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yerança e dedicação, que mais pareça descer do céu á terra, que elevar-se da terra ao céu!

Sr. presidente, esta questão é também muito importante, porque tem por objecto dois factos que muito infelizmente tiveram logar — um a causa, outro o effeito.

O effeito—é o deplorável decreto de 22 de junho d'este anno; digo deplorável, porque tenho como taes todos os actos de qualquer governo que se vê constituido na triste necessidade de empregar a força da auctoridade secular, para repressão de desvarios ou attentados firmados em crenças religiosas, dando assim os ministros d'estado contra si armas poderosas aos seus inimigos politicos.

É deplorável, porque- podem originar taes actos a qualificação de martyres ás pessoas que, como membros d'es-sas communidades forem affectadas; e todos sabem sr. presidente, que em matérias religiosas as crenças e os erros quanto mais se perseguem mais se arreigam.

É deplorável o decreto, porque poderão algumas pessoas ver n'elle, não o desaggravo da lei violada, uma repressão da desobediência, mas um procedimento hostil contra a communidade das irmãs da caridade do instituto de S. Vicente de Paulo, e d'ahi tirar illações á honra e credito do governo.

Se ha quem nutra taes sentimentos, e se por isso applau-dem o decreto, parece-me poder dizer-lhes que estão completamente enganados, porque sob este ponto de vista, o decreto é contraproducente, pois que augmenta a consideração e sympathias em favor das mesmas religiosas;' faz subir o numero de seus devotos; e daqui pode nascer au-gmentar-se o interesse pessoal delias, e na rasão inversa, diminuir a pratica das virtudes de caridade, que mais tran-quilla e livremente poderiam exercer na vida social, se continuassem a viver sob a immediata protecção do governo e da lei, conservando a entidade collectiva, reconhecida no estado.

É deplorável o decreto, porque dá occasião a falsas interpretações fora do paiz, entendendo-se como significativo de perseguição movida entre nós a uma instituição admirada e respeitada em toda a Europa.

É deplorável, - sr. presidente, e agora me refiro á causa —porque é motivado pelo facto de desobediência qualificada da communidade de Santa Martha.

Sr. presidente, a religião tem dogmas, tem doutrina e tem disciplina.

Os dogmas e a doutrina são immutaveis, e só o poder da igreja pôde difini-los, expurga-los de erros, e ensinar como se mantém na sua pureza: mas a disciplina, pôde variar de nação para nação, de umas para outras dioceses.

N'esta é immensa a influencia da soberania secular; anda a par com o poder da igreja.

Foi em relação a matérias disciplinares que n'um dos concílios de Paris se disse:

«Quelquefois les princes ont le premier rang dans l'e-glise.»

O que bem se concilia com o dito do imperador Constantino : « Eu não sou bispo senão fora ãa igreja, d

Quer isto dizer, sr. presidente, que os monarchas catho-licos, membros mais qualificados e mais poderosos da congregação dos que professam a religião christã, e como depositários dos meios de acção externa de que dispõem em nome e para bem commumente, têem rigoroso dever de proteger a disciplina da igreja, para que a mesma disciplina seja mantida em toda a sua regularidade e integridade.

Para se demonstrar este dever especial dos soberanos catho-cos, pôde recorrer-se a rasões politicas, aos direitos de soli-berania secular acerca de cousas ecclesiasticas jus princi-pis circa sacra, mas não é necessário, porque são os mesmos cânones que impõem aos que governam a obrigação de manterem intacta a disciplina da igreja, consignando expressamente que elles darão contas a Deus se não desempenharem zelosamente a mesma obrigação.

Ora, estabelecidos estes principios, e sendo certo que nos primeiros séculos da igreja não existiam corporações religiosas, e que portanto a introducção d'ellas é sempre uma novidade e uma alteração na disciplina da igreja, é consequente o direito correlativo que tem os monarchas ou soberanos de auctorisar ou não auctorisar a admissão de uma ordem religiosa, de a auctorisar somente com certas clausulas ou restricções, que elles tenham por indispensáveis ou convenientes assim em relação é mesma disciplina, como em relação aos interesses da sociedade civil; e de impedir, que estabelecida uma ordem religiosa, os membros d'ella deixem de cumprir os deveres a que se ligaram; e por consequência, de fazer com que os superiores de taes ordens superintendam de modo que o cumprimento d'esses deveres se realise.

Ora já vê a camará, que se os superiores d'essas ordens forem estrangeiros sujeitos a soberano estrangeiro, e residentes em outro paiz, não pôde o governo cumprir o dever que n'este ponto meramente disciplinar, lhe é imposto pelos mesmos cânones da igreja.

Eis a situação, em que o governo se achou, com relação ás irmãs da caridade, estabelecidas em Santa Martha, pretendendo estas continuar na sujeição e obediência a um superior residente na França, e entendeu n'estas circumstancias, não só em rasão da incompatibilidade dos direitos de suprema inspecção e protecção que lhe competiam, mas das leis do reino, que devia chamar á immediata e omnimoda sujeição ao prelado diocesano aquellas religiosas.

N'esta persuasão e conformidade transmittiu o governo ao em.mo cardeal patriarcha as suas ordens, ou insinuações, e este illustre prelado, que não podia obedecer e que por certo não obedeceria ao poder temporal, se porventura este tocasse no sanctuario das doutrinas do Evangelho, não hesitou em obedecer e em transmittir as ordens do governo ás

religiosas de Santa Martha. Transmittindo-as, com este seu exemplo de obediência, lhes ensinava o que deviam praticar :=exemplum enim ãedi vobis=z. A lição era-lhes dada por quem tinha para isso missão, não de direito humano, mas de direito divino; euntes docete omnes gentes.

Não podiam ter aquellas religiosas escrúpulos de consciência de qualidade nenhuma desde que o illustre prelado os não tinha. O exemplo do prelado, as suas palavras, a sua obediência ás ordens do governo deviam vencer qualquer reluctancia:=qua}cumque solveritis super terram, erunt soluta et in coelo=.

Mas, sr. presidente, foi baldada, foi formalmente desacatada esta jurisdicção especial para ensinar, este poder divino para tirar e destruir escrúpulos; para absolver, se preciso fora, toda a sorte de peccado; houve pois aqui uma força superior não só á do poder temporal, do poder do estado, do poder do governo, mas á do poder do em.™8 prelado que n'esta diocese representa Deus sobre a terra.

D'onde lhes veio esta coragem? Quem foi o preceptor, o conselheiro ? Não sei. Não quero fazer supposição, comquanto muito podesse discorrer sobre as causas moraes de tão inqualificável desobediência; limito-mela dizer, que sendo as ordens do governo sobre matéria puramente disciplinar, e sendo ensinado pelos padres da igreja, que nunca haja con-flictos por taes motivos: e que, pro bonopacis, se transija em taes circumstancias, visto que a não permanência em algum ponto disciplinar não é da essência, nem dos dogmas nem das doutrinas da religião christã; não deviam aquellas religiosas resistir, como resistiram. Não sei que possa haver outro estado no estado, outra religião na mesma religião, com o seu poder privativo, especial e independente. Eu só conheço uma espada de dois gumes; a do poder temporal e a do poder espiritual; de tres nunca m'a ensinaram nem demonstraram: e então se não estivesse no decreto de 9 de agosto de 1833, estabelecida a prohibição de todo e qualquer prelado maior, devíamos pelo menos fazer lei no mesmo sentido, para que fosse abolido, e nunca mais consentido em Portugal qualquer estabelecimento religioso que tivesse um superior geral; por uma espécie de quarto voto, capaz de produzir desobediências similhantes com offensa de todos os deveres que a religião nos ensina.

Duplicada desobediência: desobediência ao poder do estado, desobediência ao poder ecclesiastico!!

E devia o governo ficar com os braços cruzados? Era impossivel. Ou os ministros da coroa tinham de retirar-se, ou haviam de fazer alguma cousa, para desaggravar a sua própria auctoridade, e ao mesmo tempo a do prelado diocesano. Foi legal o seu procedimento? Não careço de muitos argumentos para demonstrar que foi legal; não preciso recorrer a argumentos auxiliares; não me importam os precedentes, nem as diversas interpretações que se tem dado ao decreto de 9 de agosto de 1833: ter-se-ha feito muita cousa regularmente; ter-se-ha feito muita cousa contra a lei, mas a lei sobrevive a todas as suas applicações bem ou mal feitas e é só por ella que vou aferir o procedimento do governo.

O governo firmou-se no decreto de 9 de agosto de 1833, e esse decreto prohibiu effectivamente a subsistência de quaesquer corporações religiosas que insistissem em prestar obdiencia a prelados maiores no reino, e por maioria de rasão e com mais fortes motivos aos prelados maiores de fora do reino.

Esta questão foi tratada largamente nas cortes de 1822; tomaram parte na sua discussão caracteres muito respeitáveis, sábios d'esta nação, homens profundos em conhecimentos, como Guerreiro, Ferreira Borges, Vaz Velho e o Abbade de Medrões.

Não esqueceu ao antecessor do dignissimo prelado que está presente tomar a defeza da subsistência dos prelados maiores, mas foi cabalmente respondido pelos oradores que usaram da palavra sobre a matéria.

Não quero cançar a camará, e desejo não tornar muito longo o meu discurso, e por isso lerei somente d'esta discussão os trechos seguintes:

« Acho a maior anomalia no que propõe um respeitável prelado membro d'esta assembléa, isto é, ficarem os religiosos sujeitos a um prelado superior, e ao mesmo tempo aos bispos das respectivas dioceses; isto seria o mesmo que um corpo com duas cabeças; o que certamente se não pôde defender por principio algum civil, religioso ou canónico.

« ... Que partido deveria tomar a commissão, senão aquelle de sujeitar os conventos aos seus respectivos bispos; e por consequência desliga-los dos prelados maiores?

« Esta resolução é mais util ao publico e á igreja, e ainda mais conforme ao espirito religioso dos primeiros séculos dos christãos.

« Mais util ao publico e á igreja, porque os bispos ficam mais aptos e em circumstancas mais adequadas para empregarem os religiosos com fructo nos benefícios ecclesiasticos. Ao espirito religioso dos primeiros christãos, porque os primeiros instituidores e propagadores das corporações regulares, Santo. Antonio, S. Basilio, e Santo Athanasio, não escolheram a presente disciplina relativamente a prelados maiores, mas sim a de estarem sujeitos aos ordinários em conventos separados.

« Como seja uma verdade muito sabida, que a pureza dos costumes e espirito religioso dos christãos, está na rasão da maior proximidade dos tempos apostólicos, segue-se que a commissão adoptou o partido mais seguro e mais são, seguindo o costume dos primeiros séculos, de que se elegesse o que só começou em geral depois do decimo século por diante.»

Estas e outras considerações que estabelecem a maior evidencia n'esta questão, levaram o congresso de 1822 á resolução de adoptar a abolição de prelados maiores, como se vê do artigo 39.° da lei de 24 de outubro d'esse anno,

que pôde reputar-se a fonte da idêntica disposição que se encontra no decreto de 9 de agosto de 1833.

È pois para mim fora de toda a duvida, que o governo fazendo no caso occorrente uso do decreto de 9 de agosto de 1833, fez uma justa e exacta applicação da lei, e que por tanto não merece censura alguma.

Todavia contra esta applicação tem-se produzido diversos argumentos, qual o de dizer-se que o decreto não falia de um superior geral, mas de prelados maiores. Já ouvi este argumento, mas parece-me que não merece resposta, porque ó uma simples argúcia ãe palavras, que têem a mesma significação.

Diz-se mais, e n'este argumento se empregou grande cabedal, que a congregação das irmãs da caridade não constituem uma casa religiosa, e isto por dois fundamentos: 1.°, porque os votos são simples; 2.°, porque são temporários.

Ora, aqui ha dois sophismas. O primeiro é de se confundir a congregação com os individuos; tanto esta communidade é uma communidade religiosa, que a lei que a estabeleceu, e o decreto de 14 de abril de 1819 a dispensou das leis da amortisação.

O decreto de 9 de agosto de 1833 falia em geral de ordens e corporações religiosas.

A definição de corporação religiosa é a que dá o abbade André nos seguintes termos:

« Chama-se congregação ou communidade religiosa qualquer associação composta de certo numero de pessoas, ligadas por votos religiosos a viver sob o império de estatutos sanecionados pela auctoridade ecclesiastica. »

Confunde-se pois, sr. presidente, n'esta argumentação o género com a espécie, distinguindo-se na lei geral o que ella não distinguiu.

Portalis em um relatório a respeito de congregações religiosas, dizia: «Toda a ordem monástica é uma congregação religiosa, mas nem toda a congregação religiosa é uma ordem monástica; a'questão do voto, ou a de ser simples ou temporário, também não vem para o caso, porque existem communidades com o fim religioso com votos que são simples. Simples são os voto3 dos padres lazaristas, e com tudo só o summo pontifice os pôde desligar dos mesmo3 votos, como é expresso nas bulias respectivas.

Os votos das irmãs da caridade obrigam por um anno, mas é preciso que eu dê conhecimento á camará do que significa eite voto que se diz annual.

Esta prescripção do voto por um anno, foi um pio estratagema de S. Vicente de Paulo; não sou eu que o digo, é na historia da vida do próprio santo; não digo bem, é nas constituições communs da ordem de S. Vicente de Paulo, mandadas imprimir por D. João V, e prologo que as precede, que se encontra a descripção e significação d'este voto.

«Sane ex speciali pra3?idio Christi, copiose remunerantis fideles sponsas, quaí í 111 assidue serviunt in membris suis; multum quoque hic debetur ccelesti prudentise sancti fun-datoris.

«Etenim ut filiaram castitatem semper servaret perennem, jussit eas ligari continentise voto, dumtaxat pro annocurren-te; ita ut si in propósito perseverant, teneantur secundo se-meslri ejusdem anni, precibus enixis postulari licentiam iterandi votum anno próximo sequenti, et sic ãeinceps.

«Ita ut semper professai et semper novitice; ligatai semper, et semper liberoe, usque ad mortem perseverent casta?; et semper volentes nubere nunquam nubant.

«Nihil sane utilius eis hac libertate nubendi, ut luben-tius perseverent in sancta voluntate continendi.

«Nituntur enim filii Adam in vetiura, et param, aut ni-hil de licitis curant, prassertim si fuerint verecunda, cujus modi sunt nuptise, deo aliquando dicatis virginibus; et si, pro conditione fragilitatis humanse, quandoque tentantur, perfacile superant tentatorem.

«Si nubere velint, inquient, anno hoc elapso nubam, salva fama, et conscientia mea, et manente instituti mei existimatione intemerata.

«ínterim labente anno, labitur tentatio; et sic prudentes virgines, à patre sapientissimo edoetse, hac arte piíssima, de anno in ahnum suporem libidinis eludunt, sieque annos et annos, totam que vitam, in sancto propósito servanda? virginitatis perseverant, puríssimo que virginum sponjugi-ter et in perpetuum aãhaerent.»

De sorte que o voto temporário ou annual é assim pres-cripto na intenção de se converter em perpetuo, e tem assim um fim muito moral, qual o de fazer com que as religiosas nunca se reputem escravas, e pratiquem a caridade, não pela obediência do voto, mas pela espontaneidade que dá o maior realce a uma virtude tão sublime na mulher.

Abstrahindo d'estas considerações, eu não acreditaria, se o não tivesse ouvido affirmar, que podesse existir alguém que duvidasse de que as irmãs da caridade constituem uma corporação religiosa.

Ou ellas não são o que devem ser (e o que são), e não podem ser o que se espera d'ellas, ou as acções de heróica dedicação e abnegação, que se lhes attribuem, não têem outra explicação possivel senão o estimulo do vinculo religioso (apoiados).

E como eu entendo a caridade pelo amor de Deus. Só a religião é capaz de produzir estes prodigios, como diz o bem escripto relatório sobre a casa pia, feito por um nosso collega provedor d'aquelle estabelecimento.

Diz elle que só da influencia religiosa pôde vir esta sublima dedicação, que nunca se pôde comparar com a que resulta da philantropia. (O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Muito bem.)

Também se fez objecção, sr. presidente, com os decretos de 14 e de 29 de julho de 1834,. um que extingiu as ordens militares, outro que extinguiu a do oratório, denomi-