insisti por que a disciplina se mantivesse, sem excepções, sempre revoltantes e compromettedoras.

O Sr. Ministro da Guerra entende que se deve aguardar o resultado da syndicancia a que se procede, para que, com verdadeiro conhecimento de causa, se aprecie o occorrido. N'isto, como em tudo o mais, o Governo é contraditorio.

Depois de affirmar tão sãos principios, que elle, Ministro, desejaria ver seguidos pelo Digno Par Sr. Arroyo, exorbitou patentemente nas apreciações que formulou, o que aquelle Digno Par não fez.

Na sequencia dos seus commentarios, notou o Sr. Ministro que o castigo infringido ao tenente coronel da reserva que, no jornal O Mundo, se declarou republicano, tivera inicio na divisão militar a que pertence este official.

Registando, pela minha parte, o facto, continuo a protestar contra o rigor havido, positivamente antagónico com a minha orientação, e com as tradições de tolerancia que, por tantos annos, constituiram, com os mais salutares resultados, apanagio do velho partido regenerador.

Affirmei na ultima sessão e repito agora: — Latino Coelho, Elias Garcia, Rola, Sousa Brandão e outros, nunca occultaram o seu credo republicano; e, todavia, não experimentaram, por essa sua franqueza, o menor incommodo.

Desejaria que outro tanto se praticasse na actualidade, e, por certo, assim succederia, na vigencia de um Governo cujas ideias não fossem tão acanhadas e restrictivas, como as do actual.

As normas de coherencia, que me ufano de acatar, indicam este caminho; e ainda me orientam para não apreciar, a fundo, os acontecimentos do Centro Regenerador Liberal do Porto, sem estar ultimada e ser conhecida a syndicancia a que se procede.

Mo obsta, porem, este meu proposito a que continue a advogar pela applicação de expedientes tolerantes para com todos, sem excepção.

Ao Paiz muito convem que os officiaes do exercito collaborem na administração publica.

Quando, porem, se inscreverem nos centros politicos, devem ter presente, no interesse geral, que o fazem como cidadãos, e não como militares.

N'esta qualidade, só teem a desempenhar as suas funcções profissionaes, amoldando-se, para esse effeito, pelos codigos e regulamentos em vigor, pelo decoro e brio de classe.

Nada de confundir situações.

Se nas occorrencias do Porto esta doutrina não foi, em todo o ponto, discriminada, haja benevolencia com os infractores, cujo procedimento derivaria de terem, pela sua mocidade, o que vulgarmente se chama — o sangue na guelra.

Se faltas houve, não tornem ellas a ser commettidas, sendo da maxima utilidade que não haja a minima discrepancia n'esta saluberrima orientação.

Sr. Presidente: na proposta de lei

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que se discute pullulam as irregularidades e aleijões.

N'estas circumstancias, e consoante evidenciei na sessão passada, caracteriza defeituosamente o projecto a mais ampla autorização, que nem sequer é mitigada pelo compromisso do Governo, de este dar conta ás Côrtes do uso que d'ella fizer.

A inconstitucionalidade resultante da base I e IV está demonstrada pelos artigos 45.°, 46.°, e 75.° e seu § 12.°, da Carta Constitucional.

O poder legislativo e o poder executivo ficam na mais completa subalternagem. Desnecessario é ler os artigos invocados, cuja doutrina, conforme ante-hontem puz em relevo, não deixa a menor duvida acêrca da minha asserção.

Na base III sobresae, por forma não menos evidente, a inconstitucionalidade com que o Rei é investido na presidencia do Supremo Conselho, na sua qualidade de marechal-general.

Convém recordar que este posto lhe não pertence, e nunca lhe foi attribuido nas organizações militares de 21 de dezembro de 1863, de Sá da Bandeira, e de 23 de julho de 1864, da referenda do Ministerio cujo presidente era o Duque de Loulé.

Foi a reforma de 30 de outubro de 1884, da referenda de Fontes, que essa patente lhe attribuiu, prescrevendo:

«Ao Rei pertence o posto de marechal-general como Chefe superior do exercito».

No quadro do estado-maior general figurou outro marechal-general, que era o Principe consorte D. Fernando, cuja reintegração naquelle posto derivou do restabelecimento do commando em chefe do exercito, por decreto de 17 de outubro de 1846, e foi conservada até á sua morte, em 15 de dezembro de 1885.

É, por isto, que, no quadro do estado-maior general, da reforma de 7 de setembro de 1899, da responsabilidade do Digno Par Sr. Sebastião Telles, não figura já nenhum marechal-general.

Dou esta explicação á Camara como esclarecimento das observações, por mim feitas, sobre a materia, na sessão transacta.

Infelizmente, esta aclaração nada influe na triste circumstancia de a organização de 1899 sustentar erroneamente, como a de 1884, que ao Rei pertence o posto de marechal-general, como chefe superior do exercito.

Aquella exorbitancia só tem como attenuante ser copia da reforma de 1884, auctora primaria do atropello a que me estou reportando.

O Rei não é chefe superior do exercito. É chefe supremo da Nação.

Assim o determina iniludivelmente a Carta Constitucional, nos seguintes precisos termos:

Artigo 71.° — O Poder Moderador é a chave de toda a organização politica, e compete privativamente ao Rei como Chefe supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos mais poderes politicos.

Sr. Presidente: entre os seus titulos e dignidades não figura, nem podia constitucionalmente figurar, o posto ou patente de marechal general.

Os titulos que ao Rei são attribuidos constam da Carta Constitucional, quando especifica:

Artigo 73.° — Os seus titules são: — «Rei de Portugal e dos Algarves, de Aquem e de Alem-Mar, em Africa, Senhor de Guiné e da Conquista, Navegação, Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India. etc., e tem o tratamento de Majestade Fidelissima».

Qual é, pois, o diploma ou diplomas constitucionaes, quaes as cartas regias que investem o Rei em chefe superior e marechal-general do exercito?

Não os conheço. Mas se laboro em equivoco, appareçam os devidos esclarecimentos, porque o assumpto, pela sua magna importancia, carece de ser nitidamente elucidado.

Até agora, as duas nomeações regias apoiam-se apenas nas duas ultimas organizações do exercito, e com caracter, por assim dizer, clandestino. Não tive ram essas organizações audiencia previa do Parlamento. As bases em que assentaram foram, é certo, submettidas á apreciação das Côrtes, mas guardavam significativo silencio a respeito de taes nomeações.

Estas excrescencias, alem do seu caracter subrepticio, prepararam o caminho para novos erros, como os que redundam da base III, dando ao Rei o logar de presidente do Supremo Conselho; e, em tal qualidade, expondo-o a ser discutido sem estar a coberto pela responsabilidade dos Ministros de Estado, segundo o disposto no artigo 6.° do terceiro Acto Addicional de 3 de abril de 1896.

Mas quem exerce effectivamente o logar do Supremo Conselho, na ausencia do Chefe do Estado?

Já hontem formulei, esta pergunta e insisto hoje de novo sobre ella.

Careço igualmente de obter outro esclarecimento, e por isso vou renovar outra pergunta, que hontem formulei.

Este projecto, na sua applicação, exige um verdadeiro alfobre de generaes.

Pertencerão elles todos ao activo serviço, ou são aproveitados tambem os da reserva?

Pelo accionado do Sr. Ministro da Guerra, reconheço que os ultimos não terão ingresso nos trabalhos derivantes do projecto.

Difficil, porem, será conciliar a exigencia accentuada de outros muitos serviços com o que tão largamente tem de ser dotado pelo estado-maior general, para funccionamento do Supremo Conselho.

Quanto á base V, criando a Commissão Superior de Estudos de Defesa Nacional, mereceu-me ella critica acerba, originada no ostracismo indisculpavel a que são condemnadas as armas geraes e os serviços da administração militar, do almoxarifado e da medicina militar.

Nas duas secções de estudos teem ingresso, e muito bem, em cada uma d'ellas, um official superior da armada.

Só os officiaes das armas geraes não são ouvidos sobre assumptos tanto da sua competencia, quaes são os estudos de organização, mobilização, concentração e operações militares.

N'estes trabalhos collaboram a 2.ª e a 3.ª repartições da Direcção Geral do Serviço de Estado-Maior, cuja composição, conforme o artigo 17.° da reforma do exercito de 7 de setembro de 1899, é a seguinte:

2.ª Repartição:

Official superior 1
Capitães ou tenentes 5
Todos 6

3.ª Repartição:

Official superior 1
Capitães ou tenentes 6
Todos 7

O serviço de estado maior constitue actualmente um corpo aberto a todas as armas.

Mas, se por esse facto fossem dispensaveis designações especiaes, não deveriam, ser indicadas, como são, as armas de artilharia e de engenharia no desempenho de commissões d'essas, isto é, no estudo preparatorio dá defesa nacional. Bastaria mencionar o serviço do estado maior.

Como nota curiosa, convem recordar que da arma de engenharia ainda nenhum dos seus officiaes se habilitou com o curso de guerra, a fim de ingressar n'esse serviço.

Não obstante este retrahimento, que não pode ser lançado no activo, em conta corrente, da mesma arma, come ella tem o pae alcaide, representado pelo Sr. Ministro da Guerra, que é engenheiro militar, disfruta todos os favores e privilegios.

Em 1887, 1888 e 1889 succedeu outro tanto do que succede agora: bat

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em brecha o ostracismo das armas geraes.

Então pretendeu-se excluir dos governos das praças de guerra os generaes procedentes das armas de cavallaria e de infantaria.

O meu insistentes ataque, apoiado pelo de Serpa Pinto, o meu querido amigo tão precocemente fallecido, colheu o resultado que sé impunha pela justiça e pela rectidão.

Depois, appareceram nomeações de officiaes para assistirem á manobras militares ia é estrangeiro. As armas geraes foram ainda banidas dó exercicio de commissões semelhantes.

As preferencias incidiram sobre o estado maior e as outras armas, sendo à mais beneficiada a engenharia.

Agora repetem-se os mesmos processos de exclusão. Está affecta á outra Camara uma proposta de lei que apenas considera idoneos, para é com mando do campo entrincheirado de Lisboa, os generaes procedentes da arma de artilharia.

Contra tão insensata pretensão me insurgi energicamente quando discuti a resposta ao discurso da Corôa.

Em sentido mais odientamente expressivo, apparece o Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Então, em 7 de junho de 1888, protestei eu na Camara electiva, n'estes termos:

É por tudo isto que eu digo que a paciencia tem limites, e desde o momento que se entra no caminho dos exclusivismos e das preferencias, deve-se esperar a correspondente reacção, — reacção motivada pelas provocações que tenho indicado, e que parecem tomar o caracter de chronicas.

Eu só entendia que se dessem estas exclusões, se se reconhecesse a incompetencia dos officiaes de cavallaria e de infantaria.

Mas quem ousará affirmar que não ha, n'estas armas, officiaes distinctissimos, do que teem dado sobejas e exuberantes provas?

O Sr. Ministro da Guerra actual ousa assegurá-lo indirectamente no seu projecto, com menoscabo d’esses officiaes; em presença do ostracismo que tenho estygmatisado.

Mas não é isto sufficiente. É indispensavel que S. Exa. comprove, é patenteie directamente, a sua maneira de proceder;

É, porem, natural que sé mantenha em reservado mutismo compromettedor e condemnatorio, ou pouco menos, pelo qual se pautaram os tres largos relatorios que acompanham o projecto.

Este já tem o baptismo humoristico que merecia. É conhecido pelo orgão, tal é o liso e abuso que se fez d'esta palavra nos tres relatorios a que venho alludindo, e em que se não encontra tambem uma referencia sequer allusiva á nomeação dó Rei para presidente do Supremo Conselho.

Dos tres relatorios o que é menos organista é o da commissão de guerra d'esta Camara.

O Digno Par Sr. Francisco Machado, relator da commissão, tocou apenas orgão uma vez.

O Sr. Francisco José Machado: — Eu não toco orgão.

O Orador: — Dadas as preferencias campesinas de S. Exa., está-lhe naturalmente recommendada a tibia pastoril. É uma flauta lisa, de que todos sabem, mais ou menos, fazer uso.

Sr. Presidente: do que deixo exposto resulta:

Que a cavallaria e a infantaria, constituindo com a artilharia as tres armas tácticas, estão excluidas, em contradicção com todos os precedentes e sã doutrina, de cooperarem nos estudos preparatorios da defesa do reino;

Que á engenharia, geralmente reconhecida como serviço auxiliar, sobre põe-se indevidamente ás duas armas geraes sacrificadas, ostentando feição absorvente, que não se justifica, e simplesmente se explica pela inqualificavel protecção que está gozando;

Que á cavallaria e á infantaria é imposta a obrigação, por intermedio dos generaes d'ellas procedentes, de apreciarem os estudos em que ellas, pela sua incompetencia, pelo Sr. Ministro reconhecida, não foram admittidas á collaborar.

Faz isto sentido, por qualquer modo?

Quando uma lei acoberta injustiças e desprimores tão flagrantes, está indiscutivelmente julgada pela opinião esclarecida, honesta e imparcial.

Quanto á base VI, pouco tenho a dizer. Extingue ella a Commissão Superior de Guerra, por cuja conservação eu me pronunciei já, e continuo a pronunciar-me; attentos os serviços prestados por essa instituição.

Na apreciação da base VII e subsequentes mais demorado tenho de ser.

A organização, na verdade, da Secretaria da Guerra demanda, pela sua exterioridade espaventosa, mais pausado exame.

Nem menos de uma direcção geral, seis direcções, das quaes cinco tendo como chefes generaes, e ainda varias repartições, constituem um conjunto monstruoso, que tanto destoa da exiguidade dos nossos recussos militares e da pobreza do Erario.

Abrindo o atlas Hickmann, verifica-se que Portugal, pelas suas instituições militares, é a quarta nação a contar, naturalmente, do fim. Abaixo de nos apenas figuram a Servia, a Grecia é a Dinamarca.

Prepara-se, porem, o nosso Paiz para

se entregar ao luxo de ter uma organização burocratica, vasada pelos moldes da que subsiste em Franca, que occupa um dos primeiros logares, no graphico citado de Hickmann.

Ali, em França, ha, porem, a considerar que, alem dos directores das varias armas em exercicio na Secretaria dá Guerra, ha os generaes inspectores, que disfrutam larga autonomia.

Entre nós, os generaes directores ficarão submettidos á mais' apertada sujeição burocratica.

Este deprimente regimen nem se coaduna com o posto de general, nem é de molde a favorecer os interesses das armas de que os dizem directores.

Parece que o Sr. Ministro quer transmittir a outros a inferioridade que lhe deriva de ser o executor das deliberações do Supremo Conselho.

Obedecendo, quiçá, á mesma mareação, criou para seu uso, junto da sua secretaria, uma commissão consultiva, de que fazem parte os officiaes do exercito, que tenham sido Ministros da Guerra.

A par d'estas manifestações, em que a grandeza e a decadencia se entrelaçam, a duvida e o mysterio prevalecem ao extremo de eu ter de formular as seguintes perguntas:

1.ª Que posto tem o director geral da secretaria?

2.ª Em que situação hierarchica está o director geral para com os cinco directores, officiaes-generaes?

3.ª Ha transmissor entre o Ministro e os directores? Se o ha, quem é?

4.ª Onde existe edificio para a retumbante e ostentosa installação resultante da reforma?

Comprehende-se a necessidade de desvendar os arcanos e subentendidos, que resaltam das minhas perguntas.

Pela organização, os assumptos da secretaria serão apresentados a despacho ao Ministro ou ao director geral.

Visto o papel preponderante do director geral, tem elle de ter patente mais elevada do que os simples directores?

É effectivamente elle o intermediario, no despacho do expediente, entre o Ministro e os generaes directores?

Mas, em tal caso, Sr. Presidente, a que exautoração ficam expostos estes generaes!...

Actualmente, na direcção das suas armas, a sua situação é muito differente, comquanto ao Sr. Ministro merecessem reparos os serviços d'ellas, especialmente no que respeita á infantaria e á cavallaria, — os bodes expiatorios habituaes.

Pois não representará trabalho quotidiano e persistente, referentemente á infantaria, a superintendencia na ins-

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tracção geral, na da respectiva escola da arma, e na do tiro militar e civil em todo o reino?

Concernentemente á cavallaria, a direcção da instrucção em geral e a da concomitante escola pratica, e bem assim o serviço de remonta, produzem igualmente trabalho avultado, a que se podia addicionar, consoante instancias repetidas minhas, o arrolamento de viaturas e solipedes, presentemente a cargo das divisões militares.

A aggregação d'este importante serviço á Direcção Geral de Cavallaria produziria indiscutiveis beneficios, representados pela homogeneidade de processos de elaboração, e por concentração mais harmónica, dos esclarecimentos e dados obtidos.

A base IX, referente á reorganização da Secretaria dos Negocios da Marinha, preceitua:

Que á Majoria General da Armada compete o commando superior de todas as forças navaes, o pessoal da armada, a sua instrucção, disciplina, justiça militar e serviços hydrographicos;

Que á Direcção Geral da Marinha pertence a administração e fiscalização technica dos serviços da armada...

A contradicta n'estas duas disposições é manifesta. A Majoria General da Armada são concedidos os mais amplos poderes, com respeito a todos os serviços indicados, e designadamente, da instrucção.

Como é, pois, que á Direcção Geral de Marinha se arbitra, parallelamente, a faculdade da fiscalização technica, isto é, da propria instrucção sob a alçada da Majoria?

Conforme se observa, tanto por mar como por terra, muito se devaneou e confundiu. O labyrintho é completo.

No de Creta houve ao menos o fio de Ariadna, que n'este se desconhece.

A base X, que é a ultima, assegura que as reformas indicadas serão levadas a effeito, dentro dos limites das verbas correspondentes do actual orçamento.

Pela parte que me respeita, entendo que a affirmação não é exacta, ou teem de ter baixa sensivel, na sua custosa grandiosidade, as megalomanicas transformações projectadas.

Como attenuante aos desacertos technicos, aos atropelos á legalidade, aos ataques á Carta Constitucional, os de-defensores do projecto propalam que elle se realizará a titulo de experiencia.

É, sem duvida, peregrina esta allegação, que, longe de modificar, confirma a minha classificação primitiva, constante da minha moção de ordem.

Amoldando-me por ella, terminarei como iniciei as minhas considerações, declarando que o projecto é anti-constitucional, espaventoso, inconveniente e inutil.

Pela minuciosa analyse que d'elle realizei, ficam nitidamente mostos em relevo os motivos por que assignei vencido o parecer da commissão.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Francisco José Machado: — Sr. Presidente: cabe-me a honra de responder ao meu illustre amigo e illustre parlamentar o Digno Par Sr. Dantas Baracho.

S. Exa. é um dos Dignos Pares mais talentosos da Camara e que com mais largueza discute os assumptos que vêem á tela do debate.

É sem contestação quem mais estuda e mais trabalha n'esta casa.

Por isso me será difficil e mesmo impossivel acompanhar S. Exa. na sua larga explanação relativamente ao projecto que se discute.

É um projecto de uma alta importancia nacional que o Digno Par e meu amigo estudou minuciosamente, encarando o sobre todos os aspectos que julgou convenientes para provar que a sua doutrina é prejudicial ao paiz e ao exercito.

Sr. Presidente: eu. hei de desempenhar a minha missão de relator do projecto, e espero mostrar á Camara que S. Exa. foi um tanto exagerado nas suas apreciações, e espero tambem mostrar a necessidade absoluta e inadiavel que ha de se estabelecer uma corporação, uma instituição que dê sequencia, que dê estabilidade e continuidade methodica, racional e scientifica ás nossas instituições militares, que teem estado até hoje evidentemente sujeitas a fluctuações que muito as teem prejudicado.

Eu bem sei que me fallecem os recursos para me poder medir com o Digno Par; mas por isso mesmo maior é o orgulho que eu sinto do me ver n'esta casa onde ha tantos talentos notaveis, tantos estadistas eminentes, tantas summidades consumadas, de cruzar armas com um dos seus membros mais talentosos.

É para mim uma honra que muito me envaidece ter de responder ao Digno Par, conhecendo ao mesmo tempo que a vantagem ha de ser toda de S. Exa.

Vale-me porem a convicção profunda que tenho da boa causa que me cumpre defender.

É n'isto que consiste a minha unica vantagem.

Sr. Presidente: varias vezes, em outros tempos, tive tambem a honra de responder ao Digno Par o Sr Dantas Baracho, quando ambos faziamos parte da Camara dos Senhores Deputados.

Muitas vezes, ali, S. Exa. versou assumptos militares, sempre com muita competencia, como é proprio do seu alevantado talento, e muitas vezes me proporcionou a honra de responder ás suas considerações, aos seus discursos sempre baseados em muito estudo e sempre moldados n'uma linha inflexivel de correcção como é proprio de um cavalheiro de quem sou amigo ha muitos annos, e a quem muito respeito pelo seu talento, pelo seu trabalho e pelo seu caracter.

O Sr. Sebastião Baracho: — São favores que a benevolencia do Digno Par me dispensa.

O Orador: - Na sessão nocturna de 9 de junho de 1888 pronunciou S. Exa. na outra Camara um discurso que durou dois ou tres dias, e a que eu tive a honra de responder.

O Sr. Sebastião Baracho: — De cinco.

O Orador: — Parece-me até que foi tambem sobre assumptos militares.

Este discurso de S. Exa. foi muito notavel, como todos os que lhe ouvimos.

Depois tambem tive a honra de responder ao Digno Par, como pude e como soube, nas sessões de 14, 18 e 29 de maio de 1889.

Dez annos depois, na sessão de 14 de abril de 1899, quando ali se discutiu a organização do exercito do Sr. Sebastião Telles, tambem tive a honra de responder ao Digno Par o Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: - A honra foi toda minha.

O Orador: — Agora o feliz acaso proporcionou-me tambem a satisfação de responder a S. Exa.

São estas coincidencias, estes acasos que se teem dado tantas vezes, que me collocam á vontade em frente de S. Exa. e ainda mais, como disse, a convicção de que vou defender uma boa causa e uma causa inspirada no mais alto patriotismo.

Já V. Exa. vê, Sr. Presidente, que eu me encontro completamente á vontade e me sinto muito honrado na resposta que vou dar ao Digno Par, continuando assim a versar com S. Exa. assumptos militares, em que S. Exa. é auctoridade incontestavel.

Antes, porem, de entrar no assumpto, permitta-me a, Camara que eu me refira a alguns factos passados ultimamente n'esta Camara e que me teem causado verdadeira estranheza e até admiração.

Não se admire V. Exa. e a Camara que eu, em relação a essa estranheza, procurasse investigar se a razão esta-

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va da parte do Governo, ou da parte de alguns Dignos Pares que censuraram o mesmo Governo.

Assim, por exemplo, o Digno Par o Sr. José Maria de Alpoim, na sessão de 10 d'este mez, disse o seguinte:

Desde o dia 1 de outubro, que se abriu a sessão, até 15 só houve quatro sessões.

De 1 a 6 de novembro só houve uma sessão.

S. Exa. em seguida pediu que o seu discurso fosse affixado ao lado do discurso do Sr. João Franco que a Camara dos Srs. Deputados resolveu fosse exposto nos logares mais publicos e nos edificios das escolas e egrejas, se bem que não queria que o seu nome figurasse para que lhe não attribuissem uma falsa modestia, e isto para que o paiz soubesse quem tinha razão e mais zelava os seus interesses, se o Governo se o Digno Par e os seus amigos.

O Sr. Teixeira de Sousa, na sessão de 5 d'este mez, censurou ou estranhou, e reparou que V. Exa., Sr. Presidente, não tivesse dado no principio dos nossos trabalhos parlamentares sessões todos os dias.

Pois, Sr. Presidente, fui consultar os annaes parlamentares, pois me fizeram impressão as declarações dos Dignos Pares e desejava saber de que lado estava a razão, e encontrei o seguinte, que vou ler á Camara:

Numero de sessões que houve no primeiro mez dos trabalhos parlamentares nos annos que vou indicar.

Annos Numero de sessões

1893 8
1894 11
Gerencia 1895 (a)
Regeneradora 1896 7
1897 9

1898 7
1899 6
1900 6
1901 5
Gerencia 1902 9
Regeneradora 1903 10
1904 13

1905 5
1906 15

(a) Não houve Parlamento.

Em treze annos foi este, de 1906, aquelle em que houve maior numero de sessões no primeiro mez dos trabalhos parlamentares n'esta Camara.

Fica portanto provado, até á evidencia, que os Dignos Pares os Srs. José de Alpoim e Teixeira de Sousa nenhuma razão tinham para fazer os reparos e as censuras que fizeram por ter havido poucas sessões no começo dos nossos trabalhos parlamentares.

E comprehende se que assim seja. A Camara dos Dignos Pares só pode começar a discutir projectos depois d'elles approvados pela Camara dos Senhores Deputados.

É evidente que no principio das sessões, e portanto no primeiro mez, a Camara dos Senhores Deputados que leva alguns dias a constituir-se, a eleger commissões, etc., etc., não começa a discutir projectos senão mais tarde, e esta Camara evidentemente nada tem a fazer e por isso as sessões são mais raras, sem que até hoje se tenham feito reparos.

Vê-se portanto que durante treze annos se não effectuou um tão crescido numero de sessões, no primeiro mez do funccionamento da Camara, como n'este anno, caindo por terra todas as considerações que V. Exas. fizeram a tal respeito.

Portanto, os reparos dos Dignos Pares os Srs. Alpoim e Teixeira de Sousa não procedem e não são justos.

O Digno Par Sr. Alpoim estranhou tambem que alguem tivesse levado á conta de obstrucionista a larga discussão travada n'esta Camara a proposito do projecto da resposta ao Discurso da , tanto mais que, em sua opinião, devia ter havido mais sessões para a discussão de tal assumpto.

Disse S. Exa. que a discussão da resposta ao Discurso da Corôa ainda foi curta.

Tratei tambem de me soccorrer dos Annaes parlamentares e por elles verifiquei que desde ha vinte e dois annos, foi este o que mais numero de sessões teve occupadas com a discussão de tal assumpto.

Pode dizer-se que o projecto de resposta ao Discurso da levou vinte e quatro sessões a discutir, porque- se na realidade esse projecto só figurou na ordem do dia de dezanove sessões, em mais cinco se ventilaram e discutiram assumptos de ordem meramente politica, como os acontecimentos do Rocio e as cartas de Sua Majestade El-Rei.

Desde 1885 até hoje, isto é, ha vinte e dois annos, que a discussão da resposta ao Discurso da não preenchia um tão elevado numero de sessões. Este diploma teve uma larguissima discussão, a mais larga, mais desenvolvida que se conhece desde 1885 até hoje.

Não faço censuras: exponho factos.

Não peço para se affixar discursos; isto é um mau precedente e d'aqui a pouco não faltarão affixações de discursos por toda a parte; o que, porem, desejo é que os dados que apresente] sejam collocados ao lado do discurso do Digno Par o Sr. Alpoim, para que o paiz veja de que lado está a razão, se do lado do Governo se do lado de S. Exa. O paiz, justo e imparcial na suas apreciações, ha de fazer justiça a todos e ponderar quem bem o quer servir.

Projectos de resposta ao Discurso da Corôa

Discussões em: Numero de dias

1885 — fevereiro 25 e 28; março 2, 3, 4, 6, 7, 9, 10, 11 e 13 11
1886 — fevereiro 8 1
1887 — maio 25, 26, 27, 28, 30 e 31; junho l, 3, 4, 6, 7, 8 e 10 13
1888 — janeiro 25, 28, 30 e 31; fevereiro l, 4, 6, 7, 8, 10,16,17,
18, 20 e 21 16
1889 — maio 14 1
1890 — maio 24 1
1891 — junho 23, 25 e 26 3
1892 — janeiro 25 1
1893 — janeiro 28, 30 e 31; fevereiro 1 e 3 5
1894 — dezembro 13, 14,16,17,19,20, 22, 23 e 24 9
1896 — janeiro 24 1
1897 — janeiro 23, 25, 26, 27 e 29 5
1897 — julho 5 e 9 2
1898 — janeiro 13, 17, 21, 26 e 29 5
1899 — janeiro 25 1
1900 — fevereiro 1
1901 —janeiro 19 1
1902 — janeiro 18, 21, 24, 27, 29 e 31; fevereiro 4, 6 e 7 9
1903 — janeiro, 24, 26, 28 e 31; fevereiro 3, 7, 9, 12 e 13 9
1904 — janeiro 18, 19 e 20 3
1905 — setembro 5 e 8 8
1906 — novembro 6, 7, 9,10,12,13,14, 16, 17, 19,20, 21, 23,27,28,
29 e 30; dezembro 3 e 4 19

Durante vinte dois annos, foi este anno aquelle em que se levou mais tempo n'esta discussão.

De 1896 a 1901 — em sete annos — levaram-se apenas dezaseis sessões.

E deve notar-se que antes de entrar em discussão a resposta ao Discurso da houve cinco sessões em que se discutiram assumptos que foram depois tratados n'aquella discussão, como os acontecimentos de 4 de maio e as cartas de El Rei.

Pode dizer-se portanto que a resposta ao Discurso da Corôa levou vinte e quatro sessões a ser discutida.

Vou agora entrar propriamente na discussão do projecto que ha de organizar o Supremo Conselho de Defesa Nacional, começando assim a desempenhar-me da minha missão de relator.

Sr. Presidente: de ha muito que todos os militares e todas as pessoas que dedicam a sua attenção aos assumptos da defesa do paiz reconhecem a necessidade da apresentação de um projecto da natureza do que está occupando a attenção d'esta Camara. Assim era, porque todos entendiam que fazia falta uma providencia que desse unidade, sequencia e estabilidade ás nossas instituições militares que teem andado aos baldões, a ser constantemente alteradas, modificadas, revogadas ao sabor

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dos caprichos dos que nos teem governado. Todos reconhecem a necessidade de uma providencia que colloque as instituições militares fora das fluctuações da politica, sempre tão prejudiciaes em assumptos como os que se referem á defesa nacional.

Esta opinião é por assim dizer unanime no exercito. Este Governo mais que nenhum outro tinha o dever e a obrigação de adoptar uma providencia que traduzisse na pratica este pensamento, pois que estava a isso compromettido pelas declarações que o seu chefe tinha feito na opposição durante todas as vezes que em publico tratou d'esses assumptos militares, como eu terei a honra de mostrar á Camara d'aqui a pouco.

O Sr. João Franco no seu programma comprometteu-se tambem a melhorar tudo p que respeita ás questões militares. É do conhecimento de todos que sempre que tem havido, n'estes ultimos annos, mudanças de Ministros, as instituições militares teem soffrido alterações que em vez de as melhorar muito as teem prejudicado. E não ha nada que mais anarchise os serviços do que as mudanças continuas e successivas das disposições que os regulam.

D'ahi vem o desanimo, a má vontade e até a reluctancia dos que teem de as executar, porque teem quasi a certeza de que essa providencia pouco durará.

É do conhecimento de todos, que os Ministros que se succedem, a sua principal preoccupação é alterar o que fez o seu antecessor, sem querer saber o mal que isso vae fazer ás instituições militares.

Creio bem que este facto que deixo apontado, e que é incontestavel, se produz porque o Ministro que transforma o que encontra do seu antecessor está convencido que a sua opinião é a mais vantajosa aos interesses nacionaes.

Mas nem por isso este facto deixa de causar graves perturbações n'um ramo de serviço que pela sua indole e natureza devia ter a maior estabilidade.

Sr. Presidente: como eu disse ha pouco, o Sr. Presidente do Conselho estava compromettido, pelas declarações que fez nas diversas occasiões que se referiu em publico aos assumptos militares, a adoptar uma providencia que modificasse este estado de cousas para de futuro não se darem as alterações continuas e constantes a que teem estado sujeitas as instituições militares.

Sr. Presidente: eu entendo que os homens publicos se nobilitam quando uma vez no Governo não esquecem as suas promessas feitas na opposição e que as cumprem, mostrando assim ao paiz que eram sinceros os seus intentos, que eram convictas as suas affirmações.

Assim tem procedido o Sr. João Franco, realizando hoje no Governo o que promettera quando se achava fora das cadeiras do poder. Só assim é que o paiz pode ter confiança nos homens publicos.

O Sr. Presidente, do Conselho está realizando o seu programma. mostrando assim ao paiz que não era um mystificador.

Prometteu S. Exa. uma lei de responsabilidade ministerial, e chegando ao poder cumpriu essa sua promessa, tendo já apresentado ao Parlamento a respectiva proposta para ser convertida em lei depois da mais lata discussão.

Do seu programma era tambem a reforma da contabilidade publica para se fiscalizar bem a applicação dos dinheiros da nação. Pois veio ao Parlamento e cumpriu tambem esta sua promessa.

Igualmente prometteu S. Exa. a apresentação de uma nova lei eleitoral, para que o paiz possa eleger livremente e mandar ao Parlamento os seus legitimos representantes.

Com a lei actual pode affirmar-se que ninguem pode vir ao Parlamento por seu esforço, pelo seu trabalho, pelos seus merecimentos e pela vontade dos seus eleitores. A nação não tem tido no Parlamento os seus representantes. Os que teem viu do á Camara é pela vontade unica exclusiva dos Governos.

Revoltei-me sempre contra a actual lei eleitoral, que tirou aos eleitores o seu direito de mandar ao Parlamento quem lhes inspirasse a confiança da advogar os seus interesses. Se com a lei dos circulos uninominaes já era difficil ser eleito, quando o Governo usava de toda a sua força, de todo o seu poder, com os circulos iguaes aos districtos nem um só podia triumphar pelo seu proprio esforço.

Convem que haja a liberdade necessaria para que a nação eleja os seus representantes e mande ao Parlamento quem lhe inspire confiança e lhe advogue os seus interesses, conforme a sua vontade.

Foi este um dos pontos do programma do partido regenerador-liberal; e tenho confiança que o Sr. Presidente do Conselho se desempenhará d'este seu compromisso. Tambem o Sr. Presidente do Conselho se comprometteu a apresentar uma medida que evitasse as mudanças continuas que teem soffrido as instituições militares e a criação de uma corporação que desse estabilidade ás nossas instituições. É o projecto que estamos discutindo.

Qual é o motivo por que a opinião publica e principalmente a opinião militar se tem imposto para que se dê estabilidade a essas instituições? É ter-se reconhecido que a organização da chamada Commissão Superior de Guerra, á qual se tem dado enormissimas attribuições e que se tem alterado muitas vezes, não conduz ao fim que se desejava e, portanto, não pode continuar de modo nenhum a soffrer alterações continuas.

Que eu tenha conhecimento, desde 1852 se tentou organizar uma commissão que estudasse a defesa do paiz, os pontos de concentração e mobilização de forças que se haviam de oppor á invasão do inimigo; desde então até hoje, depois de frequentes e variadas reformas e enormissimas alterações, magua é dizel-o, nada está assente. Vae a Camara ouvir as varias tentativas que se teem feito para a resolução do nosso problema militar, e depois em sua consciencia resolverá se isto assim pode continuar.

Em 1852, o Director Geral de Engenharia José Feliciano da Silva Costa apresentou ao então Ministro da Guerra Duque de Saldanha uma memoria notavelmente bem escripta em que manifestava a necessidade de se proceder ao estudo geral da defesa do paiz, de modo que soubéssemos de ante mão os pontos onde haviamos oppor resistencia ao inimigo.

Desejava ainda mais o distincto general que se discutisse e assentasse quaes os pontos que deviam ser cobertos de fortificações, de modo que essas fortificações se fossem successiva e gradualmente executando, para que na hora do perigo pudéssemos oppor ao inimigo a conveniente resistencia. São passados 54 annos e tudo se acha quasi no mesmo estado, não existindo ainda estudos completos e detalhados da defesa do paiz e não estando ainda se quer assente qual ha-de ser essa defesa.

Em 1857, sendo Ministro da Guerra, o Marquez de Sá da Bandeira encarregou o Director Geral de Engenharia, José Feliciano da Silva Costa, de estudar o plano das fortificações de Lisboa e seu porto. No mesmo decreto se ordenava ao referido general que procedesse tambem a um trabalho analogo para fortificar a cidade do Porto, comprehendo as margens e a foz do Douro. O general foi auctorizado a dispor dos officiaes que tinha á sua disposição e a requisitar os que carecesse, pertencentes ás outras armas, inclusive os officiaes da armada e engenheiros hydrographos que julgasse indispensaveis para fazer as respectivas sondagens. Sr. Presidente: veja V. Exa. e veja a amara os cuidados que já em 1857 dava ao illustre Marquez, de Sá da

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Bandeira a defesa do paiz, que mandou dar todo o desenvolvimento aos trabalhos para fortificar as duas cidades de Lisboa e Porto a pol-as em es-estado de defesa. Pois, Sr. Presidente, até hoje está tudo pode dizer-se na mesma, a não ser algumas fortificações que se teem feito em redor de Lisboa.

Em 1859 entra para o Ministerio da Guerra o Duque da Terceira; pouco depois, em maio d'esse anno, fez expedir uma portaria mandando proceder aos estudos do plano geral da defesa do paiz. Para isso nomeou uma commissão presidida pelo Marechal Saldanha e de que faziam parte os seguintes officiaes:

José Feliciano da Silva Costa, José Jorge Loureiro, Visconde da Luz, Visconde de Sarmento, Visconde de Ourem e Augusto Xavier Palmeirim.

Recommendava o Duque da Terceira a preferencia dos estudos da defesa de Lisboa, porque desejava dar-lhe prompta execução.

A primeira reunião da commissão foi a 31 de maio d'esse anno e em 16 de julho o presidente officiou ao Ministro da Guerra, perguntando se o Governo estava disposto a elevar a força do exercito ao que era em 1814, como a commissão julgava indispensavel.

A 17 de novembro do mesmo anno responde o Ministro da Guerra que só quando se receasse uma guerra na Europa se elevaria a força do exercito.

Como se vê, esteve a commissão perto de 6 mezes sem nada fazer á espera da resposta do Ministro.

Em 25 do mesmo mez de novembro o presidente da commissão, Duque de Saldanha, officiou ao Ministro em nome da mesma commissão, dizendo que a esta lhe parecia inutil emprehender quaesquer trabalhos sem se saber qual seria a força combatente.

A 3 de março de 1860 o Duque da Terceira respondeu á commissão que o Governo, sem aggravar as finanças, tratava de satisfazer as exigencias de um bem combinado plano de defesa.

Corriam as cousas com esta morosidade quando em abril d'esse anno falleceu o Duque da Terceira, Ministro da Guerra. A commissão andou todo este tempo em troca de officios, mas a respeito de trabalhos, nada.

Em 1860 entra para o Ministerio da Guerra Belchior José Garcez e pouco depois officiou á commissão para que consultasse, os seguintes pontos:

1.° Quantas linhas de fortificação deviam ser construidas para defender a capital, na hypothese de dispormos de 50:000 homens para operar nas suas proximidades;

2.° Qual a situação d'essas linhas;

3.° Por qual d'ellas se devia começar a construcção.

Ficou tudo em papeis, officios, informações, e não se chegou a resultado algum positivo.

A consulta da commissão sobre estes pontos não foi nunca enviada ao Governo.

Em 1861, sendo Ministro da Guerra, o Marquez de Sá da Bandeira veio á Camara dos Senhores Deputados com uma proposta de lei pedindo que lhe fornecesse os meios para poder fortificar Lisboa.

Pediu 300 contos de réis para começar essas obras. A Camara patrioticamente votou que se lhe concedessem 400 contos de réis, sendo 300 contos de réis para as linhas de defesa de Lisboa e seu porto e 100 contos de réis para as do Porto e barra do Douro. O Sr. D. Pedro V, que estava então em Oliveira de Azemeis, quando soube que a proposta foi approvada, enviou um telegramma de congratulação ao Ministro da Guerra manifestando a sua grande satisfação por esta patriotica medida.

Mas depois continuou tudo na mesma situação e só dois annos depois se assentou no plano a seguir, e em 30 de dezembro de 1863 teve logar a inauguração das obras de fortificação da Serra do Monsanto a que assistiu a Familia Real.

Como se vê desde 1852 a 1861 — em nove annos — nada se fez. Levou-se todo este tempo em officios e consultas, nomeação de commissões, etc., etc.

Em 1888, na sessão de 9 de junho, censurava o Sr. Baracho, n'um notavel discurso, o Sr. Conde de S. Januario, então Ministro da Guerra, por não existir um plano detalhado de defesa cio paiz.

Eram então passados trinta e seis sem nada se ter feito de util e proveitoso.

Actualmente passados cincoenta e quatro annos estamos na mesma situação.

Pergunto eu á Camara se entende que este estado de cousas deve continuar.

Mas não para aqui.

Abre-se segundo periodo de organizações para estudar a defesa do paiz sempre com os mesmos resultados improficuos.

Sr. Presidente: Entramos no segundo periodo.

1.°

Em 22 de dezembro de 1880, sendo Ministro da Guerra, José Joaquim de Castro publicou uma portaria que está inserta na Ordem do Exercito n.° 1 de 1881, mandando organizar uma commissão consultiva para estudar a defesa do reino. Essa portaria diz em resumo o seguinte:

Julgando conveniente que todos os negocios relativos á defesa do reino sejam resolvidos por modo que correspondam a um plano methodico e defensivo;

Considerando muito vantajoso que as questões que importam a organização defensiva do paiz sejam submettidas ao exame de uma corporação onde estejam representados os diversos conhecimentos especiaes;

Considerando que é de toda a conveniencia que se estude ao mesmo tempo a organização do exercito e se aprecie o melhor aproveitamento das praças de guerra e as vias de communicações militares, etc., etc., nomeio a alludida commissão.

2.°

Em 7 de setembro de 1881, sendo Ministro da Guerra, o Sr. Sanches de Castro publicou na Ordem do exercito n.° 30, pag. 302, alterações de commissões consultivas organizada s pouco tempo antes pelo Sr. José Joaquim de Castro.

Diz que, reconhecendo-se que as attribuições da commissão consultiva de defesa do reino não estavam claramente definidas no decreto da sua organização, julga conveniente variar a sua constituição de modo que os seus membros accumulem o seu serviço com outro.

Dá outra constituição á commissão, podendo ser presidida pelo Ministro, e fazendo parte os directores geraes das armas: Restringe a sua acção a emittir exclusivamente o seu parecer sobre os assumptos que interessem directamente a defesa do reino acêrca dos quaes o Governo julgue consultal-a.

3.°

Em 7 de março de 1888 o Sr. Conde de S. Januario, então Ministro da Guerra, dá uma nova organização á commissão e denomina-a commissão superior de Guerra. N'este diploma reconhecia-se a importancia das vias de communicação, e em especial das linhas para a concentração de operações e pela sua ligação com a defesa cujo estudo já estava commettido á commissão consultiva de defesa do reino.

4 °

Em 14 de janeiro de 1885, sendo Ministro da Guerra o Sr. Pimentel Pinto, soffre a commissão superior de guerra nova organização. Alterou-se a sua composição e definiram-se mais detalhadamente os fins a que são destinadas as diversas commissões.

Ficou determinado que á Commissão Superior de Guerra lhe ficava pertencendo o estudo de todas as questões concernentes á preparação da guerra e á coordenação e verificação dos trabalhos executados pelas commissões de aperfeiçoamentos das diversas armas e serviços e outras estações officiaes, com o fim de melhorar as condições do exercito e da defesa do paiz.

5.° A Commissão Superior de Guerra

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soffre uma nova transformação na gesencia do Sr. Sebastião Telles.

Foi esta commissão reconstituida pela organização de 7 de setembro de 1889 (Ordem do Exercito n.° l, de 23 de dezembro do mesmo anno).

Foi esta commissão encarregada de elaborar os planos de operações e fortificações e verificar :os trabalhos de preparação feitos pelas estações officiaes.

Ficou a commissão com tres secções:

1.ª Defesa do paiz;

2.ª De communicações;

3.ª De fortificações.

A 1.ª estudava os planos de operações para a defesa do paiz, propunha os trabalhos de preparação de guerra, que devem ser executados pelas estações dependentes do Ministerio da Guerra e dirigia e verificava os mesmos trabalhos.

A 2.ª estudava o aproveitamento em tempo de guerra dos caminhos de ferro, telegraphos e mais vias de communicação e meios de transporte e propunha as modificações a introduzir n'estes ramos de serviço.

Á 3.ª pertencia elaborar os planos de fortificação terrestre e maritima a empregar na defesa do paiz em harmonia com os planos das operações estudadas.

Esta organização, que parecia ser a mais consentanea aos interesses do exercito e do paiz, durou o que duram as rosas.

6.°

Em 12 de dezembro de 1900, e sendo Ministro da Guerra o Sr. Pimentel Pinto, é novamente alterada a Commissão Superior de Guerra, ficando com attribuições meramente consultivas e para dar parecer em ultima instancia sobre os assumptos que interessam a defesa e as institutições militares do paiz que o Ministro de Guerra julgue submetter á sua apreciação.

Ficou organizada com tres secções:

1.ª Commissão de fortificações;

2.ª Commissão militar de caminhos de ferro;

3.ª Commissão militar de telegraphos.

Esta organização durou quatro annos, de 19 de dezembro de 1900 a 24 de dezembro de 1904.

7.°

N'aquella data— 24 de dezembro de 1904 — Ministro da Guerra o Sr. Sebastião Telles — é novamente reformada a Commissão Superior de Guerra.

Diz-se outra vez: «Tendo a experiencia demonstrado que as commissões organizadas por decreto de 12 de dezembro de 1900 não satisfizeram ao fim a que eram destinadas; attendendo a que a Direcção Geral dos Serviços do Estado Maior pelos multiplos serviços que por lei lhe pertencem não pode tratar do plano de operações para a defesa do paiz; attendendo a que as commissões militares dos caminhos de ferro e dos telegraphos não possuem os elementos necessarios para proceder aos estudos que lhe foram incumbidos; considerando a necessidade de proceder á elaboração dos planos de operações para 'a defesa do paiz e mais trabalhos de preparação da guerra, etc., etc.», outra vez se organiza esta commissão.

Sr. Presidente: pergunto a V. Exa. e á Camara, se em vista dos factos que tenho apontado, em vista das transformações successivas por que tem passado a Commissão Superior de Guerra, em vista de tantas commissões que teem sido nomeadas para estudar a defesa do paiz, sem que até hoje nada esteja assente, pode alguem combater uma medida que tenta dar estabilidade ás nossas instituições militares?

Deixo á consciencia recta dos membros d'esta Camara a resposta.

A verdade, porem, é que, após tão repetidas evoluções, nada se tem feito, absolutamente nada do que tanto importa á defesa do paiz.

Desde 1880 até 1904, em 24 annos teve 7 modificações a Commissão Superior de Guerra, que primeiro se chamou Commissão Consultiva.

Pode-se dizer afoitamente que desde 1852 até hoje — ha 54 annos — a commissão não tem senão passado por diversas e successivas alterações, conforme a opinião e o criterio de cada Ministro, o que a tem impossibilitado de tratar devidamente una assumpto de tanta magnitude como é n defesa geral do paiz.

A bem dos interesses da defesa nacional é impossivel deixar continuar um tal estado de cousas.

Até hoje nada está completamente assente e definido. Ha apenas trabalhos provisorios.

Pode bem calcular-se o que teria succedido se o nosso exercito tivesse tido de entrar em campanha.

Sem nada estar assente, sem ninguem saber qual o papel que devia representar, sem estar definido o ponto onde haviamos oppor resistencia ao inimigo.

Que perturbações, que hesitações, que confusão não se dariam antes de tudo estar preparado.

Na consciencia de todos está que isto não pode continuar assim e que é necessario um remedio qualquer, este ou outro, que nos livre d’estas successivas alterações e incertezas, que muito graves hão de ser no momento do perigo.

Não ha de ser quando o inimigo nos invadir, por maior que seja o talento do general que for investido no commando supremo do exercito, que poderá dar a solidez moral e material indispensavel á força armada se tudo não estiver methodizado durante a paz.

Gasta-se já, actualmente, com o nosso exercito perto de 8:000 contos, o que representa um grande sacrificio arrancado ao paiz, e, finalmente, — triste é dizel-o — se ámanhã tivermos a desgraça de vermos ás nossas portas o inimigo, difficultosamente saberemos como proceder á mobilização das tropas, e onde o devemos esperar, que meios de defesa havemos de empregar. Os primeiros momentos serão de uma completa hesitação por ninguem saber como ha de proceder.

Isto relativamente á Commissão Superior de Guerra.

Pelo que respeita ás organizações militares, estamos em identicas circumstancias. Tem succedido o mesmo que á Commissão Superior de Guerra. Tem soffrido muitas e variadas alterações.

Desde 1863, em que se fez uma organização do exercito, da iniciativa do então Ministro da Guerra Sá da Bandeira, até 1884 não se fez propriamente nenhuma organização do exercito.

O exercito reconhecia a necessidade de uma nova organização militar.

Appareceu então a reforma de 1834, de Fontes Pereira de Mello.

Todos devem estar lembrados das peripecias que se deram no Parlamento por essa occasião. A reforma não satisfazia ás aspirações do exercito.

O projecto passou na Camara dos Senhores Deputados; porem Fontes não conseguiu arrancal-o á approvação da Camara dos Dignos Pares do Reino.

O que fez S. Exa. dias depois das Camaras encerradas?

Nomeou uma commissão composta de 19 individuos dos mais distinctos do exercito, e apresentou-lhe as bases em que a mesma devia trabalhar para formular a nova reforma. Deu, porem, tão estreitos limites á commissão, metteu-os em talas tão apertadas, deu-lhe tão estreitos limites pecuniarios que o resultado foi a reforma sair aleijada.

O Sr. Fontes dizia que só havia de gastar mais 270 contos, que era o que elle calculava lhe haviam de produzir as remissões.

Logo após a sua publicação se pediu a substituição por uma outra que satisfizesse ás exigencias do exercito.

A reforma de Fontes Pereira de Mello foi, pois, recebendo successivas alterações, de forma que em 1899 já quasi nada existia da reforma de 1884 a não ser o titulo, porque o mais tinha sido alterado por successivos documentos. E foram os seus correligionarios que mais alterações lhe fizeram.

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A commissão nomeada em 26 de maio de 1884 para tratar de apresentar a reorganização do exercito era composta dos seguintes officiaes:

Generaes de divisão: Augusto Xavier Palmeirim, Jeronymo da Silva Maldonado de Eça e Antonio de Mello Breyner; generaes de brigada, João Manoel Gordeiro, João Pinto Carneiro, João Leandro Valladas, Joaquim Antonio Dias e José Cyrillo Machado; coroneis, de engenharia: Caetano Pereira Sanches de Castro; artilharia: Paulo Eduardo Pacheco, cavallaria: David Antonio Cesar da Silva Froes; e de infantaria: José Maria de Almeida; tenente-coronel do corpo de estado maior, Conde de S. Januario, major de infantaria, Joaquim Theotonio Cornelio da Silva, capitão do corpo de estado maior, Antonio José de Ávila, de engenharia, Carlos Roma du Bocage, de artilharia, Antonio Vicente Ferreira Montalvão, de cavallaria, Filippe Nery da Silva Barata, e de infantaria, José Estevam de Moraes Sarmento.

Ao todo 19 membros.

Estes officiaes eram dos mais distinctos do exercito e se não fizeram melhor trabalho foi, como disse, pelas es treitas bases que lhe deram para fazer o seu trabalho.

Em 1899 veio a organização apresentada pelo Sr. Sebastião Telles, a qual foi julgada pelas opiniões mais entendidas no assumpto como sendo a mais harmonica com os interesses do paiz, com os do exercito, e ainda a mais consentanea com as nossas condições economicas.

Foi o assumpto, ou melhor, foi tal reforma tratada com ampla liberdade de discussão, em grande numero de sessões da commissão da Camara dos Senhores Deputados, e depois de larga discussão e de muito trabalho, foi approvada pelo Parlamento.

Chegou depois ao Governo o Digno Par Sr. Pimentel Pinto, e a primeira cousa de que S. Exa. tratou foi derogar a obra do seu antecessor; quero crer que o fez por estar convencido que as suas medidas eram mais uteis e mais vantajosas aos interesses do exercito, mas nem por isso esse facto deixou de trazer grandes perturbações ás instituições militares.

Sr. Presidente: podem dizer-me para que foi o Sr. Sebastião Telles fazer uma reforma do exercito?

Foi porque o exercito pedia por todas as formas, nos jornaes militares, nos jornaes politicos, por todos os meios, uma reforma que satisfizesse aos modernos principios da sciencia da guerra.

Tanto d'esta necessidade estavam todos convencidos, que no Discurso da Coroa de janeiro de 1896, estando no Governo o partido regenerador, promettia tratar da organização do exercito e dizia:

Alem d'essas providencias, e das que foram já propostas na ultima sessão legislativa, outros vos serão ainda apresentadas pelo meu Governo, no proposito de melhorar importantes ramos da administração publica.

Entre vias as que se referem á organização dos exercitas do continente e ao ultramar, igualando-se quanto possivel o accesso dos officiaes das diversas armas.

O Sr. D. Luiz da Camara Leme, na sessão d'esta Camara de 15 de junho de 1897, apresentou um projecto de reforma do exercito, e entre outras cousas dizia o seguinte:

Tarde ou cedo a reorganização do exercito nas condições referidas é fatal. Escrevendo esta pobre Memoria não me preoccupei senão com as circumstancias do paiz, principalmente sob dois aspectos: o financeiro e o da autonomia, não esquecendo comtudo os legitimos interesses dos meus camaradas, pelos quaes tenho sempre pugnado com solicitude na imprensa e no Parlamento.

Constituiria, um crime defesa-nacionalidade e economia o adiamento da questão, por fraqueza ou conveniencias politicas.

Na sessão d'esta Camara de 22 de junho de 1897, depois de ter deixado a pasta da guerra em 7 de fevereiro d'esse anno — quatro mezes e meio decorridos — tendo gerido a pasta da guerra quatro annos menos dias, tambem o Sr. Pimentel Pinto apresentou uma organização do exercito, em que S. Exa. dizia o seguinte:

Sr. Presidente: pedi a palavra, para mandar para a mesa um projecto de lei sobre a reorganização das nossas forcas militares no continente do reino e ultramar.

É um projecto antigo que estava sepultado n'uma das minhas gavetas e que por certo ali se conservaria se eu não quizesse seguir o exemplo do Digno Par o Sr. D. Luiz da Camara Leme. S. Exa., querendo que o paiz e o Governo conhecessem a sua opinião em assumpto de tanta importancia, despertou em mim desejo identico.

Outro, muito mais modesto é o fim que tenho em vista; pretendendo apenas pôr na tela da discussão algumas questões que interessam a nossa defesa militar, antes que o Governo apresente ao Parlamento duas propostas de lei que annunciou no discurso da Coroa, e sobretudo antes que elle tome qualquer resolução que difficulte ou que não permitta depois a boa e economica organização da nossa força publica pelo unico modo que ella se me afigura ainda possivel.

Na base 1.ª d'este projecto lê-se o seguinte:

O territorio do continente do reino será repartido para a organização do exercito e das reservas em quatro divisões militares territoriaes subdivididas em districtos de recrutamento e reserva.

Sr. Presidente: eu logo mostrarei como S. Exa. cumpriu estas suas disposições. Antes de ir mais adeante tendo de declarar que não desejo fazer referencias desagradaveis para ninguem e muito menos para o Sr. Pimentel Pinto, com quem mantenho as melhores relações pessoaes, que muito aprecio; mas se me refiro estes factos é para provar a instabilidade das nossas instituições militares, e a necessidade de evitar que continue este estado de cousas e para mostrar a urgencia do projecto que estamos discutindo e de que tenho a honra de ser relator.

Em fevereiro de 1898 o Sr. Francisco Maria da Cunha, então Ministro da Guerra, apresentou tambem á Camara dos Deputados umas bases para a reforma do exercito.

Em 1890 tambem o Sr. Antonio de Serpa mandou elaborar umas bases que enviou á commissão superior de guerra para sobre ellas aquella illustre corporação delinear uma reforma do exercito. Este trabalho foi impresso, e se não chegou a ter viabilidade foi porque esse Governo durou o que duram as rosas. Caiu por causa do tratado inglez em 13 de outubro d'esse anno.

Em 1899 apresentou á Camara dos Senhores Deputados o Sr. Sebastião Telles a sua reforma que foi approvada depois da mais cruenta opposição.

Eu ouvi dizer aos entendidos que essa reforma era moldada nos mais scientificos principios e em harmonia com os recursos do paiz.

Chega novamente ao Ministerio da Guerra o Sr. Pimentel Pinto em 1901 e, em virtude de uma auctorização parlamentar que lhe não permittia augmentar a despeza, fez outra reforma annullando por completo a anterior, que mal tinha tido tempo de ser posta em execução, não se conhecendo ainda bem os seus effeitos.

Esta reforma não deixou nada da reforma anterior.

Ora basta dizer-se que a organização militar do Sr. Pimentel Pinto passou de quatro a seis divisões militares, o que quer dizer que houve um augmento de um terço, de modo que havia forçosamente gastar-se mais dinheiro, e se não se gastou logo todo foi porque não foram definitivamente organizadas as diversas unidades.

Ficou muita cousa para se completar depois.

Alem d'isso S. Exa. deixou os batalhões com tres companhias, ficando para mais tarde criar as quartas.

Ora eu não conheço paiz algum do mundo em que isto succeda.

Dizia V. Exa. que havia de fazer a reforma sem augmentar a despesa, mas é claro e evidente que desde que se passar de quatro a seis divisões, a despesa não pode ser a mesma.

Demonstrou o Sr. Sebastião Telles n'esta Camara que quando a reforma se completasse o augmento de despeza havia de ser superior a 600:000$000 réis.

Este discurso do Sr. Sebastião Telles é de 11 de marco de 1902.

Quasi todos os militares estão de accordo que nós não podemos ter seis di-

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visões militares, porque não temos recursos para isto e que o exercito deve ser organizado segundo as condições economicas do paiz, para que não succeda como actualmente, que não temos soldados para dar instrucção ás diversas unidades, nem para as manter no effectivo exigido pelos principios scientificos.

Para isto se fazer era preciso um effectivo de 30:000 homens, com o que se gastava muito dinheiro que nós não temos, nem é possivel levar o paiz a fazer mais sacrificios.

Sr. Presidente: está mais que provado que os Srs. Ministros da Guerra não estão de accordo uns com os outros, o que é grave, mas o que é muito peor ainda é que nem estão de accordo comsigo mesmo.

Como a Clamara viu, o Sr. Pimentel Pinto poucos dias depois de sair do Ministerio apresentou ao Parlamento uma proposta de organização militar, e disse que a tinha ha muito fechada na sua gaveta, e que a apresentava para se saber qual era a sua opinião e o seu modo de pensar sobre tal assumpto.

Não foi um trabalho feito sobre o joelho, que S. Exa. tivesse de apresentar em prazo certo, foi um trabalho muito meditado, pacientemente elaborado, depois de maduro e aturado estudo.

Ora, quando um individuo faz um trabalho e o mette na sua gaveta, o que succede a muitos escriptores no inicio da sua carreira, pensam muito sobre esse trabalho, tiram-n'o da gaveta varias vezes para o rever, para meditar sobre elle, para depois de alterações successivas o apresentarem a publico.

N'estas circumstancias esse trabalho traduz certamente o pensar reflectido e muito meditado do seu auctor.

Foi evidentemente o que succedeu com S. Exa.; foi só depois de muito e meditado estudo que o Digno Par elaborou o seu projecto, o refundiu muitas vezes e o apresentou depois á Camara. Nem se pode conceber outra cousa, pois que ninguem obrigou S. Exa. a apresentá-lo, nem tinha necessidade d'isso.

Como a Camara viu, n'esse projecto estabeleciam-se quatro divisões.

Ora S. Exa., n'um estudo bem pensado e reflectido, chegou á conclusão firme e segura que o exercito devia ter apenas quatro divisões militares.

Pouco tempo depois, em 1900, S Exa. volta novamente a Ministro da Guerra e, em virtude de um acto de dictadura ou de uma auctorização, de creta uma reforma militar, não a que S. Exa. apresentara ao Parlamento com quatro divisões, mas outra com seis divisões, de onde se pode concluir que os Ministros da Guerra n só estão de accordo uns com os outros, e que até não concordam comsigo mesmo.

Diga-me V. Exa. e a Camara se isto podia continuar, se estes factos que tenho apresentado não são mais que sufficientes para se pôr cobro a esta verdadeira anarchia que prejudica todos os serviços, que traz toda a familia militar num sobresalto, sem saber no que ficamos.

Como hão de os officiaes estudar, er interesse pela sua profissão, se não sabem quanto tempo durarão as medidas decretadas?

Sempre que se annuncia uma mudança ministerial hão de julgar logo que teem novas reformas e que aquillo que estudaram de nada serve.

Em 1904 volta ao Ministerio da Guerra o Sr. Sebastião Telles e em L905 apresenta uma nova organização do exercito moldada pela sua de de 1899, voltando ás quatro divisões militares, porque S. Exa., inspirando-se no sentir dos seus camaradas e convencido que não tinhamos recursos para manter seis divisões, que estão e estarão ainda por muito tempo incompletas, tentou remodelar o exercito em bases mais consentaneas com os verdadeiros principios militares.

Em 9 de outubro doeste anno apresenta o Sr. Ministro da Guerra Vasconcellos Porto estas bases e outras propostas para reformar cousas militares.

Pode ou deve o paiz continuar á mercê de uma tal orientação?

Tem necessariamente de ser negativa a resposta. Desde 31 do outubro de 1884, data da reforma do Sr. Fontes, até 1906 apresentaram- se dez reformas e projectos de reformas do exercito.

Não podemos continuar assim sem saber o que se ha de fazer ámanhã na eventualidade de uma guerra.

O exercito não pode estar á mercê dos caprichos, das birras e das más vontades de uns Ministros pura com os outros.

É absolutamente indispensavel, inadiavel a criação de uma instituição que, como o Conselho Superior de Defesa Nacional, dê unidade, sequencia e es tabilidade ás nossas instituições militares. Todos estão de accordo n'isto, divergindo algumas auctoridades no modus faciendi.

Mas eu não encontro outra medida melhor do que esta que estou discutindo.

Disse o Digno Par o Sr. Sebastião Baracho que este projecto contem ma teria anti-constitucional. Se tivesse tem pó demonstraria largamente o contra rio.

Não desejo, porem, levar a palavra ; para a casa, e portanto tenho de resumir as minhas considerações, não podendo apresentar uma demonstração cabal para assim refutar a affirmativa de S. Exa. Direi unicamente que o projecto não me parece anti-constitucional, porque tudo quanto fizer o Supremo Conselho de Defesa Nacional que dependa de sanccão legislativa, virá á Camara para lhe dar ou negar a sua approvação. Só depois d'isso é que as suas medidas terão execução.

Nem os dignos officiaes que hão de compor o Supremo Conselho de Defesa Nacional hão de persistir em resoluções que se julguem contrarias aos interesses da patria, nem por seu lado os Srs. Ministros se impulsionarão por quaesquer caprichos ou intransigencias descabidas.

Creio que no espirito de todos dominará tão somente o desejo de attender aos verdadeiros interesses nacionaes.

Dir-se ha: então ficasse a Commissão Superior de Guerra.

Quanto a isto devo declarar que me dá mais garantia de bom êxito a criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Quer a Camara saber porquê?

É porque a Commissão Superior de Guerra pode ser alterada a qualquer momento por um simples decreto, ao sabor e ao capricho de qualquer Ministro, e o que se estabelece no projecto só pode ser modificado em virtude de uma outra providencia legislativa ou por qualquer acto de dictadura, mas as dictaduras não se fazem quando se quer.

Segundo o meu entender, não ficam por este projecto cerceadas as attribuições parlamentares.

A base IV acautela bem as regalias do Parlamento.

Assim diz:

As deliberações do Supremo Conselho de Defesa Nacional serão communicadas aos respectivos Ministros da Guerra e da Marinha, a cargo dos quaes fica o seu desenvolvimento e execução, ficando dependente da approvação das Côrtes todas as alterações ás leis organicas e os creditos necessarios para occorrer ás despesas.

Pois não está n'esta base perfeita e claramente definido que o Supremo Conselho não pode invadir as attribuições parlamentares?

Sempre que tiver de fazer alterações ás leis organicas, essas alterações hão de ser traduzidas n'uma proposta e vir ao Parlamento para a approvar.

As duvidas dos Dignos Pares estão perfeitamente acauteladas. As attribuições parlamentares estão perfeitamente garantidas.

V. Exa. disse outro dia, e muito bem, que estimaria muito que a commissão de guerra effectuasse uma organização do exercito que merecesse o

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applauso de todos. Tambem eu tenho o mesmo desejo, mas essa commissão não tem attribuições para isso, não tem iniciativa, não tem poderes.

Se por seu livre alvedrio estudasse uma organização, qual o meio para a fazer vingar? O Ministro não era obrigado a pol-a em vigor, e esse trabalho ficava perdido.

Sabendo de antemão que o trabalho que fizesse de nada serviria, quem é que se abalançava a estudar, ou expor os seus conhecimentos sem ter ordem para isso?

Agora, depois de approvado este projecto, já a commissão tem attribuições que lhe dá a lei, e tem iniciativa para propor o que entender mais conveniente para o bem do exercito e do paiz, e o Ministro da Guerra qualquer que elle seja tem de acatar e pôr em execução os seus trabalhos.

Dizem S. Exas. que ficam cerceadas as attribuições do Ministro da Guerra.

Não ha duvida, mas é para evitar as demasiadas attribuições que tem e de que teem feito demasiado uso, que se adoptam estas medidas, afim de evitar alterações successivas e muitas vezes caprichosas das instituições militares.

O supremo conselho fica com maiores faculdades e com mais estabilidade porque só por uma lei pode ser derogado.

O Sr. Ministro da Guerra podia effectivamente modificar esta instituição, não ha duvida; mas para o fazer tinha de recorrer a um acto de dictadura.

Aqui tem V. Exa. a razão por que eu entendo que a doutrina d'este projecto é util e vantajosa para o exercito e a Camara o deve approvar para que as instituições militares não estejam todos os dias a soffrer alterações ao capricho de qualquer Ministro. Assim o exercito sabe que as suas reformas são feitas pelo proprio exercito, pelos seus officiaes mais competentes e hão de ter estabilidade.

Se S. Exas. inventassem outra cousa melhor que tenha estabilidade, que não possa ser derogada facilmente, bom era, porque eu não tenho até hoje visto que os que teem combatido este projecto tenham apresentado propostas que resolva ou substitua esta, dando mais vantagens e mais garantias.

Para que V. Exa. e a Camara vejam a instabilidade das nossas instituições militares, vou ainda referir-me a outros factos.

Toda a gente conhece as luctas e as opiniões que tem havido para se saber como nós havemos de defender o nosso paiz, e quaes os pontos de concentração onde havemos de esperar o inimigo se tivermos a desgraça de sermos atacados.

Houve tempo em que se queria que nós esperássemos o inimigo o mais proximo possivel das fronteiras e para isto fizeram se muitos estudos, escreveram-se muitas memorias, fizeram-se muitos levantamentos de terreno, etc., etc.

Depois este plano foi absolutamente abandonado.

Em seguida pensou-se em estabelecer campos entrincheirados. Mandou-se estudar o terreno para estabelecer um em Celorico, comprehendido entre esta posição Guarda, Trancoso e Serra da Estrella.

Fizeram-se estudos do terreno, fizeram-se exercicios militares nas suas proximidades, escreveram-se memorias etc., etc. Despertou um grande enthusiasmo entre os militares o campo entrincheirado em Celorico. De repente faz-se uma callada completa em torno d'este plano. Nunca mais se ouviu falar em campo entrincheirado em Celorico. Passou de moda. Apareceram outras ideias novas. Por essa occasiào tambem se ouviu falar n'outro campo entrincheirado no Alemtejo, parece-ine que entre Estremoz e a Serra de Ossa. Tambem se mandaram fazer reconhecimentos, exercicios, estudos, se escreveram memorias, se impulsionaram os espiritos por este plano.

Passa-se tempo, succedeu o mesmo que a todos os outros anteriormente concebidos.

Nunca mais se falou em tal.

Morreu á nascença.

Mais tarde imaginou-se esperar o inimigo mais no interior do paiz. Para ,a execução d'este plano, concebeu-se um campo entrincheirado proximo de Tancos, comprehendido entre os rios Tejo, Zezere, Nabão e a estrada districtal n.° 51, tendo como guarda avançada a praça de Abrantes. Ignoro se este plano tambem foi ou não posto de parte, pois ha muito que não ouço falar n'elle.

Ouvi tambem falar que entrava no plano da defesa de Lisboa fortificar a peninsula de Setubal. E provavel que este plano não tenha sido abandonado, porque o Tejo já não basta para a capital se julgar defendida, pois o grande alcance da artilharia moderna é mais que sufficiente para bombardear Lisboa, sendo collocada em ponto distante da margem esquerda.

Por isso creio que este plano não estará posto de parte.

Mais tarde pensou-se que só se havia de defender o paiz fortificando as duas cidades, Lisboa e Porto.

Como se previsse que o inimigo podia occupar parte do paiz, porque estando de posse das provincias do norte tirando todos os recursos ás forcas de defesa, o que seria muito prejudicial, este plano foi ainda abandonado e imaginou-se então concentrar só em Lisboa a defesa do paiz.

Veja V. Exa. que diversidade de planos e ideias em assumptos de tão capital importancia.

Vamos agora a ver o que aconteceu com o plano de concentração das forças apenas nas proximidades de Lisboa. Tambem é curioso o que tem acontecido.

Imaginou-se primeiro que para defender a capital era necessario tres linhas de defesa, ou antes quatro. As opiniões mais auctorizadas eram que a defesa da capital fosse mais exterior, o mais distante possivel.

A primeira linha de fortificações devia ter a sua extrema direita em Santarem apoiada no Tejo, passando pelas alturas de Rio Maior, e indo apoioar a extrema esquerda em Peniche, no Oceano.

A segunda linha tinha a. extrema direita na Alhandra, passava pelas alturas do Sobral de Monte Agraço e terminava na foz do rio Sizandro, tambem no Oceano. Eram as antigas linhas de Torres Vedras.

A terceira tinha a sua extrema esquerda na Povoa de Santa Iria passava por Mafra e ia terminar em Safarujo, proximo da Ericeira.

A quarta, a mais interior, apoiava a sua extrema direita em Sacavem e a esquerda em S. Juião da Barra. Este plano, que parecia dever estar assente, foi tambem em parte modificado.

A praça de Peniche, que era considerada um ponto importante para se apoiar a extrema esquerda da linha exterior, foi desclassificada, está hoje abandonada. Uma praça que sempre foi considerada pelas sumidades militares de uma grande importancia foi posta de parte, e nem ao menos foram aproveitados os seus magnificos quarteis para a installação de alguma força militar. Única praça que desde o seu inicio, no tempo de D. Sebastião, continuada pelos Filipes e considerada de uma grande importancia por officiaes sabedores da arte da guerra, está reduzida a ter um destacamento de sargento.

A prova da grande importancia que lhe ligaram é que se chegou a construir a estrada militar de Santarem a Peniche.

Está hoje posta de parte, quasi esquecida.

Atrevo-me n'esta occasião a pedir ao illustre Ministro da Guerra que olhe com attenção para esta praça, porque pode ainda ter muita importancia para a defesa do paiz.

Até pelas suas tradições deve ser aproveitada. Actualmente está abandonada e d'aqui a alguns annos não terá apenas vestigios de ter sido uma praça de guerra de primeira classe.

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Como disse, os militares antigos como Sá da Bandeira, o General Schalmich, o General Sobral, que escreveu uma memoria sobre esta praça, Osorio de Vasconcellos e outros davam uma grande importancia áquelle ponto fortificado.

A praça de Peniche está rodeada de fortes cujos fogos conjugados com os das suas baterias muito auxiliariam a defesa. Tem uma bella fortificação na Ilha das Berlengas, que lhe fica fronteira.

Tem mais dois pontos fortificados, um na ilhota do Baleal e outro na Consolação.

Os militares antigos, os mais notaveis do nosso exercito, davam uma grande importancia á praça de Peniche e eu supponho que é um erro a sua desclassificação, pois em caso de guerra podia ao menos servir de ponto de apoio e de refugio para as nossas tropas se por ventura se ferisse uma batalha nas proximidades e não ficassem victoriosas.

Vê V. Exa., Sr. Presidente, e vê a Camara a diversidade de planos e de opiniões que tem havido a respeito da defesa do nosso territorio sem nada estar assente, sem nada estar definido sem se saber mesmo o que se ha-de fazer. Pode dizer-se que cada cabeça cada sentença, cada Ministro cada plano differente, cada epoca, sua variação.

São estes factos que suncintamente tenho exposto á Camara, e ha muito do meu conhecimento, e de todo o exercito, que me levam a defender este projecto, fazendo votos para que produza o resultado que o Sr. Ministro da Guerra espera e que todos desejam.

A Camara toda sabe que os nossos soldados teem affirmado brilhantemente em todas as epocas o seu valor, o seu heroismo, a sua dedicação á patria em diversos feitos que muito nos devem orgulhar e envaidecer.

Ainda ultimamente se praticaram actos verdadeiramente heroicos em Africa que provam que a raça portugueza não perdeu ainda as suas qualidades.

O exercito portuguez soube honrar as tradições dos seus antepassados e honrar a patria, mostrando ao mundo qual é o seu valor.

Quando terminou o guerra peninsular, em que o exercito portuguez tomou uma parte tão notavel, Napier, official inglez, vendo o heroismo com que as nossas tropas combateram ao lado das suas e fazendo ao seu Governo o relatorio dos acontecimentos, disse que considerava os soldados portuguezes os mais bravos do mundo.

Disse Napier que os soldados portuguezes na batalha de Toulouse, ultima da guerra peninsular, se podiam comparar aos macedonios de Alexandre em Arbelles, com os de Anibal em Cannas, com os romanos de Cesar em Pharzalia e com a velha guarda de Napoleão em Austerlitz.

Deve ser consolador para nós saber o bom conceito em que foi tido o nosso exercito.

Porem, todas estas notaveis qualidades de nada servirão se não estiver tudo preparado no momento do perigo segunde os modernos processos de fazer a guerra e nós infelizmente nada temos assente.

É quasi inutil dizer que é durante a paz que se preparam os exercitos para a guerra.

Disse o Ministro da Guerra allemão, aqui ha annos, no Parlamento, em que, pedindo augmento de forças, encontrou grande opposição, porque só para a artilharia pedia um augmento de 80 baterias, o seguinte:

Os acontecimentos da guerra hispano-americana provaram com uma clareza espantosa por que preço se paga a falta de uma preparação para a guerra feita com toda os cuida dos durante a paz.

Esta obrigação se impõe a todas; as nações que desejem ter estabilidade e consideração.

O futuro continuará igualmente a provar que um exercito bem organizado é o mais solido apoio de um Estado e o melhor penhor da paz.

Por isto vê a Camara como as nações poderosas encaram os assumptos militares.

Nós não podemos ficar atraz do movimento que se opera em toda a parte

Disse o Digno Par Sr. Baracho que a Commissão Superior de Guerra podia desempenhar o mesmo papel que vae desempenhar o Supremo Conselho de Defesa Nacional.

A meu ver não podia porque não tem as attribuições que vae ter esta instituição e eu já mostrei a instabilidade a que tem estado sujeita, as alterações que tem soffrido, que é o peor dos seus defeitos.

O Supremo Conselho de Defesa Nacional tem iniciativa que a Commissão Superior de Guerra não tem e não pode ser facilmente modificada ao sabor de qualquer Ministro.

Só pode ser modificada em virtude de uma outra providencia legislativa ou por qualquer acto de dictadura, o que nem sempre é facil a qualquer Ministro obter. Exemplos muito recentes provam o que acabo de affirmar.

O projecto não é inconstitucional como aqui se tem dito porque a ini-iniciativa do Supremo Conselho de Defeza Nacional, em assumptos de importancia capital, depende absolutamente da sancção parlamentar, como claramente está expresso n,i base IV do projecto.

O Digno Par Sr. Baracho disse que as armas de infantaria é cavallaria eram tratadas com grande desprimor porque se lhe não dá logar para cooperarem nos estudos dos diversos assumptos em que figuram só officiaes das outras armas.

Não tem razão o Digno Par.

Não ha no projecto nenhuma palavra que represente o menor desprimor para com as armas de cavallaria e infantaria, porque teem os seus representantes.

Na base 2.ª do projecto vem:

A secção do exercito tem a seguinte composição: tres generaes de divisão, sendo um o presidente do conselho, general do exercito;

Tres generaes de brigada, membros do Conselho General do Exercito;

Três generaes de brigada, tendo feito carreira respectivamente pelas armas de infantaria, cavallaria e artilharia.

Ahi tem o Digno Par o Sr. Baracho como as duas armas a que S. Exa. se referiu estão bem representadas, igualmente como a artilharia, nos serviços a que o projecto se refere.

Sr. Presidente: ha muito que todos vinham pugnando pela necessidade de se criar uma corporação que. estudasse os assumptos militares, dando-lhe a maior estabilidade, que tivesse iniciativa propria, que não estivesse sujeita aos caprichos d'este ou d'aquelle Ministro.

Em virtude das successivas reformas que nos ultimos tempos se teem dado, e que trazia em sobresalto o paiz inteiro, que tinha conhecimento dos assumptos militares, em variadissimos discursos e em publicações varias se mostrava a necessidade de pôr um termo a tão ameudadas reformas.

Disse o Sr. Mendes Leal, na sessão da Camara dos Deputados de 6 de maio de 1900, que desde 1900 a 1904, periodo em que governou o partido regenerador, aã Ordens do Exercito que foram publicadas continham 11:000 paginas de legislação, decretos, leis, regulamentos, portarias e outras disposições diversas.

Já é febre de legislar!

Veja V. Exa., Sr. Presidente, e veja a Camara se este facto e os que tenho apontado não justificam a necessidade d'este projecto.

É porventura possivel continuarem as instituições militares sujeitas a tantas fluctuações?

Mas ia eu dizendo que por toda a parte se protestava contra tanta instatabilidade nos assumptos militares.

O Sr. Presidente do Conselho expôs a sua opinião a este respeito n'um discurso que fez na sessão nocturna de 24 de abril de 1901 na Camara dos Senhores Deputados.

Disse então S. Exa. p seguinte:

Absoluta continuidade de planos e de esforços — tal é a terceira condição.

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E para isso é indispensavel que á frente das instituições militares haja uma alta corporação, com independencia e auctoridade, á qual superiormente pertença a organização do exercito e tudo o que com essa organização se prende, ficando aos Ministros e á secretaria, a parte propriamente administrativa.

Sem isso, V. Exa., que é um antigo parlamentar, sabe o que succede .. os Ministros em Portugal entreteem-se a desfazer o que os seus antecessores fizeram. Todos querem ser reformadores, annullando hoje o que foi feito hontem, embora tenham a certeza de que a sua propria obra será por sua vez annullada ámanhã; e de toda essa instabilidade de planos resulta a anarchia e a desordem nos serviços, uma verdadeira teia de Pendope, excepto nos constantes augmentos de despesa, mas augmentos de despesa improductivos e estereis!

Chamem-lhe estado maior general, como na organização do exercito allemão, ou dêem-lhe qualquer outro nome, que eu não sou competente para o indicar; mas o indispensavel é que haja alguma cousa que sobreviva aos Ministros e que o Ministerio da Guerra faça com que o pensamento não seja interrompido nem annullado por uma substituição ministerial (Apoiados) e que aquillo que de uma vez se assente e se comece não seja modificado senão por motivos de ordem technica e pelos competentes, e não sob o ponto de vista particular do Ministro ou por quaesquer razões de ordem politica.

Sr. Presidente: V. Exa. ouviu qual a opinião do Sr. João Franco expressa n'este trecho do seu discurso que acabei de ler.

São estas as mais salutares theorias, é ao que todos os officiaes aspiram, é o que se ouvia e se ouve em toda a parte onde se versam assumptos militares.

Na sessão de 3 de maio de 1905, tambem na Camara dos Senhores Deputados, o Sr. João Franco, discutindo a nova reforma do exercito do Sr. Sebastião Telles, sustentou os mesmos principios.

Assim, dizia o illustre parlamentar:

«É necessario que a organização do exercito seja feita pelo exercito e que, concebida fora d'esta lucta acanhada da politica, venha para a vida definitiva como um producto de uma instituição que não pode acabar senão no dia em que a propria nação se extinguir.

Foi assim que a França, depois do desastre de 1870, organizou o seu exercito. Foi assim que a Allemanha procedeu; é assim que se observa em toda a parte com essa instituição de tanta necessidade e unica de quem se pode confiar, com segurança e sem receio, a independencia do paiz».

«E em terceiro logar a necessidade e a conveniencia de se collocar á frente do exercito uma alta corporação organizadora, não só para determinar as linhas gerais de uma remodelação militar, mas para continuar a acompanha-lo, a segui-lo nos momentos em que o precisasse e ao mesmo tempo para o defender de quaesquer ataques,' filhos de quaesquer interesses ou vaidades que a politica ou o amor proprio lhes possa trazer.

Não julgue que com isso se apoucam as funcções do Ministro da Guerra.

Uma cousa é a organização superior do exercito, outra é a administração superior do exercito, em que muito ha a fazer.

O exercito não pode andar aos baldões do Sr. Sebastião Telles para o Sr. Pimentel Pinto, do Sr. Pimentel Pinto para o Sr. Sebastião Telles, i orno se esta alta instituição a que está presa a independencia do paiz pudesse estar sujeita a esses vae-vens dos mesmos Deputados da maioria, que são sempre eleitos com o fim de mais facil tornar a acção d'este ou d'aquelle Governo.

É indispensavel, repito, que essa organização seja uma organização nacional, feita por uma alta corporação, em que se façam representar as verdadeiras competencias militares, e uma d'ellas é o Sr. Ministro da Guerra; uma corporação emfim que não seja tão restricta, que não se possam fazer representar n'ella as differentes cambiantes que, n'esta questão da organização militar, possam existir.

Se o Sr. Ministro da Guerra assim proceder, não lhe faltará que fazer, para poder empregar toda a sua energia e actividade».

«Não tome V. Exa. este meu calor como interesse ou paixão politica que não tenho; desejava apenas que não se continuasse neste caminho de estar um Ministro a desfazer a obra do seu antecessor.

Pode dizer o Sr. Ministro da Guerra actual: não fui eu quem começou. Não foi, mas tenha a coragem necessaria para fazer cessar esse caminho e traga ao Parlamento um projecto digno não só da sua alta competencia, mas da alta missão a que é destinado o exercito português. Traga aqui um projecto criando essa alta corporação militar a quem se confie o trabalho da organização do exercito, corporação que sobreviva aos Ministros da Guerra, ligando a obra de uns á dos outros, a fim de que haja um espirito de sequencia.»

«Tal não succederia se houvesse effectivamente uma alta corporação militar a quem esta soberana funcção estivesse confiada ; então não era o partido progressista, não era o partido regenerador-liberal, não era o grupo de amigos do Sr. Hintze Ribeiro quem queria que a cidade A, ou a villa B, ou a região C fosse protegida ou attendida, se as circunstancias militares não permittiam que ahi fossem collocadas unidades. O exercito era uma cousa feita para defesa do país inteiro, e portanto não se podia malbaratar dinheiro nem elle podia estar sujeito aos interesses e caprichos locaes.

O que digo a este respeito digo, tambem, sobre outros aspectos como o de fazer promoções ou de não fazer promoções.»

"E é porque assim penso e assim julgo e porque, na realidade, a desorganização, o tumulto, a anarchia, o desgosto que estes factos teem feito nunca foram já de si bastantemente graves para sobre elles dever incidir reflectidamente e maduramente a attenção dos homens publicos, que eu não tenho duvida em appellar para o Sr. Ministro da Guerra, e pedir a S. Exa. que em logar de ter a preoccupação de resuscitar as suas instrucções e enterrar as do seu sucessor, faça obra mais larga, digna da sua iniciativa, do exercito e do país. E se, o fizer nos moldes que tracejei, pode ter a certeza que faz obra duravel e que ha de ser modificada pelas necessidades das instituições militares, mas cujas raizes fundamentaes nunca mais ninguem será capaz de--arrancar.

Neste jogo de competencias digo ao Sr. Ministro da Guerra que não tirará partido do seu rival; sobreleva-o em audacia.»

Sr. Presidente: diga-me V. Exa. e a Camara, se um estadista que na opposição se exprime d'esta maneira — e ainda ha tão pouco tempo — chegado ao Governo podia proceder de outro modo?

É minha opinião que, para um homem publico ter razão, deve, quando chegar ao Governo, honrar os compromissos que tomou na opposição. Sem isso não passa de um mistificador; e o Sr. João Franco tem procurado mostrar ao país que era sincero nas affirmações que fez, quando estava ainda muito distante do poder.

Alem d'isso é esta tambem a opinião do exercito, que comprehende que este estado de cousas lhe é prejudicial.

O Sr. Antonio Rodrigues Ribeiro, Deputado regenerador e dos mais conhecedores dos assumptos militares, disse na sessão de 5 de maio de 1905, tambem por occasião da discussão da reforma do Sr. Sebastião Telles, o seguinte:

«Eu menciono essas circunstancias: umas são de ordem moral e outras de ordem material.

As circunstancias de ordem moral, que se impunham para serem ponderadas e tomadas em consideração, occorreram desde que S. Exa. saiu dos Conselhos da Coroa; uma d'ellas — e a mais importante para mim — é a que impunha a S. Exa., como estadista, a obrigação de acabar de vez ou pôr termo á fluctuação constante e periodica das organizações militares, o que constitue uma situação incompativel com a boa ordem, base fundamental da instituição militar, e com a nobre e briosa missão confiada ao exercito.

Da falta de ordem resulta a desordem e perturbação nos serviços, e chega-se a não se saber qual a lei que vigora, o que é attentatorio da disciplina.

Sr. Presidente: quando os ventos soprarem menos propicios do lado de Marrocos, ou de qualquer outra parte, sabe o illustre Ministro da Guerra que o nosso concurso pode ser solicitado, e nós não estamos em condições de satisfazer aos encargos que nos podem pedir por essa occasião.»

Esta declaração prova bem que a organização de 1891 não satisfaz e que era necessario modifica Ia.

Continua o Sr. Rodrigues Ribeiro:

A organização de 1901 não é perfeita, como imperfeita é tambem a de 1899, porque n'este paiz e nas nossas circumstancias não podemos ter organização que satisfaça por completo a todos os requisitos que se impõem aos exercitos modernos para realizarem os fins para que são destinados.

N'um artigo unico e por uma forma summaria o illustre Ministro destroe desde os seus fundamentos a organização de 1901 para restabelecer a de 1899; mais simples poderia ser a sua redacção e mais coherente com a intenção do seu auctor. Poderia dizer «fica revogada toda a legislação de 1901 e restabelecida a de 1899».

Os effeitos moraes produzidos no meio especial a que interessa este projecto são desastrosos.

Fomenta-se com elle a falta de respeito pelas leis, e provoca-se portanto a indisciplina.

A instabilidade produzida na nossa legislação militar desprestigia os chefes e leva á anar-

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chia mental, não se. podendo nunca discriminar afoutamente qual á lei em vigor.

A situação criada por tal forma não se accommoda era caso algum com a nobreza da instituição militar nem com a elevada missão que lhe está confiada.

Ahi tem a Camara igualmente expressa a apreciação d'este illustre Deputado e distincto official do estado maior.

Vae a Camara tambem ouvir o que disse o Sr. Mendes Leal, official dos mais illustrados do nosso exercito e lente da Escola do Exercito.

Na sessão de 6 de maio do mesmo anno de 1905 disse o illustre parlamentar:

Sobre a minha modesta banca de trabalho tenho — por dever de profissão — uma collecção de Ordens do Exercito, publicadas desde 1900 a 1904. Quer V. Exa. saber quantas paginas de leis, decretos, regulamentos, portarias e outras disposições diversas contem essa collecção? 11:000 paginas de legislação sobre materia militar!

Diga-me V. Exa., Sr. Presidente, que é um jurisconsulto notavel, que tem o seu nome ligado a alguns dos diplomas mais importantes da nossa legislação, diga-me o nobre Ministro da Guerra, que é um profissional distinctissimo, se é conveniente para as instituições militares esta instabilidade na legislação, cortando constantemente a cohesão que deve haver em todos os seus elementos, a instrticção militar e a preparação para a guerra, para a qual todos nós devemos concorrer. (Apoiados).

Diga-me ainda V. Exa. se os interesses, bem entendidos, do pessoal e ainda das localidades podem estar á mercê dos caprichos do Sr. Ministro da Guerra. (Apoiados).

Hoje publica-se uma lei sobre recrutamento, ámanhã outra que não representa vantagens sobre a primeira: hoje publica-se um regulamento sobre qualquer ramo de serviço, ámanhã outro sobre o mesmo assumpto sem o melhorar; hoje decreta-se uma organização do exercito, ámanhã outra; hoje publicam se umas instrucções, ámanhã outras! (Apoiados). E assim se vae avolumando constantemente, com inconvenientes para a instruccão e para a administração do exercito, o corpo da nossa legislação militar, já difficil de consultar.

O Sr. Ministro da Guerra vem propor a substituição de uma organização incompleta por uma organização imperfeita, quando o que se impunha era completar o que estava incompleto e não substituir o que já de si é imperfeito, como confessa no seu relatorio.

E diz S Exa. que não tem a intuição de annullar a obra do seu antecessor!

O Sr. Ministro é dos officiaes mais illustres que tem o exercito, mas falta-lhe, como a outro qualquer, pelos serviços especiaes que distinctamente tem desempenhado, o conhecimento do conjunto dos variadissimos detalhes de serviços que só as commissões com pratica d'esses serviços podem ter.

Só uma commissão formada por officiaes competentes, e até por estadistas, é que poderia fazer uma organização apropriada ás nossas condições actuaes, tendo em vista a nossa situação politica, economica, internacional e colonial, os principies de sciencia social e militar, secundariamente a parte financeira e 80 subsidiariamente os interesses do pessoal e as conveniencias e reclamações das localidades. Uma nação que quer viver, precisa, antes de tudo, de preparar o seu orgão de defesa.

Uma commissão, attendendo a tudo isto, pode realmente fazer uma boa organização do exercito; e é necessario que se laca, porque não podemos deixar de acompanhar a evolução que vae transformando tudo, manifestando se já a tendencia para o exercito ser constituido, não por uma parte da nação, mas pela propria nação. (Apoiados}.

Diz este distincto official que só uma commissão formada por officiaes competentes e até por estadistas é que poderia fazer uma organização apropriada ás nossas condições actuaes.

Pois é exactamente para que isso se realize que serve este projecto.

O Governo e principalmente o Sr. Ministro da Guerra, inspirando-se na opinião do exercito, deseja satisfazer as suas legitimas aspirações.

Varias publicações tenho aqui que provam como a opinião publica civil e militar deseja que este estado de cousas não continue.

Não sendo assim, não vale a pena gastar com o exercito mais de 8:000 contos de réis.

No orçamento para 1906-1907, ultimamente apresentado á Cambra, vem para o Ministerio da Guerra:

Despesas ordinarias 7.400:500$555
Despesas extraordinarias 932:964$589
8.333:465$144

O paiz já faz um enorme sacrificio para manter o exercito.

A materia prima é de primeirissima ordem.

O paiz ha de sair-se honradamente se tiver a desgraça de ser invadido pelos estrangeiros.

Sr. Presidente: já agora a camara ha de ter paciencia de ouvir a opinião de mais algumas auctoridades competentes sobre tão importante materia.

O Sr. Oliveira Simões, Deputado regenerador, na sessão de 8 de maio de 190o pronunciou um notavel discurso combatendo a reforma do Sr. Sebastião Telles e dizia:

Não devemos estar consta atem ente a alterar o que existe, o que devemos é aperfeiçoar, acrescentando os elementos materiaes que contribuam para melhorar as instituições militares, evolucionando, não revolucionando.

Vejamos tambem o que d'esse na mesma sessão o Sr. Pereira dos; Santos, leader do partido regenerador:

O exercito é, pela sua natureza, uma instituição conservadora. Não se lhe rode mexer bruscamente, em periodos consecutivos; o exercito é o primeiro elemento da ordem; é necessario que no exercito se não esteja a introduzir constantemente a desordem, que fatalmente resultará de constantes reorganizações.

É indifferente modificar de um momento para o outro uma organização do exercito?

De forma alguma. (Apoiados). Organizar constantemente é o mesmo que desordenar, sobretudo quando se reorganiza o que era bom, e era pelos proprios interessados julgado assim.

Ora, Sr. Presidente, nós não estamos em condições de fazer isto todos os dias. Não, Sr. Ministro da Guerra!

O nobre Ministro sabe, e muito bem, que no nosso paiz o orçamento da guerra, é de 6.000:000$000 réis a 7.000:000$000, e que se pensa justificadamente no paiz que essa verba é improductiva; e se é improductiva é porque o exercito, tal como está, não corresponde á missão que tem a desempenhar.

Mas eu direi: do que o exercito precisa é de viver em uma só alma, de vibrar n'uma igualdade de sentimentos; direi que precisa, antes de tudo, de uma força poderosa de solidariedade. (Muitos apoiados}.

Aqui fica demonstrada pelas palavras d'um dos oradores de mais auctoridade do partido regenerador a necessidade d'uma instituição que não permitta as successivas alterações que se teem feito nas reformas militares e o que todos desejam e ao que todos aspiram é que se ponha entrave a tantas alterações que evidentemente prejudicam o bom funccionamento das instituições militares.

Sr. Presidente: agora vou eu referir-me ligeiramente ao discurso proferido na Camara dos Senhores Deputados na sessão de 6 de novembro d'este anno quando se discutiu este projecto.

N'essa sessão disse o Sr. Moreira d'Almeida o seguinte:

Referindo-se ao projecto em discussão, começa por notar que a sua ideia fundamental, sobre a criação de um Conselho Superior de Defesa Nacional, não pode deixar de merecer, em principio, o applauso da minoria dissidente, porque a ella pertence, chronologicamente, a prioridade d'essa ideia

Com effeito, em julho do anno passado ainda o Sr. Presidente do Conselho não sonhava que tão propicia lhe fosse a sorte, para ir substituir o Sr. José Luciano de Castro no poder, e já o jornal orgão dos dissidentes em Lisboa advogava, em artigo editorial, a ideia que consta do projecto ora em discussão.

Ha mais de um anno, portanto, já na imprensa dissidente se sustentava a ideia da criação de um Conselho Superior de Guerra. Resta agora saber a forma como isso se executa. Sob este ponto de vista dirá, pelo que toca ao augmento de despesa que esse projecto vem trazer, que, embora esse augmento seja restrieto, é inconveniente no actual momento, emquanto não estiver criada receita correspondente, visto que, na opinião d'elle, orador, as despesas devem regular as receitas.

O que tambem o inhibe de dar o seu voto ao projecto é o apresentar-se elle sob a forma de uma auctorização parlamentar.

Como se vê, este illustre Deputado, não combateu verdadeiramente a doutrina do projecto. O que combateu foi o augmento da despesa que suppõe elle ha de trazer por julgar inconveniente no actual momento.

Mas, Sr. Presidente, vejo na base X

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do projecto que as despesas que porventura possa haver com a criação do Supremo Conselho de Defesa Nacional serão efectuadas dentro dós limites das verbas do actual orçamento consignadas a estes serviços. Portanto até este protesto falha aos illustres oradores que combateram esta medida.

Todos os outros oradores que se seguiram se pronunciaram no mesmo sentido.

Acceitavam o principio, mas discordavam da maneira de o realizar.

Sr. Presidente: não são só os militares que estão desejosos que se ponha termo a tantas e tão repetidas ré formas e reconhecem a necessidade de uma instituição que não soffra mudanças tão continuas como inconvenientes São tambem os agrupamentos da classe civil.

Lendo o programma do partido nacionalista, votado na sessão do encerramento do congresso do Porto em 3 de abril de 1903, lá encontro materia perfeitamente analoga á que este projecto encerra.

Assim nas conclusões 28.ª, 29.ª e 30.ª vê-se o seguinte que vou ler á Camara:

28.ª

O nacionalismo affirma a necessidade de se organizar, depois de reflectido estudo, um plano geral da defesa maritima e terrestre do paiz, considerando a marinha de guerra e o exercito como elementos constitutivos da mesma unidade, — que é a realização d'esse objectivo; e de dar depois a esse plano uma execução continua, seguida, constante e sem tergiversações. Um conselho superior de defesa nacional, composto pelos quatro generaes e pelos quatro almirantes mais antigos, das respectivas reservas, sob a presidencia d'um Conselheiro d'Estado, constituirá segurança de continuidade na execução do plano estabelecido. Os Ministros da Guerra e da Marinha exercerão os seus governos respectivos, subordinados sempre ao principio de continuidade na execução d'esse plano. Constituir-se-ha um fundo proprio de defesa nacional.

29.ª

Na organização do plano a que se refere a conclusão anterior, e tendo em vista que na sua totalidade, ao presente, a despesa com os nossos serviços do Ministerio da Guerra é de cerca de 7:000 contos, ao passo que na Suissa se gastam menos de 6:000, podendo mobilizar 500:000 homens, e mantendo ainda escolas de tiro cantonaes, possuindo um armamento superior, praças e caminhos de ferro estrategicos, demonstra-se assim, por esta larga margem differencial de despesa, a possibilidade de uma importante melhoria da nossa situação militar, em cuja organização convem ponderar-se os principios seguintes:

1.° Determinação dos pontos que, immediata ou seguidamente, devem pôr-se em condições de servir de base ás operações estrategicas no mar e em terra.

2.° Fixação do numero e distribuição das grandes unidades tacticas durante a paz, de modo que no acto da mobilização correspondam efficazmente a uma acção defensiva de confiança.

3.° Tornar obrigatorio o serviço militar, reduzindo-lhe o tempo respectivo, por forma que, sem maior despesa e até com economia, todos os escalões de reserva passem pelo serviço o tempo necessario para adquirirem perfeita instrucção da escola de soldado.

4.° Estabelecer os serviços do recrutamento e reserva de modo que não soffram uma solução de continuidade pela inevitavel reunião dos officiaes ás suas unidades de combate, circumstancia tanto mais perigosa quanto é certo que o nosso voluntariado de um anno raros officiaes de reserva tem produzido.

5.° Cuidar esmeradamente da instrucção dos quadros por exercicios d'essa especie, e pelo habito de mobilizar promptamente qualquer unidade de combate, pondo-a sem perda de tempo nas condições da cohesão e de mobilidade que a guerra requer.

30.ª

O nacionalismo, tendo em vista o exposto na conclusão 28.ª, affirma igualmente a necessidade de estabelecer-se e assentar-se n'um plano de construcção e armamento naval, que corresponda ás exigencias da defesa do paiz e das suas colonias, em conjugação com as forças militares de terra.

Sr. Presidente o programma do partido nacionalista na parte que se refere á organização das forças de terra e mar está completamente traduzido no projecto do Governo que está em discussão.

N'um notavel discurso proferido pelo illustre parlamentar e Digno Par ,o Sr. Conselheiro Jacinto Candido, na sessão de 13 de fevereiro de 1903, tambem S. Exa. tratou com larga proficiencia d'esta materia.

Assim diz o Sr. Conselheiro Jacinto Candido o seguinte:

Mas a verdade é que, n'este momentoso assumpto, como em todos os demais ramos da administração publica, tem-se procedido ao acaso, á mercê dos caprichos, de pequenas conveniencias, de vaidades pessoaes, de interesses partidarios e pessoaes, e nunca com uma orientação superior, formando-se, e executando se depois, um plano geral, com espirito de continuidade.

Sr. Presidente : a defesa do paiz é um complexo problema, comprehensivo da organiza-zão de todas as suas forças armadas, de mar de terra, marinha e exercito, que ambas são elementos constitutivos d'essa mesma unidade.

Cumpre estabelecer, para a sua resolução, aqui, como em tudo o mais, um plano largo, profundamente estudado, compativel com os nossos recursos, mas considerado, quanto á sua execução, não em relação á vida ephemera de um Governo, á duração habitual de um quarto de sentinela de quatro annos, mas a um periodo de tempo mais longo; não para satisfação das vaidades de um Ministro, mas para resultados praticos e efficazes quanto ao objectivo, que se deve ter em vista — a realidade de uma defesa nacional, adapta-la ás nossas circumstancias, sob o ponto de vista da estratégia, e tendo em conta as condições do nosso Thesouro.

Em logar de reformas, multiplas, desligadas, desconnexas, contraditorias, sempre despendiosas, e que, onerando, portanto, a Fazenda Publica, nada representam de estavel, de fixo, de permanente, assente se n'um plano, como fazem todas as nações, que sabem administrar-se, e depois cumpra-se inexoravelmente.

Esta é a questão fundamental — o methodo, o systema, subordinado a um alto pensamento patriotico de utilidade nacional.

N’um paiz como o nosso, cuidar do exercito, sem olhar pela marinha, não pode ser.

É preciso considerar o aspecto duplo problema, e ter em attenção a nossa especial situação geographica.

A defesa nacional comprehende a fronteira de terra, e as costas do mar. Tanto n'um, como n'outro caso, ha necessidade de um plano reduzido á unidade de um accordo, de uma conjugação de forças, n'um mesmo objectivo.

.Este plano geral não existe; não se tem feito; mas é indispensavel fazer se.

E n'estas grandes empresas, n'estes grandes trabalhos, abrangendo toda a complexidade dos problemas, é que se devem concentrar as attenções e as energias dos homens publicos. Estes é que são os trabalhos, proprios e dignos, dos homens de Estado.

Sr. Presidente: appareceu em 1902 uma notavel publicação intitulada: Reflexos sobre a defesa maritimo-terrestre que se attribue a um distincto official de marinha, o Sr. Hugo de Lacerda. Esta publicação traz um prologo do nosso distincto collega o Digno Par o Sr. Conselheiro Jacinto Candido, em S. Exa. expende o seu modo de relativamente á defesa nacional, é exactamente o pensamento do Governo e que se acha traduzido no projecto em discussão.

Para a Camara ver como esta ideia germina ha muito no cerebro de notaveis pensadores, vou ainda ler o que está escripto no prólogo de tão importante publicação:

que ver que

Ha, pois, uma collisão, um conflicto manifesto, entre estes dois deveres, impostos á governação do Estado: — de um lado, a organização da defesa nacional — do outro, o não aggravamento das despesas publicas.

Esta é, a meu ver, a maior difficuldade do problema.

Afigura-se-me que para a sua resolução, conciliando, nos limites do possivel, estas duas imposições, seria mister assentar n'um plano profundamente estudado, largamente debatido e reconhecido, a final, como correspondente a imperiosas necessidades e indiscutiveis conveniencias.

Estabelecido esse plano geral, comprehensivo da defesa terrestre e maritima, abrangendo a organização do exercito e da armada, quanto ao pessoal ,e quanto ao material, de um modo completo e constituindo um conjunto harmonico, coordenado, obedecendo a um systema novo, e orientado no principio de que as forças armadas, de mar e terra, sào elementos reciprocamente auxiliares e complementares da mesma unidade, que é a defesa da patria commum, cumpria depois dá-lo á execução, consoante as forças do Thesouro Publico e mantendo-se firme no animo de todos a ideia da continuidade indispensavel para o seu êxito final.

Em vez de multiplas reformas, parciaes, desconnexas, não raro, entre si, contraditorias ou inconherentes e muitas vezes destruitivas somente, do que aquellas de que te mós acabado de fazer, ou do que nem chegou a concluir se, instaveis e inconsistentes, representativas, na melhor das hypotheses, de preconceitos doutrinarios, as de opiniões individuaes, preconcebidas, n'outros casas, e influenciadas pela paixão politica, ou pessoal; mas constantemente, e sempre onerosas para o Thesouro Publico — em vez d'esta alluvião de reformas, que custam muito dinheiro, sem que signifiquem a menor utili-

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dade pratica, nem a mais leve melhoria apreciavel na nossa situação — quanto não lucraria o paiz com a adopção e a execução continua e persistente de um completo e harmónico plano de organização geral para a ma efficaz defesa?

Sr. Presidente: nada mais justo, mais sensato nem mais patriotico.

Dizem-se aqui verdades que ha muito estão na consciencia de todos, que perguntam: que utilidade tem tirado o exercito e o paiz de tantas e tão continuadas reformas? Na consciencia de todos está que não são as necessidades publicas que teem imposto tantas reformas, mas a vaidade dos reformadores.

Por ultimo, Sr. Presidente, permitta-me ainda a Camara que me refira a uma conferencia realizada no Real Instituto de Lisboa em 2 de janeiro d'este anno pelo notavel mathematico e distincto homem de sciencia o Sr. Antonio Cabreira a respeito do — Pangermanismo e alliança militar dos povos latinos.

O Sr. Antonio Cabreira, que é um caracter primoroso e um talento de primeira grandeza, muito conhecido e apreciado no estrangeiro pelas suas notaveis publicações, tão apreciado lá fora como deprimido pelos invejosos cá dentro, disse n'essa conferencia o seguinte:

«11.° Que se subordinem todas as tropas a um commando em chefe, junto de quem funccionará um conselho composto dos officiaes que demonstrem mais relevante merito militar;

12.° Que se applique ao exercito toda a verba que o orçamento do Estado lhe destina e que se esta ainda for insuficiente para o seu progresso, que se sacrifiquem á defesa nacional as largas receitas que se desperdiçam em causas estranhas aos interesses do paiz.

E assim Portugal ter á os 324:000 soldados, devidamente instruidos, armados e municiados de que absolutamente carece, para assegurar a sua independencia, quer combatendo isoladamente, na hypothese de uma invasão, quer encorporado no grande exercito latino».

Sr. Presidente: pela exposição que tenho feito á Camara e que mão continuo para a não fatigar se mostra que a opinião geral é contra tantas reformas repetidas, que em vez de organizar o exercito o desorganiza.

Todos pediam uma corporação estavel, composta de officiaes de reconhecido merito, que dissessem qual é a organização que mais convem ás nossas instituições militares e o modo como se pode defender o paiz quando for atacado.

O que se tem feito até agora não pode continuar sob pena de não serem bem aproveitados os sacrificios que o paiz está fazendo para manter a sua independencia.

O Governo, inspirando-se na opinião quasi unanime dos que teem conhecimento d'este estado de cousas, procura dar-lhe remedio com a apresentação d este projecto.

Se o conseguirá só o futuro ha de mostrar, mas o que não podemos é deixar de applaudir as suas patrioticas intenções.

Sr. Presidente: mais de uma vez o Digno Par e meu amigo Sr. Baracho disse que as duas armas de infanteria e cavallaria se acham desconsideradas por não fazerem parte da secção de estudos..

Já respondi a esta parte do discurso do Digno Par, mas permitta-me ainda a Camara que volte ao mesmo assumpto porque é grave deixar pairar a duvida de que alguem quer desconsiderar qualquer arma.

O motivo é porque os estudos a que se refere a 1.ª e 2.ª secções da base v são privativos do estado maior e da engenharia. Ninguem deve excluir os officiaes das armas geraes das commissões para que elles tenham competencia, nem ninguem tem menos desprimor para com essas armas.

Todas ellas são necessarias, todas ellas são destinadas a desempenhar a sua missão, que é a defesa da patria, e todas hão de prestar bons serviços no momento do perigo e entre tocas ellas, portanto, deve reinar sempre a maior harmonia.

Na minha vida militar nunca pronunciei uma palavra nem me associei a actos que significassem desfavor para qualquer arma.

Seria até um erro, seria mais do que isso, seria até um crime que alguem se lembrasse de sobrepor umas armas ás outras.

Estranhou S. Exa. que a infantaria e cavallaria não esteiam representadas. Não estão nem podiam estar porque esses estudos especiaes são privativos da arma de engenharia e do estado maior.

Mas realmente fez-me impressão este facto e fui ver se S. Exa. tinha ou não razão nas considerações que fez a este respeito, porque não me associaria a quem fosse desprimoroso para camaradas meus fossem elles de que arma fossem. Tenho bem provado que é este o meu modo de proceder.

Quando na artilharia, arma a que me honro de pertencer, se faziam reparos á rapida promoção que durante algum tempo tiveram os almoxarifes, eu estive sempre ao lado d'estes officiaes pugnando pelos seus interesses, advogando a sua causa, sem me importar que a sua promoção fosse mais rapida que a minha, porque me lembrava que estes officiaes estiveram muito tempo no posto de primeiros sargentos, o mais trabalhoso que ha nos regimentos.

Mas como disse fui ver se havia motivo para os reparos do Digno Par Sr. Baracho e encontrei no Almanach Militar o seguinte:

Commissão das fortificações do reino

Esta commissão é presidida pelo Director Geral do Serviço de Engenharia e tem como vogaes tres officiaes de engenharia, dois de artilharia, um do quadro do serviço do estado maior e um do serviço de torpedos fixos, e por secretario um official de engenharia.

Os inspectores do serviço de engenharia e os officiaes seus subordinados podem ser temporariamente aggregados da commissão, quando esta o julgue necessario, mediante auctorização da Secretaria da Guerra.

Fui ver mais os officiaes que faziam parte d'esta commissão e encontro:

Presidente: General de brigada, José de Oliveira Garção de Carvalho Campello de Andrade, que foi de engenharia.

Vogaes: Coronel de engenharia, Carlos Roma du Bocage: coronel de artilharia, «José Silvestre de Andrade; tenente coronel de engenharia, Augusto Candido Cerdeira de Almeida Soeiro de Gamboa; tenente coronel de engenharia, Fernando de Serpa Pimentel; major de artilharia, Joaquim Lobo de Avila da Graça; capitão de artilharia e do serviço do estado maior, João Pereira Bastos.

E se o Ministro comprar as armas que a commissão lhe indica e manda construir os quarteis cujo typo a commissão escolheu, pode isso chamar-se, subalternização?

Quando as commissões de aperfeiçoamento das diversas armas indicam ao Ministro um certo numero de medidas que julgam uteis ao bom funccionamento das instituições militares e o Ministro as adoptar, chama-se a isto subalternização?

Quando o Ministro das Obras Publicas manda estudar um caminho de ferro, uma estrada, uma ponte, uma doca, etc., etc., e a Junta Consultiva manda fazer alterações, depois de detido exame, e por fim approva e o Ministro se conforma, pode isto considerar-se subalternização?

Quando o Ministro da Marinha mandar estudar um typo de navios, que quer adquirir, e a commissão lhe indica o melhor, o que entende no seu criterio que é o mais conveniente para as condições do nosso paiz e o Ministro o adopta, fica subalternizado?

O Ministre tanto da Guerra como da Marinha podem ser paizanos e nada entenderem de questões technicas. Nós estamos a legislar para o paiz e não para um determinado Ministro.

Então é isto deprimente?

De certo que não.

Pois não temos a Junta Consultiva do Ultramar, a Junta Consultiva de Obras Publicas, a Commissão Administrativa do Caminho de Ferro ?

E já alguem se lembrou de qualificar de deprimente o Ministro recorrer a essas entidades, para as ouvir sobre

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um determinado assumpto da sua especialidade?

Parece-me que não. Agora mesmo se vae criar mais a Commissão Administrativa das Obras do Porto de Lisboa, evidentemente para o respectivo Ministro se orientar nas suas resoluções.

Sr. Presidente: vê V. Exa. e a Camara que n'esta commissão de estudos não figura um só official de infantaria e cavallaria e estas armas não se julgaram desconsideradas por este facto. E o Ministro da Guerra que reorganizou estes serviços não teve tambem em vista desconsiderar estas armas a uma das quaes pertencia — a cavallaria — porque é da iniciativa do Sr. Pimentel Pinto, e tem a data de 12 de dezembro de 1900.

Parece-me ficar evidentemente provado que nenhuma desconsideração houve para as armas de infanteria e cavallaria, porque cada arma tem os seus serviços privativos.

Ainda S. Exa. o Sr. Baracho disse que o poder executivo fica mais subalternizado perante o Supremo Consolho de Defesa Nacional.

Tambem me não parece procedente este argumento do Digno Par.

Pois então não se vê muitas vezes um Ministro, que até. pode ser paizano, consultar os technicos a respeito de determinado assumpto?

Pois então não pode, por exemplo, nomear uma commissão para estudar um determinado t v pó de armas?

Não se tem. nomeado diversas commissões para estudar qual a melhor boca de fogo a adquirir?

E depois do estudo concluido e do parecer da commissão ser presente ao Ministro não se conforma elle com esse parecer?

Quando o Ministro nomear uma commissão para estudar um typo de quarteis não se conforma com a opinião d'essa commissão?

O Ministro tem as suas funcções definidas e não se amesquinha quando consulta os entendidos nas especialidades e segue o seu parecer.

E isto e que se faz em todos os paizes do mundo civilizado e os Ministros d'esses paizes não se julgam subalternizados.

O Digno Par o Sr. Baracho tambem atacou a base 3.ª do projecto, que diz que o Rei, na qualidade de marechal-general do exercito e almirante general da armada, assume sem voto a presidencia do Supremo Conselho de Defesa Nacional, todas as vezes que julgar conveniente. Não me parece que S. Exa. tenha razão nos reparos que fez á doutrina d'esta base.

Não vejo o minimo inconveniente em que o Chefe de Estado presida ás sessões do Supremo Conselho.

Em um grande numero de paizes o 'Chefe de Estado é o Commandante em Chefe do exercito, como mostrarei de aqui a pouco á Camara se o tempo, me permittir.

N'este livro que aqui tenho de reorganizações militares, O Lauth, que é consultado por todos quantos querem ter conhecimento das organizações militares dos diversos paizes, encontro o seguinte:

É Commandante em Chefe do exercito o Rei nas seguintes nações:

Allemanha;

Austria Hungria;

Belgica;

Hespanha;

Italia;

Roumania;

Russia;

Servia.

Ninguem reconheceu n'estes paizes nenhum inconveniente em dar ao imperante estas funcções.

A Inglaterra, paiz clássico do parlamentarismo e onde todas as nações se teem inspirado, tem um cominando em chefe do exercito que até 1870 tinha funcções autónomas e independentes do Ministro da Guerra e ninguem julgou o Parlamento desprestigiado. Existiam duas auctoridades: uma o commandante em chefe e outra o Ministro da Guerra que funccionava parallelamente.

De 1870 em deante o commando em chefe ficou subordinado ao Ministro da Guerra. Eu argumento com toda a lealdade, e se pode haver alguma duvida tenho aqui, como disse, o Lauth, que V. Exas. podem ver.

Disse o Digno Par, a quem tenho a honra de estar respondendo, que o Rei é pelo projecto investido na presidencia do Supremo Conselho na sua qualidade de marechal general, posto que lhe não pertence. Sem ir escavar as organizações antigas, que as não tinha á mão, e fiando em tudo quanto a este respeito disse o Digno Par, lembro que desde 1884, organização de Fontes até hoje, figura El Rei em todos os almanachs militares como marechal-general do exercito, sem que até hoje ninguem tenha feito o menor reparo.

Para mim, para todo o exercito, para todo o paiz, o Rei é tão marechal do exercito como todos os outros officiaes são possuidores dês seus postos.

É a primeira vez que se levantam estas duvidas. Não vejo portanto o mais leve inconveniente que El-Rei presida ás sessões do Conselho Superior de Defesa Nacional.

Pois El-Rei não presidiu como principe á Commissão Superior de Guerra de que fazia parte? Que inconveniente resultou d’ahi? Nenhum.

Pois não preside El-Rei a muitas sessões da Academia Real das Sciencias?

Não preside igualmente ás sessões da Sociedade de "Geographia quando vae assistir a ellas?

Não presidiu El-Rei á sessão de abertura do congresso de medicina, que teve logar ha pouco nas salas da Sociedade de Geographia?

Não tem El-Rei presidido a tantas outras sessões sem que ninguem tenha feito o mais leve reparo?

Não é El-Rei o Presidente do Conselho da Ordem de Aviz?

Conclue-se . portanto que se El-Rei tem podido presidir tantas vezes a variadissimas sessões, sem que d'ahi tenha advindo o mais leve inconveniente e antes com brilho para essas sessões que são sempre muito concorridas e abrilhantadas por pessoas mais gradas e até pelo Corpo Diplomatico, tambem pode e deve presidir ás sessões do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Outro reparo do Digno Par Sr. Baracho. Pergunta S. Exa. o que tinha que ir fazer o Sr. Presidente do Conselho á commissão do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Tem muito, e pode ser a sua presença de grande utilidade.

Imagine V. Exa. que se ventila uma questão diplomatica, a sua presença é muito vantajosa, por isso que pode dar esclarecimentos que muito contribuam para uma boa resolução de qualquer assumpto que se relacione com as questões militares.

Não é obrigado a presidir, mas pode haver casos em que sejam necessarios os esclarecimentos que elle possa fornecer para bem orientar os membros do Conselho de Defesa.

Disse tambem o Digno Par que seria preferivel que nos occupassemos primeiramente das propostas sobre o augmento dos soldos e da concernente aos segundos capitães de artilharia.

Eu vou dizer ao Digno Par o motivo por que não se deu preferencia aos dois projectos a que S. Exa. se referiu.

O Governo tem igual empenho por todos os projectos militares que apresentou ao Parlamenta, mas entendeu que deviam ser discutidos pela ordem por que vieram da outra Camara.

Tem o mesmo interesse por todos elles, e por isso entendeu que não devia dar preferencia a nenhum d'elles e pô-los em discussão pela sua ordem chronologica.

Parece me que esta razão deve deixar tranquillo o meu illustre amigo, podendo eu garantir-lhe que o motivo por que não se começou a discussão pelo projecto que S. Exa. indicou, foi unicamente pelo que acabei de expor.

Disse mais o Digno Par que a commissão superior de guerra satisfazia os mais exigentes; bastava que dia dei-

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xasse de ser alvo das reformas continuas a que tem sido submettida.

Absoluta e completamente de accordo. O Digno Par deu a razão por que se apresentou este projecto: é para ver se lhe não succede como á commissão superior de guerra, que tem sido, como bem disse o Digno Par, alvo de reformas continuas.

Vamos ver se esta corporação tem mais estabilidade, se os futuros Ministros da Guerra teem menos acção sobre ella, do que teem tido sobre a commissão superior de guerra, que tantos e tão grandes alterações tem soffrido ao sabor e ao capricho de cada Ministro.

Sr. Presidente: está a dar a hora e eu não desejo ficar com a palavra reservada, porque não desejo concorrer para a demora na approvação d'este projecto, por isso eu não posso responder a muitas e variadas considerações que fizeram os Dignos Pares que me precederam, como eu tanto desejava, tendo alem d'isso materia bastante que desejava expor á Camara.

Basta dizer que não me referi ao que se passa nos exercitos das outras nações, que muito interessava para a defesa d'este projecto.

Sr. Presidente: vê V. Exa. e a Camara, pela exposição que fiz, que varias tentativas se teem feito, mas todas até agora infructiferas, para termos um plano detalhado de defesa do paiz, de modo que soubéssemos com a devida antecedencia o que se ha de fazer no momento do perigo, onde ha de haver muita confusão, muita duvida e muita perturbação.

Faço votos para que esta corporação que se vae organizar ponha termo a tantas hesitações e dê o resultado que o paiz espera das suas luzes e do seu patriotismo.

Sr. Presidente: os Dignos Pares Srs. Pimentel Pinto e Baracho referiram-se ao final do meu relatorio, em que eu digo que é uma tentativa patriotica que o Governo emprehendeu, uma experiencia que vae tentar.

E que os futuros Ministros poderão modificar, accrescentar, alterar e mesmo derogar, se a experiencia mostrar que não dá os resultados que se esperam.

Não ha duvida que ninguem poderá affirmar que este projecto vá resolver completamente o assumpto. É uma tentativa que se vae fazer, e oxalá dê resultado.

O que eu confio é nos bons desejos do illustre Ministro da Guerra e faço votos para que S. Exa. veja coroado do melhor êxito a sua patriotica tentativa.

Peço desculpa á Camara pelo tempo que lhe tomei e aos Dignos Pares, a quem tive a honra de responder, se porventura proferi alguma phrase, que decerto foi involuntaria, que os tivesse maguado. Pela estreiteza de tempo não pude dar ás minhas considerações o desenvolvimento que os discursos dos Dignos Pares os Srs. Pimentel Pinto e Dantas Baracho requeriam; mas no meu logar de relator do projecto, a minha obrigação era defendê-lo.

Foi isso o que procurei fazer.

Relevem-me todos o desordenado do meu discurso, que, pela estreiteza do tempo, foi, se pode assim dizer-se, um discurso á vara larga,

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Presidente: — Deu a hora.

A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 30 minutos.

Dignos Pares presentes na sessão de 17 de dezembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles, Marquez Barão do Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Figueiró, de Paraty, de Sabugosa; Visconde de Monte-São; Antonio de Azevedo, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos. Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Eduardo Villaça e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

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