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nada de S. Filippe Nery, que se eram corporações religiosas tornavam inúteis esses decretos, porque já estavam comprehendidas no decreto de 9 de agosto de 1833.

O argumento porém é contraproducente porque esses decretos nada mais contêem do que a applicação formal do de 9 de agosto de 1833; são decretos, não com caracter de de lei, mas corollarios d'ella derivados, são disposições que declaram que a applicação da lei ou decreto a que se referem comprehende mais áquellas ordens, que não se deram logo por extinctas, comquanto o devessem igualmente ser, segundo o espirito, e mesmo pela letra do decreto. Não são pois mais que casos julgados pelo próprio legislador.

Algumas ordens religiosas effectivamente não tinham os votos que se estabeleciam no seu começo, quando tinham os tres votos da castidade, pobreza e obediência. Nas ditas ordens militares, por exemplo, a castidade absoluta foi trocada pela castidade conjugal, e n'este caso estão ainda hoje os mosteiros de Santos e Encarnação, cujas freiras são professas, e todavia podem casar, obtendo licença do seu superior, que lhes não será negada, se diz nos respectivos estatutos, e se lhes for recusada podem casar mesmo sem licença.

Também se argumentou com o decreto de 1851, que mandou incorporar nos estabelecimentos das misericórdias a instituição das irmãs da caridade, assim como desenvolver o seu instituto.

Mas este argumento não prova derogação do decreto de 9 de agosto, mas do decreto de 5 do mesmo mez, que pro-hibiu a admissão aos noviciados, e só está ligado com os preceitos do decreto de 9 de agosto quanto á suppressão dos conventos por falta de numero canónico de religiosas, não determinando cousa alguma quanto a prelados maiores, e nem esse era o seu objecto.

Alem de que já o sr. ministro da justiça aqui muito bem notou, que n'essa epocha, a do decreto de 1851, já as irmãs da caridade de S. Vicente de Paulo estavam sujeitas aos prelados diocesanos. Este decreto pois tomou-as na situação em que se achavam então, assim de direito como de facto.

Argumentou-se mais para se attenuar a desobediência, com dizer-se que a obediência das irmãs da caridade ao seu superior se limitta a cousas de administração interna, o que em nada prejudicam a auctoridade dos bispos diocesanos.

Ora, eu digo pelo contrario que ha n'essa obediência alguma cousa, e que assim se reconhece não só em França, d'onde nos veio esta instituição, como nos próprios estatutos ou constituições communs, porque se regem a congregação de missões e os superiores d'ella, como successores de S. Vicente de Paulo.

Não ha n'estes estatutos distincção nenhuma; é n'elles consignada a direcção superior sem esses limites, e não sei como elles se hão de fazer por parte das religiosas, como ellas as hão de distinguir. (O sr. Marquez de Vallada:— Encontrara-se nos preceitos especiaes do seu instituto.) Quero conceder que lá esteja esse capitulo; mas qual é a sua utilidade pratica, se a obediência, a que as irmãs da caridade se ligam, é cega, com abdicação do próprio juizo e vontade; e se não glosar os preceitos do superior geral, devendo ellas ser meros instrumentos de execução, como a lima nas mãos do artista?

Também se argumentou com a novíssima carta de lei de 4 de abril d'este anno, no artigo 4.°, sobre individualidade juridica nos termos da lei commum, que ahi se reconhece ás corporações existentes; concluindo-se que depois d'esta lei, não podia ser dissolvida a congregação das irmãs da caridade pelo decreto de 22 de junho. Este argumento tem a mesma resposta que teve o que se firmou no decreto de 1851; tomou a dita carta de lei como existentes as corporações religiosas que o estivessem legalmente: e nem protegeu interesses senão os legítimos dos seus institutos, quaes não podem ser os da sujeição a um prelado maior, caso em que, conforme á disposição do decreto de 9 de agosto de 1833, fica cessando ipsojure e ipso facto a entidade juridica.

Também se argumentou ad odium, tomando-se o decreto de 22 de junho como de perseguição e de oppressão contra o instituto das irmãs da caridade. Este argumento porém têm perdido muito da sua força, pois que já um digno par disse aqui na ultima sessão, que n'esta discussão muito têem ganho as irmãs da caridade, por ser geral em seu favor a manifestação de todos os lados da camará.

Pelo que me pertence, ha muitos annos que tenho predilecção por esse instituto, e a tenho manifestado, não só commentando o artigo do código penal, mas redigindo o relatório que acompanhou n'esta camará, por parte da commissão de fazenda, o projecto sobre que foi feita a referida lei de 4 de abril.

Já vê pois a camará que, longe de me oppor, desejo a consolidação e desenvolvimento do instituto das irmãs da caridade, mas não as recommendo com enthusiasmo em relação ao ensino, á educação da infância.

Quero-as não só docentes, mas hospitaleiras, e com especialidade para as destinar para o serviço das prisões penitenciarias do sexo feminino, quando as tivermos.

Vi, presenciei na França e na Bélgica, as funcções de carceragem que as irmãs da caridade desempenham em taes estabelecimentos.

Na verdade é um edificante espectáculo esse de contemplar mulheres que por virtude de seu voto religioso se clausuram, no recinto de uma prisão, servindo já de porteiras, já de guardas nos corredores, dia e noite, já de inspectoras, assim no systema do isolamento, como no do trabalho em commum.

Assim eu desejo que no nosso paiz hajam instituições d'esta natureza, que sejam escolas normaes aonde se pre-

parem e se habilitem irmãs da caridade para exercer os diversos actos do seu ministério, sem se limitarem aos da instrucção primaria nem aos da educação da infância desvalida.

É porém necessário que esta instituição seja reconhecida por lei, ou que o governo em conformidade eom a lei já existente a auctorise, porque os individuos de corporações não auctorisadas, somente podem praticar actos de vida religiosa, a titulo individual, nos termos do direito commum.

Também foi arguido o governo de haver exorbitado por que sendo duvidosa a intelligencia do decreto de 9 de agosto de 1833, o mais natural e prudente seria recorrer-se, no caso, ao poder legislativo.

Mas se as duvidas não estiveram da parte do governo, executor da lei, e por isso applicou as regras da interpretação doutrinal: não se pôde arguir o governo, de ter cumprido a lei como entendeu, usando do seu direito para desempenho da sua obrigação.

I Teria que fazer constantemente o parlamento, se só por que apparecem diversas opiniões acerca da intelligencia ou comprehensão de uma lei, fosse necessária a interpretação authentica, feita pelo poder legislativo.

Sendo pois inconcludentes todos os argumentos que se produziram contra a applicação do questionado decreto, resta-me dizer duas palavras sobre o uso especial que o governo d'elle fez no que respeita á sua sancção.

O decreto de 9 de agosto tem n'isso duas partes distin-ctas: emquanto á communidade manda dissolve-la; e como consequência d'esta dissolução determina que os seus bens sejam incorporados nos próprios nacionaes: emquanto aos individuos manda que elles sejam processados e punidos como rebeldes ás ordens da rainha.

Ora, o governo pelo decreto de 22 do mez passado, li-mitou-se a determinar a dissolução da corporação das irmãs da caridade, e procedendo assim entendo que fez bem.

O decreto não está hoje subsistente quanto á incorporação dos bens: pois que os bens das corporações religiosas existentes hão de ter sempre o destino determinado na carta de lei de 4 de abril ultimo, ou seja para estabelecimentos religiosos onalogos, ou seja para sustentação do clero.

Também o decreto não podia ser applicado em toda a sua extensão quanto á sua penalidade.É preciso entende-lo com relação á epocha em que foi promulgado.

Sr. presidente, as palavras «rebeldes á rainha» que se lêem no decreto de 9 de agosto de 1833, escreveram-se ali n'aquella occasião, como meio de guerra e de vencer qualquer resistência; mas hoje a criminalidade rege-se pelas leis vigentes (apoiados). O código penal no seu artigo 188.° pune quem falta «á devida obediência aos mandados da auctoridade publica», e o crime tem não só uma pena correccional em si mesma já muito moderada, mas são-lhe applicaveis, nem podia deixar de o serem, todas as circumstancias dirimentes ou attenuantes, em conformidade com o mesmo código. Pelas primeiras fica letra morta toda a penalidade: pelas segundas podem ser reduzidas a muito pouco.

Ora, sempre que alguem pratica um facto constrangido por uma força irresistível: quando essa pessoa estava impedida de ter perfeito conhecimento do mal que pratica desapparece no mesmo facto o elemento moral, e cessa por tanto a acção penal. Ora, que houve uma força irresistível já eu o mostrei.

Se as religiosas se acham possuídas da idéa concebida ou suggerida de que commettiam um peccado, uma transgressão especial dos seus estatutos; é isso pelo menos uma circumstancia attenuantissima. Não posso portanto combater a providencia repressiva de que o governo usou, e de que somente devia usar, nem como exorbitante, nem como diminuta ou deficiente. ^ Por esta occasião direi, sr. presidente, que ha no decreto do governo uma expressão que não approvo, é a expressão jamais.

Jamais parece significar que em tempo algum poderão as irmãs da caridade usar dos direitos civis inherentes á individualidade juridica. A morte civil acha-se hoje abolida em França e na Bélgica: a morte civil do individuo é muito similhante á morte civil da individualidade juridica: hoje tudo se reduz n'este ponto a interdicções temporárias ou indefinidas, e estas são sempre resolutorias ou condicionaes.

E um principio por todos reconhecido, que cessando a causa deve cessar o effeito; • mas a expressão jamais pôde dar a entender, certamente contra as intenções "do governo, que em tempo nenhum podem as irmãs da caridade do instituto de S. Vicente de Paulo recuperar a entidade juridica; quando não é assim, sr. presidente, porque hoje ou amanhã, ou logo que haja pessoas que queiram submetter-se ao disposto no decreto de 9 de agosto de 1833, e que obedeçam ao prelado diocesano sem reserva, o governo não lhes pôde recusar o reunirern-se em communidade. .

Não se confunda a dissolução da entiãaã* juridica que existia com a extinção da entidade religiosa legalmente auctorisada e sustentada pelas leis existentes: uma cousa é differente da outra.

Entendo por isso que emquanto o instituto de S. Vicente de Paulo não for abolido no reino, como foi o dos jesuítas, e os das corporações religiosas do sexo masculino, a todo o tempo que as religiosas do referido instituto se submette-rem sem a menor reserva ao prelado diocesano deve ficar cessando a dissolução.

Em conformidade com o código penal, o cidadão que renunciou á religião do estado, e que por isso incorre na perda dos direitos politicos, e se é um clérigo de ordens sacras é expulso do reino; remove iuteiramente a pena imposta por sentença, logo que volta ao grémio da igreja. Parece-me portanto que está pelo menos no espirito da

legislação moderna que logo que cesse a situação actual d'estas religiosas, que é uma espécie dc scisma religioso, devem ellas ser restituídas ao seu estado anterior. Não sei se ellas reconsiderarão, nem se os seus superiores ou .conselheiros n'isso consentirão, mas digo que se assim acontecesse, a conclusão seria muito regular, para fazer cessar o estado de interdicção em que se collocaram.

E cumpre também notar que ha muita differença entre a dissolução da communidade e a da individualidade juridica.

Na França ha corporações'reconhecidas e não reconhecidas, e a Bélgica está cheia d'estas corporações não reconhecidas. A corporação das irmãs da caridade no estado em que actualmente se acha, não é senão uma associação de individuos com o fim religioso.

Emquanto viverem em commum domiciliadas na mesma ou em outra casa, qualquer que seja o seu numero, podendo ainda agregar de fora com diverso domicilio um numero que não seja superior a vinte, e com tanto que não façam juramento de occultar á auctoridade publica o objectoJcactos resultantes da sua reunião é uma associação admittida sem dependência do governo; porque não está prohibida pelo código penal; porque o direito da associação é um dos direitos originários do homem (apoiados); porque as pessoas que vivem em communidade em taes circumstancias, são pi-otegidas por tres principios todos garantidos na carta constitucional, que são os da liberdade individual; da liberdade religiosa, e da inviolabilidade de domicilio, na conformidade do § 4.* do artigo 145.* da carta: «Ninguém pôde ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do estado, e não offenda a moral publica». Esta é a legislação franceza; e d'ella foram textualmente copiados os artigos do nosso código penal restrictivos ou permissivos dos direitos de associação. Eu mais teria a dizer sobre este e outros pontos em que tenho tocado, mas, sr. presidente, receio fatigar a attenção da camará sobre um objecto como este, que apesar da sua importância, é árido. (0 sr. Visconãe ãe Fonte Arcaãa:—Não tem fatigado.) Direi todavia mais que a instituição das irmãs da caridade não tem uma ligação ou relação essencial com o instituto da congregação das missões. Das regras ou constituições communs de S. Vicente de Paulo, que aqui tenho presentes, se vê a pouca importância que a congregação deve dar a esta direcção superior das irmãs da caridade. Effetivamente ellas subsistiram muito tempo antes de haver os padres lazaristas; e por muitos annos depois sem estar sujeitas ao superior da coagregação das missões em França; e isto p'or uma rasão muito simples, porque essa congregação esteve ali abolida, como outras ordens religiosas.

Admittidas as irmãs da caridade em ser collectivo, ou como entidade legal em 1809, ainda continuaram libertas de toda essa sujeição, por isso que a congregação dos lazaristas, só foi readmittida em 1816 e ali consolidada em 1823.

E note-se, por esta comparação de datas, que o nosso decreto de 1819, coincide com esta situação, e que portanto foi promulgado a favor do instituto das irmãs da caridade em tempo em que ellas não se achavam subordinadas ao superior das missões... (O oraãor interrompenão-se.) Agora conheço que eram bem fundados os meus receios... E uma lição...

Sr. presidente, eu dou por concluído o meu discurso. - Vozes: — Deu a hora. O sr. Presiãente: — Ainda não deu, e tem a palavra o sr. visconde de Fonte Arcada sobre a ordem. (Entrou o srs. ministro ãa guerra.)

O sr. Visconãe ãe Fonte Arcaãa:—Sr. presidente, eu tenho attendido ao importante debate, que nos tem occupado por estes dias, com toda aquella attenção que me é possivel; e parecia-me que seria bom, que d'esta discussão importantíssima, como tenho visto reconhecer pelos dignos oradores que têem fallado sobre a matéria, se tirasse algum proveito d'ella, e que a camará, fazendo o seu juizo sobre o que se tem passado, quizesse manifestar o seu modo de sentir sobre este objecto. É por isso, sr. presidente, que me lembrei de fazer esta proposta, que vae para a mesa, e que a camará avaliará na sua sabedoria, sem que eu queira fechar a discussão, por quanto ainda ha alguns dignos pares que querem fallar sobre este assumpto. Entendia eu, sr. presidente, que, como disse, seria bom que a camará se manifestasse sobre o que se tem tratado, e é este o modo como me parece que ella podia manifestar a sua opinião sobre este objecto; e portanto mandarei para a mesa esta proposta:

«Ouvidas as explicações dadas pelos srs. ministros, e os dignos pares, que tomaram parte n'esta discussão, a camará resolve, que se recommende ao governo, que, quanto antes, obtenha de sua santidade a auctorisação necessária, para que em Portugal e seus domínios se possa estabelecer a congregação das irmãs da caridade, segundo a regra de S. Vicente de Paulo, mas independente de qualquer superior que não resida em Portugal, e que não esteja sujeito ás auctoridades diecosanas.=Ft'sconáe ãe Fonte Arcaãa.» O sr. Marquez ãe Vallada:—Eu peço a palavra. O sr. Presiãente:—Peço attenção á camará para se ouvir ler a moção do digno par. (Leu-se).

O sr, Presiãente:—O primeiro passo que tenho a dar é consultar a camará se admitte esta proposta do sr. visconde de Fonte Arcada, e os dignos pares que a admittem queiram levantar-se. Não foi venciãa.

O sr. Presiãente:—Não está admittida. Continua a discussão, e tem o sr, marquez de Ficalho a palavra.

O sr. Marquez de Ficalho:—Se não fosse a necessidade de dar uma explicação, de certo cedia da palavra; mas pa-