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N.º 49

SESSÃO DE 23 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do exmo. sr. duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Jayme Larcher

(Assiste o sr. ministro do reino, e depois entraram os outros srs. ministros e presidente do conselho.)

Pela uma horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 22 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão antecedente, que se considerou approvada.

Não houve correspondencia.

O sr. Palmeirim: — Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de marinha, guerra e legislação.

ORDEM no DIA

Continua a discussão do parecer n.° 312 sobre a instrucçao publica dos primeiros graus

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia. Tem a palavra o digno par, o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, poucas palavras direi ácerca d’este projecto. Declaro que o approvo, posto que ache que elle terá algumas difficuldades na pratica, na sua execução; não obstante, convenço-me de que o systema é muito melhor do que o actual. Portanto, limitar-me-hei a dizer ao governo quaes são as minhas apprehensões.

Eu estou convencido de que este projecto convertido em lei não poderá ser posto em pratica senão depois de um largo periodo, porque vae fazer uma completa revolução no ensino, dividindo-o em ensino elementar e ensino complementar, tornando-o muito mais difficil pelas muitas habilitações que se exigem.

Sr. presidente, augmentam-se as disciplinas de fórma tal, que não ha professores habilitados de um e outro sexo, que possam exercer o magisterio, conforme o projecto estabelece.

N’este caso, sr. presidente, parecia-me que o governo andaria mais avisadamente creando primeiro escolas normaes, onde se educassem professores de um e outro sexo, e onde estudassem as disciplinas que elles hão de vir a ensinar, e para as quaes se requer bastante intelligencia e muita aptidão.

Estou convencido de que a acquisição de bons professores é uma das maiores dificuldades, que o governo ha de encontrar na execução deste projecto de lei.

Ha outra difficuldade que não póde ser pequena, é a que provem do ensino obrigatorio. Num paiz como o nosso deve ser obrigatorio não só o ensino, como tambem o serviço militar. É esta a minha humilde opinião. Não obstante, para levar a effeito uma e outra instituição, os governos têem de lutar com immensas dificuldades, e aplainar muitos attrictos.

A Allemanha deve tudo quanto é a estas duas instituições — ensino e serviço militar obrigatorio, precedidas da boa e economica organisação da fazenda publica.

O sr. Conde de RIO Maior: — Peço a palavra.

O Orador: — E sobretudo, sr. presidente, o que mais concorreu para que ella seja hoje uma das nações mais importantes da Europa foi a sua organisação financeira.

Desde o seu começo em que a Prussia, hoje Allemanha era apenas uma pequenissima porção de territorio com alguns milhares de almas, até hoje, todos os seus homens de estado, sob a direcção da dynastia actual, têem seguido constante e invariavelmente o caminho da moralidade, da ordem, da economia, da simples e boa administração nos negocios publicos, o que lhe deu a importancia que hoje tem, de ser considerada como uma das primeiras nações da Europa, senão a primeira.

Sr. Presidente, o ensino obrigatorio já está implantado noutros paizes. Entre nós tambem já tinha sido creado por um decreto de 1844, que nunca foi posto em execução pelas grandes dificuldades que encontrou, dificuldades, que provém principalmente dos habitos e dos costumes do nosso povo, e da necessidade que a gente pouco abastada tem dos seus filhos ainda creanças para a agricultura, que lhe retribue exiguamente os sacrificios que fazem para adquirir a subsistencia de todos os dias. N’estas circumstancias os governos precisam marchar com toda a cautela, com toda a prudencia para que a lei se possa implantar sem crear grandes dificuldades na pratica, e sem trazer de alguma fórma vexames para os pães de familias, que, sendo pobres e pouco esclarecidos, não entendem que o sacrificio que praticam é de vantagem sua, mas consideram-o como uma grande violencia que lhes fazem.

Sr. presidente, á parte algumas disposições, que me parecem um pouco exquisitas, a lei no seu pensamento é boa. Eu confesso ingenuamente que acho muito dispensavel o tal canto coral e gymnastica para as meninas. Não sei para que seja necessario ensinar aos alumnos o canto, para o qual um grande numero não terá vocação, assim como haverá dificuldades de encontrar mestres, e para isso é necessario habilitar os professores para satisfazerem a essa disciplina, cuja vantagem não comprehendo em absoluto.

Sr. presidente, acho muito extravagantes estas duas disposições, e com especialidade a gymnastica para as meninas, para as quaes todo o pudor e recato é pouco. Estas duas qualidades ou virtudes são indispensaveis na mulher para os seus bons costumes, e para a tornar digna e exemplar mãe de familia.

Sr. presidente, uma cousa que deve ser bastante curiosa, e que deve ter que ver, é meninas de doze annos, quasi mulheres, com fatos mais ou menos phantasticos, proprios é adequados á gymnastica, a fazerem as suas piroetas sob a direcção da professora, que tambem deve estar, vestida em rigor.

Isto deve ser uma cousa curiosa, interessante e divertida principalmente para os espectadores. Eu pedia á illustre commissão que tirasse do projecto estas duas inutilidades porque uma com certeza, a gymnastica, alem das rasões que acabo de expor não se porá em pratica entre nós, porque é contra os nossos costumes, indole e sentimentos arreigados e profundos no animo do povo, que entende que as mulheres devem ser educadas mais para mães de familia, e não para fazerem rir pela sua desenvoltura e saltos desconcertados.

Eu confesso que acho isto um pouco extravagante. Entendo que devemos começar pelo que importa mais, pelo que é necessario e urgente, e não pelo que é secundario.

Sr. presidente, eu desejava saber, porque do projecto de lei não se póde deprehender, se depois de dois annos os encargos, que o governo tem com as escolas primarias, pas-

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sam para as camaras municipaes? Eu desejava tambem saber se, em virtude da disposição d’este projecto de lei, que não admitte que as camaras municipaes possam supprimir as escolas existentes, e da disposição que lhes confere a faculdade de crearem novas escolas, as camaras podem crear estas novas escolas, para satisfazer ás necessidades de outro ensino, nas freguezias onde já existem escolas velhas, ou se hão de subsistir dois ensinos, o ensino velho e o ensino novo conjunta e simultaneamente? Esta é a parte que me parece mais obscura da lei. Para ella poder dar resultados proficuos é necessario tornar bem claro quaes são as attribuições das camaras municipaes a este respeito. Não sei se o ensino novo ha de continuar a par do velho, e sendo assim se o ensino velho fica a cargo do governo, e o ensino novo a cargo das camaras municipaes. Desejava ouvir explicações a este respeito, e tambem se nas freguezias onde ha escolas de ensino velho, será preciso crear ensino novo.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — As escolas novas hão existir a par das velhas, mas estas hão de entrar em linha do conta no numero do escolas que for necessario crear.

O sr. Vaz Preto: — Onde existe a escola velha ha de crear-se na, freguezia uma nova escola?

O sr. Ministro do Reino: — Entendo que não. Nós não queremos uma instrucção superabundante, basta a que for sufficiente. Se podérmos ter o sufficiente já temos feito por isso onde houver as escolas, que esta lei determina que muito; devem haver, não é necessario crear mais. (Apoiados.)

O sr. Conde de Rio Maior: — Devo começar por dar uma explicação sobre um facto, que se passou hontem ao encerrar o debate.

Eu tinha pedido a palavra; mas desisti d’ella, porque faltando apenas alguns minutos para se levantar a sessão, por mais que eu quizesse resumir as minhas observações, era impossivel expendel-as em tão curto espaço de tempo. Contava com a benevolencia da camara, que tantas vezes me tem sido concedida, e esperava que se fizesse o que se tem feito a outros oradores, isto é, que a sessão se levantasse para continuar hoje.

É desagradavel ficar, não digo já em meio de um discurso, mas no principio d’elle; alem disso não tinha a certeza de o poder concluir hoje.

Estava hontem bastante incommodado de saude, e duvidava muito poder ter a honra de levantar agora a minha voz n’esta assembléa, e como era exquisito ficar apenas no prefacio, rasão por que desisti de fallar.

Devo dizer, agradeço profundamente ao meu collega e socio na opposição, o obsequio, que me fez, pedindo a palavra e evitando que o debate se encerrasse, depois de ter sido collocado pelo illustre relator da commissão em altura tão elevada. E desde já declaro, se não fosse o auxilio do sr. Vaz Preto, via-me compellido a usar da palavra para evitar fechar-se o debate sobre a generalidade do projecto; quando quero sei querer, e sei conseguir as cousas que tenho em vista, e eu tinha muito em vista não deixar de responder ao illustre relator da commissão.

Dadas estas explicações, vou entrar na materia.

Sr. presidente, não disse que a instrucção primaria fosse perigosa e sim que a moral do povo nem sempre se nivelava pelo seu progresso intellectual. Foi isto o que eu sustentei.

Não liguei tambem as epochas gloriosas da nossa historia, ás epochas do seu obscurantismo.

É necessario insistir n’estes pontos, para que se não de uma interpretação diversa ás minhas observações.

Sei perfeitamente que os eruditos da escola de Sagres foram os antecessores de Pedro Alvares Cabral, Vasco da Gama, Fernando de Magalhães e Christovão Collombo; assim como Fernão Lopes foi o antecessor de Frei Luiz de Sousa e de Jacinto Freire de Andrade, e Bernardim Ribeiro de Camões!

Sei felizmente tudo isto, sr. presidente, e sei mais! Quando as nossas frotas navegavam por mares nunca d’antes navegados, ao mesmo tempo os portuguezes escreviam com penna de ouro as paginas brilhantes da epopeia dos seus grandes homens, a sublime historia d’esta inclita nação.

O que eu disse foi que n’essa epocha, em que o nivel moral andava tão alto; ainda assim, apesar dos escriptos eruditos publicados rios seculos XIV, XV e XVI, o povo, que e d’elle de quem fallo, tinha elevados pensamentos e amava a independencia e a patria; mas nas letras tinha pouco adiantamento, e a letra redonda conhecia-a menos do que os magnificos feitos das suas immensas glorias! Nesse tempo, sr. presidente, ninguem pensava, disse e repito, na indispensabilidade do ensino obrigatorio!

Eis aqui o que eu affirmei em principio, o que não duvido novamente confirmar, por me parecer a expressão exacta de uma grande verdade.

Entendo util, utilissimo, o progresso intellectual e o desenvolvimento da instrucção, mas não creio que o desenvolvimento moral seja sempre a consequencia do desenvolvimento intellectual. Como ha pouco lembrei, nas epochas a que tive de me reportar os conhecimentos litterarios do povo não estavam muito desenvolvidos; mas a nobreza dos sentimentos acompanhava poderosamente todos os heroes das nossas glorias.

Tambem tivemos outra epocha, sr. presidente, em que abundavam os eruditos e os escriptores; comtudo o nivel moral do paiz tinha baixado muito do que fôra nos reinados soberbos de D. João I, D. João II, e D. Manuel!

Refiro-me ao tempo do cardeal rei, e quem ignora o triste estado dos costumes e dos brios nacionaes durante este infeliz reinado?!

Quando os Filippes cá entraram, tinhamos grandes culpas a expiar, porque o facto da união de Portugal á Hespanha não foi senão o resultado da decadencia moral a que tinha chegado a nação!

O principal fim que os poderes publicos devera ter sempre em vista, não me causarei de o repetir, é o progresso moral do povo pelo desenvolvimento das grandes idéas e dos grandes principios, que podem determinar esse progresso. Não me parece, porém, que se consiga esse fim com as diminutas aspirações do actual governo.

Disse hontem que o ensino obrigatorio era uma tyrannia exercida sobre os sagradas direitos dos pães de familia, contra a qual me rebellava, um ataque á liberdade de consciencia.

Conheço as excepções do § 1.° do artigo 5.°; mas embora. A regra geral, como affirmei, e um vexame.

Disse o sr. marquez de Ficalho — é necessario haver bons professores. É debaixo d’este ponto de vista justamente que bate o ponto principal da questão.

Apesar de não admittir o principio do ensino obrigatorio, entendo, todavia, que elle será menos inconveniente se da parte do estado se derem garantias sufficientes sobre a escolha do professorado.

Um dos homens de mais espirito, e um dos melhores pensadores d’esta assembléa, dizia-me, conversando, uma grande verdade, «o indifierentismo é o que mais receio e temo em Portugal». Effectivamente é assim.

Nós não entrâmos em geral nas grandes lutas intellectuaes que ha lá fôra, e a rasão é esse mesmo indifferentismo, cuja propaganda é notavel neste paiz: temos de lutar, portanto, contra esse inimigo poderoso a que se referia sensatamente o nosso collega!

Devo agora fazer uma declaração.

Não disse na sessão de hontem, nem nunca o direi que o nosso professorado está abaixo da sua missão. O que eu disse é que ha excepções; mas tambem não as marquei.

Sr. presidente, quando se trata de uma lei da importancia desta, é necessario garantir as cousas de modo que essas excepções não possam vir causar damno á sociedade!

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Alem d’isso, torno a insistir n’este ponto, o projecto ataca a liberdade de consciencia e o direito natural do patrio poder.

Este principio do projecto de lei é attentatorio e vexatorio, não só pelo que acabo de ter a honra de expor á camara, mas pelo prejuizo material que póde causar á familia.

Diz o sr. relator da commissão «pela lei os pães é que teem obrigação de sustentar os filhos, e não os filhos os pães». Concordo; mas vamos á vida real, vamos á pratica.

Como hontem já provei com exemplos, aos quaes acrescentarei agora mais um, succede muitas vezes os filhos ainda pequenos contribuirem efficazmente para o sustento dos proprios pães, trazendo, como membros da familia, o pão ao lar domestico.

Cito um exemplo passado perto de mim. Em Subserra ha um canteiro, que passa, o dia na pedreira, é pobre e deseja que o filho vá á escola.

Pois, sr. presidente, o que acontece? Esta creança tem de levar todos os dias o almoço ao pae, que trabalha a uma grande distancia da sua residencia, e depois, quando volta a casa, tem de ir buscar lenha para o serviço domiciliar; e esta creança, apesar da boa vontade dos pães, fica no fim do seu trabalho ás vezes tão fatigada que não póde concorrer á escola, que na aldeia está estabelecida.

O sr. ministro do reino diz «na lei está marcado que a obrigação de concorrer ás escolas é só até dois kilometros de distancia»; mas, sr. presidente, as leis não são sempre o que está escripto no artigo.

Assim como acontece com a carta, que tem sido modificada pouco a pouco pelo sr. presidente do conselho, assim acontece com as outras leis, modificam-se na conformidade de certas vontades auctorisadas.

Esta distancia póde ser contada de diversos modos, e não será sempre calculada conforme o espirito dos membros da nobre commissão desta casa.

Não tive tempo, sr. presidente, de estudar este negocio tão bem como queria; mas parece-me que em Inglaterra a frequencia obrigatoria não está estabelecida senão em alguns pontos do paiz e não é lei geral.

A respeito da Allemanha é certo, sr. presidente, que os allemães estão muito adiantados; mas nessa grande nação não encontro certas questões figuradas do modo tão agradavel como muitos julgam.

A Allemanha lucta hoje com uma questão socialista terrivel, que está incutindo pelos seus apóstolos desgraçados principies, e que mostra que se a instrucção lá tem produzido bons fructos, tambem esta quando não e acompanhada pela idéa religiosa dá fructos nocivos.

Disse-se hontem aqui, sr. presidente, que eu era reaccionario, e ao mesmo tempo que tinha a honra e a satisfação de ser abraçado por alguns membros desta casa, tambem ouvia de passagem alcunhar-me com similhante titulo.

Não sou reaccionario, e convido quem quer que soja a apontar nos meus actos, ou mesmo nas minhas palavras alguma cousa que o prove.

Quaes são as palavras reaccionarias que tenho proferido? Ignoro! Eu tenho defendido sempre1 idéas liberaes.

Posso não estar de accordo em certas doutrinas avançadas; mas as escolas liberaes têem-me admittido no seu gremio e não me consta que tenha dito cousa alguma, que obrigue essas escolas a votar-me ao ostracimo.

Custa-me estar respondendo a um homem tão illustrado como é o sr. relator da commissão; mas é em cumprimento do meu dever que o faço.

S. exa. desculpará o mal alinhavado das minhas idéas; porém, como fui obrigado a entrar no debate, e s. exa. respondeu ás minhas observações, devo tambem agora responder ao digno par.

Hontem s. exa., interpretando as minhas palavras severamente era relação ao celebre ministro da instrucção publica em França, mr. Duruy, disse que consagrava muito respeito a este illustre estadista. Eu, porém devo declarar que a escola, a que pertenço, ruão acceita a maior parte dos principios apresentados por aquelle ministro; embora conheça o seu merecimento e o desejo, que elle teve de acertar.

Sr. presidente, careço justificar as rasões por que me arredo das idéas d’aquelle estadista.

Houve uma questão em França em 1867 que chamou muito a attenção dos poderes publicos, qual foi a circular de 30 de outubro de 1867, estabelecendo o ensino secundario das donzellas de quatorze a "dezoito, annos, e commettendo este encargo aos tres mil professores habilitados dos oitenta lyceus, e dos duzentos e sessenta collegios existentes no imperio n’aquella epocha.

Esta questão foi muito discutida e todo o clero catholico atacou por este motivo mr. Duruy, e este, é curioso o facto, quiz justificar-se, allegando que a circular era a interpretação de lei anterior, e que tinha por fim executar a- lei de 10 de abril de 1867, quando, sr. presidente, essa mesma lei só regulava para o ensino primario!

Chamo a attenção da camara para este assumpto, a fim de que a camara possa avaliar bem o espirito de mr. Duruy.

O ministro citou tambem a lei de 15 de março de 1800; mas essa lei permittia abrir cursos publicos, depois do uma declaração do conferente, não seguida de opposição da parte do conselho departamental e realmente ainda aqui o ministro illudia os incautos, pois nada nesta lei era concernente aos cursos de donzellas, estabelecidos na famosa circular de 30 de outubro de 1867.

Mr. Duruy tambem invocou esta mesma lei de l5 de março de 1850, que attribuia aos conselhos municipaes, representantes legaes da familia, como elle dizia a nomeação dos professores; porém este direito não vigorava já, e por isso a garantia para a escolha, que elle pretendia achar nesta lei, não existia para melhor, poder desculpar no publico o acto ministerial.

Sr. presidente, vou ler á camara um trecho, que mostra bem o que se escrevia com relação ao principio sustentado na circular de 30 de outubro. «Resistimos, diz um eloquente escriptor, contra mr. Duruy na sua guerra declarada á religião e á mulher enrista e franceza!»

Um homem eminente que pertence ao clero, um homem que, embora bispo, é considerado com justiça como fazendo parte do verdadeiro partido liberal, d’esse partido liberal, que trouxe prosperidade e gloria á França, e não é a communa nem a demagogia; um homem, digo, que foi consocio de Montalembert, e que tem defendido, como este grande espirito defendia os bons principies, monsenhor Dupanloup finalmente diz o seguinte num folheto, que publicou a respeito da referida circular: « A imprensa incredula applaude e grita que as donzellas vão emancipar-se do jugo da fé, é por isso que eu neste momento levanto a minha voz mais quasi em defeza do lar domestico do que do altar, para conservar aos francezes companheiras dignas d’elles!»

Sr. presidente, não posso analysar agora todos os actos praticados por aquelle ministro, que foi do imperio desde 1863 até 1869; mas em relação a uma das suas principaes providencias apresentei o sufficiente e o escripto de Dupanloup falla mais alto do que muito que eu poderia observar.

Acrescentarei a narração de mais um faceto importante, para o qual peço a attenção da camara.

Em França, quando se tratam estas altas questões de interesse publico, todos dão o seu contingente, e, permittindo a lei de 1850, invocada por mr. Duruy, a abertura de conferencias, pediram mr. Laboulaye, pae do actual ministro de França em Portugal, e de Broglie-licença para este fim. Foi-lhes negada a auctorisação e ao mesmo tempo foi concedida a mr. Taine e Deschanel!

Quando um homem, como mr. Laboulaye, pedia auctorisação para abrir um curso de ensino, não se lhe devia ne-

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gar, pois o seu nome dava garantia bastante de nada se tramar contra a liberdade!

A respeito d’este nome direi mais o seguinte. O illustre relator da commissão declarou hontem que admittia o principio da liberdade do ensino primario, fazendo, comtudo, restricção relativamente ao ensino superior. Devo dizer que essa liberdade com respeito ao ensino superior foi sustentada na camara franceza, sendo relator do projecto de lei o illustre jurisconsulto a quem acabo de me referir.

Sr. presidente, não é o meu fim alargar a discussão n’este ponto e por isso porei termo n’esta parte ás minhas considerações, lembrando que no Diario de abril do anno de 1862, paginas 1:138, vem o parecer de uma commissão parlamentar, da qual era relator o sr. conde do Casal Ribeiro, e presidente o sr. Fontes Pereira de Mello, que estabelece o principio da liberdade do ensino domestico e familiar sem restricção alguma.

São estas observações que faço, em resposta ao que disse ao sr. relator da commissão, com relação á questão de principios. Agora passarei ainda a occupar-mo de algumas disposições do projecto em discussão.

Mandei para a mesa uma emenda, tendente a reduzir a area das escolas de dois kilometros a um. O sr. Martens Ferrão julgou que não havia inconveniente em se conservar a area estabelecida. Para este ponto parece-me conveniente chamar novamente a attenção da camara. Dois kilometros no campo, por caminhos pessimos, difficeis de percorrer, é, como hontem declarei, negocio serio para creanças. Já hontem citei os relatorios dos inspectores da Santa Casa da Misericordia de Lisboa, nos quaes referem a dificuldade que a maior parte das vezes encontram em passar de uma aldeia para outra. Ora, o que é penoso para homens, quanto não o será mais para os pobres alumnos, que teem de andar no dia quatro kilometros, dois para ir á escola e dois para voltar a casa? Ainda ha outra circumstancia, que se deve lembrar e repetir. As creanças não hão de andar sós pelas estradas, ha de o pae, ou tutor, ou alguem acompanhal-as, e ahi temos essa pessoa andando oito kilometros, se não poder esperar pelo pequeno.

Ora, uma legua são cinco kilometros, vejam pois a distancia e os transtornos que esta disposição obrigatoria da lei ha de trazer!

O sr. relator diz, e isto deve servir de interpretação á lei, que «a residencia se entende pelo sitio onde móra, embora temporariamente, o alumno».

A este respeito já eu declarei o que me parecia acceitavel, e não acrescentarei mais nada.

Em relação aos cursos dominicaes, acho mais conveniente que tenham logar depois da uma hora da tarde, e, quaesquer que sejam as observações offerecidas sobre este ponto, insisto em que não deve ficar no regulamento o que é proprio estar na lei. Se o artigo 17.° estabelece a incompatibilidade com as horas do trabalho, porque não ta de estabelecer a incompatibilidade com as horas da missa?

O artigo 6.° da carta reconhece a religião catholica como a religião do estado, curvemo-nos diante da carta! Determinemos nesta lei que, emquanto a creança não cumprir o preceito divino de ouvir missa, não vá á escola.

Diante das ambições do atheismo e do socialismo, é necessario que os legisladores digam qual é a verdade, qual o principio que o povo deve seguir!

Agora outro ponto do projecto, artigo 51.°, ácerca dos inspectores. Pois será possivel com doze inspectores vigiar convenientemente o serviço do ensino? Estou convencido que não.

Parece-me que esta lei é uma completa illusão mas entendo que, desta fórma, se chegar a executar-se, se for uma verdade, ainda mais este artigo 51.° não garante sufficientemente as creanças contra os principios perigosissimos, que lhes podem ser incutidos.

Sr. presidente, visto que me chamaram reaccionario, vou concluir, fazendo uma curta leitura, é o fundamento de toda a doutrina que tenho defendido, penso, como se pensa n’este livro.

São uns versos lindissimos, é uma eloquente poesia do actual ministro da marinha, o meu excellente amigo o sr. Thomás Ribeiro:

O homem perde as crenças, como perde
as flores um jardim! ...
Em se finando a derradeira crença
que ficará por fim V! ...

O sr. Mártens Ferrão: — Não experimenta os receios que perturbam os impugnadores do projecto; e comquanto alguns publicistas pretendam que a instrucção não faz diminuir os crimes, outros são de contrario sentir, e elle (orador) segue a opinião d’estes. Elle sabe que antigamente que os costumes eram mais depravados do que hoje, e, comtudo, a instrucção era muito menor do que hoje.

Pelo que respeita á hora dos exercicios litterarios ao domingo, não julga necessario fixal-a, pois está nos costumes publicos.

O sr. Conde de Rio Maior: — Mas, assim como no projecto se diz que as horas dos exercicios escolares devem ser compativeis com os trabalhos a que os alumnos se applicam, talvez se possa no mesmo projecto estender esta disposição a respeito da hora da missa.

O sr. Conde de Linhares: — Sr. presidente, o sr. relator da commissão acabou o seu discurso exactamente como eu tencionava começar o meu.

Disse s. exa., que no adiantamento da sessão pedia desculpa á camara por lhe ter roubado algum tempo.

Não desejo tambem eu protrahir a discussão, porem não posso deixar de manifestar, na importantissima questão de instrucção publica que se ventila, a minha opinião, lamentando, comtudo, que propostas tão interessantes ao bem estar do povo sejam aqui apresentadas á ultima hora, quando todos se acham já cansados, que o tempo urge, e que a camara tem sido prorogada por mais de uma vez.

Disse o digno par, para justificar as mui sensatas reflexões que apresentou á consideração da camara, que projectos desta ordem careciam, para serem efficazes nos seus resultados, de terem por si a sanccão da opinião publica. Todos concordam n’esta verdade.

Sr. presidente, nas poucas vezes que n’esta sessão tomei a palavra, procurando não abusar da indulgencia com que me ouvem, tive a infelicidade de encontrar como adversario ao meu respeitado amigo, o sr. Mártens Ferrão, relator da commissão; tem esta circumstancia tornado bem difficil a minha tarefa, como comprehenderão todos os que conhecem os dotes e auctoridade de tão distincto orador; e, comtudo, não posso eximir-me em occupar hoje ainda alguns momentos á camara, para lhe expor francamente o meu voto ácerca de tão momentosa questão, qual é a da instrucção publica.

Dois são os pontos importantes d’este projecto: 1.°, instrucção livre e gratuita; 2.°, ensino obrigatorio.

Acceito e approvo o primeiro, mas rejeito energicamente o segundo.

Vivemos em um tempo, sr. presidente, em que os equivocos são perigosos. Talvez no que tenho logo a dizer eu desagrado a todos; mas, paciencia, agradarei á minha consciencia, e isto me basta.

Não desejo que ninguem se engane a meu respeito, e acceito a responsabilidade das minhas palavras em todas as suas consequencias.

Tornando á questão sujeita, para que repetir a v. exa., sr. presidente, o que muito bem, e com tanta auctoridade pratica na materia, expoz já hontem o digno par o sr. conde de Rio Maior?

Seria isto perder tempo inutilmente (tempo que não nos sobeja). Partilho n’este assumpto, e talvez em mais alguns, as opiniões do digno par: tambem eu, não approvando o principio da instrucção obrigatoria dada pelo estado, e sendo partidario do ensino livre e gratuito, seja lógico ao

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meu credo de conservador liberal, e de respeitador da religião do estado.

Entendo, sinceramente o digo, que o principio da instrucção obrigatoria, como está na lei, é altamente vexatorio para o povo, para o pobre pae de familia, que muitas vezes carece de empregar nos trabalhos dos campos os seus filhos. Isto justamente na idade em que a lei exige que elles frequentem a escola de instrucção primaria, sob pena de multas em que o desgraçado chefe de familia incorreria, até mesmo pela sua ignorancia da lei e das suas prescripções.

O digno par que encetou o debate, já nos edificou com a prudencia que lhe é propria, e propria do seu caracter sisudo e respeitador das boas conveniencias, a respeito da maneira pela qual alguns d’esses professores de instrucção primaria comprehendem o seu sacerdocio! e ensinam ás creanças o respeito devido a Deus, á familia, ás leis do estado e ás auctoridades que a sociedade impõe; não fallando agora na singular maneira como, segundo disse o digno par, alguns professores explicam aos seus alumnos os limites geographicos de Portugal!

Quero crer que isto é apenas uma excepção infelicissima.

No mesmo discurso a que alludo, ouviu hontem a camara, o como muitas vezes succede emigrarem familias inteiras para irem proceder longe de suas casas a trabalhos agricolas, taes como mondas e colheitas da azeitona ou vindimas, isto com o fim de reunirem os parcos meios de subsistencia que lhes são indispensaveis á vida.

Pergunto ao coração bondoso de v. exa. - será justo e benéfico que o desgraçado pae ou tutor d’esses menores, quando regresse á terra natal de qualquer d’essas excursões, tenha de pagar uma multa, para elle pesadissima, por seus filhos terem faltado á escola mais das quarenta vezes em seis mezes, que a lei permitte ou tolera, lei que mui provavelmente o desgraçado pae não conhecerá na maior parte dos casos?

Sr. presidente, muito se tem fallado aqui em Inglaterra, a respeito desse ensino obrigatorio; mas eu creio, e affirmo, que não ha nenhuma similhança entre a lei que discutimos e a lei ingleza; nem poderia haver similhança, porque as circumstancias, costumes e estado de civilisação entre os dois paizes são inteiramente diversos.

Aproveito esta occasião para pedir licença ao digno relator da commissão de lhe offerecer um livrinho summamente interessante que possuo, e que, revestindo a fórma de uma narração agradavel e singela, dá apesar d’isto importantes esclarecimentos ácerca das escolas primarias e outras instituições de beneficencia em Inglaterra. Intitula-se este livro La vie de village en Angleterre.

Sr. presidente, em Inglaterra a iniciativa particular toma grande parte, se não monopolisa tudo quanto diz respeito a instrucção primaria e estabelecimentos de beneficencia; até mesmo a hospitaes, casas de asylo, gabinetes, e livrarias publicas e gratuitas para o povo.

Em Inglaterra, sr. presidente, as auctoridades locaes pela maior parte das vezes precedidas e outras vezes poderosamente coadjuvadas pela iniciativa particular dos ricos e caridosos habitantes das villas e aldeias, e pela dedicação de muitas pessoas philanthropicas e caritativas de ambos os sexos, propagam e desenvolvem, sem intervenção alguma do poder central, a instrucção primaria, e a isto é que eu chamo liberdade bem entendida para o bem do povo, e isto é que eu desejaria ver introduzido, nos nossos costumes, para maior vantagem das boas relações que muito convem existam sempre entre as differentes classes da sociedade.

Sendo, como é, a caridade a mais notavel das virtudes portuguezas, muito facil se nos torna imitar os inglezes neste seu systema pratico de propagar a instrucção popular.

Se é ser retrogrado reclamar o respeito de todos á religião do estado, á constituição e ao Rei, declaro, sr. presidente, que sou um grande reaccionario! Mas estimo tanto como os mais exaltados, a liberdade do ensino; e julgo-me sinceramente liberal, não só por convicção propria, como por tradição, pois que meu pae, avô, tios e parentes, tudo sacrificaram, até mesmo alguns a vida nas prisões e campo de batalha, para implantar n’esta terra esta carta constitucional, que todos nós aqui defendemos! (Muitos apoiados.}

Sr. presidente, como quasi todas as questões de que nos occupâmos n’esta casa, esta da instrucção publica é essencialmente politica.

Ora, na politica como aliás em tudo, existem modas! Algumas destas modas, a meu ver, extremamente perniciosas para o bem da sociedade, introduziu-as o imperio francez, cujo resultado foi funestissimo a essa tão sympathica nação.

Citarei só duas para amostra — suffragio universal e principio das nacionalidades.

Outras dessas perniciosas modas que em nada admiro, são de origem allemã, taes são o serviço militar e a instrucção obrigatoria. Basta a palavra obrigatoria, quando se não trate do cumprimento de um dever, para a cousa ser repugnante.

Os beneficios que trouxeram á França os seus novos principios, todos os conhecem. A perda de duas bellas provincias, a enorme contribuição de guerra que pagou e que bastaria para aniquilar para sempre uma nação menos patriotica, trabalhadora, corajosa e economica do que essa generosa França, que hoje se acha republicana, declarando muitos dos seus mais illustres homens d’estado, que defendem a republica, não por convicção de ser este o melhor dos governos, mas apenas pela rasão de ser na actualidade o unico regimen que garante a permanencia da ordem publica e põe termo á guerra civil!

A Allemanha, sustentando um exercito enorme á custa dos maiores sacrificios, hasteia constantemente a bandeira da guerra, e obriga as outras nações a conservarem armadas esquadras e exercitos formidaveis, emquanto os seus mestres de escola, considerando-se como os verdadeiros vencedores de Sadowa e da França, espalham profusamente o socialismo pela Allemanha! Quem duvidar medite certo artigo ultimamente publicado na Revista aos dois mundos «Le socialisme en AAllemagne».

Sr. presidente, não desejo, conhecendo que as mesmas causas produzem os mesmos effeitos, ver seguir em Portugal as novissimas modas estrangeiras, a que acabo de referir-me. Digo isto, porque ouvi a um illustre amigo e sustentaculo d’esta situação politica, repetir em publico que «as nações pequenas não tinham civilisação propria, e que elle esperava nos chegasse brevemente do estrangeiro o necessario para a verdadeira reforma administrativa do paiz»; (não sei se disse tambem reforma politica).

Seria acaso a republica a panacea?

Este cavalheiro, a que alludo, é ministerial, e foi um dos que mais contribuiu, pela sua eloquente palavra, a derribar o ministerio a que v. exa. dignamente presidia.

Nenhum escrupulo tenho em fazer aqui esta citação, porque se me engano e involuntariamente transtorno as palavras e pensamento do orador a quem alludi, elle tem tribuna publica onde póde reclamar.

Sr. presidente, eu já disse, e não me canso em repetir, sou monarchico e conservador liberal, amante e respeitador das nossas instituições, do nosso Rei e da nossa constituição, que tanto sangue e sacrificio nos custou. (Muitos apoiados.)

Quero tambem ver respeitada dignamente a religião do estado, que todos nós jurámos manter; e admittindo a reforma da carta, entendo que essa reforma só póde ser feita em conformidade com as regras que determina a propria carta, isto com prudencia e circumspecção, em harmonia com o progresso das idéas e modificação dos costumes; mas não posso ver a sangue frio a falta de respeito que quoti-

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diana o sistematicamente observâmos no ataque violento que se faz a objectos tão sagrados como são as instituições e a pessoa inviolavel do Rei!

Pois não teremos já nem tribunaes, nem leis, nem coragem para fazer respeitar o que a constituição determina?

Sinto, sr. presidente, não poder eu, conservador, acompanhar um governo que se diz conservador; porém, em vista da sublime indifferença, com a qual o governo contempla o quotidiano e systematico ataque a pessoa inviolavel, segundo a carta, da alta notabilidade a que me referi, só me resta protestar e fazer aqui a minha profissão de fé. Respeito, como liberal que sou, a liberdade de imprensa; porem tudo tem justos limites, e a licença, o despotismo dos jornalistas é tão insupportavel e censuravel, como o despotismo dos principes e dos Reis.

Não deixo, pois, de ser liberal, atacando tão detestavel abuso da justa e conveniente liberdade da imprensa. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, o sr. Fontes (que sinto não ver presente), em excesso mal justificado de modéstia, declarou-nos que não tinha pretensões a orador. Ora, todos sabemos que s. exa. é não só um dos primeiros e mais eloquentes oradores da tribuna portugueza, mas que elle seria um ornamento de qualquer tribuna nos paizes mais cultos, e que alem disto conhece admiravelmente todas as subtilezas de um parlamentar experimentado; ainda disto recentemente nos deu prova, demonstrando-nos que o artigo 4.° do acto addicional não era constitucional. Porém, segundo parece, s. exa. prefere a sua reputação de estadista á de orador.

Será por essa rasão que vae trilhando um caminho, que confesso ingenuamente não comprehender muito bem.

Naturalmente será isto devido a fraqueza das minhas faculdades intellectuaes; verdade é que ha mais gente que tambem não comprehende.

Pedindo desculpa a v. exa. e á camara pela digressão, volto ao assumpto que nos occupa neste momento.

O sr. conde de Rio Maior, com a competencia que mostra ter nesta materia, diz que a relação entre o homem que sabe ler e o analphabeto é de 1 para 25 em Portugal.

Não podemos, pois, deixar de lamentar este estado de ignorancia mui pouco lisonjeiro para a nação, e de fazer todos os esforços e sacrificios para sair d’esta situação; mas eu sou d’aquelles que acreditam, que a instrucção publica não se decreta, nem se obtem rapidamente por effeito de uma lei vexatoria ao desgraçado povo.

Criem e remunerem decentemente bons professores, instruidos, e sobretudo morigerados, deixem toda a liberdade á iniciativa particular; e pouco a pouco, no seu proprio interesse, o povo aprenderá a ler.

Eu sei, e faço recta justiça ao sr. ministro do reino, que elle só tem em vista com esta lei o bem geral; sei que s. exa. tem as melhores intenções, (Apoiados.) e que elle tem com muito zêlo e boa vontade empregado os maiores esforços em melhorar este ramo importante do serviço publico! (Apoiados.)

Eu, sr. presidente, sou inclinado a julgar bem dos outros. Portanto, creio piamente nas excellentes intenções do do sr. ministro, que sendo já velho...

Uma Voz: — Não é velho.

O Orador:— É mais velho do que eu, que não sou moço; dizia, pois, que s. exa., sendo já de idade madura, desejava deixar de si algum monumento que honrasse o seu nome no futuro, e certamente não póde escolher melhor serviço a prestar ao paiz, do que promover n’elle a instrucçao publica; mas peço a s. exa., que se deixe de querer copiar o estrangeiro na utilissima propaganda de ensinar a ler ao nosso povo, use de methodo portuguez nessa tarefa, que todos applaudimos; até ahi chegam os nossos resursos, creiu eu; unamo-nos todos com zelo e boa vontade para conseguir o desejado fim, mas isto sem violencias a ninguem, e empregando só o convencimento.

O nosso povo é docil e bom para os seus amigos, cede á rasão exposta com boas maneiras, quando se não vae do encontro ás suas crenças e até aos seus prejuizos; porem detesta e revolta-se contra as violencias! Lembre-se s. exa. da Maria da Fonte.

O nosso povo não quer ser felicitado á força e contra a sua vontade, e tambem é muito contrario ás innovações estrangeiradas!

Não póde ser obra de um dia o passar do estado de atrazo em que nos achâmos a igualar outras nações mais adiantadas.

Quando no futuro a descentralisação tenha progredido, quando os habitantes abastados das cidades e das villas, pela sua propria iniciativa, se constituirem em sociedades de beneficencia elles tratarão de, com vantagem e verdadeiro proveito para todos, ministrar o pão do espirito aos seus patricios pobres, imitando então, com grande proveito, essa nação modelo, a Inglaterra, que infelizmente para nós é a unica que não costumâmos copiar.

Por agora, sr. presidente, limito aqui as minhas reflexões, declarando que rejeito o principio da instrucçao obrigatoria, e que se elle for acceito pela camara, approvarei as emendas mandadas para a mesa pelo sr. conde de Rio Maior, no intuito de mitigar certas violencias desta lei.

Antes, porém, de terminar e agradecendo á camara a sua benevolente attenção, direi mais duas palavras.

O sr. conde de Rio Maior, e... Não sei se é permittido citar aqui o nome de um senhora illustre?

Muitas vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Pois seja-me permittido dizer que a nobre e virtuosa dama, mãe do digno par, a exma. sra. condessa de Rio Maior...

Muitas vozes: — Apoiado, muito bem.

O Orador: — Tem prestado essa senhora e a sua familia muito melhores serviços á instrucção dos filhos do povo, occupando-se constantemente, e ha já muitos annos, do seu bem estar e educação, do que esses soi-disant philosophos propugnadores de uma idéa nova, a qual muitas vezes não é mais do que a subversão dos principios da moral e politica bem entendida; d’esses philosophos, que atacaram a v. exa. por ter promovido seis conegos com obrigação de ensino. (Muitos apoiados.)

(O orador foi comprimentado pelos seus amigos.)

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, permitta-me v. exa. que eu me congratule com a camara por ter ouvido dizer ao digno par, o sr. relator da commissão, que era proprio desta camara discutir largamente esta reforma, porque eu alegro-me sempre que oiço que para votar um codigo é preciso discutil-o. Tanto mais, que nós não votâmos codigos só de dia, votâmol-os tambem de noite, e por isso votamol-os tão precipitadamente, que votámos o codigo criminal militar, mas não conseguimos o fim, que o governo dizia ter principalmente em vista com a votação d’aquelle codigo.

Nós temos discutido aqui em poucas horas o codigo administrativo, discutimos já o codigo eleitoral, e agora estamos discutindo o codigo da instrucção.

S. exa., o sr. ministro do reino, já nos mostrou que não tinha o menor pensamento reservado a respeito deste codigo, senão a ingenua satisfação de o ver approvado; s. exa., a respeito d’este codigo, não tem, pois, mais do que a platonica satisfação de o fazer approvar.

É facil de provar que um grande numero das disposições contidas neste codigo não tem completa rasão de serem combatidas.

Eu, sr. presidente, entendo que se deve desenvolver o mais possivel a instrucção, e por isso todos os elogios que se teçam a essa illustre familia do sr. conde de Rio Maior, que tanto tem concorrido para ella, são poucos; e o sr. conde de Rio Maior, discutindo esta reforma, é a pessoa mais competente para o fazer.

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Quanto ao principio da gratuitidade, esse principio e um dos que estão consignados na constituição do estado.

Em Inglaterra, onde certamente não é por falta de meios, não existe; em França tambem ainda não se acha estabelecido, mas já se apresentou uma proposta para que o seja.

Concordo tambem com a opinião do digno par o sr. conde de Rio Maior, de que nem sempre está ao alcance das familias o mandarem as creanças á escola, e sei tambem de factos, como referiu o meu nobre amigo, o sr. marquez de Ficalho, de familias que não mandam os filhos ás escolas gratuitas, preferindo mandal-as ás retribuidas.

Isto prova que não basta a gratuitidade do ensino, e que é preciso mais alguma cousa.

Em uma escola da provincia, onde havia um professor que tinha bastantes vantagens, pois alem do seu ordenado tinha uma gratificação, e casa de graça, observei eu que havia muito pouca frequencia, e perguntando a rasão d’isto, disseram-me que os chefes de familia não tinham confiança na direcção da escola; e tanto assim era, que até alguns individuos pertencentes ás classes mais desfavorecidas, preferiam mandar os seus filhos ás escolas onde se pagava.

Eis aqui está como se vê que o principio da gratuitidade não é sufficiente para obter o ensino.

Tambem lamento que seja trio avultado o numero de analphabetos; entre nós todos somos analphabetos ou litteratos, e muita gente accumula. (Riso.)

Sr. presidente, agradam-me sinceramente todos os esforços que se empreguem para diffundir a instrucção, e sentiria que uma proposta de tão alta importancia, como é esta do ensino obrigatorio, em uma assembléa parlamentar, passasse sem discussão. (Apoiados.)

Nem as objecções dos que contrariam o ensino obrigatorio, nem as adhesões dos que o sustentam, se podem considerar como prejudicadas, porque este systema não tem entre nós a data da apresentação do projecto que se discute.

Tem trinta e quatro annos de idade, mas; apesar desta idade, que indica tanto vigor, não se póde contar com a sua "energia, pela falta de exercicio que tem tido. (Riso.)

A lei de 20 de setembro de 1844 estabeleceu o ensino obrigatorio; e eu já tenho lido em jornaes estrangeiros, por mais de uma vez, elogios feitos ao nosso paiz por ter adoptado este systema de ensino!

Eu tenho corado ao ler estes elogios, porque, como não são merecidos, incommoda-me mais que as censuras, embora tambem sejam immerecidas. No entretanto, prefiro ouvir dizer bem do meu paiz.

A idéa do ensino obrigatorio está na legislação actual, e ahi tem ficado.

Agora, tambem faço votos para que não fique só n’esta nova lei, e que se empreguem meios adequados para se pôr em execução.

Aos que se assustam com a applicação d’este principio dir-lhes-hei, que já está consignado na lei actual, e em condições mais perigosas para ser executado; porque, segundo a lei de 20 de setembro de 1844, quem vigia as condições d’este ensino é o administrador do concelho, e no projecto apresentado pelo sr. ministro do reino quem desempenha essas funcções é um delegado de uma sociedade escolar nomeado para esse fim, segundo se lê no projecto.

Portanto, já se vê que o ensino obrigatorio tem perigos, esses perigos são maiores na lei de setembro de 1844 do que no projecto actual.

Insistirei, pois, em que a disposição da lei actual é mais violenta do que a do projecto, mas declaro que não confio inteiramente na disposição escripta do ensino obrigatorio para contar com a frequencia.

A lei de 1844 é boa lei com relação á epocha em que foi publicada, e é a unica que temos sobre instrucção primaria; e se o sr. ministro do reino tem podido augmentar as escolas de instrucção primaria, é por causa d’esta lei.

A lei de 1844 auctorisa o governo a prover escolas, independente de qualquer nova disposição legislativa; mas a. verdade é que essa lei não parou na obrigação de ensino, e parece que esperava não se poder contar com a sua execução, estabelecendo que o ensino fosse obrigatorio.

E tinha rasão aquella lei em não ter tanta confiança, como é moda em politica.

Na epocha actual ou ha muita desconfiança ou muita, confiança.

Ora, eu não sei até que ponto se possa dizer que isto é um systema excellente, mas o facto é que uns têem toda a confiança e outros, não teem nenhuma.

Eu gosto de ter muita confiança em toda a gente, mas confio muito mais na intelligencia que Deus me deu, que na verdade não é em grande escala, mas que é sufficiente para poder conhecer o que é bom ou o que é mau. Confio, pois, principalmente, pelos conhecimentos que tenho, nas minhas faculdades, para poder apreciar os factos, apesar de confiar em todos.

Sr. presidente, talvez se supponha que, com a approvação d’esta lei, está tudo acabado.

Pois não, senhor; isso ainda está dependente do regulamento, que e o que ha de obviar, segundo se diz, a certos inconvenientes.

Tudo está nos regulamentos!

Por exemplo: ultimamente fez-se um recrutamento para a marinha, mas a lei não só poz em execução. Foi necessario insistir, como muitas vezes succede no nosso paiz, pela observancia da lei. Feição particular do nosso systema. (Riso.)

Ora, o motivo por que a lei não se punha em execução, era, segundo se dizia, porque faltava p regulamento.

Como queriam que houvesse recrutamento maritimo se não havia o regulamento. (Riso.)

Levou seu tempo, mas fez-se o regulamento. (Riso.)

Pois senhores, depois ainda a lei se executou menos, e dizia-se então — agora é por causa do regulamento. (Riso.)

Mas, eu volto á minha idéa originaria; a legislação de 1844, relativa ao ensino obrigatorio, quiz estabelecer uma garantia a favor da execução dessa lei; e diz o seguinte no artigo 35.°, sobre o qual pedirei explicações ao sr. relator da commissão e ao sr. ministro do reino. A lei de 1844 estabelece (Leu.) que tres annos depois da lei sejam preferidos para o recrutamento os analphabetos.

Esta disposição não se encontra no actual projecto, e eu entendo que hoje, mais do que nunca, havia obrigação de reivindicar este principio.

Digo isto, porque eu tambem sou partidario do serviço militar obrigatorio, tanto quanto as circumstancias o permittam; e o não se poder desde já pôr em pratica esse systema, não quer dizer que o abandonemos, e que se não trate d’elle.

Em um dos paizes muitas vezes aqui citado como exemplo, e onde as reformas se fazem lentamente, refiro-me á Inglaterra, se se realisam as grandes reformas é porque se falla todos os dias n’ellas, é porque se cuida de aplanar, palmo a palmo, o terreno para as receber.

Eu entendo que se deve insistir n’estes assumptos, e se acceitâmos o principio, porque não tratâmos de empregar os meios para chegar gradualmente ao fim?

Qual será o meio mais facil para obter o serviço militar, obrigatorio?

Eu creio que seria o praticar como os outros paizes, estabelecendo se o voluntariado de um anno. Este voluntariado é a transição indispensavel para-o serviço obrigatorio. E se é uma transição para este serviço, e como tal o meio mais acceitavel para o estabelecer, é tambem com relação á instrucção uma compensação e um incentivo; por isso eu queria que na distribuição dos contingentes continuasse a haver esta preferencia para os que não sabem ler.

De passagem direi, com relação a escolas de adultos, que

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para mim as melhores escolas d’este genero eram as regimentaes, e não me cansarei de insistir n’este ponto.

Eu não sei, como se tem dito, se foram os mestres de escola e não as armas que ganharam a batalha do Sadowa, mas o que sei é que esta phrase, que se repete em toda a Allemanha, prova bem a importancia da instrucção no exercito.

Eu entendo que as escolas dos adultos devem ser estabelecidas nos quarteis, garantindo-se por ellas aos individuos a instrucção que não poderam grangear fóra; mas o poderem, terminado o serviço militar, ter ingresso nos diversos empregos do estado. A garantia do serviço militar que prestaram é de certo a melhor das garantias, porque quem serviu bem militarmente promette bem servir civilmente.

Hoje, em quasi todos os paizes está estabelecida a preferencia, para um certo numero de empregos do estado, aos que serviram no exercito.

Entre nós esta preferencia já está estabelecida para os guardas da alfandega, e creio que o serviço aduaneiro não tem sido prejudicado com isso, antes pelo contrario.

Ora, quando se podesse estabelecer ainda mais militarmente a organisação d’esta classe de empregados, isso teria a vantagem do sr. ministro da guerra poder comprehender na força militar os guardas da alfandega, os quaes, sem ter que fazer o serviço effectivo do exercito, poderiam comtudo constituir um corpo auxiliar de tres mil homens, com o qual se contaria para augmentar a força do exercito em casos extraordinarios.

Noto que faltam aqui tambem as escolas ambulantes. Estas escolas existem na Suecia em grande escala, e quando estamos a fallar nas difficuldades dos alunmos das nossas aldeias em irem ás escolas por causa dos caminhos serem maus de transitar, seria bom que tratássemos de adoptar aquelle meio de propagar a instrucção. É melhor que a escola atravesse os caminhos e vá ter com os alumnos, que estes tenham de ir procurar a escola.

As escolas ambulantes não existem só na Suecia. A Hespanha tambem as tem, talvez em numero superior a tresentas. Nós, que julgamos sempre a nação vizinha em atrazo, que suppomos mesmo que ella não caminha, somos realmente injustos n’essa parte, porque a Hespanha tem muita gente instruida e illustrada, e possue instituições litterarias muito uteis para o progresso da civilisação. Entendo que para mantermos o sentimento da nossa independencia não precisâmos de ser injustos para com os nossos vizinhos, porque não é isso que faz com que se avigorem mais as nossas idéas nacionaes.

O estabelecimento de escolas ambulantes entre nós traria comsigo a remoção de muitas difficuldades, principalmente a de terem as creanças de atravessar os caminhos para irem ás escolas, nas freguezias onde a arca é mais extensa, e seria alem d’isso um optimo meio de espalhar a instrucção primaria nas freguezias ruraes.

Vou concluir, porque não desejo abusar da paciencia da camara; mas antes de o fazer direi ainda ao sr. ministro do reino, que me parece que um dos meios de augmentar o numero das escolas com utilidade e economia é elevar o numero das professoras o mais que seja possivel, como succede nos Estados Unidos, onde dois terços dos mestres são mulheres. Não acho inconveniente em que se adopte no nosso paiz aquelle exemplo, de que tão bons resultados se tem tirado naquella republica para o progresso da instrucção publica. As mulheres em geral têem mais disposição que os homens para educar creanças.

Creio que, confessando isto, não offendo o amor proprio do nosso sexo. (Riso.)

A mestra tem ainda outra vantagem, contenta-se com menor vencimento, e esta circumstancia a torna tambem preferivel aos professores no ensino primario. Por consequencia, tudo aconselha a preferencia das mestras para as escolas, onde se ministra aquelle ensino, preferencia que não póde trazer nenhum inconveniente, e tem todas as vantagens tanto no que toca á educação, como á economia.

Peço á camara me desculpe se abusei da sua benevolencia.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Sr. presidente, não me soffre o animo que, tratando-se de uma questão tão importante como esta que se debate, eu fique silencioso n’esta occasião, o que poderia parecer que a materia de que se trata me era completamente indifferente.

Não sei se como progressista é que estou ao pé do governo, ou se o governo é que está com o partido progressista. O que me parece é que neste momento eu estou realmente mais junto aos srs. ministro do reino e relator da commissão, do que dos meus collegas, que ultimamente têem fallado como opposição.

Se estou junto do sr. ministro do reino para approvar a generalidade d’este projecto, e para acceitar os principios que n’elle se acham consignados, não posso, comtudo, deixar de sentir que, por tanto tempo, uma reforma de instrucção primaria jazesse nas commissões das duas casas do parlamento, e que, podendo ter sido discutida socegadamente nos primeiros mezes da sessão legislativa, viesse ser apreciada á ultima hora.

Pela minha parte não porei nenhum embaraço ao afan que o sr. ministro mostra na approvação deste projecto, pois embora tenha de fazer algumas observações ácerca de varios artigos, nem por isso apresentarei emendas.

Não me assusta o ensino obrigatorio, mais me atemorisa a obrigação constitucional que temos do ensino gratuito. E digo que me atemorisa, não porque quizesse ver mudada essa disposição constitucional, mas por ver que tão mal a temos satisfeito, e que, nas circumstancias em que o paiz se encontra, ha de com muita difficuldade poder cumprir esse encargo.

Sr. presidente, o ensino obrigatorio não me assusta, e parece-me que não deve assustar ninguem. O partido liberal acceita este systema de ensino, e se póde aproveitar com elle, o mesmo acontecerá aos outros partidos, porque a instrucção primaria não é mais do que um instrumento que se dá ao povo, o depois é preciso ensinal-o a usar delle.

Na Europa a instrucção obrigatoria foi, como disse o illustre relator da commissão, estabelecida por Frederico II, que não podia ser suspeito para os auctoritarios. Se o partido liberal tem aproveitado este systema de ensino, é porque elle é o meio mais proprio para fazer do homem «m cidadão, e todos os outros partidos devem tambem empenhar-se para habilitar o homem a cumprir a sua missão.

Sr. presidente, disse-se aqui que o ensino primario não era, ainda ha muito pouco tempo, obrigatorio em Inglaterra, e que ultimamente é que foi estabelecido.

A Inglaterra é um paiz onda não ha o ensino obrigatorio, nem o ensino gratuito, porque as localidades se encarregam de dar o ensino, e o estado não tem de obrigar os cidadãos a irem ás escolas nas differentes localidades. Ha da parte do povo, não só o desejo de concorrer á escola, mas de a subsidiar; por consequencia o governo não tinha necessidade de subsidiar o ensino, e só ha oito ou dez annos é que destinou 25 milhões de francos para o ensino que havia nas differentes localidades.

Na Prussia, como disse, o ensino é obrigatorio desde 1863. Eu não sei se Sedan foi resultado do ensino obrigatorio da Prussia, mas o certo é que o nivel moral d’este paiz é devido ao ensino obrigatorio.

Ali é cousa notavel, quando se trata do recrutamento apparecer um recruta sem saber ler nem escrever. Eu não me parece que fosse o ensino obrigatorio que trouxesse como resultado a communa, nem que elle possa conduzir a taes desvarios. O que produziu a communa foram outras causas, foram os grandes esbanjamentos dos dinheiros publicos, a grande desmoralisação; e foi tambem, deixem-me dizer os dignos pares, essa luta entre a igreja e o estado.

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Eu, sr. presidente, associando-me ao reconhecimento que aqui se tem feito dos grandes serviços prestados pelo sr. conde de Rio Maior á instrucção popular, e felicitando o meu amigo pelo modo por que se tem apresentado n’esta questão, que tem tratado com toda a franqueza, embora eu não partilhe parte das suas idéas, não posso deixar de me congratular com s. exa.: e por esta occasião direi ao sr. conde de Linhares, que quando nós apresentamos as nossas idéas, nunca, devemos esperar que fiquem mal comnosco quando a gente não está mal comsigo mesmo. Eu pela minha parte quando estou bem commigo conto que todos os outros o estão tambem.

Eu não quero cansar muito a camara, e por consequencia vou reduzir as considerações que tinha a fazer sobre o projecto.

Não me parece que a commissão fizesse muito bem em ter proposto o ensino obrigatorio, eu não o julgo necessario, e não é porque o não repute bom; mas é porque temo que elle vá difficultar um pouco o principal fim da lei, por ser difficil a execução rigorosa d’essa disposição.

Eu vejo que em muitas localidades ha de haver grandes dificuldades na applicação das disposições que dizem respeito áquella obrigação. Vejo n’isto perigos, contra os quaes talvez seja ainda necessario vir reclamar ao parlamento para que se não repitam.

A segunda observação que eu tinha a fazer é que no projecto, como elle foi apresentado na outra camara, havia uma disposição mais efficaz pelo que toca ás inspecções, apresentando-se agora um pessoal menor, o que ha de difficultar a execução dessas inspecções.

Ora, a inspecção é essencialissima; e reduzindo os inspectores a doze para os dezesete districtos do continente e quatro das ilhas, não me parece que esse numero seja sufficiente, porque não póde haver boa inspecção só com doze inspectores para todo o paiz.

No projecto primitivo estabeleciam se doze inspectores, mas auctorisava-se o governo a augmentar este numero até cincoenta, isto é, tocando a cada districto quatro ou cinco. D’essa fórma podia haver uma inspecção efficaz.

Ora, eu não duvido que a escola possa satisfazer ao fim moral, mas para isso quizera tambem educação na familia, e a escola que fique para a instrucção.

Não me parece tambem que o ensino livre, que aliás aqui está estabelecido no projecto, dê maiores garantias para melhorar as escolas do que dá o ensino official; mas como fica consignado o principio de se permittir o ensino livre, lá está a inspecção para esse ensino e para o official. Essa é a garantia que fica no projecto, a inspecção official.

Eu quero a verdadeira liberdade, não quero o sophisma á sombra d’ella para se fazer o exclusivismo. Quero a liberdade como deve ser.

Limito aqui as minhas observações, pedindo desculpa á camara do tempo que lhe tomei.

(O orador não reviu o seu discurso.)

Q sr. Presidente: — Vae ler se um officio que veiu do ministerio do reino acompanhando um decreto.

Leu-se na mesa:

Um officio do ministerio do reino, remettendo o decreto authographo, datado de hoje, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias até ao dia 27 do corrente mez inclusivamente. O decreto foi igualmente lido.

Para o archivo.

O sr. Presidente: — A camara fica informada de que as côrtes geraes e ordinarias são prorogadas até ao dia 27 do corrente.

O sr. Conde da Louzã: — Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer que se prorogue a sessão até ás cinco horas.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, continua o governo e a sua maioria a seguir o detestavel systema de procurar tolher as discussões, apesar do sr. Mártens Ferrão tambem o ter censurado.

É realmente para estranhar que se continue a não querer discutir, e que se esteja com prorogações successivas, querendo á pressa, sem esclarecimentos, tratar assumptos tão importantes como este.

Eu não posso deixar de lamentar que a camara proceda d’esta fórma, e estimo muito que o sr. Mártens Ferrão advogue os bons principios, e se associasse a nós para combater um systema mau, e que só serve para desprestigiar as instituições e o systema representativo. Effectivamente, questões tão importantes não podem ser tratadas de leve, á pressa e sem um maduro exame.

Eu não tencionava tomar a palavra sobre este assumpto senão para fazer breves observações, mas não posso deixar de dizer alguma cousa, vendo da parte do governo estas continuadas prorogações de sessões, e que estamos todos os dias a discutir negocios tão importantes sem tempo para os estudar.

Vá a responsabilidade a quem toca, mas fique bem registado para o paiz este procedimento do governo, que ha de trazer mais tarde consequencias funestas.

Sr. presidente, succedem-se estas prorogações de sessões, e para completar este admiravel methodo de governar, os srs. ministros, nos negocios mais importantes, não só não dão esclarecimentos, mas recusam-se a satisfazer pelas suas secretarias aos requerimentos votados pela camara pedindo esclarecimentos e documentos.

Veja a camara se gosta e se acha curial e digno este proceder do gabinete, que importa uma alta desconsideração para ella.

Sr. presidente, sem esclarecimentos e sem nos darem tempo para estudar assumptos d’esta ordem, é impossivel poder discutil-os; leis votadas assim vão sem a auctoridade que lhe dá força.

Querem proceder assim, continuem; mas sem eu ser propheta, asseguro-lhes que mais tarde, quando não tiver remedio, a camara ha de arrepender-se.

Eu chamo a attenção dos srs. relator da commissão o ministro do reino.

Poucas reflexões tenho a fazer sobre este projecto, porque, apesar d’elle me parecer difficil na pratica, comtudo tem em si doutrinas que acho convenientes.

Eu perguntei aos srs. ministro do reino e relator da commissão, que me declarasse se onde houvessem escolas velhas se podiam estabelecer escolas novas?

Disse s. exa. que não.

Neste caso, pergunto eu, como se hão de fazer os exames?

Ha de haver exames pelo systema velho, e exames pelo systema novo?

Até aqui, como as disciplinas que se ensinavam por todo o paiz, eram as mesmas, o programma dos exames podia ser tambem uniforme para todo o paiz.

Mas agora que ha muito mais disciplinas, e a exigencia de habilitações para os professores é outra, porque as disciplinas que se crearam de novo requerem maior capacidade, estudo e trabalho, é claro que os exames não podem ser os mesmos, e que hão de variar em relação ao systema velho ou novo, como as freguezias em que estiver implantado qualquer destes systemas.

Portanto, pergunto, ha de haver dois programmas de exames?

Sobre este ponto eu desejo que s. exa. me diga o modo por que ha de ser resolvido o problema.

No projecto diz-se que se reconhecem os direitos adquiridos dos professores, tanto temporarios como vitalicios.

Havendo, como ha, professores vitalicios, e reconhecendo-se os direitos adquiridos, não se lhes póde exigir que obtenham novas habilitações para poderem satisfazer ás exigencias do programma moderno.

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Elles satisfizeram ao programma que se lhes apresentou quando foram admittidos, foram approvados, satisfizeram ás prescripções da lei, e não se lhes podem exigir novos estudos.

Esta é a verdadeira doutrina, e elles hão de continuar a ensinar unicamente como ensinavam pelo systema antigo quando o systema adoptado é outro.

Sr. presidente, eu desejava que o sr. relator da commissão me explicasse o modo por que entende que se podem harmonisar estas cousas, por que modo hão de ser feitos os exames, e como se hão de garantir estes direitos.

Pela minha parte parece-me muito difficil qualquer solução.

N’uma outra parte nós estamos de accordo.

Disse o illustre relator da commissão que a instrucção se deve derramar até ás ultimas camadas.

Tambem eu assim o entendo, porque o cidadão carece de ser instruido para poder usar dos seus direitos, e para que sejam uma realidade as doutrinas da carta.

N’um outro ponto discordámos nós. Disse s. exa. que a Prussia devia a sua importancia á instrucção obrigatoria e ao serviço militar obrigatorio. Sem querer desconhecer o facto, eu creio que a Prussia deve principalmente o seu engrandecimento á sua constancia na boa organisação da fazenda publica, desde as epochas em que era apenas uma pequena porção de territorio confiada á direcção do burgrave de Nuremberg até hoje.

Não houve imperante algum d’aquella molecula territorial (permitia-se-me a expressão), que era o centro vital que ia aggregando a si outras, que não deixasse grandes sommas no thesouro, ao seu successor.

V. exa. sabe perfeitamente como isso se fez. Os imperadores de Austria, que não administravam bem, e que andavam envolvidos em guerras continuas tinham de recorrer ao credito, e estes economicos administradores, que tinham o titulo de burgraves de Nuremberg, emprestavam-lhes grossas quantias, e mais tarde recebiam em compensação territorio, que elles logo transformavam pela ordem nos serviços e economica administração.

A Prussia o que é deve-o á actual dynastia, cujos membros teem conservado sempre as qualidades de bons e economicos administradores práticos, abominando as utopias, e guiados sempre no seu caminho pelo dever. A sua austeridade e simplicidade de costumes, que parece innata na familia Hohenzollern, por uma especie de transposição moral, communicou se ao seu povo, e a isso deve a Prussia o que hoje é.

Era bem para desejar que os nossos politicos e os nossos homens d’estado ali pozessem os olhos, e procurassem imitar tão salutares exemplos.

A boa organisação das finanças d’aquelle paiz, cheio de vida, que crescia e florescia á proporção das annexações que se lhe iam fazendo, derramava nos seus thesouros sommas enormes, com- que póde fazer face ás immensas despezas que lhe trouxeram as lutas em que se teve de empenhar com toda a Europa, fazendo prodigios que a tornaram celebre. Era tão forte essa organisação financeira que, apesar dos grandes dispendios com a guerra, a sua fazenda, depois della, ficou tão bem organisada que Frederico II, quando morreu, deixou uma receita de oitenta milhões de francos, e no thesouro em metal sonante duzentos e tantos mil escudos.

Sr. presidenta, eu quero o ensino obrigatorio, acho que deve ser implantado no nosso paiz; mas entendo tambem que o estabelecimento d’esse ensino deve ser feito de fórma tal que não levante contra si a animosidade dos povos. É preciso que se procure introduzir suavemente esse principio no espirito publico, e adoptar os meios mais brandos para o pôr em execução, de modo que não vá de encontro aos habitos das populações e ás suas necessidades.

As circumstancias em que se acham muitos habitantes pela sua indigencia fazem muitas, vezes com que os seus filhos não possam frequentar as escolas, porque não podem prescindir d’elles no serviço de todos os dias.

Só quem conhece bem as provincias, como nós que somos de lá, é que sabe apreciar as condições das populações ruraes, e as difficuldades com que lutam para viver.

Nas aldeias e nas freguezias ruraes a maior parte dos habitantes occupam-se ou na lavoura de terras que trazem á renda, ou procuram o seu sustento trabalhando diariamente nos differentes serviços para que são chamados pelos proprietarios, recebendo um modico salario; e nestas circumstancias custa-lhes a prescindir dos serviços de seus filhos, que lhes servem para tomar conta n’outras creanças da familia, que não podem passar sem guarda, para lhes guardarem o gado e as juntas, e fazerem outros serviços proprios da sua idade.

Isto que se passa todos os dias nas povoações ruraes, faz com que não possam os pães prescindir do auxilio dos filhos, quando elles ainda contam bem poucos annos. O sustento dessa gente é sempre parco, os seus rendimentos diminutos, e isso os obriga a fazerem trabalhar os filhos de tenra idade, já mandando-os buscar lenha para se aquecerem ao lar, já fazendo outros serviços indispensaveis. Por consequencia já vê a camara que ha de haver muita difficuldade para que os pães de familia, que habitam fóra das cidades, possam cumprir a disposição a que a lei os obriga.

O governo deve olhar para este negocio com a maior at-tenção, para proceder sem causar vexame com o estabelecimento do ensino pelo modo como se determina nesta lei.

Alem d’estas difficuldades que tenho mencionado, ainda ha outras, ás quaes é necessario que o governo tambem occorra. Uma d’ellas é a que provem da falta de pessoal habilitado para o ensino complementar. Toda a gente sabe a verdade desta minha asserção. Estou convencido que se o governo, que propoz este projecto para se converter em lei, e o corpo legislativo que o vae votar, fosse cada um dos seus membros examinados nas disciplinas que se exigem, seria irremissivelmente reprovado.

Isto significa apenas que o complexo de disciplinas que se exige é extenso bastante, e carece de muitas habilita-çi5es, de muito estudo, e de grande trabalho para se satisfazer a elle; e tanto assim é que havendo no governo e no corpo legislativo muitas summidades, no meu entender ellas não poderiam satisfazer ao programma sem peio muito estudo se habilitarem. Isto quer dizer que ha de haver grande difficuldade para obter professores habeis, e idóneos.

Como eu desejo que se faça uma lei boa, parece-me que devemos legislar o que seja possivel pôr-se em pratica, e nunca utopias; assim melhor seria, e desculpe-se-me a expressão, que fizéssemos uma lei mais comesinha e mais realisavel do que esta, que seria apreciavel se tivesse o terreno preparado e elementos de execução.

Esta minha opinião, creio eu que professa-a igualmente o sr. relator da commissão, porque s. exa. está persuadido, como ha pouco o disse, que a lei não ha de ser executada, como o não foi o decreto de 24 de setembro de 1844. A execução é quasi irrealisavel na parte que respeita ao ensino obrigatorio.

Foi isto o que disse o proprio relator da commissão; portanto, o que seria mais conveniente era que o projecto voltasse á commissão com as emendas, e que ali transformasse este projecto n’outro mais praticavel, que se podesse pôr em execução.

O progresso realisa-se gradual, e por uma serie de pontos continuos, é uma lei da natureza; appliquem, pois, estes principios ás leis que devem reger as sociedades. Não façamos tudo de repente e á pressa, e lembremo-nos que a natureza não faz saltos, e que é erro trivial e por isso indesculpavel caminhar com passos mal seguros. Tenho sempre ouvido dizer: «Devagar, que tenho pressa». E assim é, porque quem não marchar com acerto e meditadamente, não attinge, a não ser por acaso, o seu alvo.

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Façamos, pois, leis, para as quaes o paiz está preparado, confeccionemos leis que possam ser immediatamente postas em pratica, e depois de se reconhecer que o paiz está habilitado para esta nova ordem de idéas, venha então o aperfeiçoamento, ampliem-se as materias, tornem-se mais difficeis os exames, exija-se aos professores uma outra ordem de habilitações; mas faça-se tudo isto pouco a pouco, e com ordem.

Eu limito por aqui as minhas observações, que apenas tiveram em vista chamar sobre este assumpto importantissimo a attenção do sr. relator da commissão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se uma mensagem que acaba de, chegar da outra casa do parlamento.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição que releva-o governo da responsabilidade em que incorreu por ter creado junto do curso superior de letras uma cadeira de lingua e litteratura sãoskrita, e creando no mesmo instituto outra cadeira de philologia comparada.

Ás commissões de fazenda e de instrucção publica.

O sr. Conde de Rio Maior: — Sr. presidente, não tencionava tomar de novo a palavra.

Já fallei duas vezes neste debate, e não desejo cansar a assembléa com as minhas observações; mas, sr. presidente, um dever mais imperioso me obriga agora a levantar a minha voz.

Quando um homem ouve pronunciar com tanto respeito perante uma assembléa o nome sagrado de sua mãe, esse homem sensibilisa-se, e sente uma profunda gratidão, e seria da minha parte um acto menos justificado, se eu não usasse agora da palavra e não manifestasse aos dignos pares o muito que lhes estou reconhecido por tanta deferencia, e tantos louvores á minha familia, e áquella que tanto considero!

(O orador está profundamente commovido.)

(Pausa.)

Vozes: — E bem merecidos. (Muitos apoiados.)

O Orador: — Sr. presidente, eu entendo, como o entendem tambem os dignos pares, que é honroso para esta camara discutir largamente assumptos de tanta magnitude como este.

Sr. presidente, os parlamentos são para isto; os parlamentos servem para a discussão, e não para o silencio.

Disse ultimamente o sr. presidente do conselho (e torno a referir-me a esta phrase de s. exa., que preferia ser um homem de estado a ser um grande orador.

É exactamente por ser um grande orador que s. exa. está elevado a tão alta dignidade, porque no systema parlamentar é pela palavra que se governa; no systema parlamentar não se governa como governava o marquez de Pombal e Richelieu.

Hoje governa-se por outra fórma. É com a palavra que dominava Thiers, e domina Gladstone, Beaconsfield, Depretis, Canovas e tantos outros homens d’estado, parlamentares distinctos.

Não é com o silencio que se consegue convencer a opinião publica, e o governo parlamentar é o governo da opinião publica!

Sr. presidente, dizem que esta doutrina do ensino obrigatorio foi seguida pelos auctoritarios e por muitos d’aquelles, que teem idéas mais avançadas.

Não me admira, porque os auctoritarios andam muitas vezes de braço dado com aquelles que professam idéas radicaes!

Eu n’esta parte sigo a doutrina do juste milieu, doutrina pela qual se excluem os sectarios de idéas extremas.

O sr. relator, sr. presidente, appellou para as estatisticas da criminalidade.

Não estou agora habilitado para discutir esse ponto; mas o que me parece facto é que a instrucção nunca esteve tão desenvolvida na Europa como está hoje; e, todavia, nos fastos criminaes só observa que a criminalidade tem crescido espantosamente; e se não veja-se nos jornaes de França os numerosos e horriveis processos, que todos os dias estão sendo ali julgados.

Ainda outra cousa notarei: combinando a criminalidade dos campos com a das cidades, resulta conhecer-se que é nestas, onde ha mais instrucção, que ella tambem augmenta mais!

Quanto a mr. Duruy, a quem o meu illustre amigo, o sr. relator, ainda agora alludiu, devo dizer que nem me cumpria formular libello accusatorio contra aquelle distincto estadista, nem o digno par, na sua qualidade de alto magistrado, carecia por dever do cargo de o defender.

Mr. Duruy não é um insignificante, era um daquelles homens de estado, que pela ousadia dos seus decretos provocava a discussão e não póde passar desapercebido.

O que tive unicamente em vista, quando fallei d’elle, foi demonstrar que no seu systema de administração havia pontos com os quaes eu não concordava.

Em relação á lei ingleza de 1876, que estabeleceu o ensino obrigatorio, confesso que não sabia da sua existencia; isto prova que o digno par é muito erudito, e eu não o sou.

Effectivamente commetti uma inexactidão, quando ainda agora disse que o ensino obrigatorio existia apenas em algumas parochias de Inglaterra; mas o digno par, que teve a bondade de me emprestar o livro onde vem a lei, ha de consentir uma reflexão.

O que, segundo a leitura rapida que fiz, colligi, foi a obrigação imposta na lei do pae ensinar ou mandar ensinar ao_ filho a instrucção primaria, e as penas que lhe resultam não satisfazendo a este dever; mas não li a obrigação da escola regia?

O pae habilita o filho como pôde, e o estado não intervem; embora o mestre regio entre nós ligue com a questão do ensino gratuito, garantido na carta, gosto mais do systema inglez, em frente da grande questão da liberdade de consciencia e dos corollarios, que se tiram do artigo 145.° da carta para a regra estabelecida no projecto.

Em todo o caso, perdôe-me o digno par o dizer-lhe — acho a lei diversa, e muito, do principio d’este projecto, que estou discutindo.

Não desejo cansar mais a assembléa. Está satisfeito o duplo fim para que pedi a palavra.

Manifestei primeiro á assembléa a agradavel impressão que senti e o agradecimento em que estou pelo incidente occorrido; em segundo logar, respondi, como era tambem do meu dever, ás observações que me foram feitas pelo illustre relator da commissão.

O sr. Visconde de Bivar (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

Lido na mesa mandou-se imprimir como os que já se tinham apresentado n’esta sessão.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, a discussão vae já .larga, e teem tomado parte nella muitas capacidades desta casa; mas apesar disso eu não me podia furtar ao desejo de dar uma explicação sobre o assumpto, e declarar as rasões por que não estou de accordo com os meus collegas da commissão no parecer que deram sobre o projecto da instrucção publica, que está em discussão conjuntamente com esse parecer; e este tambem está em discussão, porque n’elle se encontram as explicações dadas pelo illustre relator da commissão com a clareza propria da sua grande illustração.

Sr. presidente, julgo inutil fallar extensamente sobre o assumpto, mas preciso, em cumprimento de um dever, dar as rasões por que julguei não poder associar o meu nome ao de pessoas que tanto prezo e respeito.

Varias considerações foram apresentadas por alguns dignos pares, que tomaram parte n’este debate, e com os quaes folgo sempre de estar de accordo; entretanto, discordo um pouco das opiniões de alguns dos que teem combatido este projecto.

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Sr. presidente, eu não posso deslembrar-me de que depois da batalha de Jena, o philosopho Fichte, que bem merece a denominação de vulto gigante, e ao qual todos respeitam pela magestade da sua palavra, e pela elevação do seu genio, dizia em um notavel discurso que a grande força reside na illustração dos povos, e que esta havia de augmentar com o ensino primario obrigatorio, pois á medida que as diversas classes da sociedade se fossem esclarecendo, essa illustração se consubstanciaria em uma força verdadeiramente nacional, mais forte que todas as armas, mais valente que todos os exercitos, e mais digna de respeito que todas as fortificações.

O ensino obrigatorio, que tanto se applica na Allemanha, e sobretudo na Allemanha do norte, é hoje uma questão de todos os paizes, que não teem deixado de a meditar largamente, e a sua realisação é devida a espiritos muito esclarecidos e a homens muito abalisados; mas se o principio mesmo não póde deixar de ser respeitado, bem como aquelles que o propagam com tamanho ardor, nem por isso deveremos deixar de examinar o estado do paiz em que esta lei é publicada, as tendencias que ella manifesta, e as intenções politicas que podemos suspeitar nos que a promovem.

Sr. presidente, disse o digno par, o sr. Carlos Bento, que não era prodigo em elogios, porque entendia que o elogio immerecido era muitas vezes a satyra disfarçada; permitta-me, portanto, o governo, que não lhe dirija os meus emboras por este projecto, sem, comtudo, querer devassar as suas intenções, como cavalheiros particulares, que eu respeito.

Aqui só os avalio pelo que possa referir-se ás suas tendencias politicas.

Este projecto é a continuação do um systema adoptado pelo governo em véspera de eleições, em ordem a que todos os meios possam ser empregados para obter uma grande maioria na outra camara, a fim de poder dizer que o paiz é seu.

É isto o que deve resultar da reforma administrativa, deste immenso codigo, de que nos fallou com tanta graça é sr. Carlos Bento; é isto o que ha de resultar da nova lei eleitoral; e principalmente d’este projecto, porque as multas são a arma oppressiva do povo, arma que será empregada contra os inimigos, mas que poupará os amigos. (Apoiados.)

Todos nos recordamos da celebre lei de saude, que tanto espantou em 1845 as populações do norte do paiz, que tantas censuras mereceu do antigo partido setembrista, de que era campeão valente e athleta (decidido o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, actual ministro do reino.

Talvez que esta reforma da instruccão, juntamente com as reformas administrativas e eleitoral, estejam destinadas a produzir, não só um grande alarma, mas talvez desordens, de que ninguem poderá prever a extensão que poderão adquirir.

Sr. presidente, o ensino obrigatorio, como v. exa. sabe, e que ultimamente tem sido decretado em alguns paizes, não tem deixado de soffrer largas discussões. A academia das sciencias moraes e politicas em França mandou proceder a um inquerito, e encarregou d’este estudo mr. do Villermé, o qual depois de estudar o estado das classes operarias em França, diz que «a enfermidade social que afflige esta nação consiste na ausencia da educação conveniente para acompanhar os progressos do ensino, porque a instrucção não tem poder, só por si, para reprimir as más inclinações do coração.»

Mais tarde foi incumbido de igual missão mr. de Blanqui, e este disse que «era necessario um ensino mais moralisador»; e sendo interrogado por Victor Cousin no seio da academia, desenvolveu estas palavras de uma maneira altamente satisfactoria.

Não foram só estes sabios, a que me referi, que trataram este assumpto; ha mais.

Henrique Say, Michel Chevallier, Bastiât e outros mais declaram solemnemente no seu Annnario de economia politica, «que a França carece de mais alguma cousa, alem da diffusão do ensino»; e mr. D’Angerville, na sua importante Statistique morale de Ia Francv, observa que os departamentos do norte, onde ha mais instrucção e se reputam mais esclarecidos, contêem 13, entre os 17 de que se compõe, que apresentam maior numero de crimes contra as vidas e as propriedades; ao mesmo tempo que os do meio dia, 4 que se reputam menos esclarecidos apresentam muito menor criminalidade».

Isto está mostrando que não é simplesmente a instrucçuo que inspira e ensina o cumprimento dos deveres do homem para com a sociedade e para com a familia.

Sr. presidente, foi a communa de Mulhouse que primeiro dirigiu ao senado francez unir, representação sobre este assumpto da generalisação do ensino, sendo ministro mr. Roland; e mr. Bonjean tratou ahi mais porfiadamente d’este mesmo assumpto, respondendo-lhe o ministro, mr. Roland, que o governo havia de tomar as providencias convenientes para o desenvolvimento do ensino, mas que na adopção da medida proposta devia haver toda a cautela.

Tenho tambem observado que no reino de Wurtemberg, onde é maior o desenvolvimento das artes, é justamente onde se encontra maior criminalidade. Eu estou fallando para o paiz, estou apresentando a minha opinião, que desejo auctorisar com provas authenticas, sem que por isso tenha a pretensão de dar lições aos meus collegas.

Em Inglaterra chamam ao ensino « natioual strength » força nacional, e hontem aqui fallou o digno par, o sr. conde de Rio Maior, na creação de escolas a que elles chamam «ragged schools», e que foram instituidas por lord Chattertons, um protestante e por tal maneira que deram logar a grandes debates na tribuna. Sir Robert Peel teve n’esta questão, de abandonar os seus amigos, porque dizia elle eu sou homem de partido, mas sou primeiro que tudo homem de consciencia. Os seus amigos tiveram de ceder e sir Robert Peel póde levar a cabo as suas idéas.

E n’essa occasião muitos tinham tratado de modificar as leis de ensino, querendo alguns que o ensino moral e religioso fosse banido das escolas. A Inglaterra, porem, não approvou isto.

Sr. presidente, perguntarei eu — no estado do nosso paiz poderá executar-se desde já uma lei, que vae avexar as familias no estado de pobreza da maior parte da gente do campo, e na falta completa de bons caminhos?

Não seria melhor empregar os meios indirectos, obrigando, mas com prudencia, com circumspecção, usando dos meios de persuasão? Para isto tinhamos os governadores civis, os administradores de concelho, os deputados, os bispos e os parochos. E n’este ponto, os parochos têem uma grande missão no ensino.

Eu tenho visitado o paiz, e infelizmente tenho visto em cidade populosas muitas igrejas fechadas logo depois da missa, e onde não se ensina doutrina ás creanças.

E não me consta que nenhum ministro da justiça tenha prohibido esse ensino, mesmo porque os governos devem coadjuvar os professores para elles poderem comprehender devidamente a sua missão.

Em França tem sido muito difficil chegar a este desidaratum porque muitos dos professores eram pouco habilitados, como se vê por um relatorio; eram homens que estavam inhabilitados para qualquer outro serviço, isto é, eram individuos que, não podendo empregar-se em outros misteres dedicavam-se a este.

Muito bem disse hontem o sr. marquez de Ficalho ao sr. ministro do reino, que pensasse mais nos professores que nos discipulos. S. exa. exprimiu uma grande verdade.

Eu sinto não ver aqui o sr. Barjona de Freitas, porque desejava que s. exa. me dissesse, com aquella illustração de que é dotado, porque na realidade o sr. ministro da.

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justiça é uma das notabilidades importantes da politica, o que sabe s. exa. a respeito de estatistica criminal? O que sabe tambem o sr. ministro do reino, com relação aos que sabem, ou não sabem ler e escrever? .

Na Europa culta dá-se a maior importancia á estatistica; no nosso paiz estamos, porém, muito atrazados neste ponto.

É necessario notar uma cousa com relação á estatistica.

Sinto bastante não ver na sua cadeira um cavalheiro que foi ministro da justiça e que fez, parte desta camara, mas que infelizmente já não existe, o sr. Moraes Carvalho. Ha muitos annos pedi eu a s. exa., que me remettesse a estatistica criminal que existia, o que não póde s. exa. fazer, porque nessa epocha estava muito atrazada. De então para cá alguns melhoramentos se introduziram n’este ramo de serviço publico, mas o que e necessario é organisar uma estatistica bem completa.

Lembra-me, por exemplo, agora um caso, a que já me referi quando notei as palavras proferidas por um amigo meu que é delegado em Villa Verde, o sr. Augusto da Cunha Pimentel.

O sr. Augusto da Cunha Pimentel disse em um officio que me dirigiu: «não se admire v. exa. do pequeno numero de individuos condemnados em comparação com o grande numero de accusados, e não conclua que este facto se dá por innocencia dos réus, ou por deficiencia nas provas, dá-se pela immoralidade do jury».

Isto dizia o sr. Pimentel com relação a Villa Verde; mas o facto não se dá só em Villa Verde; em quantos concelhos do nosso paiz não poderemos nós, pelo conhecimento dos factos, ter direito a applicar uma identica apreciação?

O exame d’estes factos, a sua comparação e apreciação, e por consequencia o seu estudo, é um dos trabalhos a que se deve entregar o sr. ministro da justiça.

É um trabalho que todos os que têem desempenhado aquelle logar entendem ser da maior gravidade e importancia.

Eu não sou exagerado na importancia que dou ás estatisticas, que lá fóra merecem a mais seria attenção por parte dos homens mais notaveis.

Macaulay, que escreveu sobre a civilisação em Inglaterra, dá uma importancia talvez exagerada ás estatisticas, é talvez empirico em exagero; mas, seja como for, em materias d’esta ordem seguem-se os exemplos dos espiritos mais notaveis, e é honroso o poder ir na sua esteira, seguir as suas opiniões, e caminhar ao seu lado. Honro-me de o fazer.

Sr. presidente, o sr. conde de Rio Maior, com muita propriedade, apresentou aqui algumas considerações sobre as causas da decadencia da instrucção.

Se a sessão não estivesse tão adiantada, e eu não quizesse dar uma prova real ao sr. ministro do reino, de que não desejo por modo nenhum protrahir as discussões, eu poderia fazer largas considerações sobre o assumpto; mas espero que terei occasião ainda de chamar a attenção do governo sobre um ponto a que já ma referi em uma das sessões passadas, e por essa occasião me referirei a esse ponto com mais propriedade do que se o fizesse n’este momento, o que poderia parecer inopportuno.

Sr. presidente, eu não posso ver com bons olhos a exageração das multas; e no seio da commissão, quando se tratou deste mesmo assumpto, eu pedi ao sr. ministro do reino, na presença do sr. Martens Ferrão e do sr. Barjona, que se me declarasse qual era a area de cada escola, porque, para julgar sobre a justiça, da multa, era necessario ver as difficuldades que os pães tinham para poderem mandar os filhos á escola, em consequencia do caminho que estes tivessem percorrer.

É preciso notar mesmo, que muitas daquellas pobres creanças, ganham o pão de cada dia para seus pães, e esse pão é escasso.

Mas, tornando ao que ía dizendo, depois houve novas informações, e a area de cada escola ficou de dois kilômetros.

Desejaria que os dignos pares, não digo o sr. conde de Rio Maior, porque s. exa. conhece bem os factos a que me refiro, precorressem as provincias de Traz os Montes, da Beira, Minho e outras, e vissem praticamente as difficuldades em transitar de uma freguezia para outra.

Mas a questão é votar muitos codigos, a questão é ter muitas leis que sejam outras tantas armas para vencer eleições e sophismar o systema representativo!

Contra isto, porém, protesto eu, em nome da independencia nacional, da segurança da monarchia; e da verdadeira liberdade, que é filha da justiça, e não se associa com a anarchia; e protesto, com o mesmo direito que antes de 1846 protestavam os setembristas barão de Villa Nova da Foscôa, duque de Loulé, e outros muitos.

Se elles tinham o direito de protestar contra certos factos, tambem eu o tenho. O que me admira é que haja alguem que pertencesse áquelle partido, que usasse e abusasse das armas da opposição, e possa agora julgar que não nos corre o mesmo direito e o mesmo dever de defender a liberdade, é sustentar o throno e a monarchia, empregando as armas do raciocinio e recorrendo ao ensino da historia, para examinar as diversas circumstancias em que estas leis teem de ser promulgadas e executadas.

Cito o sr. ministro do reino, e cito o governo todo para depois das eleições. Estimarei que todas estas leis tragara a s. exa. as bençãos do paiz, porque com ellas trarão a convicção ao animo de muitos dos que me ouvem, de que eu me enganei. E é melhor que eu me engane, do que o paiz soffra; antes quero ser taxado de falso propheta, que estou enganado e illudido, do que venha o povo a padecer os males, que serão talvez o resultado de medidas pouco pensadas e votadas á pressa.

A verdade é que nós estamos aqui como trabalhando de empreitada, discutindo e votando a correr, porque assim é necessario para não prolongar os debates, e vendo apparecer de tres em tres dias uma prorogação.

Tudo isto acho eu pouco conforme com a dignidade do systema que nos rege, e será da maior inconveniencia se se continuar n’este deploravel caminho.

Mas, emfim, como se criam muitos logares para que os amigos do governo possam ser nelles admittidos, isso é o que importa.

Já houve um ministro em Inglaterra que disse, que conhecia a tarifa das consciencias; portanto o systema de corrupção não é novo, e não é só do nosso paiz; o que não é rasão para que elle deixe de ser fortemente fulminado por todos quantos prezam a verdade do nome de patriotas.

Ponhamos de parte quaesquer despeitos, quaesquer melindres não justificados, para nos reunirmos em um só campo, que é o da patria; para circumdarmos um só estandarte, a todos sympathico, que é o da liberdade, quando se torna a expressão da justiça.

Com estas reflexões, com estas restricções, com estes commentarios, votando eu o principio do ensino obrigatorio, uma vez que se empreguem meios suasorios para obtel-o, é certo que não posso votar pela applicação nos termos em que o encontro no projecto.

(O orador não reviu o seu discurso.}

O sr. Presidente: — Está acabada a inscripção.

Os dignos pares que approvam na sua generalidade o parecer n.° 312, queiram ter a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Antes de se passar á discussão na especialidade, vão ler-se tres mensagens da presidencia da camara dos senhores deputados.

Leram-se na mesa

Tres officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes propostas de lei:

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l.ª Creando nas ilhas dos Açores, onde não houver medico, medico-cirurgião, nem pharmaceutico, um logar de subdelegado de saude e outro de pharmaceutico.

Á commissão de fazenda.

2.ª Auctorisando o governo a contrahir um emprestimo de 36:000$000 réis, para serem applicados á conclusão das obras nos edificios da escola polytechnica e observatorio astronomico.

À commissão de fazenda.

3.ª Prorogando por mais vinte e nove annos a concessão das ostreiras artificiaes entre o Pontal de Cacilhas, Borja e Alcochete, e elevando a 360 réis o imposto sobro cada metro cubico de ostras exportadas.

Ás commissões de fazenda e obras publicas.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o artigo 1.° do projecto.

(Leu-se.)

Artigo 1.°

Foi approvado sem discussão.

Artigo 2.°

O sr. Vaz Preto: — Pergunto a v. exa. se os artigos se votam sem prejuizo das emendas apresentadas?

O sr. Presidente: — A medida que forem submettidos á discussão os artigos, a respeito dos quaes houver emendas, hei de consultar a camara sobre o destino que devem ter essas emendas.

Por ora não está sobre a mesa nenhuma emenda ao artigo que se acabou de ler.

As propostas apresentadas pelo sr. conde de Rio Maior referem-se aos artigos 5.°, 7.°, 12.°, 17.°, 30.°, 40.°, 59.° e 61.°

Se o digno par tem a apresentar alguma emenda ao artigo 2.°, póde mandal-a para a mesa; se deseja discutil-o, tambem lhe dou a palavra.

O sr. Conde de Rio Maior: — Como, na occasião em que apresentei as minhas propostas, o sr. relator da commissão disse que se reservava para as examinar mais detidamente na commissão, requeiro a v. exa. que, se é necessario, consulte a camara sobre se os artigos do projecto vão ser votados sem prejuizo das emendas ou substituições, resolvendo-se envial-as á commissão, para esta dar o seu parecer sobre ellas.

Não desejo demorar o debate, e por isso nada mais acrescento ás reflexões já feitas sobre o assumpto.

O sr. Presidente: — Não havia sobre a mesa proposta alguma no sentido em que acabou de fallar o sr. conde de Rio Maior. O que o sr. relator da commissão declara tem para mim muita auctoridade, porém mais auctoridade ainda têem a camara e o regimento.

Quando entre em discussão algum artigo, a respeito do qual haja propostas, consultarei a camara.

Se a camara mostrar desejo do que essas propostas sejam remettidas á commissão, não terei duvida em consultai-a a esse respeito; mas, o que não é possivel é que se enviem para a commissão artigos, ácerca dos quaes não se apresentou emenda alguma. (Apoiados.)

Entretanto, vou consultar a camara sobre se quer que se suspenda a discussão na especialidade até que a commissão de parecer sobre as emendas apresentadas.

Consultada a camara, resolveu negativamente.

O sr. Presidente: — Continua, portanto, em discussão o artigo 2.° e seu §.

Como nenhum digno par pedisse a palavra, foi posto á votação j e approvado.

Leu-se na mesa o artigo 3.°, e entrou em discussão.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta, a fim de que seja eliminado o n.° 12.° do artigo 3.°, que se refere ao canto coral.

Não sei que este canto coral seja necessario para cousa alguma, a não ser para exigir mais uma habilitação ao professor, e dar mais trabalho aos discipulos, sem vantagem nenhuma para o ensino.

Não me importa muito que a camara approve ou rejeite esta minha emenda, que não tem grande importancia; mas, o que desejo é que as emendas apresentadas aos outros artigos sejam remettidas á commissão para serem consideradas, porque todas ellas são altamente importantes.

V. exa. dirige perfeitamente os trabalhos da presidencia, e todos nós respeitámos a imparcialidade com que o faz; por isso confiamos em que v. exa. não deixará de seguir a boa doutrina, de enviar á commissão os artigos a que só offereceram emendas.

O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa a proposta apresentada pelo sr. Vaz Preto,, que tem por fim a eliminação do n.° 12.° do artigo 3.°

Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Proposta

Proponho que seja eliminado o n.° 12.° do artigo 3.° = Vaz Preto.

Foi admittida á discussão.

O sr. Mártens Ferrão: — Devo dizer á camara que esta disposição, que o digno par pretende eliminar, encontra-se nas leis de instrucção publica de todos os paizes, o que foi essa uma das rasões por que o governo a consignou neste projecto, e a commissão a acceitou.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, a rasão apresentada pelo illustre relator da commissão não me parece que possa ser admittida, porque ou não perguntei o que se fazia lá fóra, mas sim qual era a vantagem que os estudantes e os professores tiravam do ensino do canto coral.

A camara sabe perfeitamente que um dos grandes males d’este paiz é o costume de macaqucar o que se faz lá fora, e sabe tambem que a legislação deve ser applicavel ao estado da civilisação do povo que tiver de reger, o, portanto, o argumento adduzido não póde convencer ninguem.

Sr. presidente, se nós em logar de irmos buscar instituições que lá fora teem a sua rasão de ser, tratássemos de reformar as nossas instituições, e accommodal-as aos habitos e necessidades do paiz, tirariamos de certo melhores resultados, e não teriamos de lutar com as grandes difficuldades da introducção de um systema novo em substituição daquelle a que o paiz estava habituado.

V. exa. sabe perfeitamente as difficuldades que têem havido em fazer acceitar pelo paiz o systema metrico. Ainda hoje? na maior parte das provincias, esse systema não está completamente em execução; segue-se o systema antigo, apesar das penalidades impostas aos infractores.

Querer por força introduzir aqui um systema qualquer só pela rasão de que esse systema existe lá fóra, não mo parece uma cousa justificavel, sobretudo quando nenhum facto demonstra que d’ahi póde vir vantagem para o paiz.

O sr. Presidente: — O que propõe o digno par justifica o methodo que eu tinha tenção de adoptar na discussão da especialidade d’este projecto.

Para a mesa não foram mandadas senão umas propostas do sr. conde de Rio Maior, mas como ellas estavam escriptas todas em meia folha de papel, seguindo-se umas ás outras, eu mandei copial-as separadamente, e tenho-as aqui para serem submettidas á apreciação da camara á maneira que o forem os diversos artigos do projecto a que ellas dizem respeito.

Os dignos pares sustentaram que era conveniente mandar essas propostas desde logo á commissão, e parece-me que o resultado d’isso seria suspender a discussão do projecto.

O sr. Vaz Preto agora mesmo justificou o methodo que eu queria seguir. S. exa. mandou para a mesa uma emenda ao artigo que se discute.

Se porventura este systema, por mim indicado, não se seguir, está claro que s. exa. não apresentará as propostas

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que tem tenção de mandar para a mesa a cada um dos artigos á medida que estes se discutirem.

Por consequencia, parece-me que o melhor é seguir o systema que indiquei, isto é, continuar a discussão por artigos, e poder cada um dos dignos pares mandar para a mesa as propostas que entender, a respeito de cada um d’esses artigos.

O sr. Vaz Preto: — É essa a minha opinião.

O sr. Presidente: — Se ha opinião contraria, eu pediria á camara que occupassemos alguns momentos para discutir o methodo que se ha de seguir na discussão da especialidade, e, estabelecido este methodo, creia a camara que ha de ser seguido religiosamente.

Os dignos pares sabem que a minha obrigação aqui é executar as resoluções da camara.

O que me parece mais regular é que a cada um dos artigos que se põe em discussão os dignos pares mandem para a mesa as propostas que teem a fazer esses artigos (Apoiados.); e se a camara entender que a essas propostas devem ser mandadas á commissão, continua a discussão dos artigos a respeito dos quaes não ha propostas, e assim ficam salvas as emendas, que vão á commissão.

Foi este o systema que se adoptou com relação ao projecto da reforma administrativa, e é este o systema que me parece dever seguir-se tambem nesta discussão.

Cora relação á emenda apresentada agora pelo sr. Vaz Preto, quaesquer que sejam as rasões que s. exa. apresente em defeza della, já sabe que a commissão não a adopta.

O sr. Vaz Preto: — Eu não faço questão d’essa proposta. A camara póde approval-a ou rejeital-a, porque para mim é-me indifferente. V. exa. propoz a questão perfeita mente neste ponto. Effectivamente nós não podemos senão felicitar v. exa. pelo bem e pela imparcialidade com que dirige os trabalhos da camara. Ha, porém, outro ponto, sobre que chamo a attenção de v. exa.

O que nós desejâmos é que, havendo algumas emendas importantes a differentes artigos, esses artigos fossem votados, salvas as emendas, e que estas fossem á commissão para as apreciar.

O sr. Presidente: — Por força que ha de ser assim. Desde o momento em que ha uma proposta com relacção a um artigo, está claro que se vota o artigo, salva a proposta, que vae á commissão, se, a camara não resolver o contrario. Se os dignos pares se conformam com esta indicação, não é necessario votação da camara. (Apoiados.) Quer o digno parque vá á commissão a sua proposta, apesar da commissão ter declarado que não a acceita?

O sr. Vaz Preto: — Não, senhor.

O sr. Presidente: — N’esse caso vou pôr á votação o artigo 3.° com os seus §§. .

Os dignos pares que approvam o artigo 3.° com os seus §§, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o artigo 4.°

O sr. Secretario: — (Leu.)

Artigo 4.°

O sr. Presidente: — Está em discussão.

O sr. Vaz Preto: — Vou mandar para a mesa uma outra proposta; e parece-me que o sr. relator da commissão a acceitará; comtudo, é possivel que não. É para que se elimine do ensino complementar para as meninas a gymnastica.

Sr. presidente, parece-me que introduzir no ensino das meninas a gymnastica é uma cousa inconveniente e ridicula. Parece impossivel que se queira isso, muito principalmente tendendo este projecto a levar a instrucção ás ultimas camadas. Nas populações ruraes, pela sua posição especial, as raparigas vêem-se obrigadas a fazer forças todos os dias, e não carecem de gymnastica para as desenvolver.

O sr. Ministro da Fazenda: — Já está estabelecido n’outras nações, onde ha mais progresso.

O sr. Vaz Preto: — Eu não me importa com o que se faz lá fóra, mesmo porque n’essas nações os costumes são muito mais livres. O que entendo é que deve ser uma cousa engraçadissima; e eu tenho muitos desejos de assistir a esses exercicios, porque na realidade havia de ser curioso ver as meninas dependuradas no trapezio, e vestidas e preparadas para esse fim. (Riso.)

É possivel que a camara vote isso; mas, se o votar, vota a cousa mais disparatada que póde votar. (Riso.}

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Secretario: — (Leu.)

«Proponho que para o exercicio complementar se retire do projecto a gymnastica. = Vaz Preto.»

Ficou sobre a mesa.

O sr. Presidente: — Julgo que a camara concordará em que a abertura da sessão amanhã seja á uma hora. (Apoiados.}

A seguinte sessão será amanhã, 24, e a ordem do dia a continuação da discussão da reforma da instrucção primaria; e, acabada ella, entrará em discussão o parecer n.° 354, sobre as emendas propostas á lei eleitoral.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 23 de abril de 1878

Exmos. Srs. Duque d’Avila e de Bolama; Cardeal Patriarcha; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Sabugosa, de Vianna, de Vallada, de Fronteira; Condes, do Bomfim, das Alcaçovas, de Cavalleiros, de Linhares, da Ribeira Grande, da Louzã, de Rio Maior, de Cabral, de Fonte Nova; Bispo de Bragança; Viscondes, de Alves de Sá, de Eivar, de Fonte Arcada, de Porto Covo, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, dos Olivaes; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Larcher, Martens Ferrão, Mamede, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pitta, Andrade Corvo, Pinto Bastos, Eugenio de Almeida, Fontes Pereira de Mello.

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