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SESSÃO N.° 16 DE 18 DE DEZEMBRO DE 1906 581

pacidade do seu Thesouro, subtrahir-se á acção do Parlamento nos mais intimos e minuciosos detalhes?

Em França, as questões militares occupam uma grande parte dos trabalhos parlamentares. Obedecendo á ideia de transformar o exercito n'um prolongamento da nação, e o regimento n'um prolongamento da caserna, segundo a phrase tão feliz e democratica de Clémenceau, o Parlamento tem-se visto dotado, especialmente por occasião do orçamento do Ministerio da Guerra, por magnificos relatorios, inspirados na mais perfeita sciencia militar e na mais ampla comprehensão do espirito democratico, relatorios que teem elevado a Ministro da Guerra pessoas estranhas á vida militar, taes como o Sr. Berteaux, e que ahi levarão o Sr. Clotz, auctor do penultimo orçamento do Ministerio da Guerra, e o Sr. Messimy, cujo trabalho, segundo os tópicos expostos na France Militaire, d'estes ultimos dias de dezembro, se inspira sobretudo no cuidado de não onerar as despesas militares do paiz e de crear um corpo de officiaes que exerça um papel verdadeiramente educador na nação armada, a quem não seja estranho nenhum dos problemas sociaes, e cujo espirito seja aberto a todas as ideias novas e á sua livre discussão.

Á massa semi-ignorante dos contingentes annuaes é necessario modificar-lhes os methodos militares em uso, dar-lhes uma parte importante na educação moral, civica e social. Não por forma a que o regimento deixe de ser, antes de tudo e acima de tudo, uma es cola profissional, mas para que elle seja tambem uma escola de cidadãos livres, que regressando um dia, e no mais breve prazo possivel, á vida civil, levem o amor pela profissão que exerceram, o aperfeiçoamento da sua natureza moral e uma copia de conhecimentos que lhes sejam proficuos na lucta pela vida e no interesse do seu paiz.

É extraordinario o que, com a collaboração do Parlamento, se está fazendo em França para educar o corpo de officiaes de modo a elles se adequarem á ficção democratica dos exercitos modernos; e extraordinario é o que ali ainda se espera fazer a esse respeito e que tão notavelmente se acha em trabalhos do capitão Jibé; é maravilhoso o que já se está praticando em muitos regimentos, lembrando-me agora o que li na France Militaire acêrca de verdadeiras festas de propaganda e ensino sobre agricultura e hygiene das pessoas, dos animaes, das herdades e das fabricas, sobre principios de colonização e de mutualidade celebradas em regimentos francezes.

O Parlamento Francez não tem ficado nunca indifferente ás graves questões militares. E ainda agora o general Picquart lhe vae submetter as grandes reformas, inspiradas n'um caracter democratico, expostas no programma ministerial de Clémenceau e largamente annunciadas nos jornaes da França, que se referem á suppressão dos conselhos de guerra, á lei dos quadros, a novas determinações sobre o recrutamento e sobre a promoção dos officiaes.

Em todos os paizes, emfim, as questões militares são largamente discutidas no Parlamento, e são-n'o sobretudo nos paizes de principios politicos democraticos.

Quanto pois o não devem ser n'um paiz como o nosso, que não pode ser um grande paiz guerreiro e dominador, que não possue os largos recursos financeiros de outras nações, mas a que as suas allianças impõem obrigações, a um paiz como o nosso em que tudo parece indicar que nos aproximemos, na nossa, da organização militar, tão profundamente democratica, da Suissa?

Sei que se diz não estarmos nas condições d'esse povo que não tem mares a banhar-lhe as costas e vive entre montanhas, e sei tambem que essa razão é allegada para aqui se não poder implantar a sua organização militar.

Mas sei que ha escriptores militares portuguezes defendendo a ideia de, que, assim como a Suecia, nação com grandes interesses maritimos, adoptou a organização, tão democratica e tão militar, da Suissa, tambem nós nos deviamos aproximar d'ella.

Em 1903, um distinctissimo escriptor militar portuguez punha em relevo que a Suissa, dispondo de 540:000 soldados com um admiravel armamento por ella fabricado numa grande parte, com excellentes fortificações, com innumeras escolas federaes e cantonaes de tiro, com muito material e depositos de administração, com caminhos de ferro estratégicos, não chega a gastar 6:000 contos de réis por anno.

O nosso paiz, Portugal, apenas com 200:000 soldados sem armamento numeroso e perfeito, incompletas e mal armadas fortificações, com pouco ou nenhum material, sem linhas ferreas militares, sem campos especiaes e de manobras, sem instrucção competente de reservas e sem grandes e custosas manobras, gasta, incluindo as guardas, 8:500 contos de réis, ou seja, mais 2:500 contos de réis do que a Suissa.

Não é esta simples exposição dolorosamente elucidativa? Basta a nossa situação financeira — basta esta! — para que não se pense em qualquer reorganização do nosso exercito sem o Parlamento a conhecer. Todos os assumptos militares lhes devem ser presentes.

E é uma traição ao paiz e ás ideias democraticas, aos principios parlamentares, o apresentar uma proposta de lei, referente á criação de um orgão militar superior, com larguissimas e melindrosissimas attribuições, taes como as consignadas na base 1.ª da proposta— organização geral e mobilização das forças de terra e mar e tropas coloniaes e planos de operações terrestres e maritimas, e planos de organização defensiva da metropole e das colonias — e as consignadas nas bases 7.ª e 9.ª, relativas á reorganização da Secretaria da Guerra e da Marinha, o apresentar esta proposta de .um modo vago, sob a forma de uma auctorização amplissima, em bases confusas, antagónicas como o proprio parecer!

Nunca devia fazer isto um Governo da Presidencia do Sr. Conselheiro João Franco. Parece haver um proposito n'este illustre homem publico, de destruir todas as suas affirmações. É um vento de contradicção, uma rajada de desmentidos! Desacreditam-se os homens de Estado que assim procedem. Nas questões militares eu e os meus amigos dissidentes affirmamos que combateremos tudo quanto não seja apresentado leal e correctamente ao Parlamento, ao paiz. Queremos que se faça agora aquillo que nós fariamos.

Não pode perdoar-se á concentração liberal este proceder, que não diz nem com as declarações de leader progressista na opposição nem com as affirmações do Sr. João Franco quando andava á cata do poder. Que estranhas cousas tem feito essa concentração! Até eu assisto ao triste espectaculo de ver um homem, com o notavel talento do Sr. Sebastião Telles, vir a publico e raso confessar a inefficacia da sua obra e o prejuizo por ella trazido ás instituições militares! Pego no Parecer e vejo que, para se defender a necessidade de um orgão, que dê unidade, sequencia e estabilidade ás nossas instituições militares, se escreveu o seguinte: — «Sempre que tem havido n'estes ultimos annos mudança ministerial, as instituições militares teem soffrido alterações que muito as teem prejudicado».

Leio, releio, e entra-me no espirito uma congestão de espanto. Sempre?! Pois o Sr. Sebastião Telles, que é um brilhantissimo escriptor militar, honrando o seu paiz como hoje Langlois e Bonnal honram a França, veio com a sua obra ferir as nossas instituições militares? Sempre? Pois o Sr. Sebastião Telles confessa que sem a tutela do Supremo Conselho de Defesa Nacional não é possivel governar, e con-emna assim a sua obra tão admirada e defendida pelo seu partido, admirada pelo paiz inteiro, e a que começa já a fazer-se toda a justiça? Sempre? Então o Sr. Sebastião Telles vem, como um penitenciado, arrepender-se