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vão pesar sobre o paiz, apresenta-nos o governo a vantagem de cessarem certas condições estipuladas na concessão feita á companhia.

A concessão á companhia (diz o governo) foi feita por noventa e nove annos, e devendo n'este espaço o ferro, o carvão, as machinas e mais objectos necessários para a exploração ser isentos de direitos, vinha d'aqui ao thesouro uma grande perda!

O governo sabe que passados trinta annos pôde ser remida a concessão, e o usofructo do caminho passar para o estado, e sabe também que esses objectos ou não pagam boje direitos, ou os pagam muito diminutos; e assim a importância dos direitos restringida a trinta annos não pôde ser muita. Mas ouvi eu dizer — a admissão livre de direitos pôde dar occasião a contrabando—. É esta uma rasão que não pôde produzir-se; a companhia está sujeita ás medidas fiscaes, e nem era necessário que isto fosse estipulado no seu contrato.

As tarifas são elevadas, diz mais o governo, e convém reduzi-las, e para isso não ha provisão alguma no contrato, porque as que ha dependem do accordo da companhia; e se ella não concordar com o governo, as terifas conser-var-se-hão na mesma elevação! A diminuição das tarifas é principalmente do interesse das companhias, a quem compete a exploração, porque a elevação d'ellas diminue a concorrência; não pôde portanto receiar-se que as companhias as não reduzam no seu próprio interesse; mas se o não fizerem podem ser revistas passados dois annos depois de começar a exploração, e devem-o ser depois de quatro em quatro annos. Se a revisão depois dos dois annos tem de ser feita precisamente de quatro em quatro annos, forçoso é que haja um meio de estabelecer para isso o accordo necessário, e este não pôde ser senão o que se estabelece nos outros contratos d'esta natureza em relação ás tarifas, ou o que se determina em todos elles para resolver as questões que se suscitarem entre o governo e as companhias.

Uma das grandes vantagens da compra achou-a o governo no restabelecimento, para o futuro, do imposto de transito sobre os passageiros e mercadorias, imposto admittido em todos os contratos, menos no do caminho do Barreiro. A importância do valor d'este direito diminue muito, considerando-o limitadoj não a noventa e nove, mas a trinta annos, e em qualquer caso não pôde ser equivalente ao que O governo dá de mais á companhia em attenção aquella vaniagem. Mas alem d'isto a isenção de impostos concedida á companhia pelo contrato não pôde nunca comprehender o do transito.

Eu não sei que mais vantagens o governo descobriu na compra; e essas creio eu que as descobriu depois de ter contratado; a pressa não lhe deixou tempo para pensar n'ellas, e não foram do certo essas vantagens que o determinaram a comprar.

Sou informado de que havia muito tempo que a companhia tinha proposto ao governo a compra d'essas vantagens; sou também informado de que o governo sabendo do contrato que a companhia acabou de fazer, não faltando senão reduzi-lo a escriptura publica, não se oppozera logo, e só depois intimara a companhia, de accordo com o presidente d'ella, para não vender, declarando logo que comprava tanto por tanto, isto é, pelo preço e com as condições com quo a companhia venderia a outro. Tudo isto é notável, a pressa, a precipitação era tanta, que na mesma portaria em que era interessada' a companhia para não vender, o governo sem mais tratar com ella se obrigava a optar pelo preço, e com as condições que talvez ignorava ainda.

Esquccia-me, sr. presidente, de fazer ainda uma reflexão. O que quer o governo fazer do caminho? Quer explora-lo? Maior será ainda a perda. Todos sabem o que é uma administração por conta do estado; também isto se devia ter em conta. E verdade quo hoje está commettida a administração do caminho de ferro do Barreiro a um empregado distincto pela sua honra, pela sua probidade e pelos seus talentos; mas terá sempre assim? Terão todos o mesmo zelo que elle, e a mesma dedicação no desempenho dos seus deveres?

Sr. presidente, não quero abusar da paciência da camará; concluo que julgo indisculpavel o procedimento dò governo, e ruinoso o contrato que elle fez, e que por isso não posso approvar o parecer do projecto em discussão. Não o approvo na generalidade, nem o approvarei em nenhum dos seus artigos.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, folgo de ver que nenhum dos dignos pares presentes tem pedido a palavra, inserevendo-se a favor do projecto que se discute, o esta demonstração é já auspiciosa para mim, porque dá a entender que, com effeito, o espirito da camará ó contra o projecto que se discute, pois que, se o não fosse, alguns dos meus nobres collegaa teria já com certeza pedido a palavra. Folgo portanto de ver esta demonstração do espirito da camará contra o projecto em discussão, o que em quanto a mim prova já sufficientemente a favor da justiça da causa que eu sustento, e que sustentamos os que impugnamos o projecto.

Sr. presidente, a questão que se discute, tem duas faces distinctas, e apresenta-se-nos sob o duplo aspecto de uma questão económica importante, e de uma questão politica de não menor alcance e importância; como questão económica, devemos para a sua exacta e imparcial apreciação, abstrahir de quaesquer rasões politicas que se possam produzir condemnando a forma porque o governo a apresentou ao parlamento; como questão politica, porém, é impossivel aprecia-la desapaixonadamente, sem apreciar as rasões económicas, as rasões de grande conveniência publica, que levaram o governo a preterir todas as formulas constitucionaes, e apresentar ao parlamento, não um negocio para resolver, note,bem a camará, mas um negocio já resolvido.

Assim, se as rasões de grande conveniência publica que obrigaram o governo, sem o concurso do parlamento, sem a assistência e opinião dos corpos consultivos, a comprar o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, forem conscienciosamente reconhecidas, a camará poderá relevar o governo pelo acto inconstitucional que praticou; mas o que não pôde nem deve fazer, o que repugna á indole essencialmente conservadora da camará dos pares, obrigada a zelar o cumprimento rigoroso dos principios da carta constitucional, é abstrahir da questão económica, e aceitando o facto consumado da illegalidade que o governo commetteu, sacrificar á questão politica a questão económica.

Sr. presidente, presto uma sincera homenagem do respeito á independência e illustração d'esta camará, por isso declaro, que não julgo que haja um único dos seus membros, que tente attenuar a responsabilidade moral do seu voto, com a consideração de que a questão é uma questão politica, e que votar contra ella é votar contra o governo. A questão económica ha de ser julgada pelo que ella valer, e a camará ha de determinar o seu voto pela sua convicção, vendo as rasões que se possam produzir a favor d'este projecto, e avaliando-as na esphera superior ás paixões partidárias, que não podem, que nem devem influir na decisão de um negocio, de sua natureza estranho á politica, e que interessa igualmente todos os partidos, porque interessa deveras a causa pubiica.

Sr. presidente, dada esta demonstração de respeito pela independência da camará, julgo que por forma alguma offenderei a sua susceptibilidade, declarando que a mais funesta consequência a que nos pôde levar o despreso pelos principios constitucionaes, é fazer com que em questões d'esta ordem o governo pese com toda a força de sua influencia, intervindo na sua decisão, e fazendo com que se resolvam mais por espirito de partido do que pelo exame reflectido das circumstancias que as recommendam.' Lamento pois que o governo apresentando a esta camará uma questão económica de tão grande alcance, lhe imprimisse o cunho de uma questão politica, e que preterindo todas as formulas, constitucionaes que a lei o obrigava a seguir, apresentasse a questão económica subordinada á questão politica e essencialmente ligada ao acto inconstitucional que commetteu.

Mas que rasões aconselharam esse acto, que motivos determinaram o governo a constituir-se em dictadura á face do parlamento? Porque o vemos ahi de corda ao pescoço, pedindo a absolvição parlamentar?... As rasões ainda não as adduziu nenhum dos srs. ministros, mas por isso mesmo eu procurarei encontra-las no relatório que acompanha a proposta de lei que foi apresentada á outra camará. Diz o governo, que havendo-lhe constado que a companhia nacional dos caminhos de ferro ao sul do Tejo, estava a ponto de fazer trespasse do seu contrato, o que elle governo julgava muito prejudicial aos interesses da causa publica: «Entendeu ser do seu rigoroso dever oppor-se á realisação de similhantes negociações pelo único modo que lho era possivel, offerecendo á já mencionada companhia o mesmo preço que lhe era promettido pelo trespasse dos seus direitos.»

Ha aqui com effeito um erro notável de expressão; o governo não offereceu, deu o preço porque a companhia trespassava o seu contrato, não celebrou um contrato provisório, celebrou um contrato definitivo, deu em metal sonante 235:000$000 réis, e em letras ou titulos á ordem a quatro, oito e doze mezes do data 70-1:000^000 réis. Mas porque não celebrou o governo urn contrato provisório e não veiu pedir ao parlamento a sua approvação? Dever-se-ha suppor que o não fez para transigir com as exigências da companhia? Mas apresentaria ella taes exigências? Creio que não, porque o governo não o demonstra, e nenhumas rasões as justificariam, se ellas sé houvessem apresentado por parte da companhia. Os documentos faliam bem alto e dizem: que se o governo se obrigou d'esta maneira e com tal precipitação, foi só por impulso da sua vontade e por entender que assim lhe convinha.

No officio que a direcção da companhia dirige ao governo, em resposta á portaria em que o governo lhe commu-nica que a não auctorisa a effectuar o trespasso do contrato, não se oppõe nenhuma objecção á resolução do governo.

A direcção da companhia limita-se a responder: «Que n'estas circumstancias (áquellas em que ficara a companhia na impossibilidade de realisar a venda projectada), só resta que v. ex.a nos indique o modo regular e honroso por que a direcção ha de cumprir as ordens do governo, pondo-a a coberto de toda e qualquer responsabilidade futura». É isto o que a direcção da companhia se limita a dizer ao governo.

A companhia não oppoz nenhuma objecção á vontade e ás determinações do governo, o que lhe pede é que a ponha a coberto da responsabilidade em que podia incorrer para com o individuo com quem estava negociando o trespasso da linha; e que lhe indique o governo o modo por que ella ha de cumprir as suas ordens. Este officio tem a data de 2 de agosto, e o governo respondeu celebrando o contrato em 6 do mesmo mez! A companhia não diz ao governo que celebre com ella um contrato definitivo, não exige que o governo para garantia da sua palavra, salte por cima. da lei, preterindo todas as formulas constitucionaes, e celebrando um contrato para que lhe falta a auctorisação do parlamento; a companhia, note bem a camará, diz apenas ao governo: respeito as vossas ordens, e indi-cae-me o meio regular e honroso de as cumprir (leu).

Nem se diga por caso algum que a direcção da companhia exigira do governo a celebração do contrato definitivo, o governo tem a consciência de que tinha na sua mão um instrumento forte, para responder a essa exigência, se ella se houvesse dado por parte da companhia, e d'essa

arma fez elle uso, quando tentou vencer as difficuldades que se levantavam contra a resolução do governo por parte do individuo que pretendia obter o trespasse da linha, appellando n'essa conjuntura para o direito que lhe assistia, e cuja brilhante demonstração o governo apresenta no officio que vou ler á camará, e que recommendo á sua attenção, porque é um documento curioso. Diz o governo n'esse officio dirigido ao sr. D. José Salamanca:

«E incontestável o direito do governo a não consentir que o usofructo e exploração das linhas férreas, que fazem parte do dominio publico, seja trespassado pelos concessionários, sem auctorisação e adherencia do mesmo governo. Este direito não se deriva nem do contrato de 24 de julho, nem da lei que o approvou em 7 de agosto de 1854. E um direito preexistente e superior ao mesmo contrato de que o estado não prescindiu, e que o governo ha de manter sempre a respeito de todos os concessionários de trabalhos públicos.»

Já a camará vê emquanto á questão de direito que o governo como o demonstra ao individuo a quem dirige este officio, tem direito incontestável de optar, que tem o direito de preferencia em relação aos outros concorrentes, e que tem o direito de excluir os que não offerecerem as condições de capacidade para lhes poder ser adjudicada qualquer empreza, isto é'o que significa o direito de intervir no traspasse dos contratos que o governo houver celebrado com qualquer companhia; e se tal direito não significa isto, então nada significa como terei occasião de provar acamara.

(Continua o officio.) «O governo exerceu este direito determinado exclusivamente por considerações de interesse publico.»

Por considerações de interesse publico!... Mas que considerações são essas? Porque as não allega o governo perante a camará? Porque as não prova com documentos em vez de as insinuar apenas nas asserções vagas do seu relatório ?

Considerações de interesse publico! A camará verá que essas considerações dc iuteresse publico obrigavam o governo a não fazer o que fez.

(Continua lendo) «Não quiz ferir os interesses quev. ex.a representa, nem desconsiderar a sua personalidade, porque nào foi movido de rasões pessoaes que negou aquella companhia auctorisação para realisar a venda que com v. ex.a projectou contratar.»

Dispenso-me de ler o resto do officio em que o illustre ministro em frases lisonjeiras dá uma demonstração de consideração pela personalidade respeitável que intervinha também n'esta negociação.

Pergunto, porém, qual é o motivo porque o governo se não mostrou cônscio do mesmo direito, quatído se apresentou negociando perante a companhia? S. ex.a pôde dizer que foi em virtude d'esse direito que elle interveiu na compra, é verdade, mas em virtude d'esse direito é que o governo não podia intervir como interveiu.

O governo tem com effeito o direito de preferencia, tem o direito de opção, mas esse direito não pôde ser exercido como o governo o exerceu, porque sendo assim, eu vou mostrar á camará quaes eram as consequências a que eSjfe principio nos levava. Estabeleçamos a hypothese. O governo concede a qualquer companhia por adjudicação a construcção e exploração de uma linha de ferro ou de qualquer outra empreza de interesse publico; esta adjudicação é feita por um contrato, que estabelece direitos e obrigações entre ambas a3 partes contratantes ; o trespasse d'esse contrato não pôde ser feito pelo concessionário sem auctorisação do governo, por isso que prescrevendo-o contrato obrigações ao concessionário, é necessário que o governo veja se o emprezario a quem o concessionário trespassa o contrato dá ao governo as garantias sufficientes de que o ha de cumprir, porque se não o fizesse iria-dar a esse emprezario uma linha de caminho de ferro ou outra qualquer empreza de interesse publico, sem que este lhe desse as garantias necessárias de que satisfaria as obrigações que tinha contrahido; por consequência o governo tem o direito de intervir no trespasse de taes contratos, e pôde intervir de dois modos: excluindo qualquer dos concorrentes, ou preferindo pelo direito de opção a todos elles, em igualdade de circumstancias. Quando o governo se limita a excluir da concorrência qualquer individuo que não apresente as condições de capacidade necessárias, como é a de solvi-bilidade e como poderão ser outras muitas, pôde faze-lo por um acto puramente administrativo, sob sua responsabilidade, mas sem concurso do parlamento; quando porém o governo faz mais do que isso, quando vae mais longe, quando exerce o direito de opção, não o pôde fazer, sem o concurso do parlamento, porque vae remir um contrato, e para o remir ha de celebrar outro contrato por titulo oneroso e não o pôde fazer sem auctorisação do parlamento e sem que o parlamento lhe vote os meios para satifazer taes encargos. É se assim não fosse, se o governo em virtude do direito de opção podesse remir o contrato com qualquer companhia adjudicando a si a empreza, teriamos que esse direito punha o governo superior á constituição; teriamos que esse direito dava ao governo attribuições que elle não tem; teriamos que esse direito ia cercear as prerogativas do poder legislativo.

Por consequência o direito de opção que o illustre ministro reconhece é verdadeiro, mas o modo por que s. ex.a o exerceu é que é absurdo e completamente subversivo de todas as praticas constitucionaes. Ora eis o ponto a que nos levava o acto inconstitucional que o governo praticou, se a camará, approvando-o, sanecionasse tal principio.

Sr. presidente, eu disse ha pouco, que o governo vinha aqui de corda ao pescoço pedir o bill de indeminidade, mas não disse bem, porque o contrario é que è verdade, nós é que eátamos de corda ao pescoço para lh'o conceder! Pela