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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 48

EM 20 DE DEZEMBRO DE 1906

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente. — O Digno Par Sr. Campos Henriques refere-se a acontecimentos locaes em Villa Nova de Gaia e Oliveira de Azemeis.

Ordem do dia. — Continuação da discussão do parecer n.° 17, relativo ao projecto de lei n.° 11, que cria o Supremo Conselho de Defesa Nacional. — Usa da palavra o Digno Par Sr. Moraes Sarmento. — O Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos requer que a sessão seja prorogada até se votar o projecto. Este requerimento é approvado. Sobre o assumpto em ordem do dia discursam os Dignos Pares Srs. Ferreira do Amaral, Villaça, Sebastião Baracho, Ministro da Guerra, Pimentel Pinto, Moraes Sarmento e Francisco Maria da Cunha. — Esgotada a inscripção é o parecer approvado. — Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, com a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 29 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio da Presidencia da Camara dos Senhores Deputados, enviando a proposição da lei que tem por fim abolir a garantia administrativa.

Para a commissão de administração.

Officio da mesma Presidencia, incluindo o projecto de lei que auctoriza o Governo a desistir dos direitos dos cônsules portuguezes em Zanzibar, em materia civil e criminal.

Para a commissão dos negocios externos.

O Sr. Campos Henriques: — Pedi a palavra para chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino para dois assumptos a que já me referi n'esta Camara, e que são de interesse publico. S. Exa. não está presente, mas vejo o Sr. Ministro da Guerra, a quem peço se digne transmittir ao Sr. Presidente do Conselho as considerações que vou fazer.

A Camara Municipal de Villa Nova de Gaia, no mês de julho proximo passado, deliberou aposentar o seu secretario, a pedido d'este, remettendo em seguida á auctoridade administrativa a copia da respectiva acta, afim de que a sua deliberação obtivesse approvação superior. Desde então até hoje a auctoridade administrativa conserva em seu poder aquelle documento, de forma que a Camara não pode providenciar e acha-se sem secretario, com grave prejuizo para o bom andamento dos seus , trabalhos.

Peço ao Governo que adopte providencias no sentido de fazer que a auctoridade administrativa cumpra o seu dever, enviando ao Ministerio do Reino o documento que conserva guardado.

No concelho de Oliveira de Azemeis, ha muitos meses, foi construida, vistoriada e julgada apta a funccionar uma escola mixta, situada na freguesia de S. João da Madeira. Essa escola, graças a um acto de benemerencia, tem já a mobilia conveniente; todavia, conserva-se fechada com prejuizo da instrucção e da mobilia, que se está deteriorando, alem do que as escolas que ali existem funccionam em casas fora de todas as condições legaes e hygienicas.

Peço tambem providencias para que a referida escola seja aberta quanto antes.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra: — Vasconcellos Porto): — Ouvi com toda a attenção as considerações do Digno Par

0 Sr. Campos Henriques, e communicá-las-hei ao Sr. Presidente do Conselho, para serem tomadas na devida consideração.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto
que trata da criação do Supremo Conselho
de Defesa Nacional

O Sr. Moraes Sarmento: — Sr. Presidente: sei que a Camara deseja abreviar quanto possivel a discussão do presente projecto, de modo a que ainda seja votado n'esta sessão, e por isso vou resumir o mais possivel as minhas considerações.

Accedendo ao convite que me foi feito, em uma das sessões passadas, pelo Digno Par o Sr. Baracho, para manifestar o meu parecer acêrca do facto de não haverem ficado devidamente representadas pelos respectivos generaes, no projecto que se discute, as armas de cavallaria e infantaria, começarei por dizer que o modo de ver especial que eu tenho, de ha muito, acêrca das funcções a attribuir aos generaes, me leva a dar uma resposta que, por certo, não satisfará senão ás pessoas que virem o assumpto pelo mesmo prisma pelo qual eu o observo. Sr. Presidente: eu entendo que é de equidade constituir o referido quadro com officiaes procedentes das diversas armas, e em determinada proporção, de modo que as condições de promo-

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cão sejam, quanto possivel, aproximadas para as differenttes carreiras militares.

Julgo, porem, que ao posto de general, qualquer que seja a arma d'onde proceda, só deve ascender o official que pelo seu caracter, pela sua intelligencia e pela sua illustração offereça condições seguras de poder desempenhar, com proveito para o paiz e honra propria, qualquer commissão de serviço militar que pelo Governo lhe seja destinada. Como consequencia de um tal seleccionamento, a representação individual das armas deverá cessar no posto de coronel.

Segundo o meu modo de ver, assignaladas vantagens redundariam de affirmar na lei o principio que deixo exposto, eliminando parallelamente as disposições vigentes que obrigam a prover certos cargos militares em generaes procedentes de determinadas armas. Adoptada a doutrina que preconizo, dever-se-hia até conferir aos generaes de brigada commissões de serviço de natureza differente da das armas d'onde elles procedessem, familiarizando-os assim com as diversas especialidades do serviço, e habilitando-os a puderem, depois, desempenhar com mais cabal competencia as funcções proprias dos divisionarios.

Na Allemanha, que tantas vezes citamos como modelo, posto que nem sempre apropriadamente, é commum ver um general procedente de determinada arma á frente de serviços de natureza differente d'aquelles que constituiram o inicio e a sequencia da sua carreira militar. É certo que ali são poucos os officiaes que ascendem ao generalato sem procederem do serviço do estado maior, o que lhes assegura grande competencia profissional, dada a rigorosa selecção observada n'esse serviço, mas a adopção da regra que defendo tambem aqui facilitaria o melhor seleccionamento do generalato, pondo em relevo as incompetencias manifestadas para as altas e variadas funcções do cominando superior.

Pensando por esta forma, é claro que mais do coração applaudiria o projecto em discussão se elle se houvesse libertado inteiramente da preoccupação da procedencia de armas, deixando ao Governo a plena liberdade de escolher os officiaes para o desempenho das differentes funcções enumeradas, segundo a competencia individual de cada um e as conveniencias do serviço geral.

Com esta resposta é provavel que não agrade inteiramente ao Digno Par interpellante, nem ao auctor do projecto, mas ficarei bem com a minha consciencia de soldado, emittindo lealmente n'esse ponto concreto de importante doutrina militar a mesma opinião que, desde annos, venho sustentando sem que quaesquer argumentos contrarios a hajam abalado.

Liquidada pela forma exposta mais uma das causas que motivaram a minha intervenção no presente debate, tem chegado a opportunidade de eu explicar mais desenvolvidamente á Camara a razão da natureza condicional do voto que eu declarei haver dado ao projecto em discussão.

Expondo os principaes fundamentos do projecto que discutimos, declarou o Sr. Ministro da Guerra que o problema em questão poderia, tambem, ser resolvido pela criação do estado maior general, e que, Receitando por agora a forma apresentada, se não ficaria inhibido de recorrer mais tarde áquella organização, quando da proposta se não colhessem os resultados apetecidos.

O projecto em discussão constitue, portanto, uma experiencia ou providencia de occasião, tendente a evitar difficuldades que poderia suscitar a criação d'aquelle outro organismo. O Governo julga que não é este o momento opportuno para estabelecer o estado maior general como orgão especial militar — «que, na sua acção puramente technica, se substitua e sobreviva aos Ministros, e que nos Ministerios que teem a seu cargo a defesa nacional faça com que o pensamento a que a dita acção seja subordinada não fique interrompido nem annullado por uma substituição ministerial, e que aquillo em que uma vez se assente e se comece a executar não seja modificado senão por motivos de ordem technica e pelos competentes, e não sob o ponto de vista particular dos Ministros, ou por quaesquer razões de ordem politica» — conforme foi proclamado no programma do partido regenerador-liberal.

Sr. Presidente: posta a questão nos termos em que o fez o nobre Ministro da Guerra eu não poderia deixar de lhe dar o meu voto, porque a administração superior do exercito não pode estar isenta da acção politica, tomada esta no sentido elevado da palavra, isto é, no da sciencia socilologica, e das conveniencias d'esta é e melhor juiz o poder executivo.

Assim, tendo plena confiança no Governo, eu voto o projecto como uma medida de opportumdade, com a convicção, porem, de que, mais tarde ou mais cedo, se ha de recorrer á constituição dos estados maiores generaes do exercito e da armada como a melhor forma de conseguir a mais efficaz organização de defesa nacional.

Esta convicção radicou-se-me no espirito desde que, com carinho e desvelo, estudei e logrei comprehender, nos limites da minha modesta inteligencia, a complexidade de questões que envolve o problema da constituição de um orgão especial destinado a preparar e assegurar a defesa nacional e o melhor modo de lhes dar uma solução uniforme e pratica.

A transformação completa que, nos ultimos trinta annos, se operou no modo de ser da exercitos complicou gravemente os termos d'aquelle problema, que nunca foi facil.

No tempo dos exercitos profissionaes era possivel a um homem possuidor de dotes excepcionaes conseguir com o seu saber, com a sua iniciativa e com a sua actividade, organizar um exercito, maior ou mais pequeno, para n'um determinado momento com elle emprehender a guerra.

Desde que os exercitos modernos são, porem, constituidos pelas nações armadas, desde que todos os homens validos estão alistados para o serviço militar e que as sciencias e industrias diariamente offerecem navas descobertas e recursos que teem de ser aproveitados para robustecer a acção offensiva ou defensiva dos exercitos, a iniciativa de um só homem torna-se verdadeiramente impotente para assegurar a constituição da defesa de um paiz.

Demais, o consideravel desenvolvimento dos meios accelerados de communicação em poucos dias colloca hoje frente a frente os exercitos adversos, supprimindo os longos prazos de preparação para a guerra causados outr'ora pelas dificuldades, tanto dos transportes como da transmissão de ordens. As duas ou tres semanas que se seguem ao momento de declaração da guerra constituem actualmente um periodo grave, durante o qual a mobilização e, concentração do exercito deve estar effectuada, sob o risco de graves desastres, se não da perda da autonomia nacional.

Para que essas operações se executem célere e convenientemente torna-se indispensavel não somente que a organização das instituições armadas seja concebida de modo a permittir a mais rapida passagem do pé de paz para o da guerra, mas que existam realmente, e em logar determinado, todos os recursos de ordem pessoal, animal e material indispensaveis para que uma tal evolução se realize no menor prazo.

Na previsão de uma guerra nada deve ser eventual ou occasional. Desde a mais modesta praça de pret até ao commandante em chefe, todos devem saber, desde a paz, o logar que teem designado na ordem de batalha- dos institutos armados. Desde o singelo cravo de ferradura até ao mais colossal canhão, tudo deve de antemão existir, não somente inventariado, mas arrumado em local dos parques e depositos aonde directa e rapidamente possa ser encontrado,

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Não ha razão, portanto, para que, i ao serem determinados os varios elementos de todas as especies que hão de entrar na composição das forças combatentes da armada ou do exercito de campanha, se faça unicamente reserva dos que hão de constituir os orgãos do commando superior, e sobre os quaes deverão recair todas as responsabilidades da sorte da guerra. Se a excepção fosse admissivel, a lógica até impunha que fossem estes os que primeiramente deveriam conhecer as grandes responsabilidades prestes a assoberbai os, para que, avisada e convenientemente, melhor se preparassem para estarem á altura de as poderem assumir.

Sr. Presidente: é hoje principio geralmente reconhecido que, por mais que se augmente o material, que se dotem os exercitos de canhões e espingardas aperfeiçoadas, que se robusteçam os effectivos, tudo será infructifero se o acordo e unidade de vistas não existirem na direcção suprema.

Affirma um esclarecido e auctorizado escriptor que, se o valor da tropa depende do valor dos quadros, em contraposição os quadros só valem pela acção que lhes imprime o alto commando. Este representa o cerebro que acciona os nervos; se o cerebro é defeituoso, os nervos não podem funccionar prompta e regularmente.

Organizado, portanto, o estado maior general encarregado de dirigir a guerra, segundo os termos prescriptos na ordenança geral da armada e no regulamento de campanha, a boa razão aconselha, desde logo, que seja aos proprios individuos que devem assumir essa gloriosa mas sempre arriscada missão, que se confie, durante a paz, o dever de dirigir os estudos e trabalhos conducentes: a constituir devidamente as instituições armadas; a assegurar a preparação para a guerra e defesa geral do territorio; a dirigir methodica e systematicamente a instrucção das tropas, por modo a realizar n'ellas a mais solida unidade de doutrina táctica.

Sr. Presidente: o raciocinio affirma e a historia comprova ser erro grave o pretender preparar planos de mobilização, de concentração e de campanha para serem executados, á ultima hora, por generaes que não collaboraram n'elles, que os não conhecem e que abrigam até, por vezes, opiniões bem differentes. Por isso, é hoje principio universalmente admittido que deve ser quem concebe taes planos que lhes deve dar execução.

Não desejo abusar da attenção da Camara, mas seja-me, ao menos, permittido comprovar esta asserção com dois unicos exemplos historicos, pondo de parte outros muitos que poderia adduzir. A auctoridade dos nomes que vou citar dará maior valia aos factos produzidos. Iniciava-se a campanha de 1800. Bonaparte, então primeiro consul, havia concebido, para a campanha do Rheno, um plano extremamente audacioso e de resultados decisivos, qual era o de invadir a Suabia com um exercito de 100:000 homens, atravessando o Rheno em Constança, cortando o general austriaco Kray; encerrando-o entre o Alto Danubio e o Rheno e separando-o por essa forma da Baviera.

O general Moreau, que devia executar tal plano, não o acceitou, porem, quando lhe foi communicado por Bonaparte, e nada o demoveu de uma tal resolução. Em contraposição, sustentou a conveniencia de outra operação que julgava mais prudente, e era a de invadir o territorio inimigo pelas pontes de Strasburgo, Brisach e Bâle, com tres columnas destinadas a dividir a attenção dos austriacos e a attraí-los para os desfiladeiros da Floresta Negra, desapparecendo-lhe então subitamente para subir pela margem direita do Rheno até Shaffouse, aonde protegeria o desfilamento do resto do exercito. Bonaparte, conhecedor dos homens, e porque não podia então abandonar a sede do governo, teve que transigir, e por esse motivo ficou sem effeito um plano de campanha de cujos resultados elle tanto confiava.

Nos nossos dias já, na campanha de 1870, uma das causas principaes da derrota dos generaes Bazeine e Bourbaki é attribuida ao facto de, á ultima hora, lhes serem nomeados como chefes de estado maior os generaes Jarras e Borel, que só receberam os planos, ordens e instrucções no ultimo momento, sem tempo para os estudar e comprehender, a fim de lhes dar o devido desenvolvimento.

Os exemplos summariamente citados mostram a indispensabilidade dos trabalhos de preparação da guerra serem urdidos na paz pelos proprios que lhes devem dar execução na guerra, para o que se torna indispensavel a sua nomeação previa para o exercicio das respectivas funccões.

Mais ainda. Observando a vastidão dos campos de batalha modernos, cujas frentes se tornam cada vez mais extensas pelo augmento dos effectivos em presença e tambem pelos motivos do alcance e da efficacia crescentes das armas de fogo, que obrigam á adopção de formaturas pouco vulneraveis e ducteis para marchar ao ataque, explica-se como os novos processos de fazer a guerra impõem, tanto aos individuos como aos agrupamentos, uma extraordinaria iniciativa, a qual tem de ser exercida methodicamente, em conformidade de preceitos insuflados pela mais insistente e cuidadosa instruccão do tempo de paz. Este facto torna indispensavel a existencia nos exercitos modernos de uma unidade de doutrina táctica, que só será bem efficaz quando implantada e cuidadosamente desenvolvida por aquelles que tiverem de lhe tirar o fructo no campo da batalha.

É esta a principal força do estado maior general allemão, que, desde Moltke, tem desenvolvido no exercito, por intermedio da Escola Superior de Guerra, e da direcção systematica de todas as manobras e exercicios tácticos, a mais perfeita unidade de doutrina, que faz com que na guerra todos os elementos do exercito concorram unida e systematicamente para o mesmo fim commum.

Ao inverso, na recente campanha russo-japoneza, por tres vezes, pelo menos, no Yalou, em torno de Liang-Yang e proximo de Moukden, se reconheceu que as ordens dadas pelo general Kouropatkine haviam sido transgredidas ou mal executadas, por erro de comprehensão, causando a falta de unidade de doutrina perdas inuteis e ameaçando até a anniquilação do exercito.

Sr. Presidente: tenho rapidamente esboçado com o testemunho alheio os perigos que nos podem advir da carencia de unidade de vistas, falta esta que domina no exercito em materia de instruccão tactica. No nosso paiz, os respectivos regulamentos são espalhados nas armas em que teem de reger sem especie alguma de coordenação unitaria ; as manobras e exercicios verificam-se igualmente sem methodo, espirito de sequencia ou direcção continua e systematica, predominando somente a vontade do Ministro que, na occasião, está á frente dos negocios publicos. Na hora do perigo, que Deus afaste, este estado de cousas deve produzir necessariamente resultados nefastos.

Ora tudo quanto acabei de expor precisa de ser resolvido com proposito de sequencia unitario e systematico. Organização do exercito, sua instruccão, defesa do territorio e preparação da guerra são apenas quatro aspectos differentes da mesma questão: constituição da defesa nacional. Tudo quanto tenda, portanto, a separar a resolução d'aquelles assumptos, de sua natureza connexos, importa um grave prejuizo para a referida defesa.

Tendo de resumir o mais que possivel as minhas considerações, para abreviar o debate, omittirei outras reflexões que teria a fazer e passarei a descrever summariamente como nos principaes paizes, para que as instituições militares se desenvolvam consoante as exigencias da guerra moderna, se adoptaram, sem detrimento do principio que fica

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exposto, as mesmas regras de divisão de trabalho impostas pelo progresso aos demais ramos da actividade humana.

Em dois agrupamentos distinctos se effectuou esse seleccionamento: o primeiro, comprehendendo a administração propriamente dita; o segundo, reunindo os estudos e trabalhos referentes á constituição da força publica, á defesa do territorio, á preparação da guerra e á instrucção do exercito.

A administração do exercito ficou, em toda a parte, immediata e directamente incumbida ao Ministro da Guerra, a quem igualmente pertence, em regra, a decisão superior sobre todos o assumptos militares nos paizes regido por instituições parlamentares.

Mas, pelo que respeita aos assumptos enumerados no segundo agrupamento, a consideração de que os dote de intelligencia e meritos de caracter de um só homem, por mais elevados que sejam, não bastam para conceber e realizar em todas as suas mil minudencias um machinismo tão complicado como o é uma armada ou um exercito, para averiguar e providenciar opportunamente acêrca de todas as imperfeições de execução que elle apresente, para se orientar com segurança no meio das numerosas exigencias technicas de toda a ordem que offerece um conveniente systema defensivo, tem geralmente feito substituir, durante a paz, a acção unica do Ministro da Guerra ou de um commandante em chefe, pela de um organismo homogeneo, mais ou menos complexo, composto por varias formas, mas constituido sempre pelos individuos destinados, decretada a mobilização, a irem assumir funcções superiores nas forças destinadas ás operações.

Um chefe supremo, presidindo durante a paz aos differentes trabalhos da constituição da defesa nacional e da preparação da guerra, e partindo com todo o seu respectivo estado maior, rotas as hostilidades, a tomar a direcção da campanha, é uma concepção organica que tem dado, e está ainda dando, fundamento a justas contestações, produzidas exactamente nos paizes em que os defeitos allegados se tornam evidentes pela forma constitutiva d'esse organismo.

Allega-se que, declarada a guerra, esse chefe desapparece subitamente da sede do Governo, privando este do seu primeiro collaborador durante a paz, d'aquelle que elaborou, sob a sua responsabilidade, todos os detalhes relativos á mobilização e concentração, e isto no proprio momento em que, indiscutivelmente, mais carecerá d'elle; no momento em que, apesar dos mais minuciosos estudos do tempo de paz, se produzirão forçosamente omissões e perturbações, as quaes será necessario remediar sem hesitação nem demora, sob pena das mais terriveis eventualidades.

De mais, na mobilização, os corpos elevados ao pé de guerra serão logo transportados para a base de concentração, deixando após si uma massa mais ou menos consideravel de homens destinados a formar organismos de reserva, a preencher os vacuos produzidos pela lucta, a assegurar a exploração militar das differentes linhas de communicação e o serviço de etapes, a defesa das costas e a das praças de guerra, e muitas mais exigencias da defesa nacional.

A actividade d'estas differentes forças, a direcção a imprimir-lhes, a organização dos differentes serviços destinados a alimentar de recursos de toda natureza as tropas combatentes, exigem conhecimentos profundos e experiencia demonstrada, que só podem ser adquiridos em longos e minuciosos estudos de antemão preparados.

Acresce ainda que, se o commandante em chefe a quem houver de ser conferida a direcção das forçam navaes ou de terra empregadas n'um determinado theatro de operações, tem e deve manter toda a independencia par conduzir as operações contra o inimigo, ao qual directamente faz frente, a coordenação dos movimentos nos diversos theatros da mesma natureza pertence ao Governo, como reconhecem os mestres da sciencia da guerra, e entre elles Clausewitz, porque só elle tem qualidade para dar as instrucções de conjunto especiaes a cada theatro de operações, para o que dispõe de mais amplas informações e esclarecimentos.

Com estes argumentos e outros que, por brevidade, omitto, concluem as auctoridades mais conspicuas que teem ventilado o assumpto dever ser collectivo o orgão encarregado na paz da constituição da defesa nacional e preparação para a guerra, sendo o seu elemento mais proeminente, vulgarmente apontado como futuro generalissimo do exercito de campanha, nos paizes em que o proprio soberano não exerce taes funcções, aquelle que, ao invés, deve ficar junto do Governo como o seu mais immediato collaborador e inspirador, sendo destinado aos outros membros, seus immediatos auxiliares e collaboradores na paz, o desempenhar as funcções proeminentes nas esquadras ou exercitos em operações.

Segundo a concepção exposta, o orgão alludido constituirá, desde o tempo de paz, não só a genese do commando superior para a bypothese da guerra, mas o elemento technico a quem deve ser confiada a missão de estudar e propor a conveniente organização das instituições armadas, o systema defensivo do paiz, a preparação para a guerra e a direcção e methodização da instruccão do exercito.

De todas as concepções humanas produzidas para desempenharem esta multiplice missão, a que parece mais adequada ao fim visado, a que somente satisfaz plenamente a todas as exigencias enumeradas, é o estado maior general, que, como exporei, embora o mais summariamente possivel, tem sido a forma mais geral a que successivamente teem recorrido quasi todos os paizes para prepararem e assegurarem devidamente a sua defesa, devendo mais uma vez fazer notar que, em regra, as funcções do estado maior general são exercidas sob a superintendencia dos Ministros da Guerra ou da Marinha, salvo nos paizes regidos autocraticamente ou por constituições especiaes, como succede na Russia e na Allemanha.

A incumbencia das funcções organizadoras que deixei enumeradas a commissões especiaes constituidas pela forma por que o tem sido a nossa commissão superior de guerra não tem dado resultados proficuos em nenhum dos paizes em que a experiencia foi tratada.

Sob a acção de um perigo imminente e de um movimento patriotico intenso, podem essas commissões, como quaesquer outras instituições, corresponder á exigencia das difficuldades occorrentes, mas, passado o momento doloroso, breve retomam a placidez senão a indifferença propria de taes collectividades, se não predomina n'ellas a acção de algum espirito reflectido, illustrado e infatigavel.

Dois d'estes exemplos offerece o nosso paiz, comprovativos da minha asserção.

O conselho de guerra, organizado em 1641, trabalhou activa e incessantemente sob a ameaça do novo dominio hespanhol. Feita a paz, breve amorteceu, porem, na sua acção, tornando-se indispensavel ao Marquez de Pombal entregar a organização da defesa nacional a um general estrangeiro, facto logo reproduzido por occasião da guerra peninsular, e isto apesar do conselho de guerra ainda subsistir.

Com a actual commissão superior de guerra succedeu caso analogo. Emquanto o Sr. Conselheiro Sebastião Telles exerceu as funcções de seu secretario, a commissão, sob a sua acção e iniciativa, produziu uma serie de trabalhos methodicos, com espirito de unidade, todos inspirados no pensamento superior de organizar a preparação da guerra. Desde que elle abandonou o cargo, deixou de predominar nos trabalhos da commissão a actividade e o espirito de sequencia e methodo que assignalou aquelle periodo, e, salvo um ou outro trabalho de

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valor reconhecido, tudo o mais produzido não vale nada.

Posso falar d'esta manaira porque sou membro da referida commissão e sei, por isso, que ella pouco de verdadeiramente util tem feito desde aquella data, umas vezes por falta de iniciativa propria, outras por carencia de actividade, segundo as attribuições que lhe conferiram os successivos diplomas que remodelaram a sua constituição. Tendo por origem a commissão consultiva de defesa do reino, organizada por decreto de 22 de dezembro de 1880 e logo reformada por decreto de 7 de setembro de 1881, a commissão superior de guerra, que assim passou a denominar-se o primitivo organismo pelo diploma de 7 de marco de 1888, soffreu subsequentemente nova serie de alterações na sua constituição, introduzidas pelos decretos de 24 de janeiro de 1895, de 23 de dezembro de 1899, de 12 de dezembro de 1900 e de 24 de dezembro de 1904. Nem o chrisma, nem tantas e tão repetidas reformas conseguiram, porem, obter que semelhante instituição se tornasse persistentemente um verdadeiro orgão constitutivo da organização da defesa nacional, facto este que, como vou mostrar á Camara, para attenuante das responsabilidades referidas, se produziu pela mesma forma nos exercitos em que foram concedidas funcções equivalentes a organismos da mesma natureza.

O primeiro conselho incumbido do estudo da defesa nacional, em França, foi constituido pelo diploma de 9 de outubro de 1787, e teve apenas vinte mezes de existencia.

Restaurado em, 17 de fevereiro de 1828, depois de realizar algumas breves sessões, não mais voltou a reunir-se.

Resuscitado pela lei de 27 de julho de 1872, ficou constituido com numeroso pessoal, correspondente a una vastissimo programma.

O resultado obtido foi reunir-se uma só vez, durante o largo periodo decorrido de 1874 a 1881.

Pelo decreto de 27 de novembro, d'este ultimo anno, foi o conselho novamente modificado, ficando reduzido a sete membros, logo elevados a nove pelo decreto de 19 de abril de 1882, mas sem melhores resultados práticos, porque annos houve em que não chegou sequer a reunir-se.

O decreto de 12 de maio de 1888 prescreveu, então, que o conselho fosse obrigativamente consultado sempre que o Governo houvesse de providenciar sobre os assumptos enumerados no citado diploma, mas Ministros houve, como o general André, que não se quizeram sujeitar a essa prescripção.

Nem aquella providencia, porem, conseguiu tonificar o referido orgão, pois que sete decretos successivos, alterando as suas attribuições e composição, lhe procuraram infructiferamente ingerir nova seiva, diplomas esses que teem as datas de 19 de abril de 1890, de 28 de setembro de 1893, de 1 de março de 1898, de 2 de março de 1899, de 24 de outubro de 1899, de 27 de julho de 1900 e 15 de fevereiro de 1903.

Lavrava já intensa a descrença de que aquella instituição pudesse realizar as esperanças que nella tinham posto os seus successivos reformadores quando foi organizado, pelo diploma de 6 de maio de 1890, o estado-maior general do Ministro da Guerra, o qual ficou constituindo a primeira direcção do respectivo Ministerio, pertencendo-lhe a iniciativa do estudo das varias questões que interessassem á constituição da defesa nacional.

Não tem tido vida mais prospera e animadora n'aquelle mesmo paiz o Conselho Superior de Marinha, que é um organismo parallelo ao do exercito, mas de data mais recente, que não tem conseguido igualmente captar o favor da opinião pela importancia dos seus trabalhos, e que ainda, em data bem recente, foi alvo de criticas geraes desfavoraveis, por haver em uma unica sessão tomado conhecimento e dado parecer acêrca do programma da remodelação da armada francesa, diploma que, pela importancia do assumpto, se considerava dever merecer attenção mais demorada e apreciação mais minuciosa dos almirantes que compõem o referido instituto.

Outra commissão technica, organizada por decreto de 29 de julho de 1902, composta de officiaes generaes, tem a incumbencia dos estudos relativos á defesa das colonias, funccionando no Ministerio respectivo com êxito analogo ao anteriormente descrito, que tambem não é excedido pelas commissões de defesa existentes em cada colonia, organizadas pelo decreto de 31 de outubro de 1902, as quaes funccionam sob a presidencia dos respectivos governadores.

O general Langlois apreciando a acção organizadora e o espirito de continuidade revelados pelos conselhos a que tenho alludido, escreve:

Contar com o espirito de continuidade nos pareceres de qualquer conselho, ainda que composto de homens eminentes, é uma pura illusão. As decisões são ali tomadas por maioria de votos e da ausencia ou da presença de um só membro pode resultar o prevalecer a opinião contraria. Não é ali que se pode ir procurar a estabilidade.

Quanto ás reformas importantes, ellas serão quasi sempre rejeitadas por um conselho. O decreto de 1881 define do modo mais justo a missão do Conselho Superior de Guerra: «elle dará ao exercito toda a segurança da conservação das tradições que fazem a sua gloria e a sua força». Sem o querer, o decreto põe o dedo na chaga. Todo o conselho é eminentemente conservador das tradições. Tão util elle pode ser numa epoca em que os progressos sejam lentos, como perigoso num periodo em que a industria progrida a passos de gigante, como actualmente.

Os pareceres de um conselho serão sempre causa de um atraso de dez annos. Ha um seculo isto nada era; hoje é enorme. Julgo que se procurará em vão na nossa historia militar um progresso importante realizado sem haver sido primeiro afogado por algum conselho».

Emittindo semelhante parecer, o general Langlois fazia-o com conhecimento de causa, porque, quando estava na actividade do serviço e se esforçava por fazer adoptar no exercito o canhão de tiro rapido, teve contra o seu voto os pareceres das commissões formadas pelas maiores summidades da artilharia e o do Ministerio da Guerra.

No relatorio de um projecto de lei tambem apresentado, em França, na Camara dos Deputados, em sessão de 2 de março de 1906, escrevia o seu autor igualmente o seguinte:

«Uma experiencia recente, a dos nossos actuaes conselhos superiores de guerra e de marinha, um e outro organizados por decretos, mostrou á evidencia que estes organismos não gozam, de facto, do credito que era de esperar da competencia technica, dos conhecimentos scientificos e da reputação dos seus membros. Umas vezes são elles que se não reunem, outras evita-se de os consultar sobre as questões mais graves».

Que esta opinião é a mais dominante em Franca, provou-o o inquerito aberto pelo Figaro acêrca da conveniencia da organização de um grande conselho composto dos mais graduados generaes da armada e do exercito e de funccionarios da mais alta categoria civil e politica, para superintender na organização da defesa nacional. Quasi todos os pareceres obtidos foram desfavoraveis á ideia, e Mr. Clemenceau, o actual Presidente do Conselho de Ministros, tendo em mente os gerontes dos antigos senados da Lacedemonia e Creta, que o não podiam ser antes dos sessenta annos de idade, classificou esse proposto conselho por uma forma dura, denominando-o, gerontocracia.

Applaudindo este modo de ver, escreve ainda o general Langlois o seguinte:

«Militares autorizados, de reputação universal, mostram não ter a maior confiança na orientação dominante nos conselhos superiores formados pelos generaes mais graduados, a quem assacam os mesmos defeitos inherentes aos antigos conselhos de anciãos, reputando-os incapazes de resoluções másculas e energicas, exactamente em uma epoca em que a guerra exige tanto vigor nas concepções como na execução. Por isso, os que assim pensam, depositam toda a sua confiança na organização de um estado maior de defesa nacional, constituido por um grupo de officiaes dos dois institutos armados, que unificariam por tal modo a mentalidade dos exercitos de terra e mar sob a acção imme-

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diata do Chefe do Estado, visto ser o Chefe Supremo de ambos».

Os que pensam por esta forma teem o seu parecer apoiado pela tradição deixada por notaveis auctoridades militares. Napoleão I, durante todas as suas campanhas, só convocou um conselho, que foi deante de Mantua, e apesar do valor dos homens que n'elle tomaram parte, ficou por tal modo desgostoso com a inanidade do resultado obtido que não mais repetiu a experiencia. E Moltke referia com desvanecimento que o Imperador Guilherme, durante toda a campanha de 1870-1871, nem uma só vez havia consultado qualquer conselho, adoptando sem vacillação a opinião do seu chefe de estado maior.

Na Inglaterra, a Junta de Defesa Nacional do Exercito e da Armada nada produziu tambem de util, durante os annos que teve de existencia, como o asseverou Mr. Balfour em uma reunião effectuada em Liverpool, pelo que foi dissolvida e substituida pela forma a que ao deante me referirei.

Não deram melhor resultado do que as descriptas as experiencias realizadas em Hespanha, durante longos annos, com a Junta Superior Consultiva de Guerra. Não posso asseverar precisamente a data da sua installação, mas sei que se havia já tornado obsoleta quando foi restabelecida pelo real decreto de 9 de junho de 1808, sendo pouco depois dissolvida pelo decreto de 4 de outubro de 1858. Ressurgida novamente pelo decreto de 3 de julho de 1875, foi pouco depois augmentado o seu pessoal pelo decreto de 1 de abril de 1876. De nada lhe serviu, comtudo, a nova seiva ingerida, porque esse instituto voltou a tornar-se obsoleto. Restaurada com a denominação de Junta da Defesa Geral do Reino, por decreto de 3 de outubro de 1881, não parece que o chrisma houvesse conseguido resultados animadores, visto haver sido dissolvida e reorganizada em novas condições pelo decreto de 29 de outubro de 1883. Logo após, por decreto de 19 de março de 1885, foi modificada na sua constituição, facto que se reproduziu ainda em 2 de agosto de 1889, era 2 de marco de 1890, em 18 de janeiro de 1893 e ainda posteriormente, até que foi definitivamente dissolvida, sendo criado o estado maior central a que ao deante alludirei.

Dos factos que tenho exposto mostra-se que os institutos organizados pela forma da nossa commissão superior de guerra não deram resultados proficuos aonde quer que igualmente foram aproveitados.

Dois defeitos graves elles possuem para poderem realizar obra perfeita.

Reduzidos a funcções puramente consultivas não podem observar e aperfeiçoar opportunamente, e pela propria observação, os defeitos e incorrecções revelados pela pratica. Por outro lado, a sua propria natureza collectiva isenta esses orgãos da responsabilidade dos seus actos e opiniões, o que, para as individualidades, constitue o primeiro elemento de perfectibilidade.

Na grande maioria dos exercitos preferiram, por estes e outros motivos a que precedentemente me referi, confiar os estudos e desenvolvimento dos trabalhos relativos á constituição da defesa nacional a um orgão especial, conhecido geralmente pela denominação de estado maior general, cujo typo mais perfeito existe na Allemanha, sem poder, comtudo, ser facilmente reproduzido em qualquer outro país; pelas circumstancias politicas peculiares d’aquelle imperio.

Antes, porem, de proseguir n'este assumpto desejo dirigir as felicitações mais sinceras aos Srs. Conselheiros Alpoim e Arrojo não só pela forma elevada, mas pela competencia technica com que trataram n'este debate os assumptos militares, emquanto os quizeram apreciar restritamente na sua estructura especial e sem preoccupações partidarias. Na verdade, aos membros do exercito não pode deixar de ser lisonjeiro o ver a attenção com que tão distinctos estadittas, sendo alheios á classe, seguem u evolução militar, assimilando os estudos realizados com tanta elevação e exactidão que muito os honra e causa emulação aos profissionaes. Oxalá os Dignos Pares quizessem desprender-se das preoccupações politicas, que tão poderosamente os domina, para só encararem os assumptos militares sob o restricto ponto de vista das conveniencias da defesa nacional.

Como muito bem fizeram sentir aquelles distinctos oradores, não são facilmente transferiveis organismos que regem em determinados paizes para outros em que as circumstancias politicas são differentes. Nos termos da Constituição de 16 de abri] de 1871, o Rei da Prussia, na sua qualidade de Imperador da Allemanha, é o chefe supremo do exercito allemão, tanto em tempo de guerra como no da paz, tendo n'essa qualidade como attribuições, alem das que já referi na sessão precedente, o direito e o dever de assegurar que as tropas e servidos do exercito sejam mantidos no devido estado de preparação para a guerra e de que se observem principios uniformes na organização e constituição dos corpos, no seu armamento, no modo como são commandados, na instrucção das tropas e no recrutamento dos officiaes.

Como consequencia de taes attribuições, o Imperador tem o direito de se assegurar, por meio de inspecções, do estado dos diversos contingentes e de providenciar sobre as faltas reconhecidas. Fixa es effectivos que devem existir, a organização e repartição dos differentes contingentes do exercito e a organização da landwehr. Tem o direito de indicar a força das diversas guarnições e o de elevar ao pé de guerra qualquer fracção do exercito. Pode, finalmente, auctorizar a construcção de fortificações no territorio do imperio, e tudo isto por direito constitucional proprio, respeitadas apenas algumas excepções pactuadas em convenções especiaes com a Baviera, a Saxonia e o Wurtemberg.

Commandando pessoalmente o exercito, o Imperador exerce a sua acção pelos seguintes orgãos: gabinete militar, grande estado maior, Ministerio da Guerra e inspecções geraes permanentes. Funccionam elles simultanea e parallelamente; os seus diversos chefes manteem-se independentes uns dos outros, e só dependem do soberano,com quem trabalham directamente e cujas resoluções transmittem ao exercito sob a forma de ordens, regulamentos, instrucções, etc., preparadas sob as suas direcções.

Em termos geraes, o gabinete militar é o agente immediato das ordens do soberano; o Ministerio da Guerra e o grande estado maior são os auxiliares do commando, o primeiro no que especialmente diz respeito á administração e o segundo á preparação da guerra, manobras e operações militares; as inspecções geraes teem por competencia os assumptos que somente interessam a uma arma ou serviço especial.

O Ministro da Guerra, como membro do Governo, tem naturalmente um papel preponderante nas questões dependentes de resolução parlamentar, designadamente nas que se referem ao orçamento, ao recrutamento e á organização de exercito.

Desde a reorganização do almirantado, pelo decreto de 30 de março de 1889, o Imperador exerce tambem a acção de commando sobre a armada por meio de orgãos especiaes, identicos aos indicados, tendo o Ministro da Marinha predominio analogo ao do Ministro da Guerra nas questões dependentes de resolução parlamentar.

Explicadas assim nitidamente as attribuições constitucionaes do Imperador nos assumptos militares e as dos differentes orgãos por meio dos quaes elle exerce a acção directa de commando sobre o exercito e a armada, comprehende-se facilmente que, a não ser em paizes que carecem de Constituição, como a Russia, ou nos que a possuem conferindo ao imperante algumas, pelo menos, das attribuições referidas, como a Austria-Hungria, não é possivel aos de-

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mais fazer a exacta apropriação das instituições que, na Allemanha, constituem o machinismo de acção do commando superior.

As exigencias do regimen parlamentar fazem com que, nos paizes em que este domina, toda a acção de commando do exercito e da armada seja exercida por intermedio dos Ministros da Guerra e da Marinha, unicos responsaveis pelo estado da força publica e seu funccionamento junto do Chefe do Estado e perante as Côrtes Geraes da Nação.

Assim, a acção continua e persistente que, na Allemanha, é exercida pelo Chefe do Estado torna-se mais ou me nos necessariamente fluctuante nos demais paizes em que rege o systema parlamentar.

Por este motivo, quando a organização do estado maior general foi transplantada da Allemanha para esses paizes, com a natureza de orgão especialmente incumbido de assegurar a constituição da defesa nacional, a acção que ali exercia o Soberano passou a ser uniformemente substituida pela acção ministerial.

As divergencias de Estado para Estado consistem essencialmente em que, n'uns, o estado maior general funcciona independente das Secretarias de Estado da Guerra ou da Marinha; n'outros, forma parte d'estes organismos, embora constituindo departamentos ou direcções distinctas das que são destinadas aos assumptos de administração geral.

Assim, a Austria-Hungria, Russia, Hespanha, Italia, Japão, Romania, Servia e Republica Argentina manteem o estado maior general inteiramente distincto do Ministerio da Guerra; pelo contrario, a Bulgaria, a França, a Grecia, a Turquia e os Estados Unidos da America do Norte encorporaram o estado maior general no Ministerio da Guerra, constituindo uma direcção especial. A Belgica e a Suissa possuem no Ministerio da Guerra repartições especialmente destinadas a exercer uma parte das attribuições que, nos demais paizes, são da competencia do estado maior general.

A acção exercida pelos estados maiores generaes nos diversos paizes que os organizaram tem sido tão verdadeiramente salutar que, em alguns d'elles, as attribuições primitivas foram notavelmente ampliadas.

Assim succedeu, por exemplo, na Italia, em que o decreto de 4 de março de 1906 alargou as attribuições do orgão referido a expensas das do Ministerio da Guerra, a ponto de suscitar receios de que houvessem sido lesadas as garantias parlamentares.

A questão foi ventilada na sessão do Senado, de 3 de maio do anno findo, em uma interpellação do general Pelloux, a que respondeu o Ministro da Guerra general Majnoni d'Intignano, pela seguinte forma:

«Agradece ao interpellante u occasião que lhe deu de demonstrar a opportunidade e legalidade das providencias criticadas. No decreto de 4 de março não ha nenhuma phrase, nenhuma palavra que possa diminuir a responsabilidade do Ministro da Guerra para com o Parlamento e o paiz, conforme preceitua o artigo 67." da Constituição. No principio d'aquelle mesmo decreto se cita a lei organica do exercito de 1898, e muito expressamente ainda o seu artigo 12.°, que formula a dependencia do chefe do estado maior general ao Ministro da Guerra. Esse artigo, portanto, continua inalteravel, como inalteravel se mantem toda a lei constitutiva do exercito.

As disposições agora promulgadas foram-me suscitadas e são o fructo de observações que tive occasião de fazer na minha longa carreira e tambem das relações que tive com o Ministerio da Guerra. A primeira razão que me aconselhou a melhor definir e a ampliar algum tanto as attribuições do chefe de estado maior general deriva dos principios constitucionaes vigentes na Italia e da consequente instabilidade dos Ministros. As instituições militares devem ser estudadas fora do ambiente politico e o Ministro não pode subtrahir-se a elle, emquanto que o chefe de estado maior general está fora de toda a influencia politica e pode, portanto, exercer muito tempo esse cargo. Elle pode apresentar ao Ministro, com serenidade e conhecimento de causa, sem considerações de opportunidade parlamentar, as necessidades do exercito e as da defesa do Estado e propor ao Governo as providencias reputadas de absoluta e urgente necessidade, contidas nos limites das verbas para tal fim destinadas no orçamento, bem como aquellas que, nos termos das leis e regulamentos, entenda mais proprias para conseguir uma boa preparação da guerra.

A separação nitida das attribuições do chefe de estado maior general, embora mantendo affirmada a sua dependencia do Ministro, é uma homenagem ao principio da divisão do trabalho e da descentralização, produz maior simplicidade na resolução dos negocios e evita, com a nova distribuição dos serviços do Ministerio da Guerra, uma causa de attritos e delongas.

O Ministro recorda seguidamente a dou trina do artigo 1.° do decreto de 20 de julho de 1882, que define as attribuições do chefe de estado maior general nos tempos de paz e de guerra, e diz que se torna evidente o facto de que, segundo tal disposição, emquanto o Ministro da Guerra era, em principio, o responsavel por tudo quanto se referisse a assumptos de preparação da guerra, essa responsabilidade vinha de facto a pesar em campanha sobre o chefe do estado maior general, por effeito das attribuições que lhe competiam em tempo de guerra.

Ora, a responsabilidade que cabe ao chefe do estado maior no acto da declaração e durante a guerra harmoniza-se intimamente com a que deriva ou poderia derivar da sua acção em tempo de paz.

A sorte de uma campanha depende essencialmente, não só do modo como as operações são dirigidas, mas ainda, e no maximo grau, da preparação effectuada em tempo de paz, e d'aqui se torna evidente a grave e delicada responsabilidade do chefe de estado maior. Portanto, no interesse do paiz, tornava-se necessario fixar nitidamente quaes deveriam ser as suas attribuições, criando-lhe de direito uma esphera de acção adequada ás responsabilidades que lhe pertencem».

Na Espanha succedeu o mesmo facto, mas por um modo tambem digno de menção especial. No numero das reformas da Junta Geral de Defesa do Reino a que precedentemente me referi, as realizadas pelos decretos de 29 de outubro de 1883 e 18 de janeiro de 1893 são da iniciativa do capitão general Lopez Dominguez, que n'essas epocas exercia as funcções de Ministro da Guerra.

Tendo este estadista sido encarregado, no anno rindo, de constituir Governo e exercer n'elle novamente as funcções de Ministro da Guerra, encontrou organizado, pelo decreto de 9 de dezembro de 1904, o estado maior central, devido á iniciativa de um dos seus predecessores, o general Liñares, quando fazia parte de uma situação adversa.

Convencendo-se das assignaladas vantagens que d'esta criação haviam redundado para o exercito, em vez de restaurar a antiga junta, o general procedeu, pelo decreto de 25 de agosto de 1906, á reorganização do novo orgão, aperfeiçoando a sua constituição, e dizendo lealmente ao paiz no relatorio preambular o seguinte:

A organização do estado maior central do exercito approvada por real decreto de 9 de dezembro de 1904 constituiu um progresso transcendental e evidente, que deve ser aperfeiçoado com todos os melhoramentos tendentes a que esse organismo alcance, pela efficacia das suas attribuições e funccões, o nivel que os institutos similares de outros exercitos teem conseguido obter.

Para esse fim constitue uma base firme não somente a pratica adquirida no tempo já decorrido, como as amplas informações do que succede em outros paizes, colhidas pelas commissões enviadas ao estrangeiro com o fim de estudar diversos pontos de organização, regime e serviço dos principaes exercitos da Europa, e muito especialmente acêrca dos estados maiores generaes da França e da Italia, os quaes, como pertencentes a exercitos mais avançados na senda do progresso militar e a paizes cujas instituições armadas, são muito semelhantes ás nossas, podem servir-nos de exemplo e ensino em tal materia.

Em toda a parte os resultados almejados constituem principies analogos, que são dai1 ao estado maior central a missão de preparar o exercito para a guerra, mediante os estudos e trabalhos necessarios para o mais facil e proveitoso emprego dos elementos de toda a especie que o Ministerio da Guerra concebe, produz e mantem por forma utilizavel. Por essa forma se logra conseguir nos Estados constitucionaes, que tanto o Ministerio propriamente dito como o estado maior central, tambem dependente do Ministro da Guerra, concorram para o fim de dar força e direcção ao braço militar do Estado, sem que as funcções especiaes de um e outro se misturem ou confundam até ao momento de se reunirem e finalizarem na pessoa do proprio Ministro, o unico responsavel constitucional pela gerencia militar e o unico, portanto, com autoridade para dar validade com a sua assinatura, ou para tomar a resolução que entender, ás disposições que cada um d'esses organismos directamente submetter á sua resolução, modificando-as nos termos da propria competencia e ultimando-as até lhes dar a forma legal correspondente.

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São eloquentes os casos que acabo de expor á Camara e que se prestariam a considerações que reputo interessantes, se não desejasse limitar a exposição que estou fazendo. Em todo o caso não passarei adeante sem frizar que, emquanto as commissões especiaes foram successivamente perdendo auctoridade, como orgãos encarregados do estudo da constituição dos exercitos e da preparação da guerra, os estados maiores conseguiram demonstrar ser organismos vivificadores e melhor apropriados para esse mesmo fim.

Como simples instancias de revisão dos estudos e trabalhos emprehendidos pelos estados maiores generaes é que as alludidas commissões se teem mantido nos diversos paizes, sem suscitarem impugnação valiosa.

Ultimamente surgiram, porem, na Inglaterra e na França, concepções novas, destinadas a este mesmo fim, cujo valor só a experiencia poderá demonstrar.

No primeiro dos paizes citados ninguem ignora, por certo, que até 1846, o soberano exercia a sua auctoridade nos assumptos militares por intermedio do commandante em chefe, que tinha assento no Conselho de Ministros. O Ministro da Guerra não tinha attribuições nenhumas nos assumptos relativos ao commando das tropas, as suas faculdades eram de ordem puramente administrativa. As cousas passavam-se como se houvesse dois Ministros, um para a administração do material e do aprovisionamento do exercito, e o outro para a direcção dos assumptos que interessavam á constituição e instrucção das tropas.

As divergencias suscitadas, desde aquella epoca, entre o Ministro da Guerra e o commandante em chefe, fizeram com que o Parlamento, tal qual o Digno Par Sr. Arroyo descreveu para a França, tivesse successivamente adoptado uma serie de providencias todas tendentes a affirmar perante elle a responsabilidade dos Ministros da Guerra e da Marinha.

Em 1901, como consequencia dos desastres occorridos na guerra do Transvaal, a situação aggravou-se com novas dissidencias entre Lord Woolseley, que então exercia o commando em chefe, e o Ministro da Guerra, que era Lord Lansdowne, de onde resultou o primeiro entregar uma memoria ao chefe do Governo, que era Lord Salisbury, na qual se lia o seguinte:

«Nunca existiu exercito solido que não fosse commandado por um só chefe, unico responsavel por toda a sua administração. Se por motivos de ordem politica não podem ser concedidas ao commandante em chefe todas as faculdades devidas, então deve ser supprimido esse cargo, visto constituir uma simples Lonra sem responsabilidade effectiva».

Este relatorio deu margem a largas e intervalladas discussões parlamentares, que se prolongaram paios annos de 1902 e 1903, nas quaes foi apreciada a acção dos Ministerios encarregados da defesa nacional e a falta de coordenação entre os seus actos.

Foi n'essa epoca que, emquanto Lord Beresford, o actual commandante da esquadra do Mediterraneo, appellidava de pôdre a administração do almirantado e denunciava ao paiz o seu defeito principal, que era afoita de responsabilidade, Sir Charles Dilke escrevia assim:

«Deve-se procurar convencer a opinião publica da indispensabilidade de estabelecer a coordenação nas questões que dizem respeito á defesa do imperio, entre o Ministerio da ,Guerra, o da Marinha e os outros serviços. É o unico meio de obstar ás prodigalidades do Ministerio da Guerra e o unico procedimento que poderá conseguir a reconstituição racional do exercito».

Tendo, ao tempo, sido substituido Lord Salisbury na Presidencia do Conselho por Mr. Balfour este declarou tambem na Camara dos Communs:

«... que o problema da defesa nacional não podia ser abandonado á acção isolada de dois Ministerios que voluntariamente se desconheciam um ao outro».

Pouco depois, em uma reunião realizada em Liverpool, referindo-se á Junta de Defesa Nacional do Exercito e da Armada, a que precedentemente alludi, dizia ainda aquelle homem de Estado:

«Esta instituição, que já conta alguns annos de vida e que, comtudo, não tem historia, deve ser transformada em um centro vivificador da politica imperial. Até hoje tem sido uma simples commissão interna no Ministerio e deve passar a constituir um orgão independente. Os seus membros deverão ser por exemplo, o primeiro Ministro, o Presidente do Conselho, o Primeiro Lord do Almirantado, o Secretario de Estado dos Negocios da Guerra, o commandante em chefe, o Primeiro Lord Naval, os directores dos serviços de instrncção nos Ministerios da Guerra e da Marinha. O funccionamento de um tal orgão dará á politica militar e naval do imperio uai espirito de continuidade e uma cohesão que ella não teve até hoje.

As suas decisões não terão forma, imperativa para o Gabinete, que conservará a sua liberdade de acção, submettida em ultima instancia á fiscalização da opinião publica, manifestada pelo Parlamento; mas nem por isto ellas deixarão de exercer uma grande influencia, tanto mais que, d'aqui em deante, as actas das respectivas sessões deverão ser archivadas e consideradas como documentos officiaes

Ao finalizar a discussão parlamentar, travada; na sessão de 1903, a Camara dos Lords na sua sessão de 17 de março votava, como synthese do movimento originado, a seguinte moção de Lord Rosebery:

«A Camara approva a Constituirão de um Conselho de Defesa Nacional e contia em que os primeiros cuidados d'esse conselho terão por fim a adaptação dos armamentos nacionaes ás condições navaes, militares e financeiras do imperio».

A guerra do Transvaal, nos seus tragicos episodios, havia impressionado o paiz, ainda mais do que as asserções expostas, demonstrando a indispensabilidade que a Inglaterra tinha de melhorar as suas instituições militares, e por virtude do respeito que o Governo d'aquelle paiz sempre mostra pelos dictames da opinião, foi nomeada uma commissão de inquerito, depois vulgarmente appelidada — o triumvirato, que ficou composta de Lord Esher, do almirante Fisher e do general Clarke, a qual foi encarregada de estudar a situação e de propor as providencias adequadas para a remediar.

Em resultado do parecer d'essa commissão foram realizadas as seguintes reformas pelo decreto de 6 de fevereiro de 1904:

1.ª Suppressão dos cargos de commandante em chefe do exercito e de inspector geral das fortificações;

2.ª Organização de um conselho do exercito (Army Council) parallelo e analogo ao do Almirantado, e como este composto de 7 membros, dos quaes 4 militares e 3 civis, com as seguintes attribuições:

Primeiro membro militar, chefe do estado maior general;

Segundo dito, ajudante general;

Terceiro dito, quartel mestre general;

Quarto dito, mestre general do material ;

Primeiro membro civil, sub-secretario de Estado parlamentar;

Segundo dito, secretario das finanças;

Terceiro dito, sub-secretario de Estado permanente e secretario do conselho.

O Ministro da Guerra, chefe responsavel do exercito, exerce as suas funcções assistido d'este conselho, tal qual o Primeiro Lord do Almirantado, que assim se denomina o secretario de Estado da Marinha, assistido pelo Conselho do Almirantado.

3.ª Organização de um conselho de defesa (Defense committee) composto por dois agrupamentos, um dos quaes constitue como que uma instancia de revisão e o outro uma verdadeira commissão de estudos.

O conjunto é assim formado:

Primeiro Ministro, Presidente;

Ministros da Guerra, Marinha e Estrangeiros, Colonias e India;

Chefes dos departamentos ou direcções geraes dos Ministerios da Guerra e da Marinha.

Secretariado, formado por:

Um secretario, de nomeação quinquennal;

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Dois officiaes de marinha, nomeados pelo Almirantado;

Dois officiaes do exercito, nomeados pelo Ministro da Guerra;

Dois officiaes do exercito das Indias, nomeados pelo vice rei; e, tanto quanto possivel, um ou mais representantes das colonias, todos nomeados por dois annos.

É prescripção organica que os membros d'este secretariado não tenham postos dos mais elevados na hierarchia.

4.° Creação do cargo de inspector geral do exercito, de nomeação quinquennal, destinado a estabelecer a ligação entre o commando das tropas e o conselho do exercito (Army Couucil); assistido por cinco inspectores especiaes das armas.

As suas funcções limitar-se-hão a apontar os resultados práticos das medidas determinadas pelo referido conselho, mas sem referencias á sua opportunidade.

A sua auctoridade é extensiva ao territorio do Reino-Unido e a todas as regiões do Imperio aonde estacionam tropas metropolitanas.

Entre estas providencias sobresae, pela sua applicação ao assumpto em discussão, a que se refere á organização do conselho de defesa, que tem analogia com a reforma proposta pelo Governo.

Aguardaremos o resultado dos seus trabalhos, com menos pessimismo do que o general Langlois, que, referindo-se a essa nova creação, declarou «que muito se admiraria se ella produzisse alguma cousa de másculo e de energico para a Inglaterra.»

A avaliar pela legislação promulgada posteriormente, o que deve concluir se é que os novos organismos não te em correspondido igualmente á esperança que n'elles se depositava, porquanto o recente decreto de 12 de setembro de 1906, organizando o estado-maior general com duas grandes divisões, a primeira encorporada no Ministerio da Guerra e a segunda nos commandos militares, formada aquella por tres direcções, confia a esse orgão o estudo e os trabalhos conducentes á organização do exercito, preparação da guerra e instrucção do exercito.

Em França, muitos dos mais distinctos homens publicos e varios militares auctorizados reconhecem os vicios de uma organização que confia aos diversos organismos independentes uns dos outros, que deixei enumerados, a missão de velar pela segurança da defesa nacional.

Mas a forma de Governo que rege aquelle paiz, aggravada pelas difficuldades politicas de occasião, obsta a que seja acceite pela opinão qualquer organização do alto commando amoldada aos principios technicos.

Resolvendo, comtudo, dar remedio a uma situação cuja gravidade todos confirmam, o Governo procurou dar unidade aos trabalhos destinados a assegurar a defesa nacional, emprehendidos pelos tres Ministerios da Guerra, da Marinha e das Colonias, organizando, pelo decreto de 3 de abril de 1906, um novo «Conselho Superior de Defeza Nacional», composto um pouco á semelhança do conselho de defesa inglez, e constituido por dois agrupa mentos, o primeiro formando instancia de revisão e o segundo commissão de estudos.

A frente do novo orgão figura o Presidente do Conselho de Ministros, os tres Ministros da Guerra, da Marinha e das Colonias, que partilham da responsabilidade da defesa nacional, o Ministro dos Negocios Estrangeiros, orgão das necessidades diplomaticas, e o Ministro da Fazenda, juiz das possibilidades finaceiras.

Os chefes de estado-maior general, da guerra e da armada, e o presidente da commissão consultiva da defesa das colonias assistem ás sessões com voto consultivo, bem como qualquer outro individuo competente cujo parecer se torne necessario ouvir. Finalmente, um secretariado permanente ou commissão de estudos, annexa ao Ministerio da Guerra, e composta de tres officiaes do exercito metropolitano, da armada e do exercito colonial, é incumbida do estudo e preparação material dos assumptos que o conselho terá de apreciar nas suas reuniões, que serão semestraes.

Quasi a completar, um anno de existencia este conselho somente se reuniu, pela primeira vez, ha ainda poucos dias. Do facto não se pode deduzir fagueiro horóscopo. Não obstante, o futuro nos dirá se aquelle novo orgão conseguirá desfazer em França as desagradaveis preoccupações suggeridas pela indolencia dos outros orgãos consultivos ali existentes.

A lição que devemos tirar desde já da constituição dos conselhos de defesa inglez e francez é que não é tão inopportuna ou descabida, como aqui se disse, a entrada do Presidente do Conselho de Ministros na constituição do organismo proposto, destinado a assegurar a nossa defesa nacional. Não devemos fazer questão politica de taes assumptos, por graves que hajam sido os erros commettidos pelos nossos principaes homens de Estado. Eu creio sinceramente; sem preoccupações de estima ou de hostilidade, que, ao reunir o projectado Conselho Superior de Defesa Nacional, para discutir qualquer questão grave que importe á nossa segurança e autonomia, o voto do Presidente do Conselho de Ministros, seja elle qualquer dos Srs. José Luciano, Hintze Ribeiro,

João Franco ou outro qualquer estadista, será dos mais auctorizados e convincentes pela madureza do seu conceito, inspirado no saber e na experiencia dos negocios publicos. Ninguem, por certo, lhes pedirá o voto para resolver se os regimentos devem ser constituidos por dois ou tres batalhões e as baterias por quatro ou seis peças. Mas, aonde quer que as razões de Estado ou politicas collidam com as razões technicas, e esse caso não é raro, o seu voto ha de ser, por certo, dos mais auctorizados e decisivos.

O adeantado da hora e o desejo de ouvir outros oradores já inscriptos, que por certo hão de esclarecer muito melhor o assumpto, obrigara-me a limitar aqui a minha exposição, supprimindo igualmente o exame que eu tencionava fazer a outros pontos do projecto.

Resumindo, portanto, as minhas considerações direi que, quaesquer que sejam os presagios a deduzir da acção que devam exercer sobre a conveniente organização da defesa nacional os novos orgãos propostos no diploma em discussão, o facto incontestavel é que elles ainda não estão devidamente experimentados e que, sem esta prova, não só não devem ser condemnados, mas convem que sejam postos a funccionar para então examinar a lição que offerecerem e providenciar como parecer conveniente.

Não obstante, dando o meu voto ao projecto em discussão, eu aguardo serenamente o momento em que conto venha a reconhecer-se que só uma apropriada organização do estado maior general pode assegurar a constituição da defesa nacional firmada em solidos principios technicos e inspirada no espirito de continuidade.

Vozes: — Muito bem. (O orador foi muito cumprimentado por muitos dos Dignos Pares presentes).

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa o seguinte requerimento :

Requeiro que a Camara seja consultada sobre a prorogação da sessão, até se votar o projecto em discussão. = Teixeira de Vasconcelos.

Ponto á votação, foi approvado.

O Sr. Ferreira do Amaral: — Sr. Presidente: antes de entrar na ordem de considerações a que, mais por dever profissional, do que pelo prurido de fazer um discurso, sou levado a produzir, permitta-me V. Exa. e permitta-me a Camara, que eu recorde os tempos felizes em que tive a V. Exa., Sr. Presidente, por examinador de calculo integral e differencial, e a maneira brilhante por que V. Exa. procurou e con-

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seguiu sempre, em tão aridas materias, fazer uma das suas lições uma verdadeira attracção dos seus alumnos, para pedir a V. Exa. que, num carinhoso parenthesis de antigo mestre envolva os discursos de todos aquelles que estavam inscriptos para defender o projecto em discussão, e lhes applique, como em taes hypotheses se faz ás conhecidas formulas algébricas, o coefficiente menos um, o que me parece perfeitamente se justifica com a summula e recapitulação que passo a fazer dos discursos dos Dignos Pares a que me referi.

O Digno Par Sr. Francisco José Machado, que foi relator do projecto, encontrou para defendê-lo, em primeiro logar, uma estatistica sobre os trabalhos da Camara, e em segundo logar constituir o projecto uma experiencia a tirar d'elle, e que os velhos generaes que se assentarem no Supremo Conselho de Defesa Nacional farão reinar entre si a harmonia, o que para S. Exa. é certo e seguro, bem como para nós todos, que todos trabalharão para o bem da patria e das instituições militares.

Em resumo, tem somente para defender o projecto o seguinte conceito, que realmente não é muito animador: fazia-se uma experiencia, se nos desse-mos bem, muito bem; se não nos déssemos bem, então seria facil derogá-lo ou transformá-lo.

Quando o Sr. Francisco Machado, um parlamentar tão distincto, que nas lutas da palavra, quer na defesa, quer no ataque, tem sempre argumentos valiosos para sustentar a sua opinião, encontra para defender este projecto apenas umas taes afirmações, o projecto não pode ter approvação nem considerar-se exequivel, se o Governo conseguir que as Côrtes o approvem.

O Sr. general Sebastião Telles, verdadeiro ornamento do exercito portuguez, este homem a que todos fazem a justiça de acreditar que é dos mais alevantados pela sua coherencia e talentos verdadeiros, encontra para defender este projecto apenas as palavras que vou ler:

«Reservou essas declarações para quando se discutisse o parecer, e assim dirá que acha muito difficil de executar o que se propõe, e que se não alcançarão os resultados esperados».

Como analyse parecem-me francas; como apoio parecem-me nullas.

Seguiu-se depois na defesa o erudito e illustre Digno Par, o Sr. general Moraes Sarmento, dizendo na primeira, parte do seu discurso, a respeito do projecto, o seguinte:

«O seu voto ao projecto é condicional. Vota o projecto como medida de transição e não o considera providencia de execução definitiva».

Mas não ficou por aqui. No brilhantissimo discurso que hoje fez, sobre o estado-maior general, citou todos os países, e acabou por declarar que o que se estava a discutir era simplesmente uma medida transitoria e de experiencia.

Sr. Presidente : quando os Cirineos são d'esta especie, não preciso dizer a V. Exa. o que repetiram os phariseus.

Nestas palavras não vae desprimor para ninguem, nem para todos aquelles ,que atacaram o projecto.

É uma forma de resumir o que eu não saberia dizer nem melhor nem tão bem.

Para que se tem, pois, de fazer uma votação, se grande parte, se não a totalidade d'aquelles que pela sua condição especial poderiam dar força e viabilidade ao projecto, nem um só d'elles lhe deu o seu apoio?

Do processo perfeitamente novo que o Governo estabelece para legislar para o exercito, o proprio Sr. Ministro da Guerra ha de ser o primeiro a soffrer as consequencias, se realmente este projecto vier a ser convertido em lei. Do primeiro desgosto já S. Exa. se não livra, porque o que se acabou de passar não foi a discussão de um projecto, foi o triste acabar do projecto que se queria fazer discutir. (Apoiados). Foi no ritual politico o que no ritual catholico corresponde ao De profundis clamavit requiem aeternem...

(Riso).

Todos os oradores que teem tomado parte n'esta discussão, quer inscrevendo-se contra, quer a favor, teem procurado com a sua erudição contrariar este projecto, e mostrar até á evidencia quanto elle é inexequivel, inconstitucional e impraticavel; a minha tarefa, pois, está simplificada: basta-me dizer que sou a favor da opinião dos que se inscreveram contra e a favor do projecto, visto que tanto uns como outros por completo o condemnaram.

Declaro a V. Exa. e á Camara que não foi com prazer que eu assisti ao enterro d'este projecto. Bem pelo contrario senti uma profunda magua por ver que dois homens da envergadura intellectual do Sr. Ministro da Guerra e do Sr. Ministro da Marinha, dois officiaes illustres do exercito portuguez, que pelo seu passado dão todas as garantias do seu futuro, patrocinam um projecto que está por sua natureza condemnado a ser morto logo á nascença. Lastimo do intimo da minha alma que estes dois caracteres de primeira ordem, estas duas intelligencias de primeira grandeza se encontrem mettidas n'uma vinagreira politica de tal ordem que ao primeiro projecto apresentado ás Côrtes, das suas responsabilidades directas, vejam fugirem-lhe com o seu apoio e ausentarem-se da sua corresponsabilidade aquelles com que contavam, que mais deviam apoiá-lo e que seguramente tinham pelo menos o dever de prevenir de que falariam contra, embora viessem a votar a favor.

Se a prevenção se deu, a situação do Governo, e especialmente dos Srs. Ministros da Guerra e da Marinha não é seguramente das mais politicamente invejaveis.

Confesso, Sr. Presidente, que este processo arte nova, de fazer politica, me enche de pasmo e de admiração.

Se o Sr. Presidente do Conselho acceitando esta situação pretende demonstrar que de facto assumiu o Governo para mudar tudo quanto havia de antigo, pode S. Exa. ficar tranquillo pelo que respeita á forma de discutir na Camara dos Pares porque o seu êxito n'este projecto é completo e inexcedivel.

Passando agora á analyse circumstanciada do projecto, devo dizer a V. Exa. que em todos os paizes, refiro-me naturalmente aos paizes onde vigora o systema constitucional representativo, e não á Allemanha ou á Russia, cujas constituições politicas não são comparaveis com a de Portugal, ha duas escolas primaciaes distinctas: uma que se inclina a que as questões militares devem ser resolvidas só pelos especialistas, outra a que as mesmas questões deverão ser com quaesquer outras trazidas ao Parlamento, para sobre ellas recair, nas suas minucias, a analyse de todos os representantes do paiz.

Eu declaro a V. Exa. que, apesar de parlamentar, me inclino pelo primeiro systema, mas dentro do que a Constituição do paiz exige e do que a disciplina não pode dispensar, isto é: dentro da superioridade effectiva dos Ministros sobre os seus subordinados, collectiva ou individualmente considerados, e da fiscalização parlamentar a mais completa, especialmente pelo que se refere á administração financeira da força publica.

Desejaria que ao lado do Ministro da Guerra e do Ministro da Marinha, houvesse uma instituição a que um e outro pertencessem, a que um e outro respectivamente presidissem, que um e outro defendessem, embora sob a inspecção immediata e efficaz do Parlamento, mas que as minucias e que as causas especiaes da força publica fossem da exclusiva responsabilidade d'esses Ministros, de cujo patriotismo e bom senso haveria a esperar que não saltassem por cima d'essas instituições, no que ellas aconselhassem de justo e

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praticamente util; e se o fizessem, a opinião publica e principalmente a opinião scientifica e a fiscalização parlamentar seriam mais do que o sufficiente para os corrigir e fazer recuar em qualquer inconsiderado capricho, que seguramente cedesse á razão, até pelo proprio espirito natural de conservação politica.

A instituição que preconizo auxiliaria, sob sua responsabilidade technica e pratica, a elaboração dos projectos e das medidas com que esses Ministros concordassem, que tinham de ser, na parte minuciosa, o que esse conselho auxiliar propozesse aos Ministros e com que elles concordassem. A missão dos dois conselhos nas questões em que houvessem de figurar o exercito e armada seria o verdadeiro Conselho de Defesa Nacional para preparar a defesa no que ella tivesse de ser conjunta, mas seria o Governo a governar como manda e exige a Constituição do Estado. (Apoiados).

Eu quereria dotar os Srs. Ministros da Guerra e da Marinha com uma commissão ou reunião de individuos, que fossem julgados das primeiras capacidades technicas d'estas repartições, em que os Srs. Ministros delegassem quando o julgassem opportuno, e só então, minucias, com que hoje se entreteem e perdem a maior parte do seu tempo, o que não seria uma dictadura militar de nova especie, que o projecto na sua synthese apresenta, uma dictadura que começa por os Ministros responsaveis terem que desenvolver e executar as determinações dos seus subordinados. (Apoiados).

A commissão a que me referi, em applicação á marinha, teria a organização modesta e as attribuições que ao Conselho do Almirantado, que tive a honra de referendar em 1892, se consignavam, e que estavam longe da exclusiva iniciativa que o projecto em discussão attribue ao Supremo Conselho de Defesa Nacional 'e que a este auctorizam a ordenar ao Ministro: execute e desenvolva, quer esteja, quer não, de acordo com o que o Supremo Conselho delibera. (Apoiados).

Digo isto a V. Exa. não porque, queira ou seja o meu objectivo defender a instituição chamada Conselho do Almirantado, que tive a honra de referendar, mas que não está em discussão; digo o porque chegou a minha vez de dizer o que era esse conselho, instituição que só foi atacada por causa do titulo e porque se quiz fazer acreditar fora creada para haver mais almirantes e mais promoções, ou para reproduzir na nossa minuscula marinha o estado maior general da marinha inglesa, mas que, contra o que affirmou o meu amigo e distincto general, o Digno Par Sr. Pimentel Pinto, não teve, entre os que leram a lei e tiveram de executá-la, a animadversão geral que S. Exa. lhe attribuiu.

Se S. Exa. consultasse a corporação da armada, eu acceitaria profundamente reconhecido o resultado d'essa consulta, e estou seguro que S. Exa. n'esse dia demittiria o seu informador que lhe forneceu uma informação que não é tão exacta como a S. Exa. pareceu ser.

A razão por que desejo dizer algumas palavras sobre o Conselho do Almirantado é, primeiro que tudo, para desfazer o effeito que possa produzir este titulo julgado pomposo, que era a meu ver o unico que podia ter desde que, aliás sem augmentar o numero das autoridades superiores da marinha, ou de almirantes, approximava a base da organização da nossa marinha da que ha largos annos e com o melhor êxito rege a marinha inglesa.

O Conselho do Almirantado compunha-se de 2 almirantes e 1 capitão de mar, e guerra; quando existia essa corporação havia simplesmente mais um ou outro almirante dos que no quadro respectivo estava marcado.

Acabou-se o Conselho do Almirantado e aquillo que se suppunha ser uma instituição para fazer muitos almirantes, e em que só dois figuravam, redundou, pela nova organização., na applicação para o mesmo serviço de 3 almirantes, o major .general, o director geral, o chefe do estado maior general, chegando mesmo a produzir-se o phenomeno curioso de na actividade se chegar a ter em almirantes 3 por cada um dos 5 cruzadores que possuimos!

O Conselho do Almirantado era uma arma que o Ministro tinha á sua disposição, não para se alliviar de responsabilidades, pelo contrario, mas para se alliviar do expediente de todos os dias, que quem tem sido Ministro sabe o que representa.

Servia para aconselhar o Ministro em tudo quanto respeitava a expediente.

Tambem servia para o Ministro ter quem executasse sem attritos a sua vontade, e para que houvesse quem praticamente a fizesse respeitar

Para não ir mais longe basta dizer a S. Exas. que com o Conselho do Almirantado foi Ministro, entre outros, o Sr. Ferreira de Almeida, e não haverá decerto quem faça a injustiça á sua memoria de pensar que S. Exa. se deixaria dominar fosse por quem fosse, mas muito especialmente pelos seus subordinados.

Nas resoluções de expediente que ao Conselho do Almirantado se attribuiam em tudo o que o Ministro não queria intervir, havia ainda consignado o voto
do Ministro, que estava pelo secretario do Conselho, pessoa da sua mais immediata confiança, ao facto de tudo o que no Conselho se passava.

O Conselho era uma direcção geral collectiva, executora pratica e auctorizada da vontade do Ministro e seu auxiliar competente e indiscutivelmente auctorizada que podia servir com qualquer Ministro, porque era desaffectado de interesses politicos partidarios e a verdadeira representação, pelo seu conselho e não pelas suas deliberações, do espirito de sequencia tão necessario á estabilidade das instituições militares, no que aquella tem de compativel com a constituição do Estado, e com a auctoridade do Governo, com a sua dignidade, e com as attribuições supremas da representação nacional.

As considerações que acabo de fazer são o natural desabafo que V. Exa. e a Camara confio que acharão legitimo, em quem referendou, a lei que criou o almirantado, que promulgada em 1892 ainda hoje é a lei que tem servido para que alguma cousa de util se produza na marinha, não suppondo que possa ter havido alguem até hoje a quem por sua mente, com justiça, lhe passasse que o Conselho do Almirantado, cuja lei, como disse, tive a honra de referendar, e por isso me cumpre defendê-la, pudesse ter parecença, nem sequer de longe, com, o projecto que discutimos, e que é a inversão completa de todos os principios constitucionaes e disciplinares até hoje admittidos, como sãos e como inilludiveis; e porque uns e outros principios não são no projecto respeitados, por isso, se este chegar a ser convertido em lei do Estado, só poderá durar, se durar, emquanto o Governo for o actual, e assim ficará pela propria economia do projecto prejudicada por completo a intenção de estabilidade das instituições militares que se diz pretender obter.

Na primeira base do projecto em discussão constitue-se o Supremo Conselho de Defesa Nacional, e para não afastar as minhas observações do ponto de vista que mais de perto me cumpre tratar, por isso que em questões respeitantes ao exercito nenhuma é a minha competencia, só me referirei em especial ao que respeita á armada, nas bases em que vou em especial apreciar.

Diz a base 1.ª que o Supremo Conselho de Defesa Nacional tem de occupar-se do plano da organização defensiva da metropole e das colonias, e dos principios fundamentaes a que se deve subordinar a organização geral e a mobilização das forças de terra e mar e tropas coloniaes.

Inclue-se n'esta nomenclatura de tropas coloniaes a marinha colonial? Não sei.

E não sei, Sr. Presidente, por um

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motivo que reputo concludente, e é que o Governo tendo naturalmente vontade que o projecto que está em discussão seja votado, e acalentando a esperança de que da larga corporação dirigente que d'elle resulta ha de provir um bom conselho, e uma boa cabeça deliberativa em questões militares, teve uma grande pressa em o apresentar á apreciação das Camaras, mas não foi menos solicito em apresentar tambem ao Parlamento alguns projectos militares que logicamente não deviam ser presentes sem primeiro terem merecido a approvação do Supremo Conselho de Defesa, e esta contradição visivel e palpavel dos actos do Governo com as intenções que diz ter é indicativa do que podem vir a ser, no nervosismo legislativo de qualquer dos Srs. Ministros, o da Marinha ou o da Guerra, as disposições que se affirmam deliberativas do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

O que era mais natural era tratar-se primeiro que tudo de votar o projecto por onde se dá a este alto corpo deliberativo o direito de resolver sobre o que haverá, a fazer por escripto sobre marinha colonial, que não é, ou pelo menos julgo não dever ser, um elemento indifferente da defesa das nossas colonias.

Não succedeu, porem, assim. Fez-se o projecto de marinha colonial e apresentou-se á sancção parlamentar; não se esperou pela votação do grande Olympo militar para que pudesse ter, como seria coherente desejar-se, a sancção do instrumento de superior conceito que os Srs. Ministros da Guerra e da Marinha suppõem que ha de ser a salvação das nossas instituições militares.

Mas não foi só isto ainda, Sr. Presidente. Foi tambem, e sem nenhuma especie de consulta das estações competentes, apresentada á Camara, sem se esperar pela opinião do Supremo Conselho de Defesa ou de qualquer dos seus succedaneos, uma proposta sobre uma questão gravissima que se prende, nada mais nem nada menos, do que com as promoções da corporação da armada, e lançou-se ao voto do Parlamento uma proposta de lei que regula os tirocinios dos officiaes da armada, para a execução dos quaes falta um pormenor que parece essencial que são os navios indispensaveis para que taes tirocinios se realizem.

No plano da organização defensiva da metropole e das colonias, querem tambem occupar o Supremo Conselho de Defesa Nacional. E sendo assim é caso para se perguntar porque é que não se confia a esse Conselho a definição da forma pela qual deve a marinha contribuir para a defesa das colonias? Se deve haver uma marinha especial ao serviço das provincias ultramarinas, se devem constituir-se duas marinhas onde o material e os recursos do paiz nem para uma chegam?

Não é essa defesa a primeira razão de ser da marinha de guerra n'este paiz?

Parece-me, portanto, que se o projecto em discussão tinha de ser votado, o lógico seria que se começasse primeiro por votar a verba orçamental de que se poderá dispor, para depois, e n'esta base essencial, se propor o que houvesse a resolver, porque a difficuldade nunca foi saber-se como se organiza um bom exercito ou uma boa marinha, a difficuldade é saber-se, dentro das faculdades tributarias de um paiz arruinado, e de uma diminuta densidade relativa de população, a solução do problema da sua defesa não só na metropole, mas no ultramar, e a solução não está decerto em augmentar a despesa, por pouco que seja, com os encargos dirigentes, eu isolar a força publica da mais completa fiscalização parlamentar, afastando-a do pensar intimo da nação representada pela orientação liberal dos seus representantes naturaes que não são decerto os generaes de mar e terra que constituem o Supremo Conselho de Defesa Nacional por mais indiscutivel que seja a sua competencia technica, por maiores que sejam as provas que todos tenham dado do seu acrisolado patriotismo, e por mais reconhecida que seja, por todos, a sua abnegação civica, por mais cheia que seja de obras valorosas a sua longa folha de serviços.

Tão pouco se pode ou deve confiar por completo no doce e manso idylio de concordia e harmonia de pareceres para a resolução das questões sobre que tiver que deliberar como patrioticamente espera o Sr. relator que succeda. A contrapor a tão fagueiras esperanças temos os factos parlamentares de todos os tempos, sempre que se trata de questões militares, o a experiencia de quem tem assistido ás reuniões das commissões technicas numerosas, das quaes em regra nada se obtem de positivo e decisivo.

Apparece na base 2.ª uma entidade que nem sequer existe: o commandante da defesa movei; e não existe porque não ternos nem um só dos elementos precisos para a formar e constituir.

Quando me lembro de que, no capitulo de defesa movei, temos apenas tres torpedeiros, já de antigos murrões afogueados, já com vinte annos de vida, com as caldeiras, é certo, ultimamente renovadas, mas podendo st ter veleidades minimas em relação a e que hoje se obtem e não podendo montar os torpedos modernos de 0,45; quando me lembro de que este estado de cousas se não compadece com os meios de guerra actual, admiro-me e profundamente lamento, como official da armada e como portuguez, de como tão ligeiramente se pensa n'uma instituição tão apparatosa, e inquestionavelmente tão dispendiosa.

O que eu vejo, e com verdadeira tristeza o affirmo, é que, se este projecto for levado á execução, se ha de gastar, só na installação dos serviços das diversas secções e no respectivo expediente, quantia que talvez chegasse para adquirir um torpedeiro de alto mar; confrange-se-me a alma ao ver que assim se malbaratam os dinheiros publicos que o paiz destina á alta missão da sua defesa e d'ahi a vehemencia do meu protesto, que não tenho a esperança de que seja ouvido, mas que desejo ver consignado nos Annaes da Camara para salvaguarda da minha responsabilidade profissional.

Desde que se vae fazer tudo isto, sem parallelamente se tratar de saber d'onde hão de vir os meios para occorrer ás exigencias do que se vae organizar, o que se me offerece dizer a V. Exa., Sr. Presidente, é que a acção do Parlamento, como em Inglaterra succede, onde primeiro deve exercer-se muito energica, e muito peremptoriamente, é sobretudo no que respeita ao que se gasta com o exercito de mar e terra.

Deve fazer-se entre nós, repito, o que se faz na Inglaterra.

Na Inglaterra, por exemplo, o julgamento das contas do almirantado é inexoravel como o é com respeito a todas as despesas publicas. Lá examina-se e fiscaliza-se com cuidado tudo o que representa para se colligir o esforço instante do trabalhador e duro labutar do contribuinte.

Lá comprehende-se que deve existir o direito de saber como se gasta, e porque se não economiza.

Esta fiscalização intransigente, e rigorosa é que eu queria ver estabelecida entre nós.

Não queria que o Parlamento se occupasse de cousas phantasticas, que podem agradar como arte ornamental, que podem seduzir e encantar os espiritos meridionaes, que podem concorrer para que, no estrangeiro, se celebre a existencia entre nós d'estas instituições faustuosas; mas que não podem, em virtude das circumstancias especiaes do nosso paiz, dar, a meu ver, o menor resultado apreciavel, pois que só occasionam despesas que se não compadecem com a pequenez dos nossos meios, com a escassez dos nossos recursos.

Vamos criar um parlamentozinho, em que cada um ha de ter a sua opinião, e que ha de criar grandes difficuldades aos Ministros da Guerra e da Marinha.

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Se este projecto for convertido em lei, e eu tiver de interferir, por minha desgraça, no Supremo Conselho, que por elle se cria, ver-me-hei obrigado a resolver sobre quantos regimentos deve ter uma divisão, quantos batalhões deve ter um regimento, quantos solipedes são necessarios para um regimento de cavallaria, e, ao mesmo tempo, terei de ver um general a pronunciar-se sobre as caracteristicas de um couraçado, sobre a intensidade da defesa movei, sobre a conveniencia ou não conveniencia de adquirir um cruzador, sobre a forma por que se ha de resolver a formação táctica dos grupos de torpedeiros, se deverá ser impar ou par a constituição d'esses grupos, se podem ou não empregar-se na guerra sem a protecção de navios de combate; questão que affecta grandemente o interesse das taticas de todas as marinhas.

E assim como eu e os meus camaradas da armada teremos que ser os arbitros entre as opiniões dos generaes do exercito.

Ha de ser talvez o meu antigo amigo e illustrado general o Sr. Conde de Bom-fim quem venha decidir por seu turno das differentes opiniões que se possam levantar entre os almirantes acêrca dos assumptos que á marinha digam respeito!

E não será decerto arrojo assegurar a S. Exa. mais, uma vez que o idyllio não ha de ser tão completo como se afigura, e o motivo nasce exactamente da natureza das cousas e das circumstancias: antagonismo das armas, que não será um facto em outros paizes, mas que o é no nosso, e nós não estamos a legislar para outro qualquer paiz, mas sim para Portugal; antagonismo que ainda mais se vae aggravar com a intervenção da marinha em questões que são puramente adstrictas ao que ao exercito interessa e vice-versa. E eu não tenho a modestia de me considerar dos officiaes do meu paiz com menos pratica da vida do mar, mas o que não tenho seguramente é a pretensão de decidir sobre cousas do exercito onde os generaes de terra hesitarem ou se contrariem.

Será porventura descabida a concorrencia dos officiaes da armada com os officiaes do exercito quando se trate da defesa do paiz? Não o é decerto; mas tratando-se por exemplo de uma organização do exercito, só muito excepcionalmente poderá um official da marinha ter opinião superior á de outro qualquer official do exercito. Assim, da mesma forma, quando se trata de um assumpto de organização naval, só em virtude de um acaso verdadeiramente excepcional, e a lei só deve considerar o que é normal exigir-se, um official do exercito poderá estar habilitado a decidir a questão de que se trate.

Sabe V. Exa., no que respeita ao antagonismo das armas, qual tem sido ultimamente já o resultado da infeliz apresentação d'este projecto?

Sem razão ou com ella, não discuto agora esse ponto, mas desde que o facto se dá desejo torná-lo bem patente á Camara para que de futuro se não estranhe as suas consequencias possiveis e porventura lamentaveis.

No que vou dizer não reproduzo opiniões minhas por isso que é meu parecer que, como acontece em todas as corporações collectivas, no Supremo Conselho de Defesa Nacional ha de alcançar a supremacia quem tiver a cabeça mais no seu logar; no entanto, n'este projecto a corporação da armada, que é, na sua grande maioria, composta de officiaes novos, e mais naturalmente impulsivo, a opinião mais geral é que exactamente o que se pretende é que haja uma absorpção do Ministerio da Marinha pelo Ministerio da Guerra, e esta forma de ver envolve uma ameaça, na qual a marinha, que já não conserva senão as suas tradições gloriosas, ficará absorvida, sem ter a consolação de que até aqui tem gozado, de ser ella só a dar o seu parecer sobre os diversos assumptos que mais particularmente a interessam. V. Exa. julgará, Sr. Presidente, pelo simples apontar d'esta impressão geral, o desgosto com que este projecto é recebido pela corporação a que tenho a honra de pertencer e á qual tantos e tão bons serviços o paiz deve.

Vou agora tratar da base terceira, que tem sido discutida sob varios pontos de vista.

Para fazer a sua apreciação eu nem recorro ao que já tem sido dito e affirmado sobre as diversas instituições dos paizes da Europa, que não me servem de argumentação porque só para Portugal estamos legislando. Vou simplesmente encarar a questão sob o ponto de vista do meu sentimento, verdadeira e sinceramente monarchico, e da minha estima e consideração, não só pela pessoa, mas tambem pelo alto cargo de que está investido : El-Rei o Sr. D. Carlos I.

A politica do Sr. Presidente do Conselho n'outras eras resumia-se, dizia S. Exa., a augmentar o poder real.

Mas fazia-o muito contra o meu voto e consciencia, porque não só pelo que determina o juramento com que todos promettemos defender a constituição do Estado, mas ainda pelas lições da historia, tenho, obrigação de saber que a pessoa do Chefe do Estado em Portugal nunca teve maior prestigio, maior consideração e respeito publico senão quando se collocou ao lado do povo, que com o seu braço forte tem sempre defendido os Reis de Portugal contra as invasões do seu prestigio pelas classes dirigentes que assim d'aquelle tenham querido aproveitar em beneficio exclusivo da sua preponderancia politica.

Se a primeira maneira da politica do Sr. Presidente do Conselho me não agrada a segunda por igual não me satisfaz.

N'este momento solemne em que os espiritos andam fora dos seus eixos normaes é necessario que todos affirmem a sua opinião, e por isso se me afigura opportuno que todos definam o seu modo de pensar, para que a historia não faça a injustiça de suppor que por medo ou cobardia houve um almirante portuguez com assento n'esta casa do Parlamento que não deu a sua opinião clara e sincera sobre o que acêrca da politica geral do paiz o presente momento historico consigna.

Repugna-me tanto como a primeira, que se desenvolvia contra as regalias inatacaveis das classes populares, a segunda maneira, que consiste em vulgarizar o Chefe do Estado, em o trazer sempre para as discussões, e por isso muito me maguou que n'um projecto d'estes se ponha uma clausula em virtude da qual se colloca o Chefe do Estado em evidencia, n'uma missão que não tem obrigação de exercer, nem deve exercer, qual seja a de presidir a uma commissão technica, sujeitando o Augusto Chefe do Estado á discussão, e collocando El-Rei na humilhante posição de presidir sem voto ás reuniões do Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Se não vae para votar, e só vae para discutir, não fica por isso com menos responsabilidade pelas suas palavras, se tambem não vae para discutir, melhor será que lá não vá; a pessoa e a auctoridade do Chefe do Estado tem de pairar n'uma região muito superior, muito intangivel e muito indiscutivel. O Rei é o Chefe Supremo da Nação; não é o chefe de uma corporação do paiz, ou de uma corporação technica, e tudo quanto for distante d'esta formula de considerar a sua influencia e a sua supremacia é atacar as suas regalias e contrariar o espirito fundamental da nossa constituição.

Agora, Sr. Presidente, talvez V. Exa. tenha um logarzinho no parenthesis que lhe pedi para abrir para os Dignos Pares que se inscreveram a favor do projecto, porque, talvez, tendo eu tido de me inscrever contra o projecto, tenha de dizer alguma cousa a favor d’elle e no que respeita á organização da secretaria da marinha.

Antes de me referir a esta reorganização desejo porem tratar, como é do meu dever, dos defuntos illustres, que este projecto consigna.

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Um d'elles é o Conselho Superior de Marinha, que apesar de não existir ainda, como lei do paiz, o actual projecto em discussão, não foi ouvido nos projectos que o Sr. Ministro da Marinha tem apresentado á sancção.

Esse conselho naturalmente foi substituido e morreu, mas morreu sem conservar as honras.

A Commissão Superior de Guerra essa teve da parte do Governo uma certa consideração, porque ficaram constituindo uma parte dos seus antigos vogaes uma commissão a juntar ás muitas commissões de estudo que por o projecto se criam.

Essa commissão é consultiva. É para o Ministro consultar sobre assumptos da secretaria, o que não é realmente muito lisonjeiro, especialmente para os vogaes que já fizeram parte dos conselhos da Corôa.

Comparando o Conselho Superior de Defesa com esta commissão, quando aquelle é superior ás deliberações do Governo, salta ao espirito de todos e não é estranhavel que eu pergunte áquelles que me ouvem e que foram já Ministros da Guerra se não acham humilhante a situação indefinida em que a generosidade do Governo os colloca?

N'este ponto foi o Conselho Superior de Marinha mais feliz, morreu mas resuscitou no Conselho Superior de Defesa Nacional.

O que tenho a dizer a bem do projecto é quanto á divisão que se faz das attribuições entre a Majoria General da Armada e a Direcção Geral de Marinha, que estava perfeitamente confusa e inadmissivel.

Assim, por exemplo, o major general da armada é pela legislação actual responsavel pela instrucção e disciplina da armada, tudo emfim quanto respeita ao pessoal, mas as escolas, onde se começa essa instrucção e disciplina, estavam a cargo da Direcção Geral de Marinha, o que dava logar á pittoresca phrase que os officiaes novos empregam para classificar os officiaes de marinha que estão debaixo das ordens da majoria e que capitulam de gente do troço do mar, gente do troço é a que embarca, a que segue a vida que se chama de marinha.

A marinha da Direcção Geral de Marinha é a das pessoas que com mais ou menos facilidade se escapam do serviço do mar, porque é mais arduo, e menos compativel com as commodidades caseiras.

S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha, por este projecto, acaba efficazmente com estas distincções e creio que com isso não perderá nada o serviço, e antes tudo haverá a ganhar, mas em compensação, nas repartições que cria, e na forma como por este projecto está organizado o serviço, não faltarão logares que facilitem escaparem-se do serviço do mar os que menos enthusiasmo tenham pelas correlativas vicissitudes.

Não quero tomar tempo a Camara com a enumeração do pessoal d'estas repartições, só direi que o estado maior de officiaes que passarão a tratar das altas concepções estratégicas, a manga de alpaca, é em larga escala accrescido.

Só capitães de mar e guerra são três, capitães de fragata outros tantos e tudo isto para se crear um Conselho Superior de Defesa, em que se dá a presidencia a El-Rei, mas sem voto, como o capitão de mar e guerra ou coronel que tome parte nas mesmas sessões, o que mais aggrava a situação infeliz creada pela base terceira.

Augmenta se o pessoal das secretarias consideravel mente, no que diz respeito á marinha, mas se a Divina Providencia permittisse que este projecto tivesse aqui, e n'esta sessão, a s aã morte definitiva, com o dinheiro que com isto se pouparia compravam-se algumas armas para o exercito e alguns elementos que melhorassem os quarteis em que as tropas teem de alojar-se e obter-se-hiam algumas cargas crie completassem a instrucção do tiro e far-se-hia alguma cousa de util e de necessario e tanto irais insisto n'este ponto quanto estou plenamente cinvencido de que este projecto se não pode executar dentro das actuaes despesas orçamentaes, e portanto que o Governo não pode cumprir aquillo a que se compromette pelas disposições da base decima.

Não seria pois muito mais proficuo que ao lado dos dois Ministros da Guerra e da Marinha estivesse uma commissão modesta, que substituisse o estado-maior general e o da armada, e isso dentro das proporções da nossa situação economica e das determinações positivas da Constituição do Estado?

A minha convicção é que et te projecto nunca ha de ter a sancção pratica; só virá atrasar o ideal per todos nós acceito, das commissões não excedentes a 6 vogaes no exercito e 3 na marinha, auxiliares dos Ministros respectivos nos trabalhos a executar por completo dentro dos nossos recursos financeiros, commissões com que a unidade e a estabilidade das nossas instituições militares ficassem mais asseguradas do que ficam pelo projecto, que só servirá para contrariar este generoso ideal patriotico.

Digo a V. Exa. e á Cambra que, com muito sentimento meu, vejo que dois distinctos estadistas que se sentam n'essas cadeiras, com o que está n'este projecto, sacrificam o seu futuro, porque este projecto é mau para todos, não agrada nem a gregos nem a troyanos, é igualmente desagradavel quer na lucta da primazia civil contra a causa militar, quer na lucta da primazia militar contra a causa civil.

Confesso a V. Exa. que, apesar de pertencer á classe militar, prefiro a supremacia civil, que é a supremacia do paiz e é ao paiz que devem ajustar-se todas as instituições qualquer que seja a sua natureza especial; como militar entendo que a supremacia civil se deve exercer sobre as instituições militares, não nas especialidades technicas, mas para corrigir todo o exagero que d'esta vida especial possa resultar, para corrigir todas as demasias que em materia de despesa se trate de realizar, porque eu entendo que não ha progressos militares que não tenham de viver, sem que estejam em harmonia com as condições financeiras do paiz.

Eu peço por isso e incito os Dignos Pares a que sejam essencialmente rigorosos na fiscalização das despesas, e pela forma como ellas estão representadas, e assim, terão prestado um relevante e particular serviço, principalmente á causa militar, que é, como não pode deixar de ser, a causa do paiz e de todos nós.

Vozes: — Muito bem, muito bem. (O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Eduardo Villaça: — Tendo assignado, sem declarações, o parecer que está em ordem do dia, desde logo se constituiu na obrigação de vir explicar á Camara a razão determinante do seu proceder.

Chega lhe a palavra n'uma altura em que a Camara se deve sentir fatigada de tanto ouvir falar em Supremo Conselho de Defesa Nacional; mas tendo tomado parte no debate distinctissimos officiaes do exercito e da armada e ainda alguns Dignos Pares que, embora não sejam militares, versaram o assumpto por forma a revelarem a sua muita inteligencia e o seu aturado estudo, mal lhe iria se não expressasse o seu modo de ver, e se não significasse a impressão que esses discursos lhe produziram.

Cumprindo, pois, o dever que se impoz, dirá que a discussão travada, e em que tão brilhantemente affirmaram os seus talentos os cavalheiros que n'ella tornaram parte, em nada influiu no proposito que o levou a assignar o parecer sem declarações.

Persiste nas ideias e nas razões que no seu animo imperaram no momento em que assignou o parecer. Entende que o projecto é util, que é conveniente, e felicita muito sinceramente o seu velho amigo Sr. Ministro da Guerra, per ter tido a coragem de apresentar um projecto que se des-

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tina a uma boa organização das forças de terra e mar.

Muito singela, e muito rapidamente, vae apresentar o seu modo de pensar, porque não deseja abusar da benevolencia da Camara.

Um paiz, feliz ou infelizmente, não pode deixar de preparar-se para as eventualidades da guerra, e diz feliz ou infelizmente porque, ás vezes, uma nação perde por não ter feito a guerra a tempo.

Lembra que, algum tempo depois de se insistir n'uma propaganda activa a favor da paz geral, depois de se preconizarem, tão effusiva e calorosamente, os principios pacifistas, os torpedeiros japonezes iam de encontro ao bojo dos couraçados russos, e a guerra rebentava quasi inesperadamente.

Deve, pois, ter-se a guerra como hypothese possivel, e até como assumpto que pode ter-se na conta dos mais complexos, no que respeita á acção do Estado.

O desenvolvimento das sciencias, o progresso das industrias, o descobrimento dos explosivos chimicos, a multiplicidade dos. meios de communicação e tantos outros factores transformaram radicalmente todos os antigos processos de fazer a guerra.

Não ha duvida nenhuma de que o nosso paiz, no momento de uma guerra, teria de reunir todas as suas actividades e todas as suas energias e de preparar todos os elementos que lhe facultassem o conseguimento do fim que se tivesse em vista.

De todas estas considerações resulta que, na organização do exercito, e na preparação da guerra, ha circumstancias a que é preciso attender: a unidade da acção, a continuidade d'essa acção e a permanencia da direcção.

A ausencia d'estes tres elementos não permittirá a preparação de uma defesa em condições vantajosas.

Pois em Portugal pode afoitamente dizer-se que não existe unidade de acção nem parmanencia na direcção.

Temos boas tropas e bons officiaes; mas não estamos superiormente preparados, como fora para desejar.

A verdade é que todos aquelles elementos que podem interferir n'uma luta armada trabalham cada um para seu lado, sem haver laço que os una.

Este projecto destina-se a estabelecer unidade de acção e, ao mesmo tempo, estabilidade ou permanencia de direcção; e crê que se conseguirá o fim que se tem em vista.

Censura-se a parte do relatorio que deixa antever a possibilidade de quaesquer alterações futuras na organização que se projecta.

Elle, orador, não conhece nenhuma instituição que se completasse de um jacto.

A seu juizo, o projecto, tal como está, satisfaz ao objectivo a que se destina e merece a approvação da Camara.

O projecto em ordem do dia refere se a um assumpto que ha muito tempo se debate em França.

O orador lê á Camara a opinião de varios militares estrangeiros que condemnam como deliberativas as resoluções das corporações congeneres em differentes paizes.

O Sr. E. Hintze Ribeiro: — Releve-me o Digno Par a minha pergunta, mas a consideração que eu tenho por S. Exa., a attenção com que o tenho ouvido e o facto de ser o Digno Par o unico n'esta Camara que tem verdadeiramente procurado defender o projecto, leva-me a perguntar-lhe o seguinte: o Digno Par, que é militar, que foi Ministro da Marinha, acha bom que se institua uma corporação que delibere para que o Sr. Ministro da Marinha e o Sr. Ministro da Guerra executem?

Esta é a minha pergunta.

O Orador: — Agradece a interrupção do Digno Par, que p envaidece, por partir de um notavel estadista1 a quem muito preza e considera.

Claro está que ninguem vae discutir em publico um plano de operações terrestres e maritimas.

De tudo quanto o Conselho se pode e deve occupar, só ha um ponto a que pode applicar-se a pergunta do Digno Par, e é quando se trata da organização do exercito.

O Sr. Ministro da Guerra, a este respeito, adopta um dos dois processos. Ou toma elle proprio a iniciativa de qualquer medida, ou se cerca das pessoas que elle entenda que o podem auxiliar n'esse trabalho, mas concluido elle, tem de ser apreciado pelo Parlamento, na parte em que careça de sancção do poder legislativo.

Esta alta corporação é formada por individuos de muita experiencia, de muita respeitabilidade, de muito patriotismo, e que, sem duvida, hão de analysar, como melhor souberem e puderem, os assumptos sujeitos á sua apreciação.

Está certo de que se o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, como Presidente do Conselho, assistisse a uma d'essas reuniões, havia de ver que os conhecimentos de tão valiosos auxiliares lhe proporcionariam obra completa e porventura mais perfeita do que aquellas que, sem essa preparação, são submettidas ao Parlamento, onde soffrem modificações que as desfiguram.

Acaso algum Ministro, embora seja um general prestigioso, terá a coragem de impor a sua vontade e passar por cima do parecer, e opinião dos cavalheiros que compõem o Supremo Conselho de Defesa? Decerto que não.

Não condemna, em absoluto, as com missões consultivas; nem por forma nenhuma quer dizer que ellas tenham deixado de preencher os seus fins; mas exactamente porque são consultivas, não teem as responsabilidades que cabem a um conselho organizado nos termos do projecto que se discute.

O Supremo Conselho toma a iniciativa de certos emprehendimentos e assume a responsabilidade inherente ao seu modo de ver.

É possivel que a pratica e a experiencia aconselhem quaesquer modificações ou alterações ao que se projecta; mas a verdade e que não ha instituições que nasçam perfeitas da mão do homem.

Não vê que o projecto ataque em qualquer ponto as prerogativas parlamentares.

Alludiu o Digno Par Sr. Ferreira do Amaral ao estado da nossa marinha de guerra. Bom é, realmente, que se melhorem as condições da nossa marinha de guerra, mas isso em nada prende com o assumpto que se discute.

Tambem o Digno Par apresentou alguns reparos quanto ao facto de intervirem promiscuamente n'um determinado assumpto officiaes de terra e mar.

Em primeiro logar dirá que, muitas vezes, não é preciso ser-se profissional para interferir ou discutir um certo numero de assumptos; mas a verdade é que pelo projecto concorrem os officiaes de terra e mar para fins communs e, separadamente, tratam ou discutem os negocios respeitantes á sua especialidade.

Pelo que se refere á despesa crê que ella não attingirá somma que impeça o equilibrio do orçamento.

Concluindo, repetirá que o projecto merece a approvação da Camara.

Trata-se de uma experiencia, é certo ; mas tudo indica que d'ella advirão resultados satisfatorios.

Crê que o actual Ministro, como os que a S. Exa. succederem na pasta da Guerra, hão de procurar manter e melhorar a organização a que se refere o projecto.

(S. Exa. não reviu este extracto nem as notas tachygraphicas).

O Sr. Sebastião Baracho. — Sr. Presidente: se eu tivesse de acompanhar o Digno Par o Sr. Villaça, na sua larga divagação, muitas horas teria de occupar á Camara.

O divagar nas circumstancias em que S. Exa. se encontra representa um expediente de prudencia, de quem tem o norteamento abalado, perante as qualidades do projecto.

Quando S. Exa. começou a falar, suppuz que iria protestar contra a lata

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auctorização concedida pelo .artigo 1.° Por essa forma, orientar-se-hia pelas declarações terminantes feitas n'esta casa e na Camara Electiva, respectivamente pelos Srs. José Luciario e Francisco Beirão.

Ambos elles condemnaram, em absoluto, o regimen das auctorizações, as quaes outra cousa não eram mais do que a dictadura disfarçada.

O Sr. Villaça, porem, não fez referencia alguma a mais esta manifestação do absolutismo bastardo dominante, limitando-se, com o seu silencio, aprestar vénia á palinodia.

Todavia, melhor procedeu, no meu juizo, do que o Digno Par Sr. Sebastião Telles, que affirmou que a auctorização deixaria de existir, eliminando do citado artigo as palavras correspondentes.

Permitta-me S. Exa. que lhe objecte que a auctorização de que se trata não resulta de palavras, mas sim das deficiencias do projecto, que, por esse motivo, não pode ser transformado em lei, sem importantes addicionamentos.

Nas suas observações, o Sr. Villaça quebrou lanças pela organização de um instrumento de estudo, preparatorio da organização militar.

Esta phantasia não é sufficiente para ganhar batalhas.

Nem Alexandre Magno, nem Cesar, nem Annibal, nem tantos outros guerreiros illustres da antiguidade, tiveram de recorrer a esses auxiliares, para atroarem o mundo com as suas façanhas marciaes.

É certo que actualmente os progressos no material de guerra, na viação, nas communicações telegraphicas, nos explosivos, e ainda n'outros elementos de combate, constituem factores muito para attender, que não eram conhecidos nos tempos remotos.

Por outro lado, porem, n'essas epocas afastadas, a difficuldade de transportes, de municiamento, de abastecimento de viveres e a escassez de tantos outros recursos, tornavam tambem essencialmente difficil a arte da guerra.

Então, como na actualidade, como sempre, o chefe é a base de toda a estructura e de todas as aventuras guerreiras.

Napoleão, assombrando o mundo no começo do seculo passado, com os seus feitos heroicos, procedia pela propria iniciativa.

Obedecendo ao seu temperamento, o seu lemma era syntethico e expedito: — on s'engage d'abord et puis on voit.

Para um chefe que tal nome mereça, a offensiva, o engajamento rapido, estão naturalmente aconselhados.

O bom lance de vista, o acerto das combinações tácticas, a intensidade nas manobras produzem o resto.

Napoleão em Leipzig abandonou, pela primeira vez, esta orientação, mantendo-se na defensiva.

O resultado foi a batalha durar dois dias, com prejuizo patente d'aquelle grande capitão.

Quando Talleyrand soube do occorrido, em Paris, exclamou:

«—É o começo do fim!»

Assim era effectivamente.

E a phrase tornou-se clássica, sendo ainda hoje usada em situações similares.

Ao Digno Par Sr. Villaça mereceu especial predilecção o figurino francez. N'esta parte, apenas o excedeu o meu prezado amigo Moraes Sarmento, cuja digressão pelo velho mundo, sem canseiras nem perigos, me obrigou a pedir a palavra.

Das affirmações do Digno Par podia-se concluir que eu me referira ao mesmo assumpto, e que S. Exa. me contraditara.

Ora a verdade é que eu m e limitei a evidenciar a inconstitucionalidade do projecto, sem contestação, que tal nome mereça, nem por parte de S. Exa., nem de qualquer outro Digno Par. que ao assumpto se tenha referido.

Ás minhas invocações legaes, ninguem contrapoz argumentos da, mesma especie, que são os convincentes.

N'este ponto, restringi-me á questão caseira, que ao Digno Par despertou as mais extraordinarias referencias, a começar pela resurreição que fez dos conselhos de guerra, cuja origem data da restauração nacional.

Nem lhe escaparam as cadeiras de fundo movel — de charneira — cujo assento se abaixava, quando o rei presidia ás respectivas reuniões.

Arrolou-as até, não sei se para lhes dar futuro emprego. Em todo o caso, afigura-se-me que em assento tão baixo, mais parece ficar-se de cócoras, o que não constitue posição commodamente recommendavel.

Pela minha parte, estranhei em janeiro de 1902 que não se sentassem todos os membros do Parlamento, nas cerimonias da abertura solemne das Côrtes; e o meu altivo e justo reparo produziu — mais uma vez o recordo — os devidos effeitos.

Perante a soberania nacional, não ha assentos altos e baixos, para os legisladores.

Não se permitte essa differença.

De resto, o Digno Par, que tanto elogiou esses conselhos de guerra, não duvida hoje reconhecer-lhe o relaxismo, ao ponto de que tiveram de ser combatidos pelo Marquez de Pombal, e pelo mariante estrangeiro, representado no Conde de Lippe.

Para notar é, porem, que o Digno Par, que em bons tempos prestava homenagem ao liberalismo, experimentou depois accentuada transformação, de que não é exclusiva prova a sua predilecção pelos conselhos de guerra de 1641.

No actual regulamento disciplinar de 12 de dezembro de 1896 encontram-se, como ha dias provei, outras manifestações d'essa orientação draconiana.

A par d'isso, o Digno Par não adduziu uma citação legal sequer para justificar a constitucionalidade do projecto.

As minhas affirmações em sentido contrario encontram plena justificação na Carta Constitucional de 26 de abril de 1826, quando prescreve:

Artigo 45.° A proposição, opposição e approvação dos projectos de lei compete a cada uma das Camaras.

Art. 46.° O poder executivo exerce por qualquer dos Ministros de Estado a proposição que lhe compete na formação das leis, e só depois de examinada por uma commissão da Camara dos Deputados, aonde deve ter principio, poderá ser convertida em projecto de lei.

Art. 75.º O Rei é o chefe do poder executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principaes attribuições:

12.° Expedir os decretos, instrucções e regulamentos adequados á boa execução das leis.

Ás graciosas asseverações do Digno Par, contraponho eu a letra expressa da Constituição, que S. Exa. não combaterá, por certo, adduzindo factos e citando leis, que refutem os meus fundamentados assertos.

Invocando depois a Constituição de 23 de setembro de 1822, o Digno Par assegurou que ella não permittia o commando em chefe do exercito, nem da armada, em tempo de paz, para evitar que, nesse cargo, pudesse Beresford ser investido.

Nada ha mais erroneo. Esse diploma estabelece:

Artigo 123.º Especialmente competem ao Rei as attribuições seguintes:

VI. Nomear os commandantes da força armada de terra e mar, e empregá-la como entender que melhor convem ao serviço publico.

Porem, quando perigar a liberdade da nação e o systema constitucional, poderão as Côrtes fazer estas nomeações.

Em tempo de paz não haverá commandante em chefe do exercito nem da armada.

Art. 124.° O Rei não pode:

VI. Commandar a força armada.

Segundo se observa, a quem era expressamente prohibido commandar a força armada era ao Rei.

E esta a disposição primacial. A circumstancia de não poder haver commandante em chefe do exercito e da armada, em tempo de paz, não diminue.

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sem a menor duvida, o significado da exclusão do Rei, d'esse commando.

Por outro lado, a Constituição de 20 de março de 1838 prescrevia:

Artigo 82.° Compete tambem ao Rei:

V. Nomear e remover os commandantes da força armada de terra e mar.

Artigo 83.° O Rei não pode:

III. Nomear em tempo de paz commandante em chefe do exercito ou da armada;

IV. Commandar a força armada, ou nomear para commandante em chefe o Principe Real ou os Infantes.

O Digno Par, que tanto copiou do estrangeiro, no seu extenso discurso, não fez a mais ligeira referencia á nacional Constituição de 1838, que não permittia, á semelhança da de 1822, que o Rei commandasse, em quaesquer circumstancias, a força armada.

A propria Carta Constitucional mantem os mesmos principios, prescrevendo:

Artigo 75.° O Rei é o chefe do poder executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principaes attribuições:

§ 5.° Nomear os commandantes da forca de terra e mar, e removê-los, quando assim o pedir o bem do Estado.

§ 15 ° Prover a tudo que for conveniente á segurança interna do Estado, na forma da Constituição.

Pelas disposições que acabo de ler, reconhece-se que o Rei, exercitando o poder executivo, pelos Ministros de Estado, não pode pessoalmente exercer commandos.

De resto, os §§ 5.° e 15.° amoldam-se, pela sua doutrina, a este mesmo principio. Não admitte duvidas.

Parallelamente, a Carta outorga ao Rei os seguintes titulos e dignidades:

Artigo 71.° O poder moderador é a chave de toda a organização politica, e compete privativamente ao Rei, como chefe supremo da nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos mais poderes politicos.

Entre os seus titulos e dignidades não figura, nem podia constitucionalmente figurar, o posto ou patente de marechal general.

Os titulos que ao Rei são attribuidos constam da Carta Constitucional, quando especifica:

Artigo 73 ° Os b eus titulos são : — «Re i de Portugal e dos Algarves, de Aquem e de Alem Mar, em Africa Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação, Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India, etc., e tem o tratamento de Majestade Fidelissima.

O Rei não é, portanto, chefe superior do exercito. E chefe supremo da nação.

Nomeia os commandantes da força armada — não se nomeia. Não lhe é isso legalmente permittido.

O repto que me lançou o Digno Par conduziu-me, naturalmente, a fazer segunda edição das affirmações comprovadas que já fizera, e aconselha-me a proseguir no mesmo caminho, com respeito ás organizações do exercito.

Algumas deixou de invocar o Sr. general Moraes Sarmento, e das mais significativas.

Eu começarei por evidenciar que o decreto de 20 de março de 1849 prescreve:

Artigo unico. O estado maior general compõe-se do seguinte quadro de officiaes generaes:

Marechal general................... 1

Marechaes do exercito............... 2

Tenentes generaes.................... 10

Marechaes de campo................. 15

Brigadeiros.......................... 15

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§ 1.° O quadro dos officiaes generaes é o mesmo, tanto em tempo de guerra como em tempo de paz.

O posto de marechal general pertencia ao Principe consorte D. Fernando. E a proposito notarei que o Digno Par alludiu á qualidade de ser Rainha o Chefe do Estado, para argumentar com o facto de as organizações militares não incluirem o posto de marechal general para o reinante. Nada ha menos verdadeiro.

Contrariando essa sua maneira de ver, o decreto de 21 de dezembro de 1863, da responsabilidade de Sá da Bandeira, estabelece:

Artigo 11.°............................

§ 1.° O estado maior general compõe-se do seguinte:

Quadro de officiaes generaes :

Marechal general.................... 1

Marechaes do exercito................ 2

Tenentes generaes.................. 10

Majores generaes.................... 24

Todos............ 37

Artigo 12.°............................

§ 1.° O posto de marechal general só será conferido quando as circumstancias publicas o reclamem.

No anno immediato era publicada nova organização do exercito, por decreto 23 de julho de 1864, firmado pelo Duque de Loulé, general Ferreira Passos, Lobo de Ávila, Mendes Leal e Abreu e Sousa.

Esse decreto determina:

Artigo 11.° O quadro do estado maior general é o seguinte:

Marechal general.................... 1

Marechaes do exercito................ 2

Generaes de divisão.................. 10

Generaes de brigada................. 24

Somma........... 37

1.° O posto de marechal general poderá ser preenchido quando circumstancias imperiosas o exigirem.

Estas duas organizações foram publicadas na vigencia do remado do Rei D. Luiz; mas, nem por isso consignaram o posto de marechal-general para uso do reinante. O que n'ellas figura é o respeitante ao Rei consorte D. Fernando.

Foi a organização de 30 de outubro de 1384 que nomeou, subrepticiamente, o reinante, marechal-general.

Senão, vejamos:

Artigo 3.° Ao Rei pertence o posto de marechal general, como chefe superior do exercito.

Artigo 4 ° O quadro do estado maior general é o seguinte:

Marechal general...... ............. 1

Marechaes do exercito............... 2

Generaes de divisão.................. 9

Generaes de brigada................ 24

Somma........... 36

§ 1.° O posto de marechal general comprehendido n'este quadro de futuro não será preenchido.

A nomeação foi, repito, subrepticia, porque é anti-constitucional, e não teve audiencia do Parlamento. As bases respectivas, que a elle foram sujeitas, sem terem a approvação d'esta Camara, não deixavam prever essa nomeação.

A designação de marchal-general, no quadro do generalato de 1884, é referente ao principe consorte D. Fernando, fallecido em 15 de dezembro de 1885.

Similarmente succedeu com a organização de 7 de setembro de 1899, que determina:

Artigo 6.° Ao Rei pertence o posto de marechal general, como chefe superior do exercito.

Artigo 7.° O quadro do estado maior general é o seguinte:

Marechal do exercito................. .1

Generaes de divisão.................. 6

Generaes de brigada................. 20

Todos............ 27

Onde está, pois, a disposição constitucional, a lei, a carta regia, que concedem ao reinante o posto de marechal-general?

Ao Chefe do Estado é conferido um posto que lhe não pertence. Distribuem-se-lhe responsabilidades com infracção da Carta Constitucional, que prescreve :

Artigo 72.° A pessoa do Rei é inviolavel e sagrada. Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.

Por seu turno, a lei de 3 de abril de 1896 confirma o que fica transcripto, estatuindo:

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632 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Artigo 6.° O Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus Ministros.

Do que fica exposto transparece que o atropelo constitucional de 1884 fez, por assim dizer, escola no exercito, e bem assim na armada.

No exercito produziu a reforma de 1899.

Na armada deu margem ao decreto de 5 de março de 1896, da referenda do Digno Par Sr. Jacinto Candido, e que dispõe:

Hei por bem, conformando-me com a proposta do Conselho do Almirantado, decretar o seguinte:

Artigo 1.° E approvada a ordenança geral para o serviço da armada, que faz parte d'este decreto.

A ordenança da armada, no seu capitulo intitulado Hierarchia naval, determina no § 1.° do seu artigo 7.°:

Ao Rei pertence o posto de almirante-general, como chefe superior das forças navaes.

Esta nomeação é tão tumultuaria como a de marechal-general.

Peca igualmente por não ter o cunho parlamentar, e ser retintamente inconstitucional.

Lançados n'esta pendente, os dirigentes deram indevidamente iniciativa ao Rei para figurar no projecto de casas baratas, a que mais de uma vez tenho alludido, e agora investem-no em presidente do Conselho Superior da Defesa Nacional, com todas as responsabilidades de qualquer simples cidadão.

Para attenuar a inconveniencia produzida, appellam mais uma vez os seus defensores para o figurino francês, não se lembrando que a Constituição francesa não se oppõe expressamente, como a nossa, ao exercicio, por parte do Presidente da Republica, de semelhantes funcções.

Demais, em França o Chefe do Estado — de novo o registo — é um civil, com mandato para 7 annos, sendo portanto temporario. Cá subsiste a hereditariedade com a sua correlativa liturgia, o que é muito differente, embora este meu parecer desagrade aos idolatras indigenas.

Sr. Presidente: são os proprios Governos que contrariam, pelos seus actos, a irresponsabilidade do reinante.

Procedem por este modo, no intuito de mais engrandecer o poder real?

Se assim é, a ideia não pode ser mais desastrada.

Tem sido na constancia d'esse engrandecimento que se geraram e desenvolveram as conhecidas dificuldades de administração.

A sombra d'esse programma contrariou-se a genuina fiscalização parlamentar.

Debalde eu proclamava, quotidianamente, que semelhante regimen conduziria, em breve, á falencia do existente.

Não fui desgraçadamente escutado, e aggravam-se agora os erros antigos.

É preciso não esquecer que o paiz não está disposto a supportar deprimentes tutelas.

A maneira como procede comprova-o exuberantemente.

Só uma administração nitidamente liberal poderia evitar o cataclismo, que promette desencadear-se para breve.

A minha previsão a tal respeito, fundada na historia e na logica inexoravel dos factos, fica lavrada.

O futuro a todos dirá se me enganei nos meus vaticinios.

Sr. Presidente : o Digno Par Sr. Moraes Sarmento, para em tudo estar infeliz, até não foi exacto na citação que fez, de que o principe consorte D. Fernando tivera apenas uma nomeação de marechal-general.

A verdade é que elle foi nomeado para o exercicio d'esse posto, pela primeira vez, por decreto, e correspondente carta regia, de 1 de janeiro de 1836, da referenda de José Jorge Loureiro.

N'esse mesmo anno deixou, pela adopção da constituição de 1822, de exercer esse cargo.

A sua exoneração, rubricada pelo Conde de Lumiares, consta da Ordem do Exercito de 23 de setembro.

Por carta regia de 17 de outubro de 1846, da rubrica do então Marquez de Saldanha, foi o Principe consorte D. Fernando reintegrado em marechal-general, em virtude do restabelecimento do commando em chefe do exercito.

Posto isto, seja-me licito referir á pergunta que o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro formulou, em interrupção ao Digno Par Sr. Villaça.

O Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro desejava saber se o Sr. Villaça entendia se a acção do Supremo Conselho era de caracter deliberativo, ou consultivo.

O Digno Par Sr. Villaça accendeu uma vela a S. Miguel e outra ao Diabo, esquivando-se a dar uma resposta clara, e refugiou-se na confusa analyse da base I.

Faltou-lhe, porem, referir-se á base IV, que estabelece:

As deliberações do Supremo Conselho de Defesa Nacional serão communicadas nos respectivos Ministros da Guerra e da Marinha, a cargo dos guaes está o seu desenvolvimento e execução, ficando dependentes da coprovação pelas Cortes todas as alterações ás leis organicas e os creditos necessarios para occorrer ás despesas.

O Supremo Conselho do Defesa Nacional será consultado pelos Ministros da Guerra e da Marinha, sempre que estes tenham de providenciar por iniciativa propria, ou quando em outros Ministerios haja de tomar-se resolução sobre assumptos que, se relacionem coin os da competencia do mesmo conselho.

Ás ambiguidades do Sr. Villaça ha a contrapor o dispositivo d'esta base, em que os Ministros ou são fieis cumpridores do Supremo Conselho, ou teem de obrigatoria e previamente o consultar, se quizerem providenciar por iniciativa propria.

Ha subalternidade mais patente?

O proprio Sr. Ministro da Guerra a confirmou, quando na sessão de 13 do corrente se expressava por esta forma significativa:

As funcções do Supremo Conselho, conforme se diz nas bases I e IV, são deliberativas é não simplesmente consultivas. Ao Ministro a quem as deliberações são communicadas cabe dar-lhes execução.

O Ministro não fica, porem, privado do seu direito de iniciativa perante o Parlamento e, assim, as attribruições d'este em nada ficam reduzidas eu modificadas por este projecto».

Mas não vale a pena insistir mais sobre este ponto.

A questão está julgada.

N'estas condições, renovarei uma pergunta que fiz, quando pela primeira vez falei combatendo o projecto, e que não teve resposta. Eil-a:

Quem é que preside ás sessões plenas do Supremo Conselho de Defesa Nacional, na ausencia do Chefe do Estado?

Igualmente vou insistir com relação a outro assumpto, que tambem versei. Refiro-me ao ostracismo a que foram condemnadas as armas geraes e alguns servidos do exercito, não tendo merecido, diga-se de passagem, este inqualificavel exclusivismo a menor allusão do Digno Par Sr. Moraes Sarmento, não obstante ter pronunciado um largo discurso.

A commissão superior de estudos de defesa nacional é constituida pelo conselho general do exercito, e pelo conselho general da armada.

O conselho general do exercito é formado por um general de divisão, presidente; dois generaes de brigada, presidentes das secções de estudos, sendo um o director geral do serviço de estado-maior e o outro um general que tenha feito carreira na arma de engenharia; e ainda um, general de brigada de qualquer arma ou do serviço do estado-maior, e um coronel do mesmo serviço, secretario.

Consoante se observa, no conselho geral, as tres armas tácticas apenas podem ser representadas por um general de brigada.

Nas duas secções de estudos, em que se desdobra o conselho, nem essa hypothetica representação minima cabe ás duas armas geraes. Só a artilharia

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está representada, na segunda secção, por dois officiaes superiores.

Identica exclusão subsiste para os serviços medicos, de administração militar e do almoxarifado.

Na primeira secção, são principaes collaboradores os officiaes da 2.ª e da 3.ª repartições da direcção geral do serviço do estado-maior.

Estando este serviço aberto ao ingresso dos officiaes de todas as armas, pode-se allegar, com mais ou menos propriedade, que não ha necessidade de as especializar.

Em tal caso, não seria admissivel a designação da arma de engenharia, essencialmente favorecida pelo projecto, e que, em muitos paizes, não passa de um simples serviço auxiliar.

Tem, porém, o pae alcaide, o Sr. Ministro da Guerra, que a ella pertence, e por isso ella usufrue escandalosamente beneficios excepcionaes, a que não tem jus.

Ella que, á semelhança das tres armas tácticas — a artilharia, a cavallaria e a infantaria — podia habilitar-se para ingressar no serviço do estado-maior, não tem n'este nenhum representante.

É expressivo.

A par da incompetencia passada ás armas geraes para collaborarem em assumptos tanto da sua especialidade, como são os estudos de organização, mobilização, concentração e operações militares, são ellas reconhecidas idonaes, por intermedio dos seus generaes, para apreciarem no Supremo Conselho de Defesa Nacional os estudos effectuados.

Ha mais completa incongruencia?

Lavrado mais este protesto contra a situação de verdadeiros parias, mantida para com as armas geraes, vou renovar, referentemente á organização da Secretaria da Guerra, as perguntas que formulei na sessão anterior, e que não tiveram resposta.

São d'este teor:

1.ª Que posto tem o director geral?

2.ª Em. que situação hierarchica fica o director geral para com os cinco directores, generaes de brigada?

3.ª Ha transmissor, entre os directores e o Ministro, ou despacha este com elles directamente?

4.ª O edificio actual da secretaria da guerra é sufficiente para as installações derivantes da reforma?

Quanto á reorganização da Secretaria de Marinha, fiz notar a contradicção entre os latos poderes da majoria general e a fiscalização technica da direcção geral da armada.

O Sr. Ministro replicou-me que pautara o seu procedimento pelo que fora estabelecido pelo Sr. Dias Costa, como Ministro de Estado.

Lamento quê assim succedesse, porque a cobertura de que o Sr. Ministro usou não o isenta da responsabilidade no erro commettido.

Creio que as considerações que tenho feito justificam plenamente a minha moção de ordem, e o ter assignado o parecer da commissão como vencido.

O projecto, que é inutil, inconveniente e anti-constitucional — mais uma vez o consigno — parece ter sido elaborado sob a impressão de se render culto á megalomania, que tantas predilecções encontra na actualidade.

Os Dignos Pares que usaram da palavra com o pretexto de o defenderem limitaram-se pouco mais ou menos a pedir a sua execução a titulo de experiencia, que se realizará, por assim dizer, in anima vili.

Desnecessario seria accentuar que o vilão, n'este caso, é o paiz; que, pelas suas instituições militares, tem de pagar, e caro, o producto, por certo avariado, de tão malfadada experiencia.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Vasconcellos Porto): — Sr. Presidente : comprehende a Camara que eu não poderei acompanhar o Digno Par Dantas Baracho nas largas considerações com que entendeu dever responder ás considerações de diversos Dignos Pare que trataram do projecto. Não o faço, não porque S. Exa. não me mereça sempre a maior deferencia e a mais alta consideração, mas porque a questão tem sido tão largamente debatida, que eu nada mais acrescentaria depois dos discursos brilhantes e eloquentes que a Camara ouviu com tanta attenção. Por isso me limito a referir-me ás questões concretas expostas pelo Digno Par, porque entendo que é meu dever esclarecer qualquer duvida relativa ao projecto em discussão.

A primeira pergunta que S. Exa. fez foi sobre quem preside ao Conselho de Defesa Nacional. Não está designada essa presidencia, mas parece-me que será o Sr. Presidente do Conselho.

É o que se deprehende do projecto.

Referiu-se S. Exa. muito insistentemente á falta de representação das armas geraes na corporação que constitue o Supremo Conselho de Defesa Nacional. Mas devo dizer a S. Exa. que me sinto admirado de que S. Exa. tivesse pensado que eu poderia n'este projecto ter menos consideração pelas armas a que S. Exa. se referiu, que me merecem a mesma consideração e sentimentos que tenho pelas outras. Mas realmente eu vejo que, na parte que constitue como que as entidades encarregadas de apreciar os estudos da commissão, as armas se acham perfeitamente representadas. Vejo que ha tres generaes de brigada que teem feito carreira n'essas armas.

Não houve, pois, nem podia haver a intenção que a S. Exa. pareceu figurar-se.

O Sr. Sebastião Baracho: — As disposições constantes do projecto contradizem, em absoluto, as affirmações de V. Exa., por isso que as armas geraes não tomam parte nos estudos preparatorios dos projectos.

O Orador: — O pensamento do projecto é concatenar todas as organizações especiaes que trabalhavam desligadas umas das outras.

É isto que resulta da sua simples leitura.

As sessões, como disse, serão presididas pelo Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Sebastião Baracho: — É exactamente contra isso que eu me insurjo.

O Orador: N'este logar estão todos que devem estar, que são officiaes de estado maior, que são officiaes de todas as armas. O que é facto é que o serviço de estado maior é um quadro aberto.

O Sr. Sebastião Baracho: — Assim é; e, em tal caso, não nomeassem officiaes de outra procedencia. Se no serviço do estado maior não figuram officiaes de engenharia, é porque preferem não se habilitar com o curso correspondente.

O Orador: — Tratando se de projectos de fortificações, não se podia deixar de pôr officiaes de engenharia. E assim neste quadro estão todos ligados como n'um pensamento unico.

Perguntou o Digno Par mais com relação a instalações, dizendo que não havia local apropriado.

Como isso não me parece uma questão primacial, eu verdadeiramente ainda não pensei sobre esse ponto.

O Digno Par tambem me perguntou em que situação hierarchica fica o director geral da Secretaria da Guerra para com o director das armas geraes.

O Sr. Sebastião Baracho: — Para este director geral da Secretaria da Guerra não está designado o posto.

O Orador: — O director geral será um general como todos os outros, mas um general mais antigo.

O Sr. Sebastião Baracho: — Deve ser o mais antigo.

O Orador: — É sim, senhor.

(S. Exa. não reviu).

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634 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Pimentel Pinto: — Sr. Presidente: nenhuma tenção tinha de voltar a este debate.

E para que voltarei eu a este debate? Será, porventura, para adduzir novos e melhores argumentos contra o projecto?

Não, Sr. Presidente, porque a critica do assumpto em ordem do dia está feita por todos os Dignos Pares que se seguiram a mim, no uso da palavra.

Poderia ser levado á conta de immodestia, ou á conta de pretenção vaidosa, querer eu por qualquer forma reforçar as considerações apresentadas pelos meus illustres collegas.

Pediria eu a palavra para responder aos oradores que teem defendido o projecto?

Tambem não, Sr. Presidente, porque defesa, propriamente dita, do projecto, só talvez a que foi apresentada pelo Digno Par Villaça, e quando digo talvez, quero accentuar que a medida apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, não foi absolutamente defendida, e simplesmente atacada por todos os lados da Camara.

Usou da palavra o Digno relator do parecer, o Sr. Francisco José Machado.

Mas que nos disse S. Exa.?

S. Exa. cansou-se a demonstrar a instabilidade da nossa legislação militar nos ultimos annos, para d'ahi inferir a necessidade ou a conveniencia de se adoptarem as disposições contidas no projecto; mas esqueceu-se de indicar até onde essas disposições podem ser benéficas, ou como o podem ser.

S. Exa. não vem dar novidade á Camara, porque, tanto eu, como o Sr. Sebastião Telles, temos confessado muitas vezes a instabilidade na nossa legislação militar.

Falou tambem o Digno Par Sebastião Telles.

Terei, porventura, necessidade ou obrigação de responder ás considerações apresentadas por S. Exa.?

Fez S. Exa. a defesa do projecto?

Pelo contrario, as palavras de S. Exa. representam a mais severa condemnação da proposta que o Sr. Ministro da Guerra submetteu á apreciação da Camara.

O Digno Par repetiu todas as affirmações que tinha apresentado o anno passado, na outra casa do Parlamento, quando geria a pasta da Guerra.

Mostrou que sustenta hoje a mesma opinião que então preconizava, e acrescentou que esta alta corporação, chamada Supremo Conselho de Defesa Nacional, não pode ser superior ao Ministro, porque isso é contrario á lei constitucional.

S. Exa. disse ainda que esta subordinação que se vae impor ao Ministro inutiliza o mecanismo das nossas cousas militares.

Tambem não tenho que replicar ao Sr. Sebastião Telles, porque S. Exa. condemnou severamente o projecto.

Veio depois o Sr. Moraes Sarmento.

S. Exa. disse que votava o projecto, condicionalmente, e terminou o seu discurso dizendo que se tratava de uma experiencia, de resultados muito duvidosos.

Não tenho tambem que replicar ás considerações do Digno Par Moraes Sarmento, no que respeita ao projecto em discussão, porque as palavras de S. Exa. tambem só servem para condemnar o que se projecta.

S. Exa. disse mais. Disse que tinha quasi a convicção de que a experiencia que se vae tentar não dará os resultados que o Sr. Ministro da Guerra pretende e que o paiz deseja.

S. Exa. entende que se trata de uma experiencia que para nada serve, e que é completamente inutil.

Depois, Sr. Presidente, para que responder ao Sr. Villaça?

Foi S. Exa. quem melhor defendeu o projecto; pela sua muita habilidade, pelo seu grande talento e com aquella boa disposição que todos nos temos para o ouvir, fez uma defesa que agradou.

Mas, substancialmente, o que disse S. Exa.?

Mostrou que em França ha uma alta corporação analoga a esta que se pretende criar, mas as suas atribuições são meramente consultivas.

Por parte dos militares e mesmo por parte de muitos que não o são, houve desejo de que essa alta corporação militar se aproximasse, em attribuições, do commando em chefe allemão; mas isso é impossivel perante a Constituição politica franceza, como impossivel é perante a Constituição politica do nosso paiz.

O Sr. Villaça estava falando muito bem, não ha duvida, mas quando chegou o momento em que o Digno Par e meu honrado amigo ,Sr. Hintze Ribeiro lhe dirigiu uma pergunta concreta e positiva, S. Exa., em vez de responder-lhe immediatamente, foi até o fim da sua carteira, pegou n'uns papeis, disse que a resposta era muito facil e fez um brilhante e merecidissimo elogio do Sr. Hintze Ribeiro.

Sem duvida, esse elogio foi perfeito, foi merecido, foi completo; mas o elogio não respondeu á pergunta que lhe fora dirigida, sobre se as funcções do Supremo Conselho de Defesa Nacional eram deliberativas ou apenas consultivas?

Ahi nada nos disse; d’ahi fugiu S. Exa. com aquella habilidade que tem.

Como já foi Ministro dos Negocios Estrangeiros, tem o habito de responder sem responder, ou de fingir que responde.

E como S. Exa. nada respondeu, tambem nada tenho que ponderar-lhe.

Precisarei responder ás palavras do Sr. Ministro da Guerra, que nos veio declarar que o presidente do Conselho de Defesa Nacional seria o Presidente do Conselho de Ministros?

Tambem não, porque todos sabem que sobre esse ponto muito havia que dizer, e não é ás sete horas da noite, estando a sessão prorogada, que eu posso entrar em largas ponderações.

Basta apenas considerar que se dá ao Presidente do Conselho a obrigação de tomar essa presidencia, o que eu julgo que é um erro.

Mas não foi para cousa alguma distas que eu pedi a palavra.

Então, porque voltei novamente ao debate?

Por uma phrase infeliz e injusta que o Digno Par Sr. Moraes Sarmento proferiu.

Mas antes de responder a essa phrase, consinta V. Exa. que eu me felicite por ter dado occasião a que, por uma ligeira referencia que fiz ao Conselho do Almirantado, fallecido já ha uns poucos annos, pudesse o Digno Par Sr. Ferreira do Amaral tomar a defesa d'essa instituição criada por um decreto que S. Exa. referendou e cuja organização pertenceu á sua iniciativa.

Eu vou agora dizer qual foi a phrase infeliz e injusta proferida pelo Digno Par Sr. Moraes Sarmento, e que me obrigou a pedir a palavra n'este debate.

O Digno Par, falando da commissão superior de guerra, disse que a commissão era por assina dizer o Sr. Sebastião Telles, e que o valor da commissão era o valor de S. Exa.

Eu conheço os excellentes serviços que o Digno Par Sr. Sebastião Telles tem prestado á commissão, como em qualquer outra commissão de que tenha feito parte.

Exactamente por eu fazer parte d'essa commissão foi que pedi a palavra, apesar de que eu sou um dos seus membros que menos vale e que menos tem trabalhado, pois desde 1900 tenho lá ido apenas duas vezes.

Portanto, quer tenham trabalhado muito, quer pouco, quer bem, quer mal, a responsabilidade não é minha e não é por mim que eu venho protestar contra a phrase do Digno Par Sr. Moraes Sarmento, mas em nome d'aquelles que não teem voz n'esta casa.

Disse S. Exa. que os trabalhos bons são os do Digno Par Sr. Sebastião Telles, mas ha muitos outros que não envergonham o Ministro da Guerra. (Apoiados).

S. Exa. disse mais: «a commissão nada vale».

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Foi isto o que S. Exa. disse, e foi para protestar contra estas phrases que eu pedi a palavra.

O Sr. Moraes Sarmento: — Eu posso no calor da discussão proferir uma ou outra palavra á qual se possa dar uma interpretação diversa, mas procuro sempre ser tão urbano e correcto nas affirmações que faço, que não dou o direito a ninguem de suspeitar das minhas intenções, que jamais tendem a aggravar os que me não offendem.

O Orador: — Ainda bem, Sr. Presidente, que eu pedi a palavra dando assim logar a que o Digno Par Sr. Moraes Sarmento falasse.

D'essa commissão fazem e fizeram parte algumas das intelligencias mais brilhantes do nosso exercito, como por exemplo o Sr. Conde de S. Januario; faz parte tambem o Sr. coronel Bocage, que é um dos officiaes mais considerados pelo seu talento e illustração. Fez parte tambem o coronel Duval Telles, por muitos annos, cujas faculdades de trabalho, largo interesse e dedicação pelo exercito ninguem se lembrará de pôr em duvida; faz parte o Sr. Alberto de Oliveira, um dos officiaes mais conhecedores das cousas militares que eu tenho encontrado, dotado de uma superior modestia.

Essa commissão é hoje presidida pelo valente general Sr. Francisco Maria da Cunha.

Não preciso dizer nada mais para provar que é presidida por um homem intelligente e que reune todas as qualidades precisas para o desempenho d'aquelle cargo.

D'essa commissão fazem tambem parte os Srs. Sebastião Telles e Ministro da Guerra, que ali está, e muitos mais generaes que eu não cito, porque não me recordo dos nomes de todos, e o tenente-coronel Fernando de Serpa, constituindo este numero de officiaes a elite do nosso exercito.

Não estou a defender nomeações minhas, porque algumas foram feitas pelo Digno Par Sebastião Telles, mas porque eu não podia deixar de levantar a phrase do Sr. Moraes Sarmento, nem podia, estando n'esta casa, onde não teem palavra estes officiaes, deixar passar sem protesto a phrase do mesmo Digno Par.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Moraes Sarmento: — Estava longe de tomar novamente a palavra, tendo de o fazer somente para não auctorizar com o meu silencio a forçada interpretação que o Digno Par que acaba de falar deu ás palavras que eu anteriormente pronunciei.

Com certeza que S. Exa. não traduziu com exactidão o verdadeiro sentido da minha phrase.

O Sr. Pimentel Pinto: — Textualmente.

O Orador: — Das proprias palavras reproduzidas por S. Exa. se prova que eu me não referi ás individualidades que compõem a commissão superior de guerra e somente apreciei o valor do trabalho produzido por aquelle corpo collectivo.

Tambem em França, tanto em documentos parlamentares como em livros dos mais auctorizados escriptores, como o do general Langlois, os quaes citei na sequencia do meu discurso, se fizeram apreciações desfavoraveis á acção ou antes inacção da commissão superior de defesa nacional e de outras similares, sem que se pretendesse com isso attingir os membros que as compunham, que eram das mais altas individualidades do exercito e da armada, ás quaes estava destinado o commando dos exercitos de operações e das esquadras no caso de uma guerra futura.

O que ali se tem como facto incontroverso é o sentido das palavras que pronunciei no meu discurso: — que os organismos alludidos não correspondem, pela assiduidade e pelo valor do trabalho produzido, á competencia technica, aos conhecimentos scientificos e á representação dos seus membros.

Quando Mr. Balfour, o Presidente do Conselho de Ministros na Inglaterra, asseverava, em Liverpool, que a junta de defesa nacional do exercito e da armada nada havia feito de util, por certo que não visou, tambem, n'essas palavras os membros d'aquella corporação, que eram distinctos officiaes do exercito e da armada.

Pela mesma forma, quando em Hespanha se succederam as reformas da junta superior consultiva de guerra, modificando-lhe até o nome, para que do passado não restasse memoria, terminando por ser dissolvida em razão de não haver correspondido á missão que lhe fôra confiada, o Governo, por certo, não quiz com tal procedimento pôr em duvida o provado merito de muitos dos seus membros.

No sentido exposto formulei eu igualmente as referencias feitas á commissão superior de guerra, da qual me declarei membro, o que bastaria para demonstrar, á falta até de explicações, a sem razão da arguição que me é feita. E que a commissão não correspondeu ao que os seus successivos reformadores d'ella esperavam, prova-se do proprio facto das remodelações successivas que ella experimentou, as quaes citei no meu discurso.

O Sr. Pimentel Pinto: — V. Exa. quer que diga porque?

Em 1902 o obstrucionismo n'essa commissão, como V. Exa. sabe, chegou a enfadar um dos homens mais bondosos, o Sr. Francisco Maria da Cunha.

O Orador: — Diz o Digno Par a que respondo que na commissão foi feito obstruccionismo, por vezes, obstando-se á prompta approvação dos projectos em discussão. Não posso responder senão por mim a esta allusão, mas é-me extremamente facil fazê-lo e, o que é mais, comprová-lo. A discussão do assumpto em que tomei mais viva parte foi feita com tanta sinceridade e convicção que deu origem a um livro, que depois publiquei, intitulado A defesa das costas e a alliança luso-portugueza, que teve a mais larga publicidade e as melhores referencias no paiz e no estrangeiro.

Até ao momento presente não me consta que qualquer das doutrinas ali emittidas tenham sido publicamente contestadas, antes pelo contrario receberam a mais completa consagração na ultima guerra russo-japoneza. E que a contestação que eu fiz ao projecto alludido calou fundo no animo dos poderes publicos, prova-o essencialmente o facto d'elle não ter tido mais seguimento.

A opinião dirá, portanto, se as doutrinas que então expuz representavam erros technicos formulados com qualquer espirito de obstruccionismo e se era no seio de uma corporação technica que ellas deveriam ou não ser adduzidas.

Em resumo: sem negar o valor de um ou outro trabalho isolado que tenha sido apresentado e merecido a approvação da commissão superior de guerra, o que eu asseverei, e novamente sustento, é que os documentos elaborados sob a iniciativa e direcção do Sr. Conselheiro Sebastião Telles, no tempo em que exerceu as funcções de secretario d'aquella collectividade, representam uma serie de estudos methodicos, com espirito de unidade, todos inspirados no pensamento superior de organizar a preparação da guerra, possuindo por tal motivo valor excepcional, que não teve reproducção, salvo em um ou outro trabalho de natureza muito especial.

Ora isto por modo algum significa que eu tenha posto em duvida a intelligencia e competencia profissional de quaesquer membros da commissão, entre os quaes conto camaradas cujos talentos ninguem mais aprecia do que eu e cuja amizade prezo, não permittindo, portanto, que, sem protesto, o sentido das minhas palavras seja transformado.

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636 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Francisco Maria da Cunha: — Seguindo a orientação do Sr. Pimentel Pinto, não vou agora discutir o projecto que está na tela do debate. Pedi a palavra para me referir unicamente ás considerações que acabam de fazer os dois Dignos Pares que me antecederam no uso da palavra.

Em primeiro logar agradeço a S. Exas. as referencias que fizeram a meu respeito, e que me penhoram tanto mais quando vêem de dois cavalheiros que são dois officiaes distinctissimos, com a melhor reputação.

Na minha qualidade de presidente da commissão de guerra, logar que exerço ha bastante tempo, primeiro por ser o general mais antigo, e ultimamente por ter sido nomeado pelo Governo para presidir a essa commissão, eu não posso fazer excepção alguma entre os seus membros; todos teem dedicado o melhor dos seus estudos e dos seus serviços. O Sr. Sebastião Telles é um militar erudito, de grande reputação, que não pode deixar de merecer a consideração de todos nós, mas a verdade é que todos teem trabalhado por igual para satisfazer aos seus compromissos.

O Sr. Moraes Sarmento não podia ter a intenção de fazer qualquer excepção, e muito menos fazer qualquer consideração desagradavel para os membros d'aquella corporação, nem o podia fazer, porque, se o fizesse, censurava-se a si mesmo, porque ainda ha pouco tempo concorreu para a commissão de guerra com assumptos variadissimos, o que o levou depois a publicar um livro sobre esses trabalhos.

E o que posso asseverar á Camara é que na commissão de guerra não ha trabalho que esteja suspenso.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — Está esgotada a inscripção; vae votar-se. Ha uma moção de adiamento do Sr. Baracho ; vae ler-se.

(Lida na mesa foi rejeitada).

O Sr. Presidente: — Vae ser-se o projecto.

(Lido na mesa foi approvado).

O Sr. Presidente: — Vão ler-se as emendas mandadas para a mesa pelo Sr. Conde do Bomfim.

(Leram-se e foram rejeitadas).

O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.

A proximo sessão é amanhã; a ordem do dia os pareceres n.ºs 20 e 22.

Eram 7 horas e 15 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 20 de dezembro de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha ; Sebastião Custodio de Sousa Telles ; Marquez-Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama e de Pombal; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, do Cartaxo, de Figueiró, de Paraty, de Sabugosa, de Valenças e de Villar Secco; Viscondes: de Asseca e de Monte-São; Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira da Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Coelho de Campos, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,
ALBERTO BRAMÃO.

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