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694 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A instrucção secundaria se é um meio de valor que sempre lhe tem sido reconhecido,, tambem é um fim como elemeno indispensavel de educação social.

Ha direitos e funcções nos serviços do estado e na organisação de povo culto que só ella póde outorgar e manter. Diga-se tudo. O estado, entre nós, ainda não lhe tem garantido toda a importancia que lhe deve. Emfim, se a instrucção primaria se impõe como o baptismo, a secundaria é a confirmação nos sacramentos sociaes.

Mas ainda como habilitação ou preparatorio para a instrucção superior, a secundaria não é susceptivel de dupla organisação. E a mesma para as sciencias e para as lettras; é uma só. Dividil-a como preparatorio, conforme o curso de instrucção superior que se pretenda, é um violento artificio, que a destroe. É destinada só para estudo elementar; só para o ensino de disciplinas, que não podem ter categoria já differenciada de sciencias ou letras.

Não póde chegar a desenvolvimentos que alcancem, nem nos methodos, nem nos objectos, concepções elevadas, nem profundas investigações, nem primores de fórma. Um exemplo ao alcance de todos. Compete-lhe o ensino de desenho: ninguem lh’o contesta. Mas não é n’elle nem por elle que se prepara um pintor.

Tem a instrucção secundaria limites naturalmente fixados pela sua indole. Longe d’elles é que a sciencia encontra estradas diversas para a sua expansão; bem longe é que se abre a amplidão para as conquistas.

Custa a comprehender como tanto tem durado esta distincção, esta differença na exigencia dos estudos de instrucção secundaria, consoante o alumno se destinava ás sciencias positivas ou naturaes, usando da phrase vulgar. Esta distincção é falsa, como estas mesmas denominações o são. É falsa por carencia de base. Com similhante distincção, íam subindo ás cadeiras de theologia, direito e litteratura, professores sem uma noção de trigonometria e com ligeiros conhecimentos de physica e de historia natural. E assim tambem, sem nunca terem feito estes elementares estudos, íam tantos chegando aos mais altos cargos da igreja ou ás supremas funcções da magistratura!

Sem nunca terem lido obras de Cicero e Virgilio, sem conhecimento seguro de grammatica latina, eminentemente philosophica, poderoso meio para o desenvolvimento do espirito lógico, tambem se podia chegar, entre nós, a ensinar medicina, mathematica, physica, chimica e historia natural nas escolas de mais elevada categoria!

Estes factos, singelamente indicados, até mesmo a lembrança da sua possibilidade, valem profundas reflexões para provar o absurdo que resultava do rompimento da unidade na instrucção secundaria.

Ora consequencia e manifestação d’esta unidade é a uniformidade de compendios adoptados para textos das lições. São os compendios para os alumnos guias constantes; e, quando não, são o mesmo para os professores, é certo que lhes prestam poderoso auxilio.

Um bom livro vale um mestre excellente.

Mas se não póde admittir-se pessoal docente sem concurso em provas publicas, é evidente que de igual modo tem de ser feita a escolha dos compendios.

N’este ponto o absurdo tinha excedido- os limites até da brandura de costumes, que ultimamente tem sido reconhecida e condemnada; e, é preciso fazer-se justiça a todos, o abuso tinha sido principalmente dos editores. É tão fundo tinha ido, que bem provavel é que o governo tenha de recorrer a outras providencias mais rigorosas ainda.

Se alguma duvida podesse ainda subsistir em espirito seduzido pela liberdade da industria, teria de ceder diante das garantias prescriptas para este concurso, feito perante uma commissão numerosa, talvez em excesso, de lentes de instrucção superior e professores de instrucção secundaria; e depois ainda sujeito ao exame do conselho superior de instrucção publica, cujo voto afirmativo é mesmo indispensavel (artigo 28.°), e ainda com o remedio indicado no artigo 30.°

Não será necessario talvez levar esta uniformidade até um compendio unico para cada disciplina em todo o reino. Talvez fosse mais conveniente a adopção de alguns compendios de auctores differentes, e que podessem ser com a mesma vantagem adoptados no ensino. Mas a experiencia mostrará, pela sua ininterrupta energia, que alterações sejam de necessidade ou provavel conveniencia na appli-cação d’este principio.

A vossa commissão entende que deve particularmente recommendar aos vossos applausos esta prudente reforma.

A lingua latina, com a sua opulenta litteratura, não é só uma necessidade para a erudição.

É necessidade mais extensa. Não ha, sem ella, conhecimento seguro da lingua patria; é forçoso reconhecer e proclamar esta verdade, que tem a consagração de tantas gerações pelas suas mais eruditas intelligencias. Mas o estudo da grammatica latina ainda vale muitissimo pela harmonia logica que n’ella se observa constantemente, tanto nas regras, como até nas variadas excepções.

A nossa lingua, embora tenha uma indole propria, que lhe affirma na linguistica a sua independencia e os seus fóros de autonomia, tem a sua filiação na lingua latina.

Dizia Camões:

«E na lingua, na qual quando imagina
«Com pouca corrupção crê que é latina.»

Considerada como a lingua mãe, e que na infancia da geração, que vae já no seu declinar, constituia um dos mais importantes elementos da nossa educação litteraria, a lingua latina tem para nós o respeito das tradições, e dá-nos o convencimento do seu valor real para o estudo da nossa lingua e da nossa litteratura.

A vossa commissão não ficaria satisfeita de si mesma sem ter rendido esta homenagem á sublime e eterna lingua do Lacio, reconhecendo aliás que o governo á mesma lingua consagrou os mais eloquentes periodos do relatorio da sua reforma.

Para o presente e mais ainda para o futuro, e proximo, a lingua allemã é indispensavel, não só para os que tenham de acompanhar a sciencia no seu constante progredir, mas tambem para os que se appliquem ás industrias e artes. Como gymnastica do orgão da voz, maravilhoso complemento do cerebro, não ha lingua que tanto valha, o que só fôra bastante para dar-lhe logar no quadro das disciplinas da instrucção secundaria.

Não occulta a vossa commissão o seu sincero pezar pela exclusão das linguas gregas e ingleza, e faz votos para que uma e outra sejam reclamadas pelas auctoridades que tenham de informar o governo ácerca do resultado da experiencia. Quanto á lingua grega, a vossa commissão declara peremptoriamente que acompanha o governo nos seus votos para que venham, e breve, melhores dias para ella.

Nem se diga que com estas duas linguas teria de abranger mais um anno o curso de instrucção secundaria.

Todos reconhecem o tempo que, para cada disciplina, absorve a fixação da nomenclatura propria, quasi toda de origem grega. Se ha exagero em dizer-se que o conhecimento da lingua grega, por este motivo, vale metade de cada disciplina, é certo que o tempo destinado para o seu estudo teria compensação suficiente no auxilio prestado para a comprehensão da nomenclatura privativa de tantas disciplinas, sem esforços materiaes de memoria, que por estes mesmos esforços em tantos alumnos é gravemente prejudicada.

Mas, excluida mesmo do quadro proprio da instrucção secundaria, sente a vossa commissão que não lhe tenha sido conservado o seu logar, já de tantos annos, nos lyceus, para que, fóra de Lisboa e Coimbra, podesse estudal-a quem pretendesse consagrar-lhe algumas horas, em troca de importantissimas vantagens para a sua illustruação. E sente isto principalmente, porque assim terá de ser