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514 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gar, pois o seu nome dava garantia bastante de nada se tramar contra a liberdade!

A respeito d’este nome direi mais o seguinte. O illustre relator da commissão declarou hontem que admittia o principio da liberdade do ensino primario, fazendo, comtudo, restricção relativamente ao ensino superior. Devo dizer que essa liberdade com respeito ao ensino superior foi sustentada na camara franceza, sendo relator do projecto de lei o illustre jurisconsulto a quem acabo de me referir.

Sr. presidente, não é o meu fim alargar a discussão n’este ponto e por isso porei termo n’esta parte ás minhas considerações, lembrando que no Diario de abril do anno de 1862, paginas 1:138, vem o parecer de uma commissão parlamentar, da qual era relator o sr. conde do Casal Ribeiro, e presidente o sr. Fontes Pereira de Mello, que estabelece o principio da liberdade do ensino domestico e familiar sem restricção alguma.

São estas observações que faço, em resposta ao que disse ao sr. relator da commissão, com relação á questão de principios. Agora passarei ainda a occupar-mo de algumas disposições do projecto em discussão.

Mandei para a mesa uma emenda, tendente a reduzir a area das escolas de dois kilometros a um. O sr. Martens Ferrão julgou que não havia inconveniente em se conservar a area estabelecida. Para este ponto parece-me conveniente chamar novamente a attenção da camara. Dois kilometros no campo, por caminhos pessimos, difficeis de percorrer, é, como hontem declarei, negocio serio para creanças. Já hontem citei os relatorios dos inspectores da Santa Casa da Misericordia de Lisboa, nos quaes referem a dificuldade que a maior parte das vezes encontram em passar de uma aldeia para outra. Ora, o que é penoso para homens, quanto não o será mais para os pobres alumnos, que teem de andar no dia quatro kilometros, dois para ir á escola e dois para voltar a casa? Ainda ha outra circumstancia, que se deve lembrar e repetir. As creanças não hão de andar sós pelas estradas, ha de o pae, ou tutor, ou alguem acompanhal-as, e ahi temos essa pessoa andando oito kilometros, se não poder esperar pelo pequeno.

Ora, uma legua são cinco kilometros, vejam pois a distancia e os transtornos que esta disposição obrigatoria da lei ha de trazer!

O sr. relator diz, e isto deve servir de interpretação á lei, que «a residencia se entende pelo sitio onde móra, embora temporariamente, o alumno».

A este respeito já eu declarei o que me parecia acceitavel, e não acrescentarei mais nada.

Em relação aos cursos dominicaes, acho mais conveniente que tenham logar depois da uma hora da tarde, e, quaesquer que sejam as observações offerecidas sobre este ponto, insisto em que não deve ficar no regulamento o que é proprio estar na lei. Se o artigo 17.° estabelece a incompatibilidade com as horas do trabalho, porque não ta de estabelecer a incompatibilidade com as horas da missa?

O artigo 6.° da carta reconhece a religião catholica como a religião do estado, curvemo-nos diante da carta! Determinemos nesta lei que, emquanto a creança não cumprir o preceito divino de ouvir missa, não vá á escola.

Diante das ambições do atheismo e do socialismo, é necessario que os legisladores digam qual é a verdade, qual o principio que o povo deve seguir!

Agora outro ponto do projecto, artigo 51.°, ácerca dos inspectores. Pois será possivel com doze inspectores vigiar convenientemente o serviço do ensino? Estou convencido que não.

Parece-me que esta lei é uma completa illusão mas entendo que, desta fórma, se chegar a executar-se, se for uma verdade, ainda mais este artigo 51.° não garante sufficientemente as creanças contra os principios perigosissimos, que lhes podem ser incutidos.

Sr. presidente, visto que me chamaram reaccionario, vou concluir, fazendo uma curta leitura, é o fundamento de toda a doutrina que tenho defendido, penso, como se pensa n’este livro.

São uns versos lindissimos, é uma eloquente poesia do actual ministro da marinha, o meu excellente amigo o sr. Thomás Ribeiro:

O homem perde as crenças, como perde
as flores um jardim! ...
Em se finando a derradeira crença
que ficará por fim V! ...

O sr. Mártens Ferrão: — Não experimenta os receios que perturbam os impugnadores do projecto; e comquanto alguns publicistas pretendam que a instrucção não faz diminuir os crimes, outros são de contrario sentir, e elle (orador) segue a opinião d’estes. Elle sabe que antigamente que os costumes eram mais depravados do que hoje, e, comtudo, a instrucção era muito menor do que hoje.

Pelo que respeita á hora dos exercicios litterarios ao domingo, não julga necessario fixal-a, pois está nos costumes publicos.

O sr. Conde de Rio Maior: — Mas, assim como no projecto se diz que as horas dos exercicios escolares devem ser compativeis com os trabalhos a que os alumnos se applicam, talvez se possa no mesmo projecto estender esta disposição a respeito da hora da missa.

O sr. Conde de Linhares: — Sr. presidente, o sr. relator da commissão acabou o seu discurso exactamente como eu tencionava começar o meu.

Disse s. exa., que no adiantamento da sessão pedia desculpa á camara por lhe ter roubado algum tempo.

Não desejo tambem eu protrahir a discussão, porem não posso deixar de manifestar, na importantissima questão de instrucção publica que se ventila, a minha opinião, lamentando, comtudo, que propostas tão interessantes ao bem estar do povo sejam aqui apresentadas á ultima hora, quando todos se acham já cansados, que o tempo urge, e que a camara tem sido prorogada por mais de uma vez.

Disse o digno par, para justificar as mui sensatas reflexões que apresentou á consideração da camara, que projectos desta ordem careciam, para serem efficazes nos seus resultados, de terem por si a sanccão da opinião publica. Todos concordam n’esta verdade.

Sr. presidente, nas poucas vezes que n’esta sessão tomei a palavra, procurando não abusar da indulgencia com que me ouvem, tive a infelicidade de encontrar como adversario ao meu respeitado amigo, o sr. Mártens Ferrão, relator da commissão; tem esta circumstancia tornado bem difficil a minha tarefa, como comprehenderão todos os que conhecem os dotes e auctoridade de tão distincto orador; e, comtudo, não posso eximir-me em occupar hoje ainda alguns momentos á camara, para lhe expor francamente o meu voto ácerca de tão momentosa questão, qual é a da instrucção publica.

Dois são os pontos importantes d’este projecto: 1.°, instrucção livre e gratuita; 2.°, ensino obrigatorio.

Acceito e approvo o primeiro, mas rejeito energicamente o segundo.

Vivemos em um tempo, sr. presidente, em que os equivocos são perigosos. Talvez no que tenho logo a dizer eu desagrado a todos; mas, paciencia, agradarei á minha consciencia, e isto me basta.

Não desejo que ninguem se engane a meu respeito, e acceito a responsabilidade das minhas palavras em todas as suas consequencias.

Tornando á questão sujeita, para que repetir a v. exa., sr. presidente, o que muito bem, e com tanta auctoridade pratica na materia, expoz já hontem o digno par o sr. conde de Rio Maior?

Seria isto perder tempo inutilmente (tempo que não nos sobeja). Partilho n’este assumpto, e talvez em mais alguns, as opiniões do digno par: tambem eu, não approvando o principio da instrucção obrigatoria dada pelo estado, e sendo partidario do ensino livre e gratuito, seja lógico ao