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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 459

seres humanos chegaram á maxima perfeição; mas a consequencia immediata, obtido esse desideratum, é não carecer o povo de delegar os seus poderes, de poder governar-se perfeitamente sem leis algumas, porque cada individuo saberia o que tinha a fazer, e, portanto, dispensar, como de necessarias, as eleições.

Cada um se restringiria á esphera da sua actividade, o que seria pouco difficil a serem perfeitos.

Mas como o ser humano jamais poderá chegar ao grau supremo de perfeição, por isso mesmo que na natureza humana ha o germen da perfectibilidade indefinida, e como o progresso é uma lei do natureza, e por isso a humanidade caminha sempre, segue-se que para fazer qualquer reforma, ou estabelecer novas instituições, é necessario attender ao progresso e á civilisação do paiz para que se legisla, e saber se elle tem conhecimento mais ou menos completo dos seus direitos, e, por conseguinte, se os póde exercer com independencia.

Creio que, nas circumstancias em que Portugal se encontra, a eleição mais conveniente, a que daria em resultado conhecer-se melhor qual a vontade popular, e por isso a mais liberal, é a indirecta. Com este methodo o eleitor portuguez parece-me poder desempenhar bem a sua missão.

No eleitor dar-se-hão os requisitos necessarios para que a eleição se approxime da verdade quanto for possivel no estado actual.

O eleitor tem já alguma independencia, sabe o que vae fazer, e qual é o seu direito quando vota na pessoa que lhe merece confiança, na que ha de representar os seus interesses e defendel-os.

N'este modo do eleição ha tambem a conveniencia de não poder o governo exercer a corrupção, que nas eleições directas exerce mais facilmente; e digo mais facilmente por isso mesmo que os cidadãos das freguezias ruraes são muitas vezos obrigados a ir votar n'uma assembléa eleitoral que fica muito distante, distante da sua freguezia, os regedores e os cabos de policia acompanham-nos quasi sempre até junto da urna, onde lhes apparecem os galopins eleitoraes que, por parte do governo, exercem pressão sobre elles, de fórma que lhe evitam a maior parte das vezes votar segundo a propria consciencia.

Em absoluto, a eleição directa é a mais liberal; na pratica tem de se attender á illustração do povo. No estado de civilisação em que se acha Portugal, a eleição indirecta é a mais conveniente e a mais liberal.

Eu estou convencido que entre nós, na actualidade, a eleição indirecta seria a que daria resultados mais salutares. Poder-se-ha dizer que já tivemos esta eleição e que os seus resultados foram pessimos; mas tivemol-a no tempo em que os partidos estavam bem disseminados e acirrados uns contra os outros, e por isso em que os governos eram intolerantes, e que queriam vencer por faz ou por nefas, e por isso empregavam a força, a corrupção e todos os meios ao seu alcance.

N'estas circumstancias não era o methodo que dava o mau resultado, eram os odios dos partidos que se debatiam, eram os meios que elles empregavam para obterem o triumpho.

Por consequencia, sr. presidente, isto prova mais uma vez que os governos não devem ter interferencia nas eleições. Não obstante todas estas circumstancias poderosas e excepcionaes, se compararmos as eleições indirectas feitas n'esse tempo com as eleições de hoje, pelo systema directo póde dizer-se que, apesar de tudo, as de então mostravam mais independencia e illustração do que as de agora.

Eu poderia citar differentes factos em abono da minha asserção; narrarei apenas um.

Era ministro o sr. duque de Saldanha, e tinha feito um contrato arrematando as sete casas. Antes, porém, de o apresentar ao parlamento em reunião particular ouviu a maioria, que se pronunciou contra. O sr. duque ficou muito contrariado, quando reconheceu a pouca submissão d'essa camara, que o sr. ministro do reino n'aquelle tempo alcunhava de um a um.

Essa camara, que tão aggredida foi pelos homens que dirigiam a imprensa liberal, respondeu com toda a independencia, que ella não sanccionaria tal contrato. Foi ameaçada com a dissolução, e ella nobremente repelliu a ameaça e declarou ao governo «que podia dissolver». Ameaçada depois de que seria entregue o poder ao sr. duque de Palmella, respondeu com todo o orgulho «que o entregassem».

N'aquella camara havia bastantes governadores civis, pois n'aquelle tempo não era incompativel o cargo de governador civil com o de deputado, e todos se pronunciaram contra, e todos pediram a sua exoneração.

Parece-me que agora, se o governo sobre um facto similhante consultasse a maioria, a encontraria submissa e respeitosa, e a prova é observar como têem passado na outra casa do parlamento medidas do maior alcance e algumas das quaes jaziam, ha annos, esquecidas nos archivos da camara.

Desde que estão em voga as eleições directas, e que o sr. Fontes faz eleger a sua maioria não ha memoria que elle caísse do poder em resultado de uma votação da camara. Morre sempre o seu ministerio com uma indigestão da maioria. Comparem, pois, as camaras feitas por eleições indirectas, com estas da actualidade, e reconhecer-se-ha que o nivel moral então era muito mais elevado, e por isso o seu procedimento muito differente do procedimento das maiorias de agora.

Sr. presidente, a experiencia e a observação têem mostrado que os governos, sejam quaes forem, embora não tenham partido no paiz, vencem sempre as eleições, o que revela bem claramente que não tendo o eleitor instrucção, e que faltando-lhe a independencia, a eleição directa não tem actualmente outra siginificação mais do que a sophismação do systema e a pressão dos governos.

Que todos os governos, ainda que entrem na vespera para o poder, vencem as eleições, prova-o a experiencia e a observação, como ha pouco disse, e sirva de prova, e de prova bem edificante e instructiva, o que se passou depois da revolução ultima do sr. duque de Saldanha.

O ministerio que em 19 de maio subiu ao poder por uma fórma menos regular, tinha, como é sabido, contra si todos os partidos colligados, e apesar d'isso, se tivesse realisado ás eleições, traria quasi sem opposição ao parlamento uma grande maioria. Tendo, porém, largado o poder por um modo menos regular, pois caiu por um golpe d'estado, e succedeu-lhe outro, dias antes de se effectuarem, as eleições, e esse outro ministerio adiou o praso das eleições só por mais quinze dias, com as mesmas auctoridades do governo que o substituiu, obteve uma maioria prodigiosa!

Que significa isto? Significa que Aquando o governo tem vontade de eleger os seus deputados, desapparece a vontade do paiz diante do terror e da corrupção. Significa principalmente que a eleição indirecta favorece o despotismo do governo, por falta de independencia do eleitor, e por isso insisto em dizer que este projecto de lei vae favorecer mais os interesses dos governos do que do povo, o que sendo a questão eleitoral, uma questão vital para a sociedade, deve ser, pela sua importancia e grande alcance, estudada e meditada, e preparada com toda a prudencia, cuidado e attenção, para attingir o alvo e satisfazer ao fim. Este projecto, discutido e votado á pressa no fim de uma sessão legislativa, e por uma camara que acaba e que conta ser novamente eleita pelo governo, não tem auctoridade.

Sr. presidente, as sciencias politicas e moraes são, como as sciencias naturaes, sciencias tambem de observação e de experiencia. Mas a differença entre umas e outras é que as observações das sciencias politicas se fazem na historia e no passado, e as experiencias não devem ser feitas senão depois de um estudo maduro, e de se ter preparado o ter-