O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO N.° 48 DE 20 DE DEZEMBRO DE 1906 617

Não ha razão, portanto, para que, i ao serem determinados os varios elementos de todas as especies que hão de entrar na composição das forças combatentes da armada ou do exercito de campanha, se faça unicamente reserva dos que hão de constituir os orgãos do commando superior, e sobre os quaes deverão recair todas as responsabilidades da sorte da guerra. Se a excepção fosse admissivel, a lógica até impunha que fossem estes os que primeiramente deveriam conhecer as grandes responsabilidades prestes a assoberbai os, para que, avisada e convenientemente, melhor se preparassem para estarem á altura de as poderem assumir.

Sr. Presidente: é hoje principio geralmente reconhecido que, por mais que se augmente o material, que se dotem os exercitos de canhões e espingardas aperfeiçoadas, que se robusteçam os effectivos, tudo será infructifero se o acordo e unidade de vistas não existirem na direcção suprema.

Affirma um esclarecido e auctorizado escriptor que, se o valor da tropa depende do valor dos quadros, em contraposição os quadros só valem pela acção que lhes imprime o alto commando. Este representa o cerebro que acciona os nervos; se o cerebro é defeituoso, os nervos não podem funccionar prompta e regularmente.

Organizado, portanto, o estado maior general encarregado de dirigir a guerra, segundo os termos prescriptos na ordenança geral da armada e no regulamento de campanha, a boa razão aconselha, desde logo, que seja aos proprios individuos que devem assumir essa gloriosa mas sempre arriscada missão, que se confie, durante a paz, o dever de dirigir os estudos e trabalhos conducentes: a constituir devidamente as instituições armadas; a assegurar a preparação para a guerra e defesa geral do territorio; a dirigir methodica e systematicamente a instrucção das tropas, por modo a realizar n'ellas a mais solida unidade de doutrina táctica.

Sr. Presidente: o raciocinio affirma e a historia comprova ser erro grave o pretender preparar planos de mobilização, de concentração e de campanha para serem executados, á ultima hora, por generaes que não collaboraram n'elles, que os não conhecem e que abrigam até, por vezes, opiniões bem differentes. Por isso, é hoje principio universalmente admittido que deve ser quem concebe taes planos que lhes deve dar execução.

Não desejo abusar da attenção da Camara, mas seja-me, ao menos, permittido comprovar esta asserção com dois unicos exemplos historicos, pondo de parte outros muitos que poderia adduzir. A auctoridade dos nomes que vou citar dará maior valia aos factos produzidos. Iniciava-se a campanha de 1800. Bonaparte, então primeiro consul, havia concebido, para a campanha do Rheno, um plano extremamente audacioso e de resultados decisivos, qual era o de invadir a Suabia com um exercito de 100:000 homens, atravessando o Rheno em Constança, cortando o general austriaco Kray; encerrando-o entre o Alto Danubio e o Rheno e separando-o por essa forma da Baviera.

O general Moreau, que devia executar tal plano, não o acceitou, porem, quando lhe foi communicado por Bonaparte, e nada o demoveu de uma tal resolução. Em contraposição, sustentou a conveniencia de outra operação que julgava mais prudente, e era a de invadir o territorio inimigo pelas pontes de Strasburgo, Brisach e Bâle, com tres columnas destinadas a dividir a attenção dos austriacos e a attraí-los para os desfiladeiros da Floresta Negra, desapparecendo-lhe então subitamente para subir pela margem direita do Rheno até Shaffouse, aonde protegeria o desfilamento do resto do exercito. Bonaparte, conhecedor dos homens, e porque não podia então abandonar a sede do governo, teve que transigir, e por esse motivo ficou sem effeito um plano de campanha de cujos resultados elle tanto confiava.

Nos nossos dias já, na campanha de 1870, uma das causas principaes da derrota dos generaes Bazeine e Bourbaki é attribuida ao facto de, á ultima hora, lhes serem nomeados como chefes de estado maior os generaes Jarras e Borel, que só receberam os planos, ordens e instrucções no ultimo momento, sem tempo para os estudar e comprehender, a fim de lhes dar o devido desenvolvimento.

Os exemplos summariamente citados mostram a indispensabilidade dos trabalhos de preparação da guerra serem urdidos na paz pelos proprios que lhes devem dar execução na guerra, para o que se torna indispensavel a sua nomeação previa para o exercicio das respectivas funccões.

Mais ainda. Observando a vastidão dos campos de batalha modernos, cujas frentes se tornam cada vez mais extensas pelo augmento dos effectivos em presença e tambem pelos motivos do alcance e da efficacia crescentes das armas de fogo, que obrigam á adopção de formaturas pouco vulneraveis e ducteis para marchar ao ataque, explica-se como os novos processos de fazer a guerra impõem, tanto aos individuos como aos agrupamentos, uma extraordinaria iniciativa, a qual tem de ser exercida methodicamente, em conformidade de preceitos insuflados pela mais insistente e cuidadosa instruccão do tempo de paz. Este facto torna indispensavel a existencia nos exercitos modernos de uma unidade de doutrina táctica, que só será bem efficaz quando implantada e cuidadosamente desenvolvida por aquelles que tiverem de lhe tirar o fructo no campo da batalha.

É esta a principal força do estado maior general allemão, que, desde Moltke, tem desenvolvido no exercito, por intermedio da Escola Superior de Guerra, e da direcção systematica de todas as manobras e exercicios tácticos, a mais perfeita unidade de doutrina, que faz com que na guerra todos os elementos do exercito concorram unida e systematicamente para o mesmo fim commum.

Ao inverso, na recente campanha russo-japoneza, por tres vezes, pelo menos, no Yalou, em torno de Liang-Yang e proximo de Moukden, se reconheceu que as ordens dadas pelo general Kouropatkine haviam sido transgredidas ou mal executadas, por erro de comprehensão, causando a falta de unidade de doutrina perdas inuteis e ameaçando até a anniquilação do exercito.

Sr. Presidente: tenho rapidamente esboçado com o testemunho alheio os perigos que nos podem advir da carencia de unidade de vistas, falta esta que domina no exercito em materia de instruccão tactica. No nosso paiz, os respectivos regulamentos são espalhados nas armas em que teem de reger sem especie alguma de coordenação unitaria ; as manobras e exercicios verificam-se igualmente sem methodo, espirito de sequencia ou direcção continua e systematica, predominando somente a vontade do Ministro que, na occasião, está á frente dos negocios publicos. Na hora do perigo, que Deus afaste, este estado de cousas deve produzir necessariamente resultados nefastos.

Ora tudo quanto acabei de expor precisa de ser resolvido com proposito de sequencia unitario e systematico. Organização do exercito, sua instruccão, defesa do territorio e preparação da guerra são apenas quatro aspectos differentes da mesma questão: constituição da defesa nacional. Tudo quanto tenda, portanto, a separar a resolução d'aquelles assumptos, de sua natureza connexos, importa um grave prejuizo para a referida defesa.

Tendo de resumir o mais que possivel as minhas considerações, para abreviar o debate, omittirei outras reflexões que teria a fazer e passarei a descrever summariamente como nos principaes paizes, para que as instituições militares se desenvolvam consoante as exigencias da guerra moderna, se adoptaram, sem detrimento do principio que fica