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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSlO DE 22 DE AGOSTO

PRESIDÊNCIA DO EX.™" SR. VISCONDE DE CASTRO VICE-PRESIDENTE SUPrLEMENTAR

Secretários: os dignos pares |g^J| jjjj fjgj^

(Assistiram os srs. presidente do conselho, e ministros das obras publicas, e ãa fazenda.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 30 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente que por não excitar reclamação foi approvada.

O sr. Secretario:—Deu conta do seguinte: Officio da presidência da camará dos senhores deputados, enviando uma proposição sobre a fixação da receita e despeza do estado para o anno económico de 1861-1862. A commissão ãe fazenãa.

O sr. Conãe ãe Linhares: — Pediu a palavra, vendo pK-sente o seu nobre amigo e collega o digno par marquez de Niza, a fim de agradecer a s. ex.a a promptidão com a. qual, segundo lhe consta da acta, s. ex.a apresentara na ultima^ sessão alguns dados e esclarecimentos estatisticos que elle, orador, lhe havia pedido para estudar melhor a questão dos arrozaes.

Como não é agora o momento de se entrar n'esta questão que será tratada quando o governo apresentar a sua proposta a tal respeito, limita-se por emquanto a declarar ao digno par que, aproveitando os cálculos apresentados por s. ex.a e procurando obter todos os outros esclarecimentos que haja a tal respeito, tenciona estudar a matéria, o melhor que lhe for possivel, e habilitar-se assim, quanto lhe permittam os seus fracos recursos, a entrar na discussão d'este importante assumpto.

O sr. Marquez ãe Niza:—Eu declarei na ultima sessão, que foi na immediata aquella em que s. ex.a o sr. conde de Linhares me pediu esclarecimentos e as provas sobre o que eu tinha avançado a respeito dos arrozaes; declarei, digo, que estava prompto a apresentar a s. ex.a esse3 esclarecimentos. Eu vejo que esta minha declaração foi sabida por s. ex.a por via dos jornaes. Devo pois responder^ á pergunta que s. ex.a me tinha feito. Não se tratava de discutir o merecimento dos arrozaes nem a sua conveniência; s. ex.a não entrou n'essa discussão nem mesmo me emprazou a entrar n'ella, apenas duvidou da veracidade do facto: isto é, duvidou de certos dados que eu apresentei como extrahidos do relatório. Primeiro duvidou de que dois moios de arroz custassem a vida de um homem. Na pagina 543 do relatório está um mappa das differentes freguezias em que os membros da commissão acharam uma, estatistica bastante regular da mortalidade dos últimos annos antes da cultura do arroz. O calculo que o sr. relator da commissão fez foi o seguinte: tomou a media da mortalidade antes da producção do arroz, em relação á população existente; depois calculou a media da mortalidade annual das mesmas freguezias nos annos em que se cultivou o arroz, eliminando os dois annos em que houve a epidemia, e comparou os dois termos d'esta proporção entre si, e o resultado é o que se acha aqui escripto: não o leio á camará para a não cançar, mas mostrar-lhe-hei todavia o resumo que vem no fim da pagina: cada dezeseis hectolitros de arroz custam uma vida! São dezeseis hectolitros; cada hectolitro tem pouco mais ou menos sete alqueires e meio, os quaes multiplicados por dezeseis dão em resultado cento e vinte alqueires ou dois mqios. Aqui está escripto na pagina 543.

Disse eu também, sr. presidente, que dois moios de arroz não eram alimentação para um* homem durante um anno. O que s. ex.a disse a esse respeito não entendi bem... O sr. Conãe ãe Linhares: — Eu aceito n'essa parte... O Oraãor:—O que?

O sr. Conãe ãe Linhares: — Eu aceito o calculo; porque, a fallar a verdade, um individuo que fosse sustentado com arroz, não podia passar muito bem; pelo menos era uma alimentação muito inconveniente. | O Oraãor: — Effectivamente, em rigor, dois moios de I arroz tem alimentação sufficiente para um homem. Isto I hoje são questões positivas da sciencia; sabe-se quanto é

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preciso de azote para a sustentação de um homem, sabe-se a proporção do azote que as matérias alimentícias contém, etC... S. ex.* de certo que ainda não teve a curiosidade de ler este relatório...

O sr. Conãe ãe Linhares:-—Ainda não o li.

O Oraãor:—Então não devia avançar proposição nenhuma; eu não fallo senão no que sei, para evitar estes inconvenientes que se apresentam. Pois se v. ex.a quizer ler 0 qtie Vem neste relatório, acófrselho-o que veja desde a pagina 407 até pagina 470, ondtí; resumidamente vêem, não só a opinião do sr. 'Cdrvo, mas também as opiniões das melhores auctoridades estrangeiras, como, por exemplo, Payen, Gasparin, Bouningault, Liebig (O sr. Conãe ãe Linhares ri-se), etc... Seu paè gostava muito de ler Liebig, hoje já não é moda lê-lo; mas toda a gente o conhece, e v. ex.a póde-se rir á sua vontade.

O sr. Conãe de Linhares: — Disse que a sua questão não tinha sido na parte das expressões de s. ex.a ou do relatório, que diz principalmente respeito á possibilidade ou impossibilidade de alimentar durante um anno um homem com dois moios de arroz. Esta questão deixa elle orador para ser decidida por pessoas mais competentes, e não lhe parece que seja aquelia que mais nos interessa neste momento, em que desejamos conhecer se a mortaliâaãe pro-duziâa pela cultura ão arroz se eleva realmente á proporção assustaãora que apresenta o-relatôrio. Respeita profundamente os nomes illustres dos sábios chimicos que o digno par citou, e reconhece facilmente a sua extrema competência em questões de alimentação publica e de hygiene, mas não pôde deixar de observar que sem negar a possibilidade de conservar a existência de um homem susten-tando-o exclusivamente pelo espaço de um anno com dois moios de arroz não estimaria comtudo, que a experiência, embora auctorisada pela'sciencia, se desse na sua própria pessoa, e julga também que o digno par é n'esta parte da mesmo opinião.

Disse mais, em quanto ao objecto importante, que é como já observou, o saber-se se a mortalidade se tem tornado realmente assustadora no paiz depois da introducção da cultura do arroz, e se esta mortalidade se dá igualmente em toda a parte, aonde se cultiva o arroz, sejam ¦quaes forem as condições d'esta cultura; esperava elle orador que o digno par apresentasse alguma demonstração sua própria, porém não é isto que acontece, o digno par apresenta o relatório da commissão e mais nada; íica por consequência subsistindo a mesma questão e a mesma duvida, a única differença é ser agora entre elle orador e o relator da commissão, que na realidade é quem apresenta um calculo e uma demonstração.

N'estes termos e não duvidando da proficiência dos au-ctores do relatório, elle orador pede unicamente licença ao digno par para não aceitar sem um exame muito mais consciencioso todas as conclusões do trabalho apresentado pela commissão. Deve para ser franco declarar que ainda não pôde formular um juizo por não ter ainda tido o tempo indispensável para o necessário estudo e indagações, e que I só o que está em seu poder é prometter ao digno par que procurará habilitar-se estudando a questão.

O sr. Marquez ãe Niza:—Eu não quiz apresentar dados meus, não fiz parte da commissão, não fui percorrer o paiz, portanto não sou auctor d'esta estatistica. Referi-me a documentos officiaes, réferi-me ao resultado do inquérito mandado fazer pelo governo, resultado que foi mandado publicar official mente. O digno par duvidou da estatistica que eu apresentei; eu quiz mostrar a s. ex.a, com os documentos officiaes na mão, em que base me fundei para asseverar que dois moios de arroz custavam a vida a um homem. Agora diz-me s. ex.a que a questão já não é comigo, e sim com a commissão, ou com o seu relator. Muito bem. Estou satisfeito. Está em muito boas mãos.

Mas permitta-me o digno par que diga que não sei em que outros dados quer s. ex.a fundar o seu calculo; não sei que haja outros, sem serem os que a commissão obteve, revestida do caracter official, e com auctoridade de exigir em toda a parte todos os esclarecimentos possíveis, tanto da parte das auctoridades administrativas, como das auctoridades municipaes, e dos assentos religiosos das paroehias. Não sei, repito, que outros dados, a não serem os já colhidos pela commissão quer o digno par obter. Em toda a parte que a commissão pediu esclarecimentos, lhe foram estes ministrados com a exactidão possivel, pois é sabido quanto é difficultoso entre nós fazer cálculos estatisticos, foi sobre esses esclarecimentos que os membros da commissão se fundaram; portanto o trabalho que ó digno par quer fazer, já está feito, salvo se os governadores civis, administradores de concelho, camarás municipaes, parochos e lavradores falsificaram a escripturação, e enganaram a commissão ministrando-lhe dados falsos. Então é outra cousa, e n'esse caso nem s. ex.a poderá descobrir a verdade. Se 03 documentos que a commissão obteve são verdadeiros, o que aqui está n'este relatório também é verdadeiro; se foram falsos esseS documentos, ficaremos sempre na duvida, porquanto não será a s. ex.* quedos darão mais verdadeiros.

O sr. Seis e Vasconcellos:—É para pedir a v. ex.a que mande lançar na acta que o digno par o sr. visconde de Benagazil não pôde comparecer ás ultimas sessões, fiem comparecerá á de hoje e a mais algumas por incommodo de saúde. >

O sr. Presiãente:—Matidar-se-ha lançar lia acta. Devo também declarar que o digno par o sr. Ferrão participou não poder comparecer á sessão pelo mesmo motivo de falta de saúde.

ORDEM DO DIA

v DISCUSSÃO DO PARECEE N.° 63

Senhores.—As commissões de fazenda e de obras publi cas d'esta camará examinaram com attenção o projecto de

lei n.° 66, vindo da camará dos senhores deputados, pelo qual é o governo relevado da responsabilidade em que incorreu pela compra que fez á companhia nacional dos caminhos de ferro do sul do Tejo, do caminho do Barreiro ás Vendas Novas, do ramal de Setúbal, de todo o material fixo e circulante respectivo e de todas as suas dependências, isto sem previa auctorisação do corpo legislativo; sendo o mesmo governo outrosim auctorisado a conceder o dito caminho, ramal, material e dependências a qualquer sociedade, companhia ou individuo, mediante as' condições que mais vantajosas forem aos interesses públicos.

Pelo mesmo projecto é concedida ao governo auctorisação a fazer crear e emittir pela junta do credito publico os titulos de divida fundada interna ou externa, que forem indispensáveis para realisar por meio de venda ou de penhor dos mesmos titulos a importância de 939:730^950 réis, preço este por que foi realisada a compra do caminho. I Provado que seja que a compra do caminho de ferro ! era conveniente para o serviço publico e de vantagem para o estado, como parece ás vossas commissões, claro está que o governo deve ser relevado, e approvado o projecto de lei, por isso que as suas provisões são as consequências da auctorisação para compras já effectuadas.

Tanto no relatório do governo, que acompanhou o projecto de lei, como no parecer das commissões da camará dos senhores deputados, demonstram-se as vantagens que provavelmente resultarão da compra do caminho de ferro, tanto para o publico como para o estado.

A reunião da direcção e serviço de uma linha férrea debaixo de uma só companhia, a igualdade nas tarifas de duas partes de uma só linha, a igualdade na largura da via, quando a linha férrea é formada de dois ou mais traços, são vantagens que o publico obtém.

A eliminação total da isenção de direitos por espaço de noventa e nove annos sobre objectos importados para o caminho de ferro, a percepção da contribuição de 5 por cento sobre o rendimento bruto do caminho durante os mesmos noventa e nove annos, a conducção das malas do correio e de quaesquer expressos sem encargo algum, o alargamento da via, levando-a de lm,44 a lm,67, o prolongamento da linha approximando o seu termo mais da capital, são circumstancias que muito devem aproveitar ao estado.

E possivel que da cedência do caminho de ferro a outra sociedade, companhia ou individuo resulte algum prejuízo ao estado, mas as vossas commissões estão persuadidas de que esse prejuízo, quando o houver, é sufficientemente compensado com as vantagens qne se devem obter pelas modificações que da compra certamente resultam e que já ficam indicadas.

Em conclusão são as vossas commissões de fazenda e de obras publicas de parecer:

1. ° Que o governo deve ser relevado;

2. ° Que a compra deve ser approvada;

3. ° Que o governo deve ser obrigado a conservar a exploração do caminho, pelo modo que julgar mais conveniente e pelo tempo que for necessário.

Sala das commissões, 19 de agosto de 1861. =Visconde da Luz=Visconãe ãe Castro = José Maria Balãy = Felix Pereira ãe Magalhães=Francisco Antonio Fernanães ãa Silva Ferrão (com declaração) = Barão ãe Villa Nova ãe Foscoa.

PROJECTO DE LEI N.° 66

Artigo 1.° E approvado e confirmado o contrato de 6 de agosto do corrente anno, que fica fazendo parte d'esta lei, pelo qual o governo comprou á companhia nacional dos caminhos de ferro ao sul do Tejo, mediante o preço de 13:500)51000 réis por kilometro, o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e o ramal de Setúbal, com todo o seu material fixo e circulante e todas as suas dependências, como consta do mesmo contrato, ficando o governo relevado da responsabilidade em que incorreu-por virtude da referida compra.

§ único. O governo conservará aberto á circulação publica o mesmo caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e o famal de Setúbal, e publicará uma conta semanal da receita e^despeza da exploração.

Art. 2.' E auctorisado o governo a conceder o caminho, o ramal e dependências de que trata o artigo antecedente a qualquer sociedade, companhia ou individuo, mediante as condições que mais convenham aos interesses públicos, a fim de o explorar por tempo que não exceda o praso de noventa e nove annos, depois de uniformisadas as clausulas e condições do contrato da referida linha com as do caminho de ferro das Vendas Novas a Évora e Beja, ficando tudo dependente da approvação das cortes.

Art. 3.° E igualmente o governo, auctorisado a fazer crear e emittir pela junta do credito publico os titulos de divida fundada interna ou externa que forem indispensáveis para realisar, por meio de venda ou de empenho dos mesmos titulos, a importância de 939:730)5!950 réis, preço por que foi adquirido o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e Setúbal, com tanto que o encargo annual que resultar d'estas operações não exceda a meio por cento sobre o juro real que corresponder aos titulos, segundo o preço que tiverem no mercado na epocha em que ellas fo rem effectuadas.

§ único. A proporção que forem emittidos. os titulos, o governo dotará a junta> do credito publico com as consignações correspondentes aos seus juros.

Art. 4.° O governo dará conta ás cortes do uso que fi zer das auctorisações concedidas por esta lei.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario Palacio da3 cortes, 17 de agosto de 1861.=Custoãio Rebello ãe Carvalho, deputado presidente = Miguel Osorio Cabral, deputado secretario=Clauãio José Nunes, depu tado secretario.

Contrato celebrado entre o governo e a direcção da companhia nacional d03 caminhos de ferro ao sul do Tejo, para a compra do > caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e ramal para Setúbal, a que se refere a lei d'esta data.

1. a A companhia nacional dos caminhos de ferro ao sul do Tejo vende e traspassa ao governo de Sua Magestade a concessão e o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e o ramal para Setúbal, com todo o material fixo e circulante que existir sobre a linha e armazenado, estações, officinas de grande e pequena reparação, tudo no estado completo ou incompleto em que actualmente se achar, não se entendendo comprehendidas as pequenas encommendas feitas para Inglaterra e que ainda não houverem chegado, as quaes serão pagas á parte pelo governo pelo preço das facturas.

2. * Que esta venda e traspasse é feita pela quantia certa, entre os outorgantes ajustada, de 13:500j5!000 réis por kilometro, em moeda de oiro ou prata corrente no paiz.

3. a Que os segundos outorgantes entregam ao governo, nos termos d'este contrato, a mesma linha e concessão, livre de quaesquer encargos, e se obrigam a fazer boa a venda dos objectos referidos uo mesmo contrato.

4. a Que o preço ajustado será pago do modo seguinte: Uma quarta parte no acto da assignatura d'este contrato e as outras tres quartas partes por letras a quatro, oito e doze mezes de data.

5. a Que d'este modo fica de commum accordo rescindido e de nenhum effeito o contrato de 24 de julho, approvado pela lei de 7 de agosto de 1854, desistindo o governo de toda e qualquer reclamação que por qualquer motivo podesse fazer á companhia, em relação ao cumprimento e execução das condições do contrato; podendo o governo desde já entrar na posse das referidas linhas e suas dependências, que lhe ficam pertencendo de plena propriedade para delias usar e dispor como for mais conveniente aos interesses do estado; excepto o caso de não pagamento do preço ajustado nos prasos convencionados, porque então os segundos outorgantes, emquanto não forem embolsados, reassumirão todos os seus direitos para os continuarem a exercer nos mesmos termos e clausulas e pelo.mesmo tempo fixado no referido contrato de 24 de julho de 1854.

Palacio das cortes, em 17 de agosto de 1861.= Custoãio Rebello ãe Carvalho, deputado presidente = Miguel Osorio Cabral, deputado secretario =Claudio José Nunes, deputado secretario.

O sr. S. J. ãe Carvalho: — Sr. presidente, vou mandar para a mesa uma moção, a fim de provocar explicações da parte do governo, explicações que eu entendo serem de absoluta necessidade para que a camará possa entrar em discussão com pleno conhecimento de causa, e com a consciência da importância do assumpto. O sentido da minha moção é este: 1.*, desejo que o governo declare á camará se nomeou alguma commissão de inquérito para conhecer se a companhia do caminho de ferro do sul cumpriu com as prescripções do contrato feito entre ella e o governo em 7 de agosto de 1854; 2.°, se o governo conheceu, pelo exame a que procedeu o seu fiscal, qual a importância da re-construcção da linha estabelecendo a nas condições da linha ingleza, que das Vendas Novas deve seguir para Évora Beja.

Ha muitos esclarecimentos mais que são necessários para que a camará forme o seu juizo sobre este passo do governo; mas estes dois são dos mais necessários, são absolutamente necessários, porquanto sem sabermos qual a importância da reconstrucção da linha, e se o governo nomeou uma commissão de inquérito para examinar se a companhia tinha cumprido as prescripções do contrato, não podemos entrar na discussão. Alem dos dois esclarecimentos que acima peço, desejo mais que o governo declare qual ó a base em que assentou a sua opinião para julgar que o preço que a companhia exigiu era um preço justo e rasoavel. Vou escrever e mandar para a mesa a minha moção. «Proponho que o governo declare á camará: «1.° Se nomeou alguma commissão de inquérito para saber se a companhia dos caminhos de ferro do Barreiro ás Vendas Novas cumpriu com as prescripções do contrato de 7 de agosto de 1854.

«2.° Qual a base em que o governo se fundou para julgar justo o preço que a companhia exigiu pela compra do caminho.

«3.° Qual a importância das obras de reconstrucção na linha do Barreiro ás Vendas Novas para igualar nas condições da de Évora e Beja.=Sebastião ãe Carvalho.»

O sr. Ministro ãas Obras Publicas (Velloso ãe Horta): — Disse que podia desde já dar alguns esclarecimentos sobre os quesitos que o digno par mandou para a mesa. Dando esses esclarecimentos, disse que o governo quando mandou abrir á circulação o caminho de ferro do sul, não podia ter deixado de conhecer se a companhia cumprira as condições do contrato, pois que havia mandado inspeccionar o caminho por uma commissão de inquérito, a qual apresentou ao governo o resultado da sua inquirição n'um relatório que corre impresso, e se encontra nos boletins do ministério das obras publicas do principio d'este anno, e que por elle se yia que a companhia tinha cumprido com as condições do contrato, faltando só pequenas cousas, e podendo por consequência ser o caminho aberto á ciícula-ção...

O sr. S. J. ãe Carvalho:—E a respeito do material circulante? Permitia me o nobre ministro que eu o interrompa. Eu faço esta pergunta porque foi-me asseverado que a companhia não tinha material circulante sufficiente, e tanto que faltava para a conducção das malas do correio. Esta asser-são quasi que foi repetida officialmente no relatório da commissão, e nunca foi desmentida pelo governo.

O Oraãor: — Se não -houvesse material circulante não se

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podia abrir o caminho á circulação e não podia funccionar, e elle funcciona, faz carreiras diárias e regulares á hora costumada, sem nunca ter faltado desde que se abriu. O que sim não terá é o material circulante conveniente para se prolongar a linha.

Emquanto ao comboyo especial para o correio, a companhia não se obrigou a isso, no contrato não ha estipulação a tal respeito.

O sr. JS. J. de Carvalho: — Mas não ó mesmo o comboyo ordinário necessário?

O Orador:—Ha o comboyo ordinário para as malas do correio, mas não se obrigou a companhia a ter comboyo especial.

O sr. S. J. de Carvalho: -r-Mas esse mesmo. O Orador:—O segundo quisito apresentado pelo digno par é em que base assentou o governo a sua opinião para não julgar exagerado o preço por que comprou o caminho de ferro.

Eu direi ao digno par porque não pôde ser taxado de muito exagerado o preço de 13:500^000 réis por cada kilo-metro. Está avaliado que um kilometro de caminho de ferro custa approximadamente 10:000$000 réis, no que diz respeito ao material fixo e circulante. Se a esta somma juntarmos o custo dos terrenos expropriados, das obras de arte, movimentos de terra, passagens de nivel, estações- armazéns etc, concluiremos que o preço de 13:500^000 réis não é exagerado.

Mas- alem d'isso este preço era o dado por alguém que queria ficar com o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas com ramal para Setúbal, e o governo entendendo necessária a compra, por certas considerações que logo apresentarei com o correr da discussão, não a podia fazer por outro preço. 1

O outro quesito é a importância da reconstrucção da linha. Creio que o digno par se refere ao custo do alargamento da via. (O sr. Carvalho: — Apoiado.) O alargamento de uma linha férrea é uma obra que não custa pouco dinheiro; mas de certo custaria muito mais se o governo passasse a exploração do caminho de que se trata a uma companhia ou a um individuo a quem teria de indemnisar. A companhia concessionaria do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas não o faria por menos de 500:000#000 réis. Sendo feito esse alargamento debaixo da inspecção do governo, ou em virtude de um contrato com o governo, de certo ha de sair muito mais barato, porque se iriam substituindo a pouco e pouco as travessas, nas condições requeridas, para passar da via lm,44 para o de lm,G7: collocan-do-se ao mesmo tempo uma terceira ordem de rails, para converter por fim aquella linha recta. Ao mesmo tempo também se iria adoptando o material da via estreita á via larga. Se o governo porém exigisse que a companhia fizesse o alargamento, esta diria que para não interromper a circulação precisava estabelecer uma outra linha, para o que teria de alargar os aterros; que o material da via estreita não podia aproveitar-se, etc, etc, e todas estas indemnisa-ções custariam ao estado uma somma superior a 500:000^000 réis. Adqnirindo o governo o caminho para si, nào só tem a economia uma grande parte d'aquella somma, mas também tirou a vantagem de o libertar das onerosas condições, que segundo o contrato, sobre elle pesavam. E isto que posso dizer ao digno par por emquanto; pelo correr da discussão darei mais algumas explicações.

O sr. Aguiar: — Pedi a palavra sobre o projecto em discussão, não para esclarecer o paiz e a camará sobre um acto inconstitucional e deplorável que o governo acaba de praticar; o paiz e a camará estão suílicientemente esclarecidos, mas para que fique consignado o meu voto. Sinto ter de combater o sr. ministro das obras publicas, cujo caracter e probidade respeito.

O primeiro dos deveres do governo ó respeitar e acatar as leis, e a primeira das leis é a lei fundamental do estado, contra a qual elle acaba de commetter um attentado injustificável, usurpando as attribuições do corpo legislativo. Não ha nada que possa justificar este procedimento; não ha uma única circumstancia que possa attenua-lo, algumas ha que o aggravam, e entre ellas avulta a de se acharem reunidas as camarás.

As commissões de fazenda e obras publicas não o entenderam assim. «Provado que seja, dizem ellas em um dos paragraphos do seu relatório, que a compra ão caminho ãe ferro era conveniente para o serviço publico, e ãe vantagem para o estaão, como parece ás vossas commissões, claro está que o governo ãeve ser relevaão, e approvado o projecto ãe lei d ! Se assim é, de que servem as camarás legislativas ? O governo pôde decretar todas as medidas legislativas que forem convenientes para o serviço e de vantagem para o estado; e ás cortes compete approva-las! Porém todas as medidas legislativas devem ter por base a utilidade publica, a conveniência do serviço e a vantagem para o estado, e a consequência derivada da doutrina das commissões é que as camarás quasi que não são mais do que uma instituição de luxo. Esta doutrina, sr. presidente, está em opposição manifesta com a carta constitucional da monarchia, é incompatível com ella, e com a divisão e attribuições dos poderes politicos que ella estabelece.

«Mas, dizem ainda as commissões, as provisões ão projecto são as consequências da auctorisação para compras já effectuadas.d Confesso que não entendo, não sei o que isto quer dizer. Que auctorisação é esta? Que compras effectua-das são aquellas a que as commissões se referem ? Como é que a approvação da compra do caminho de ferro ás Vendas Novas, e a concessão do indulto ao governo, que o comprou, e consummou sem auctorisação a compra, pôde ser consequência da auctorisação concedida para outras compras ? Peço ao digno par, relator do parecer, que dê a explicação, se pôde, mas parece-me que ha de ver-se no mesmo embaraço em que eu me vejo.

Que motivo podia haver para o governo praticar aquelle acto com flagrante violação da primeira lei do estado, usurpando attribuições de um dos poderes politicos, despresan-do a auctoridade d'elle, e procedendo tão precipitadamente, que nem ao menos ouviu o conselho d'estado sobre um negocio grave e de grande importância, nem se quer se lembrou de consultar as suas maiorias nas camarás, convidan-do-as para uma reunião, como o tem feito muitas vezes? O governo convocou os pares e deputados para em reunião extra-parla"mentar lhe dar conta do contrato que havia feito. Não seria melhor que os convocasse antes ? Não era. Podia assim obstarse á comprado caminho de ferro; e o governo estava decidido a compra-lo por qualquer preço, e embora tivesse de commetter um attentado.

Seria o governo movido pelas rasões expendidas no relatório que precedeu a sua proposta? Por outra — seria o governo obrigado pela necessidade para evitar que a venda do caminho de ferro se fizesse com as condições que elle julgava" desvantajosas, e que o queira modificar harmoni-sando-as com as do caminho das Vendas Novas a Évora e Beja?! Não me parece.

Tem-se agitado a questão — se as companhias que têem a natureza d aquella, que tomou, por contrato celebrado com o governo, a empreza da construcção e exploração do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, podem sub-stituir-se e transferir para outras companhias ou individuos o direito que têem adquirido; e applicando a questão ao nosso caso — se á companhia d'este caminho de ferro era permittido transferir o usofructo e exploração d'elle, sem necessidade de auctorisação do governo,- ou'se o governo podia impedir a transferencia.

Os que seguem a opinião de que a transmissão ou transferencia não depende de auctorisação, fundam-se na natureza d'essas companhias; porém nas companhias ou em-! prezas (e por emprezas se tomam os originários concessionários) dos nossos caminhos de ferro é geralmente declarado que ellas não possam substituir-se, sem que essa substituição seja auctorisada pelo governo. É verdade que esta declaração falta no contrato celebrado com a companhia do caminho de ferro do Barreiro; mas eu inclinó-me á opinião daquelles que entendem ser da natureza de similhantes emprezas, que ellas não possam livremente ser trespassadas pelos concessionários, com quem originariamente se contratou. A exploração de um caminho de ferro é negocio importante, que não pôde deixar de estar sujeito á intervenção do governo, em relação ás pessoas que tem de dirigi-la.

Mas, sr. presidente, o que importa para mostrar que não havia nenhuma pressa, nenhuma urgência, é mostrar que esta era a opinião do governo. Na portaria dirigida pelo ministério das obras publicas á companhia em 2 do corrente, diz-se que—constando a Sua Magestade que a companhia pretendia fazer trespasso do seu contrato, se lhe declarava que o mesmo augusto senhor o não auctorisava. A portaria é muito explicita: segundo ella a companhia não podia effectuar o trespasse sem ser para isso auctorisada. Não o sendo, a consequência era que a companhia devia continuar a exploração; mas o governo declarou que comprava o direito que ella tinha pelo mesmo preço, e com as mesmas vantagens que lhe foram offerecidas.

Se é exacto o que se acha escripto no relatório, que precedeu a proposta apresentada á camará dos senhores deputados, convertida depois no projecto de que se trata, já o j governo havia muito antes manifestado á companhia, que julgava necessário intervir em qualquer negociação, para que só se fizesse nos termos em que o mesmo governo julgava conveniente consentir n'aquelle trespasso.

Eu poderia deduzir de outros documentos a prova incontestável de que, segundo o direito que o governo julgava ter, e as declarações por elle feitas, não havia necessidade, não havia urgência que obrigasse a commetter um attentado contra as instituições do paiz; porém o governo tem-se recusado a dar os esclarecimentos que se lhe têem pedido, e a apresentar ao parlamento a correspondência que houve entre elle e a companhia, e o cavalheiro com quem elle tinha contratado ultimamente. Pedi um officio do governo dirigido a este cavalheiro: esperei, e esperei inutilmente que fosse publicado no Diário de Lisboa para esclarecimento da camará; mas aqui tenho uma copia delle: o ministério dirá se é exacta. N'esje documento, que é um officio aquelle cavalheiro, diz o ministro das obras publicas ser incontestável o direito do governo a não consentir que o usofructo, e exploração das linhas férreas, que fazem parte do dominio publico, seja trespassado pelos concessionários sem auctorisação e adherencia do mesmo governo; que este direito não se deriva nem do contrato, nem da lei que o approvou; que é preexistente e superior ao mesmo contrato; que o estado não pôde prescindir d'elle; e que o governo ha de mante-lo sempre a respeito de todos os concessionários de trabalhos públicos.

Não tenho o officio, mas sei que existe (O sr. Ministro das Obras Publicas:—Apoiado).

Pois, sr. presidente, se o governo estava tão seguro de que a venda não podia verificar-se sem ser por elle auctorisada, que pressa havia, que urgência o obrigou a proceder tão illegal e inconstitucionalmente? Que receio podia o governo ter de que a companhia fizesse o trespasso sem a sua auctorisação? Se aquelle é o direito incontestável (como entendia o governo), que validade podia ter esse trespasso sem ser auctorisado?

Foi necessário ao governo contratar com a companhia, e fazer a compra da exploração pelo mesmo preço e pelas mesmas vantagens que aquelle cavalheiro lhe offerecia (segundo os termos da portaria), ou lhe offerecesse, segundo os termos do contrato entre a companhia e o governo! Eu ouvi que a companhia exigira isto do governo, e que lhe

não admittira dilação: não o creio, mas esta exigência em vez de attenuar o attentado, aggrava-o mais. Pois se o governo tinha o direito incontestável, preexistente ao contrato com a companhia, superior a elle, de não consentir absolutamente que os concessionários transferissem o usofructo e exploração da linha férrea, como podia a companhia limitar este direito, sustentado pelo governo sem limitação, obrigando-o a usar do direito de opção, e indicando-lhe que não optando, e logo, ultimaria veada que tinha contratado sem dependência da sua auctorisação? Em que ó fundada esta pretensão da companhia! Qual é a lei, qual é o principio, qual é a condição do contrato em que ella pôde apoiar-sé ?

Porém, sr. presidente, aonde estão os documentos que provam que a companhia fez estas e outras exigências que o governo lhe attribue?

O medo, sr. presidente, é mau conselheiro, e o medo foi também a causa do procedimento do governo, e da precipitação com que elle andou n'este negocio. Receiaria o governo, que se o cavalheiro com quem a companhia tinha contratado fizesse a compra de poucas léguas de uma via férrea, podesse correr risco a nossa nacionalidade! Algum receio houve; mas não foi esse, devo dize-lo por honra do meu paiz. Pouco poderia a influencia adquirida pela acqui-sição de alguns kilometros de uma via ferrea pôr em perigo a nossa nacionalidade.

A precipitação, filha do medo, qualquer que ella fosse, observa-se a cada passo. PoÍ3 não se fez uma escriptura em que se disse que o governo garantia á companhia as vantagens e o preço que por qualquer outro lhe fosse oífe-recidos?!

Sabia o governo o estado do caminho? O sr. ministra das obras publicas, sendo perguntado sobre isto, disse — que se tinha procedido ao exame do estado do caminho de, ferro quando foi aberta a exploração: quer'dizer, ha seis ou sete mezes; e não sei mesmo se ha mais tempo. E valerá o caminho tanto como valia seis meze3 antes?! Não sei se o governo sabia, mas devia saber, que depois que a empreza começou a tratar da venda do caminho, não fez, como era natural e não lhe pôde ser estranhado, senão o que se chama tapar os buracos.

Sabia o governo se as vedações em toda a linha estavam feitas?

Sabia quanto valia a renuncia que fez de aualquer reclamação que podesse fazer á companhia por qualquer motivo em relação á execução das condições do contrato? Esta renuncia alguma cousa devia valer: sem isso não estipularia a companhia a condição d'ella, que pelo menos põe em duvida se elles cumpriram o que contrataram.

Sabia o estado das differentes estações, o estado do material fixo e rolante?

Não sabia nada d'isto; concedeu tudo á companhia. Talvez mais ainda do que ella exigia.

O governo fez a compra, e cm acto continuo entregou o preço á companhia. Quo segurança tem o governo dos encargos que pesam sobre o caminho? Ahi tem já apparecido-differente.s reclamações de credores, cuja garantia, dizem elles, ó a exploração do caminho, e o governo comprou-o livre de quaesquer encargos, sem saber sc elles existiam, e sem sufficiente garantia.

Que garantia tem o governo para no caso de não ser approvado o projecto em discussão, tornar a haver aquelle preço ? O mesmo caminho! Porém vale o caminho esse preço, não valerá muito menos?!

Por qualquer lado pelo qual se considere a compra feita pelo governo, é insustentável. O governo commetteu uma violação flagrante da carta em muitos dos seus artigos, c fez um contrato ruinoso para o paiz.

A companhia não gastou talvez mais do que a subvenção em dinheiro c em madeiras para a construcção do caminho, c estas duas verbas andam por novecentos e tantos contos de réis. Agora recebeu -outro tanto! E um dos grandes negócios que se têem feito n'este paiz, e n'isto não vejo eu senão a consequência do empenho do governo em comprar o caminho por qualquer preço e por qualquer modo, sem attenção á constituição, ás leis e aos interesses do paiz! Bem haja a companhia. Se o governo não attendeu a estes interesses, a companhia attendeu aos seus.

Custa o caminho ao estado perto de 1.900:000)51000 réis! E vale-os!

E quanto ha de custar mais! Quanto ha de custar a obra das estações e das vedações, por acabar? Quanto hão de custar as obras necessárias e indispensáveis para melhorar o embarque e o desembarque, que se faz hoje (quando o estado das marés não permitta que os vapores se approxi-mem da ponte) em pequenos barcos e canoas, com grande incommodo dos passageiros e tal demora muitas vezes, que é mais o tempo que se gasta no embarque e desembarque, do que se consome em toda a linha até ás Vendas Novas!

E poderá conseguir-se, ainda á custa de uma grande despeza, aquelle melhoramento? Duvido: os homens entendidos e práticos da localidade dizem que não; e que o local do embarque e desembarque tem de ser mudado. A companhia também assim o entendeu; mas contra a sua, prevaleceu infelizmente a opinião do seu engenheiro em chefe e a do engenheiro do governo.

E ainda, sr. presidente, tem de despender-se uma grande somma com o alargamento do caminho, para ficar todo o do Barreiro a Évora e Beja com a mesma largura. Já o sr. ministro das obras publicas nos deu a satisfação de sabermos que não custará mais de 500:000$000 réis, e poderá mesmo custar menos. Mas esta despeza, para que a companhia teria ao menos de concorrer no seu próprio interesse, carregará toda sobre o paiz.

Em troco de tanto desprezo pela constituição e pelo corpo legislativo, e de tantas despezas, tantos sacrifícios que

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vão pesar sobre o paiz, apresenta-nos o governo a vantagem de cessarem certas condições estipuladas na concessão feita á companhia.

A concessão á companhia (diz o governo) foi feita por noventa e nove annos, e devendo n'este espaço o ferro, o carvão, as machinas e mais objectos necessários para a exploração ser isentos de direitos, vinha d'aqui ao thesouro uma grande perda!

O governo sabe que passados trinta annos pôde ser remida a concessão, e o usofructo do caminho passar para o estado, e sabe também que esses objectos ou não pagam boje direitos, ou os pagam muito diminutos; e assim a importância dos direitos restringida a trinta annos não pôde ser muita. Mas ouvi eu dizer — a admissão livre de direitos pôde dar occasião a contrabando—. É esta uma rasão que não pôde produzir-se; a companhia está sujeita ás medidas fiscaes, e nem era necessário que isto fosse estipulado no seu contrato.

As tarifas são elevadas, diz mais o governo, e convém reduzi-las, e para isso não ha provisão alguma no contrato, porque as que ha dependem do accordo da companhia; e se ella não concordar com o governo, as terifas conser-var-se-hão na mesma elevação! A diminuição das tarifas é principalmente do interesse das companhias, a quem compete a exploração, porque a elevação d'ellas diminue a concorrência; não pôde portanto receiar-se que as companhias as não reduzam no seu próprio interesse; mas se o não fizerem podem ser revistas passados dois annos depois de começar a exploração, e devem-o ser depois de quatro em quatro annos. Se a revisão depois dos dois annos tem de ser feita precisamente de quatro em quatro annos, forçoso é que haja um meio de estabelecer para isso o accordo necessário, e este não pôde ser senão o que se estabelece nos outros contratos d'esta natureza em relação ás tarifas, ou o que se determina em todos elles para resolver as questões que se suscitarem entre o governo e as companhias.

Uma das grandes vantagens da compra achou-a o governo no restabelecimento, para o futuro, do imposto de transito sobre os passageiros e mercadorias, imposto admittido em todos os contratos, menos no do caminho do Barreiro. A importância do valor d'este direito diminue muito, considerando-o limitadoj não a noventa e nove, mas a trinta annos, e em qualquer caso não pôde ser equivalente ao que O governo dá de mais á companhia em attenção aquella vaniagem. Mas alem d'isto a isenção de impostos concedida á companhia pelo contrato não pôde nunca comprehender o do transito.

Eu não sei que mais vantagens o governo descobriu na compra; e essas creio eu que as descobriu depois de ter contratado; a pressa não lhe deixou tempo para pensar n'ellas, e não foram do certo essas vantagens que o determinaram a comprar.

Sou informado de que havia muito tempo que a companhia tinha proposto ao governo a compra d'essas vantagens; sou também informado de que o governo sabendo do contrato que a companhia acabou de fazer, não faltando senão reduzi-lo a escriptura publica, não se oppozera logo, e só depois intimara a companhia, de accordo com o presidente d'ella, para não vender, declarando logo que comprava tanto por tanto, isto é, pelo preço e com as condições com quo a companhia venderia a outro. Tudo isto é notável, a pressa, a precipitação era tanta, que na mesma portaria em que era interessada' a companhia para não vender, o governo sem mais tratar com ella se obrigava a optar pelo preço, e com as condições que talvez ignorava ainda.

Esquccia-me, sr. presidente, de fazer ainda uma reflexão. O que quer o governo fazer do caminho? Quer explora-lo? Maior será ainda a perda. Todos sabem o que é uma administração por conta do estado; também isto se devia ter em conta. E verdade quo hoje está commettida a administração do caminho de ferro do Barreiro a um empregado distincto pela sua honra, pela sua probidade e pelos seus talentos; mas terá sempre assim? Terão todos o mesmo zelo que elle, e a mesma dedicação no desempenho dos seus deveres?

Sr. presidente, não quero abusar da paciência da camará; concluo que julgo indisculpavel o procedimento dò governo, e ruinoso o contrato que elle fez, e que por isso não posso approvar o parecer do projecto em discussão. Não o approvo na generalidade, nem o approvarei em nenhum dos seus artigos.

O sr. S. J. de Carvalho: — Sr. presidente, folgo de ver que nenhum dos dignos pares presentes tem pedido a palavra, inserevendo-se a favor do projecto que se discute, o esta demonstração é já auspiciosa para mim, porque dá a entender que, com effeito, o espirito da camará ó contra o projecto que se discute, pois que, se o não fosse, alguns dos meus nobres collegaa teria já com certeza pedido a palavra. Folgo portanto de ver esta demonstração do espirito da camará contra o projecto em discussão, o que em quanto a mim prova já sufficientemente a favor da justiça da causa que eu sustento, e que sustentamos os que impugnamos o projecto.

Sr. presidente, a questão que se discute, tem duas faces distinctas, e apresenta-se-nos sob o duplo aspecto de uma questão económica importante, e de uma questão politica de não menor alcance e importância; como questão económica, devemos para a sua exacta e imparcial apreciação, abstrahir de quaesquer rasões politicas que se possam produzir condemnando a forma porque o governo a apresentou ao parlamento; como questão politica, porém, é impossivel aprecia-la desapaixonadamente, sem apreciar as rasões económicas, as rasões de grande conveniência publica, que levaram o governo a preterir todas as formulas constitucionaes, e apresentar ao parlamento, não um negocio para resolver, note,bem a camará, mas um negocio já resolvido.

Assim, se as rasões de grande conveniência publica que obrigaram o governo, sem o concurso do parlamento, sem a assistência e opinião dos corpos consultivos, a comprar o caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas, forem conscienciosamente reconhecidas, a camará poderá relevar o governo pelo acto inconstitucional que praticou; mas o que não pôde nem deve fazer, o que repugna á indole essencialmente conservadora da camará dos pares, obrigada a zelar o cumprimento rigoroso dos principios da carta constitucional, é abstrahir da questão económica, e aceitando o facto consumado da illegalidade que o governo commetteu, sacrificar á questão politica a questão económica.

Sr. presidente, presto uma sincera homenagem do respeito á independência e illustração d'esta camará, por isso declaro, que não julgo que haja um único dos seus membros, que tente attenuar a responsabilidade moral do seu voto, com a consideração de que a questão é uma questão politica, e que votar contra ella é votar contra o governo. A questão económica ha de ser julgada pelo que ella valer, e a camará ha de determinar o seu voto pela sua convicção, vendo as rasões que se possam produzir a favor d'este projecto, e avaliando-as na esphera superior ás paixões partidárias, que não podem, que nem devem influir na decisão de um negocio, de sua natureza estranho á politica, e que interessa igualmente todos os partidos, porque interessa deveras a causa pubiica.

Sr. presidente, dada esta demonstração de respeito pela independência da camará, julgo que por forma alguma offenderei a sua susceptibilidade, declarando que a mais funesta consequência a que nos pôde levar o despreso pelos principios constitucionaes, é fazer com que em questões d'esta ordem o governo pese com toda a força de sua influencia, intervindo na sua decisão, e fazendo com que se resolvam mais por espirito de partido do que pelo exame reflectido das circumstancias que as recommendam.' Lamento pois que o governo apresentando a esta camará uma questão económica de tão grande alcance, lhe imprimisse o cunho de uma questão politica, e que preterindo todas as formulas, constitucionaes que a lei o obrigava a seguir, apresentasse a questão económica subordinada á questão politica e essencialmente ligada ao acto inconstitucional que commetteu.

Mas que rasões aconselharam esse acto, que motivos determinaram o governo a constituir-se em dictadura á face do parlamento? Porque o vemos ahi de corda ao pescoço, pedindo a absolvição parlamentar?... As rasões ainda não as adduziu nenhum dos srs. ministros, mas por isso mesmo eu procurarei encontra-las no relatório que acompanha a proposta de lei que foi apresentada á outra camará. Diz o governo, que havendo-lhe constado que a companhia nacional dos caminhos de ferro ao sul do Tejo, estava a ponto de fazer trespasse do seu contrato, o que elle governo julgava muito prejudicial aos interesses da causa publica: «Entendeu ser do seu rigoroso dever oppor-se á realisação de similhantes negociações pelo único modo que lho era possivel, offerecendo á já mencionada companhia o mesmo preço que lhe era promettido pelo trespasse dos seus direitos.»

Ha aqui com effeito um erro notável de expressão; o governo não offereceu, deu o preço porque a companhia trespassava o seu contrato, não celebrou um contrato provisório, celebrou um contrato definitivo, deu em metal sonante 235:000$000 réis, e em letras ou titulos á ordem a quatro, oito e doze mezes do data 70-1:000^000 réis. Mas porque não celebrou o governo urn contrato provisório e não veiu pedir ao parlamento a sua approvação? Dever-se-ha suppor que o não fez para transigir com as exigências da companhia? Mas apresentaria ella taes exigências? Creio que não, porque o governo não o demonstra, e nenhumas rasões as justificariam, se ellas sé houvessem apresentado por parte da companhia. Os documentos faliam bem alto e dizem: que se o governo se obrigou d'esta maneira e com tal precipitação, foi só por impulso da sua vontade e por entender que assim lhe convinha.

No officio que a direcção da companhia dirige ao governo, em resposta á portaria em que o governo lhe commu-nica que a não auctorisa a effectuar o trespasso do contrato, não se oppõe nenhuma objecção á resolução do governo.

A direcção da companhia limita-se a responder: «Que n'estas circumstancias (áquellas em que ficara a companhia na impossibilidade de realisar a venda projectada), só resta que v. ex.a nos indique o modo regular e honroso por que a direcção ha de cumprir as ordens do governo, pondo-a a coberto de toda e qualquer responsabilidade futura». É isto o que a direcção da companhia se limita a dizer ao governo.

A companhia não oppoz nenhuma objecção á vontade e ás determinações do governo, o que lhe pede é que a ponha a coberto da responsabilidade em que podia incorrer para com o individuo com quem estava negociando o trespasso da linha; e que lhe indique o governo o modo por que ella ha de cumprir as suas ordens. Este officio tem a data de 2 de agosto, e o governo respondeu celebrando o contrato em 6 do mesmo mez! A companhia não diz ao governo que celebre com ella um contrato definitivo, não exige que o governo para garantia da sua palavra, salte por cima. da lei, preterindo todas as formulas constitucionaes, e celebrando um contrato para que lhe falta a auctorisação do parlamento; a companhia, note bem a camará, diz apenas ao governo: respeito as vossas ordens, e indi-cae-me o meio regular e honroso de as cumprir (leu).

Nem se diga por caso algum que a direcção da companhia exigira do governo a celebração do contrato definitivo, o governo tem a consciência de que tinha na sua mão um instrumento forte, para responder a essa exigência, se ella se houvesse dado por parte da companhia, e d'essa

arma fez elle uso, quando tentou vencer as difficuldades que se levantavam contra a resolução do governo por parte do individuo que pretendia obter o trespasse da linha, appellando n'essa conjuntura para o direito que lhe assistia, e cuja brilhante demonstração o governo apresenta no officio que vou ler á camará, e que recommendo á sua attenção, porque é um documento curioso. Diz o governo n'esse officio dirigido ao sr. D. José Salamanca:

«E incontestável o direito do governo a não consentir que o usofructo e exploração das linhas férreas, que fazem parte do dominio publico, seja trespassado pelos concessionários, sem auctorisação e adherencia do mesmo governo. Este direito não se deriva nem do contrato de 24 de julho, nem da lei que o approvou em 7 de agosto de 1854. E um direito preexistente e superior ao mesmo contrato de que o estado não prescindiu, e que o governo ha de manter sempre a respeito de todos os concessionários de trabalhos públicos.»

Já a camará vê emquanto á questão de direito que o governo como o demonstra ao individuo a quem dirige este officio, tem direito incontestável de optar, que tem o direito de preferencia em relação aos outros concorrentes, e que tem o direito de excluir os que não offerecerem as condições de capacidade para lhes poder ser adjudicada qualquer empreza, isto é'o que significa o direito de intervir no traspasse dos contratos que o governo houver celebrado com qualquer companhia; e se tal direito não significa isto, então nada significa como terei occasião de provar acamara.

(Continua o officio.) «O governo exerceu este direito determinado exclusivamente por considerações de interesse publico.»

Por considerações de interesse publico!... Mas que considerações são essas? Porque as não allega o governo perante a camará? Porque as não prova com documentos em vez de as insinuar apenas nas asserções vagas do seu relatório ?

Considerações de interesse publico! A camará verá que essas considerações dc iuteresse publico obrigavam o governo a não fazer o que fez.

(Continua lendo) «Não quiz ferir os interesses quev. ex.a representa, nem desconsiderar a sua personalidade, porque nào foi movido de rasões pessoaes que negou aquella companhia auctorisação para realisar a venda que com v. ex.a projectou contratar.»

Dispenso-me de ler o resto do officio em que o illustre ministro em frases lisonjeiras dá uma demonstração de consideração pela personalidade respeitável que intervinha também n'esta negociação.

Pergunto, porém, qual é o motivo porque o governo se não mostrou cônscio do mesmo direito, quatído se apresentou negociando perante a companhia? S. ex.a pôde dizer que foi em virtude d'esse direito que elle interveiu na compra, é verdade, mas em virtude d'esse direito é que o governo não podia intervir como interveiu.

O governo tem com effeito o direito de preferencia, tem o direito de opção, mas esse direito não pôde ser exercido como o governo o exerceu, porque sendo assim, eu vou mostrar á camará quaes eram as consequências a que eSjfe principio nos levava. Estabeleçamos a hypothese. O governo concede a qualquer companhia por adjudicação a construcção e exploração de uma linha de ferro ou de qualquer outra empreza de interesse publico; esta adjudicação é feita por um contrato, que estabelece direitos e obrigações entre ambas a3 partes contratantes ; o trespasse d'esse contrato não pôde ser feito pelo concessionário sem auctorisação do governo, por isso que prescrevendo-o contrato obrigações ao concessionário, é necessário que o governo veja se o emprezario a quem o concessionário trespassa o contrato dá ao governo as garantias sufficientes de que o ha de cumprir, porque se não o fizesse iria-dar a esse emprezario uma linha de caminho de ferro ou outra qualquer empreza de interesse publico, sem que este lhe desse as garantias necessárias de que satisfaria as obrigações que tinha contrahido; por consequência o governo tem o direito de intervir no trespasse de taes contratos, e pôde intervir de dois modos: excluindo qualquer dos concorrentes, ou preferindo pelo direito de opção a todos elles, em igualdade de circumstancias. Quando o governo se limita a excluir da concorrência qualquer individuo que não apresente as condições de capacidade necessárias, como é a de solvi-bilidade e como poderão ser outras muitas, pôde faze-lo por um acto puramente administrativo, sob sua responsabilidade, mas sem concurso do parlamento; quando porém o governo faz mais do que isso, quando vae mais longe, quando exerce o direito de opção, não o pôde fazer, sem o concurso do parlamento, porque vae remir um contrato, e para o remir ha de celebrar outro contrato por titulo oneroso e não o pôde fazer sem auctorisação do parlamento e sem que o parlamento lhe vote os meios para satifazer taes encargos. É se assim não fosse, se o governo em virtude do direito de opção podesse remir o contrato com qualquer companhia adjudicando a si a empreza, teriamos que esse direito punha o governo superior á constituição; teriamos que esse direito dava ao governo attribuições que elle não tem; teriamos que esse direito ia cercear as prerogativas do poder legislativo.

Por consequência o direito de opção que o illustre ministro reconhece é verdadeiro, mas o modo por que s. ex.a o exerceu é que é absurdo e completamente subversivo de todas as praticas constitucionaes. Ora eis o ponto a que nos levava o acto inconstitucional que o governo praticou, se a camará, approvando-o, sanecionasse tal principio.

Sr. presidente, eu disse ha pouco, que o governo vinha aqui de corda ao pescoço pedir o bill de indeminidade, mas não disse bem, porque o contrario é que è verdade, nós é que eátamos de corda ao pescoço para lh'o conceder! Pela

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minha parte, confesso que não encontro expressão para traduzir o sentimento de verdadeira surpreza que se possue do meu espirito, quando vejo negócios de tanta transcendência tratados com a irreflectida precipitação com que foi tratado por parte do governo este negocio que discutimos; precipitação que aliás devemos condemnar, mesmo nos menos importantes actos da publica administração. A camará verá no correr da discussão como o governo desprovido de todos os cálculos, de todas as bases para poder justificar o contrato que celebrou, se apresenta ao parlamento pedindo-lhe que sanccione um acto cuja importância elle próprio desconhece, porque se a não desconhecesse demonstra-la-ia á camará comprovandoa com documentos, que a habilitassem a pronunciar o seu voto depois de reflectida e profunda apreciação da questão que se discute. Mas fez o governo isso? Não o fez: e ainda ha pouco viu a camará, pela res posta que o sr. ministro das obras publicas deu á perguntas que eu lhe dirigi, tendentes a obter de s. ex.a alguns esclarecimentos necessários para esta discussão, ainda ha pouco, digo, a camará viu, que o governo se apresente falho de todos 03 elementos para poder illustrar o debate! É realmente incrivel que depois de tantos annoé de vida constitucional, depois de trinta annos de vida parlamentar, succeda o apresentar-se um governo perante o parlamento, escondendo-se atraz da sua maioria e dizendo: se tendes confiança em mim votae o contrato, e jurae na fé das minhas palavras, que tanto basta para tranquillisar as vossas consciências. Eu creio que esta camará ha de dar o seu voto com toda a consciência e independência, e que para isso ha de ponderar devidamente as rasões que o governo possa apresentar para justificar o projecto, e as que nós produzirmos para o combater. Emquanto porém á questão politica creio que difficilmente o governo se poderá justificar por forma tal que a camará o deva absolver de ter praticado o acto mais inconstitucional que tem sido apresentado ao parlamento.

Pelo que respeita porém ás rasões económicas, pergunto quaes são ellas? O sr. ministro das obras publicas conser-va-se silencioso, e não vejo tenção em s. ex.a de pedir a palavra para dar explicações e esclarecimentos sobre esta matéria.

O sr. Ministro das Obras Publicas:—Eu já pedi a pa-lsvra quando estava fallando o digno par o sr. Aguiar.

O Oraãor: — Eu não reparei n'isso, aliás não teria feito tal observação. Ainda bem que s. ex.a se não quer esquivar ao debate: talvez o nobre ministro deseje ouvir primeiro as rasões e argumentos da opposição, para lhes responder em globo, comprehendendo-os em uma synthese brilhante.

Será assim. Mas como não ouvi ainda a defeza do sr. ministro dada n'esta casa, e estou usando da palavra, vou referir-me ás rasões adduzidas no relatório que precede a proposta que s. ex.a apresentou ao parlamento.

Sr. presidente, a primeira rasão que se dá no relatório para justificar a compra do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e ramal de Setúbal, é a da necessidade de uniformisar as condições das duas linhas, adoptando o mesmo typo para a largura das duas vias, typo que a camará sabe que era differente, por isso que o adoptado na linha de Barreiro ás Vendas Novas era de lm,44 ao passo que o da de Beja a Évora é de lm,67. Ora a camará facilmente comprehenderá, que os encargos d'esta reconstruc-ção da linha hão de necessariamente ser muito grandes; e tanto isto é assim, que o illustre ministro ha pouco teve já occasião de o confessar á camará.

S. ex.a disse, que se o governo negociasse com a companhia esta obra de reeonstrucção da linha, a companhia não exigiria de certo por tal encargo uma somma inferior a 500:000$000 réis. Em vista d'isto já a camará vê o quanto é pesadíssimo este encargo: nem pôde deixar de o ser, porque a obra é importante, e creio que com propriedade lhe chamo reeonstrucção da linha, porque com effeito equivale a uma reeonstrucção.

Não é só o material circulante que se inutilisa com o alargamento da via; grande parte da madeira que foi empregada na sua construcção fica igualmente inutilisada, acrescendo ainda que ha grandes movimentos de terra a fazer; porque se o fim do governo é uniformisar as condições das duas linhas ha de também fazer os nivelamentos de terreno necessários para poder 'assentar a segunda via quando a necessidade da exploração o exigir, porque é essa uma das eondições da linha de Évora e Beja.

Eu não quero metter fouce em seara alheia, mas devo confessar que se me figura que o encargo em questão é muito grande, e mesmo superior ao que inculca o sr. ministro; e creio que o governo ainda não conhece verdadeiramente qual a importância d'esse encargo: mas dado mesmo que seja de 500:000$000 réis temos de o addicionar ao preço da compra; assim como teremos de o deduzir do preço da venda se o governo trespassar a linha a qualquer companhia; e para que a camará veja como essa operação ha de trazer grande perda ao thesouro, bastará dizer que o preço em que o caminho importa já ao governo é de perto de 2.000:000$000 réis, juntando o valor da subvenção á importância da compra; e encontrará o governo qualquer companhia a quem trespasse o caminho por um preço superior á 400:000$000 réis, quando o encargo immediato a que a companhia se vae sujeitar desde logo é de 500:000#000 réis ?

Sr. presidente, este negocio não traz só um grande encargo para o thesouro, como já demonstrei, traz também um descrédito para os poderes públicos que deixam correr assim á revelia os negócios e interesses do paiz. Quando se souber de futuro que o governo deu 2.000:000j$i000 réis por um pequeno traço de um caminho de ferro, e que depois o vendeu por 300:000^000 ou 400:000$000 réis, é prová-

vel que se não faça uma idéa muito lisonjeira do espirito de economia da nossa administração. (O sr. Conãe ãa Louzã:— Apoiado.)

A segunda rasão com que o governo pretende justifiar a proposta de lei que apresentou, consiste na necessidade de reformar as tarifas que regulam os preços dos transportes na linha do Barreiro ás Vendas Novas, adoptando as tarifas francezas em vez das inglezas que ali vigoravam. Ora sendo as tarifas francezas mais baixas que as inglezas, a camará comprehenderá facilmente a importância desta substituição em relação ao interesse publico, e ao próprio interesse das duas linhas, mas este facto importante em si, e incontestável em these, deixa de o ser no caso presente, na hypothese em que estamos. Com effeito será grande a vantagem que resulta d'essa modificação em uma pequena linha de 70 kilometros? Conviria que o governo a troco de um gravíssimo encargo para o paiz obtivesse apenas esta pequeníssima vantagem? Duvido muito de que o paiz se lisongeie com o presente que se lhe fez (apoiados)! De mais a companhia em seu próprio interesse não era ella mesma que havia de regular o negocio do modo que melhor lhe conviesse? Não é certo e sabido que na companhia de leste estão em uso as tarifas francezas, sem embargo do que o concessionário tem feito algumas alterações favoráveis ao interesse da circulação? Depois, se o governo queria somente obter esse fim, seria para isso necessário adjudicar a si a linha? Não podia conseguir o mesmo fim com as próprias prescripções do contrato de 7 de agosto de 18Õ4. O contrato diz:

Artigo 30.° Dois annos depois da abertura do caminho de ferro o governo poderá mandar proceder á revisão das tarifas, de accordo com a companhia.

§ único. D'essa epocha em diante a revisão será feita toados os quatro annos.

Por consequência pergunto eu: se a reducção se podia fazer usando o governo da liberdade que lhe conferem estas prescripções do contrato, porque não tentou esse meio? Talvez s. ex.a me responda que ainda assim o máximo vem estabelecido n'uma das prescripções do contrato, e que não era possivel obter da companhia concessões tão amplas quanto por interesse publico seria necessário que se obtivessem. É possivel, mas eu peço á camará, visto que o meu desejo é fallar conscienciosamente, que permitta que lhe diga que esta questão é sempre pequeníssima, por isso mesmo que para uma linha de 70 kilometros é cousa insignificante, mesmo para o interesse publico, qualquer modificação nas tarifas. E peço á camará que pondere bem a circumstancia de que os interesses da companhia, a sua própria conveniência a obrigavam a modificar a tarifa, para a ter sempre em harmonia com as exigências do interesse publico por um principio económico que rege todos estes casos, principio que não é mais do que a manifestação da lei económica do equilíbrio entre a offerta e o pedido. Vejamos como o governo continua justificando o projecto (leu).

Alem d'isto á companhia exploradora d'esta linha se con cedeu por noventa e nove annos a entrada, livre de quaesquer direitos, de todos os materiaes, machinas e utensilios necessários para a construcção do caminho e sua exploração.

Este é o cavallo de batalha do ministério; a sua ma-china de guerra é esta, este é o vaivém com que espera destruir as muralhas da opposição; todavia o argumento é de pequena importância, e a camará vae ver se elle effectivamente tem o valor que o governo lhe pretende dar. A companhia concedeu-se pelo contrato de 7 de agosto a entrada livre de todos os direitos, de todos os materiaes, machinas e utensilios necessários para a construcção e exploração da linha; mas note v. ex.a e note a camará, que a maior importância d'e9ta clausula está nos dois primeiros annos, porque depois da linha construída os materiaes necessários para a conservação d'ella são de muito menor importância do que os que foram necessários para a sua construcção, e portanto este privilegio, a ter um grande valor, é durante a epocha da construcção da linha, mas durante essa epocha têem sido concedidos taes privilégios a outras emprezas, lá os encontrámos também no contrato que o governo celebrou com a companhia ingleza, alem de que a isenção de que se trata podia ter toda a importância, se as tendências da nossa reforma aduaneira não fossem no' sentido da liberdade, graças porém ás idéas económicas do illustre ministro da fazenda, caminhámos n'esse sentido ainda que pausada e paulatinamente. É natural porém que s. ex.a continue sustentando as idéas que tem manifestado tanto n'esta como na outra camará do parlamento, e a ser assim essa reforma matava todos estes priyilegios. Note a camará que uma das isenções principaes, a do direito que pagava o carvão, só hoje não vale nada, porque pela ultima reforma o carvão de pedra não paga direitos; mas alem d'isso o privilegio não consiste na duração por espaço de noventa e nove annos, como diz o relatório do illustre ministro, o governo pôde remir a concessão no fim de trinta annos. E a propósito direi, que a previsão do governo estabeleceu no contrato o modo como se devia fazer a liquidação da companhia no caso de remissão, e que o governo actual quando não tivesse outra base devia ao menos procurar conhecer o valor do caminho que comprou pelo rendimento da sua exploração. Quando essa base não fosse sufficientemente segura, ao menos sempre valia mais do que a base de que parece haver-se servido o illustre ministro quando julgue que o preço da compra é rasoavel só porque o preço de 13:500^000 réis por kilometro lhe não parece exagerado para qualquer caminho de ferro, como s. ex.a ha pouco declarou á camará.

Diz se, para reforçar os argumentos adduzidos a favor do projecto que se discute, que quando o privilegio de que tratamos não valesse pelo uso, valia bastante pelo abuso

que d'elle podia fazer o concessionário, isto é uma referencia á questão do contrabando, e penso que mesmo o illustre ministro alludiu a ella na outra casa do parlamento, dizendo que a fiscalisação era difficil; mas, a dizer a verdade, não sei como essa idéa se possa sustentar por parte do governo, sem que elle por esse facto irrogue uma grave censura á repartição a que compete essa fiscalisação, e pela qual só podem dar entrada os materiaes, machinas e utensílios a que a isenção do, contrato se refere, porque a condição do contrato é expressa (leu).

Artigo 41.° O governo concede, debaixo da sua fiscalisação, a entrada livre de quaesquer direitos, pela alfandega grande de Lisboa, a todos os materiaes, machinas e utensilios necessários para a construcção do caminho de ferro, e para a sua exploração durante o praso estabelecido n'este contrato.

Por consequência se o contrabando se fizesse á sombra do privilegio, o illustre ministro não se devia pronunciar contra elle, mas contra a fiscalisação da repartição competente.

O outro privilegio é a isenção de toda e qualquer contribuição geral ou local.

É este um dos privilégios concedidos á companhia que mais do que nenhum pôde ser explorado na discussão como argumento a favor da compra do caminho, porque só por esta isenção se pôde julgar o estado privado de um rendimento importante. Será bom porém que a camará se lembre que este mesmo privilegio está em todos os outros contratos; no contrato celebrado com a companhia ingleza en-contra-se a mesma isenção por espaço de vinte annos; e em alguns porém o que está especificado é que o governo poderá lançar 5 por cento sobre o transporte de passageiros e mercadorias; mas esse não é de certo o fim do illustre ministro, porque tal fim seria repugnante com a reforma das tarifas que o governo deseja modificar sobre o pretexto de que são exageradas inconvenientemente; assim eu acho provável que o governo não lance mão d'este meio, e que continuará existindo 'a isenção de toda e qualquer contribuição geral ou local, mesmo quando o governo trespasse a linha a qualquer companhia.

Outro argumento que o governo apresenta no seu relatório é, que sendo a companhia obrigada pelo contrato apenas a conduzir as malas do correio nos seus comboyos ordinários, é necessário recorrer a convenções especiaes quando o governo carecer de comboyos extraordinários para a con-ducção da sua correspondência.

Não sei bem o que vale esta consideração, mas devo suppor que não valerá muito. Pelo contrato de 7 de agosto tinha a companhia a obrigação de transportar a correspondência do governo e diz o artigo (leu).

Artigo 35.° As malas do correio serão tranportadas gratuitamente em wagons bem acondicionados.

Artigo 37.° Quando o governo carecer de comboyos extraordinários para a conducção de sua correspondência, pro-ver-se-ha a isso por meio de convenções que se celebrarão para cada caso.

Por consequência o governo quando sentisse a necessidade da companhia lhe ministrar um comboyo extraordinário para a sua correspondência podia faze-lo segundo as condições do mesmo contrato, e isso não traria de certo um grande encargo para o governo.

O governo limitou-se a apresentar estas considerações, e entendeu que com ellas satisfazia cabalmente não só o desejo que o parlamento tinha de se convencer da utilidade da medida que o governo propunha, mas mesmo que assim satisfaria as exigências da imprensa, que censurava o myste-rio em que este negocio parecia envolvido. Emquanto a mim confesso que taes considerações me não satisfazem e declaro que á precipitação com que o governo conduziu esta questão só corresponde a inviolabilidade do segredo que sobre ella conservou. E espero, que a camará dando a estas ponderações do sr. ministro a importância que ellas intrinsecamente merecem, lavre um protesto contra a pratica abusiva de vir aqui um governo pedir um bill de indem-nidade, sem trazer á camará todas as provas documentaes que podessem provar que só por circumstancias imperiosas saiu íóra da lei.

O governo por não fazer isto, teve até difficuldades em apresentar ¦& camará os poucos documentos que nos foram presentes, "e isto confessando o governo que estava na sua mente ha muito tempo negociar com a companhia o trespasse d'este contrato! Esta é uma asserção que s. ex.a apresentou no relatório, e que a ser verdadeira obrigava o governo a ter os esclarecimentos que confessa não existirem, e isto é mais uma prova de quanto se abusou, porque o governo não pôde conhecer nem as condições da linha, nem o seu valor, pelo relatório de uma commissão de inquérito que visitou a linha ha seis ou oito mezes.

Se o governo tinha a idéa de comprar a linha, devia primeiro procurar saber o que ella valia, para isso não devia recorrer á opinião de uma commissão que o governo nomeou ha oito mezes.

E3te negocio foi conduzido do modo mais irregular possivel, este negocio constitue um precedente terrivel na nossa historia parlamentar, se a camará o sanecionar approvando o procedimento do governo.

O illustre ministro das obras publicas devia ter por todas as rasões muito mais contemplação com a opinião parlamentar; isto é o que elle não tem quando confia decididamente no seu apoio, sem primeiro tratar de o merecer pelos actos da sua administração.

Sr. presidente, ninguém ignora que nÓ3 estamos em condições desgraçadíssimas, para que nos possamos arriscar a emprezas desta ordem; os encargos que pesam sobre o,thesouro são gravíssimos; o nosso deficit é espantoso, e apesar de todas as famosas combinações arithmeticas do sr. mi-

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niBtro da fazenda, vemos que o deficit não diminue mas ao contrario augmenta; e é exactamente n'estas condições desgraçadas, quando lutamos com um grande deficit aggra-vado com os encargos que se têem votado n'esta sessão, é n'esta conjunctura que o ministério vem temerariamente in-volver-se em uma empreza d'esta ordem, cujo resultado por mais de uma rasão se deve suppor bem funesto para í os interesses do paiz.

Sr. presidente, foi ha poucos dias apresentado na outra camará um calculo sobre a emissão a que nos havemos de soccorrer para acudir aos novos encargos do thesouro; esse calculo ainda não foi impugnado por parte do sr. ministro da fazenda, nem o podia ser, porque é exacto. Calcula-se em 18.000:000)?000 a 20.000:000^000 réis que temos a emittir em inscripções, e é exactamente quando corremos por esse plano inclinado que nos pede conduzir ao abysmo, que se desprezam todos esses voos rasgados que elevam os governos, não á altura da sua missão, mas á altura elevada a que nenhum ministro se levanta sem perigo de cair ingloriamente, arrastando também comsigo o credito publico.

O sr. Presidente: — Peço á camará que me conceda a palavra.

O sr. Ministro da Fazenda: — Peço também a palavra. O Orador: — Sr. presidente, não dissimulemos nem encubramos sob o véu de um silencio convencional o que todos sentimos, e o que todos confessamos. O sr. Vellez Caldeira: — Peço a palavra. O Orador: — As condições do nosso estado financeiro são desgraçadas, e é necessário que não tenhamos escrúpulo de levantar a prega do véu com que pretendemos cobri-las, e escondendo-as aos olhos do publico, como se elle as não conhecesse! O paiz sabe que ao passo que o governo corta largo na receita publica, para acudir a encargos como estes que acaba de crear pelo projecto que discutimos, cerceia as despezas a que indispensavelmente estamos ligados se quizermos encetar vida differente da que temos seguido até hoje.

Não votou a camará ha poucos dias o subsidio de réis 150:000)51000 para Angola? Quando o governo se arrisca a perder uns poucos de centos de contos de réis na desgra cada compra do caminho de ferro, é que contempla aquella importante colónia com um pequeno subsidio que se ha de sumir na voragem das despezas correntes!

Veja a camará como se cura do desenvolvimento das nossas colónias, desenvolvimento a que aliás devemos prestar toda a attenção, se não quizermos que venha cedo o dia em que mão estrangeira no-las roube sob o pretexto de expropriação por utilidade publica!

Mas como satisfaremos nós também os outros encargos de administração publica?

Pois a camará não conhece que retribuímos miserável mente o serviço publico? Eu podia ler as verbas que no orçamento estão votadas para a instrucção publica, epara todos os outros ramos de serviço da maior importância e transcendência, e a camará veria como corta cerce por taes despezas a mão que se abre pródiga para outras como esta que hoje discutimos.

Ainda ha bem pouco tempo, que n'esta camará se votou um projecto pouco importante, e que apenas poderia augmentar de alguns ceitis a despeza do thesouro, levanta-ram-se porém logo grandes escrúpulos contra a sua doutrina, moralisaram a despeza, julgou-se que a nossa situação financeira periclitava porque apenas se creava um encargo pequeníssimo, praticando-se um acto de justiça; hoje, porém que o governo se apresenta a pedir que se lhe sanc-cione uma medida, em consequência da qual se vae crear um encargo gravíssimo para o thesouro, vejo que nada se djz, e que esta demonstração de silencio, que podia ser auspiciosa para os que combatem o projecto,- não passa, como principio agora crer de uma demonstração de assentimento para com a opinião do governo, e de approvação pela proposta que se discute: tendo dado a hora pedia a v. ex.* que me reservasse a palavra para a sessão de amanhã. (Vozes: — Deu a hora).

O sr. Presidente: — Se o digno par quer continuar ainda pode-o fazer, porque as sessões devem durar tres horas.

O sr. S. J. de Carvalho:—Agradeço muito a v. ex.*, mas estou bastante incommodado, e dou por concluído o meu discurso.

O sr. Presiãente: — Então tem a palavra o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Ministro ãas Obras Publicas:—Pede por um pouco a attenção dos dignos pares, porque não podendo amanhã comparecer á sessão d'esta camará por objecto de serviço, deseja dar todas as possíveis explicações acerca do que têem dito os dois illustres oradores que o precederam.

Tendo sido muitas as considerações que fizeram os dignos pares que acabaram de fallar, procurará quanto isso lhe for possivel responder ás mais essenciaes; mas antes de o fazer pede que lhe permitta a camará encarar a questão por um lado novo, que se tivesse sido examinado pelos dignos pares, talvez ss. ex.as não tirassem as conclusões que tiraram. A primeira cousa que convinha saber era o custo da linha férrea do sul das Vendas Novas ao Barreiro, e as condições do seu contrato; e comparar depois a epoebia da sua construcção com aquella em que se acha hoje, em relação á communicação accelerada, para d'aqui concluir se era conveniente que deixasse de continuar aquelle caminho depois dos contratos feitos. Tínhamos uma estrada ordinária das Vendas Novas a Elvas e á raia hespanhola, e tinha-se hesitado por muito tempo se devia concluir-se a porção da estrada entre Vendas Novas e Aldeia Gallega, porque uma estrada ordinária n'estas nove léguas seria muito despen diosa. Por um lado vendo-se que era exagerada a despeza que se exigia para uma estrada ordinária, e por outro lado

vendo que se podia obter um caminho de ferro mais barato | e com maior vantagem, alguns cavalheiros pertencentes mesmo a esta camará, fizeram uma proposta ao governo para se construir um caminho de ferro; e foi isso que deu logar á construcção do caminho actual.

O sr. ministro demorou-se historiando o que fez o governo para que se podesse levar a effeito a patriótica lembrança dos dois dignos pares; que n'esse intuito apenas se formou a companhia deu-lhe uma subvenção e com ella as madeiras precisas para esta obra e certos, privilégios que podessem compensar a exiguidade da subvenção, como a isenção dos direitos dos materiaes e machinas, assim para a construcção como para a exploração, e bem como a de todos os impostos; e não se lhe exigiram muitas coudições que são communs a quasi todos os contratos de caminho de ferro, e principalmente a que vem no relatório, de conduzir as malas do correio em comboyos especiaes. Os dignos pares que acabaram de fallar reputaram estas condições de pouca importância, mas pede a ss. ex.as que attendam a que estas condições são muito vantajosas e valem contos de réis. Quando o governo não tinha a idéa de fazer o caminho- de ferro das Vendas Novas para diante não era necessário que a companhia tivesse um comboyo mais accele-rado para conduzir as malas do correio, porque antes de se construir este caminho, as malas eram transportadas por uma estrada maedamisada; mas hoje o caso já não é o mesmo; já não pôde prescindir-se de que a mala do correio do Barreiro ás Vendas Novas seja conduzida pelo modo que está consignado nos cadernos dos encargos da companhia das Vendas Novas a Évora e Beja e nos de todas as outras; e ou o governo havia de prescindir d'essas vantagens para o commercio, ou teria de obrigar a companhia a ter um comboyo especial para aquelle fim; mas que esse novo ónus obrigaria o governo a dar a essa companhia uma indemnisação, a qual se se calcular pelo que se faz em Hespanha, e mesmo no nosso paiz, não podia ser menos de 100 réis por kilometro, o que corresponde a 5:000)5(000 réis cada anno. Ora, esta despeza havia o governo faze-la se tivesse exigido da companhia um comboyo especial para o correio;'; e se a não exigisse, os dignos pares certamente haviam de 1 ser os primeiros a desejar que o correio viesse com maior brevidade, e pelo methodo mais veloz. Todos os caminhos de ferro têem um comboyo especial para as malas do correio e não conduzem senão passageiros de primeira e Segunda classe.

O sr. ministro notou o que costumam fazer as companhias de caminhos de ferro em taes circumstancias.

Esta mesma companhia das Vendas Novas ao Barreiro quando teve, por tolerância do governo, aberta a circulação particularmente, levava as malas do correio nos seus comboyos, mas como ainda não estava aberta officialmen-te não era obrigada a faze-lo sem uma indemnisação que era bastante avultada.

O sr. ministro acrescentou diversas considerações para mostrar a vantagem que o estado recebia com esta compra, fundando-se já no custo do caminho de ferro, já no rendimento que d'elle se esperava logo que se concluisse o outro lanço do caminho de ferro, que com elle vem entestar: e nesta parte respondeu ao digno par que disse que esta idéa não se podia bem combinar com a outra que o governo tem, de que as tarifas sendo altas devem baixar, mas esta differença é menor do que a tarifa que hoje tem para a que deve ter; e em segundo logar não é indifferente que esse excesso reverta a favor do estado.

O sr. ministro demorou-se nas considerações referentes, já ao estado das tarifas e impossibilidade em que o governo estava de fazer substituir as inglezas pelas francezas, no caso de resistência da parte da companhia; pois ainda que o contrato auctorisava a revisão em certos prasos, exigia que esta fosse feita de accordo com a companhia; e quando esta não viesse ao accordo, não havia meio de traze-la ao que o goVerno entendia mais vantajoso. Também tratou da concessão de isenção de direitos; e observando a necessidade da fiscalisação acrescentou que a maneira de fisca-lisar, para que d'esta concessão não se abusasse n'um raio de certo e determinado numero de kilometros, isso é que é muito difficil; e certamente, sem uma fiscalisação bastante despendiosa, havia todo o perigo de que se abusasse d'este privilegio.

Quanto á direcção da via pareceu-lhe que não haveria duvida em ser a mesma, mas, sendo differentes os interesses, o governo devia por força vir a uma conciliação para que esta differença desapparecesse. Os interesses é verdade que se dividiam entre o estado e as duas companhias, mas como se sabe o estado havia de procurar por todos os modos que esta differença desapparecesse o mais cedo possivel, as companhias haviam por interesse próprio de obstar a que se effectuasse essa conciliação. O governo bem capacitado de que este estado de cousas não podia manter-se, que aquella linha se tinha concedido para vencer apenas algumas léguas de areal, e nunca para ser a rede dos caminhos de ferro do Alemtejo, e vendo que a companhia não quiz adquirir os prolongamentos da linha, mostrando antes que desejava fazer venda d'ella; desde que o governo viu isto, comprehendeu logo que a companhia não queria senão gosar do privilegio, e então avisou a companhia nacional, e bem assjm a companhia ingleza, de que quando quizes-sem fazer qualquer negocio, elle queria ser ouvido, porque não consentia no traspasse sem que se harmonisassem as condições. As companhias pareceram querer ajustarem-se no preço. Assim estavam as cousas quando a companhia offe-receu ao governo a venda. Mas pedia então 16;000|5!000 réis por cada kilometro, o que pareceu ao governo exagerado. O ultimo preço pedido depois pela companhia e estipulado em inscripções a 50 por 100, posto que fosse muito mais favorável, assim mesmo equivalia a 15:000)5000 réis:

o governo julgou-o ainda excessivo, e não quiz fazer o contrato com a companhia, que podia ser em tal caso um contrato provisório; mas depois appareceu uma terceira entidade, um novo comprador, que offereceu um preço certo á companhia, e foi determinada a forma do pagamento: e então o governo ou havia de deixar passar o caminho de ferro para as mãos d'esse novo comprador ou havia de ob-te-lo pelo único modo que era possivel, e foi por isto que optou, porque deixar passar aquella linha para as mãos do novo comprador, nas condições em que estava, era um tão mau principio de administração, que nenhum governo haveria que podesse consentir n'isso, pois quando uma vez qui-zesse apropria-lo, havia de custar muito mais caro para remir as condições docontrato, com que era trespassado para o novo comprador. >

O sr. ministro não disse, como se lhe attribuiu que o alargamento da linha havia de custar muitos contos de réis, talvez mais de quinhentos: o que s. ex.a disse foi = que as companhias estavam no direito de o fazer de modo que o governo fosse obrigado a pagar 500:000)51000 réis. As companhias sabem tratar dos seus negócios, e se vissem que effectivamente deviam pedir 500:000)51000, haviam de faze-lo. (O sr. Sebastião José ãe Carvalho: — O governo podia transigir com a companhia). O governo via se obrigado a transigir, porque tinha necessidade de o fazer; mas não havia de transigir em cousa muito desarrasoada. Alem d'isso, quando o governo exigisse um comboyo regular para o correio, a companhia havia de dizer qual era o custo d'elle, que ainda ha pouco teve occasião de dizer qual fosse annualmente.

O governo entendeu, e com elle muita gente, que era de toda a conveniência adquirir aquella via. Admittido isso, qual era o meio que o governo tinha para evitar que outrem o adquirisse?... Era sustentar o preço offerecido.

Maravilhou-se o sr. ministro porque não suppunha que o governo fosse arguido por ter sustentado o seu direito; mas vê que effectivamente o arguem até por ter defendido os interesses do estado n'esta questão.

Diz-se: «Se o governo estava tão seguro do seu direito de optar, porque é que não usou plenamente d'esse direito, não fazendo um contrato definitivo, mas obstando á venda, e promettendo fazer uma compra?» Mas a isto responde o sr. ministro — que dizer-se obsto á venda, faço um contrato provisório, e vou depois submette-lo á approvação das cortes, quando ellas talvez m'o não approvem, é certamente um direito de outra ordem. (O sr. Sebastião José ãe Carvalho:—Eu lhe mostrarei a carta.)

O sr. ministro observou que já tinha demonstrado que o governo n'este contrato não abusou. Não é jurisconsulto; mas o digno par que encetou este debate, elle mesmo disse, que duvidava que houvesse quem podesse obstar á venda, pois é sabido que os individuos possuidores das acções, constituidos em sociedade, tinham muitos meios para desfazerem o contrato; bastava endossarem as suas acções a terceiras pessoas1. Esta é que é a circumstancia especialíssima em que se achava este negocio. O caminho de ferro podia assim passar ás mãos de outro possuidor com muita facilidade, e por isso o governo entendeu que devia expedir uma portaria em que declarasse á companhia que optava; mas ao mesmo tempo não podia deixar de lhe garantir o preço.

E como se censurasse o governo por não ter ao menos tido tempo' para ouvir o conselho d'estado, disse que o governo nunca se poupa a ouvir o conselho d'estado, mas parece que n'este caso elle não podia substituir o poder legislativo.

Disse-se mais: «Pois nem ao menos uma conferencia?!» O governo teve essa conferencia com ambas as camarás, e com a outra foi até na véspera do contrato; por consequência teve tanta attenção com os corpos legislativos, quanto as circumstancias lh'o permittiam. Não diria que foi uma deferência, fez o seu dever, communicou o negocio aos membros de ambas.as camarás, sem distineção de cor politica, porque entendeu'que não podia haver differença de partidos em um negocio que era puramente de interesse do paiz.

Parecendo-lhe ter mostrado em primeiro logar, que havia não só utilidade n'esta compra, mas que o paiz teria ¦uma grande desvantagem senão tivesse adquirido o caminho de ferro pelo modo porque o adquiriu, e se o tivesse deixado ir para as mãos de outro possuidor; em segundo logar, quevnas circumstancias em que se achou o governo não tinha remédio senão garantir á companhia o preço que lhe davam, e que o governo effectivamente lisonjeia-se de que já hoje teve propostas que se approximam muito do preço por que contratou, o que prova que esse preço não é des-arrasoado.

O sr. Ministro ãa Fazenãa: — Muito bem.

O sr. Presiãente:—Amanhã teremos sessão, e será a ordem do dia a continuação d'esta discussão. Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 22 de agosto de 1861

Os srs. Visconde de Castro; Marquezes, de Loulé, de Niza, de Ponte de Lima, da Ribeira; Condes, do Bomfim, de Linhares, da Louzã, de Paraty, de Peniche, do Rio Maior, do Sobral; Bispo de Beja; Viscondes, da Borralha, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, da Luz, de Sá da Bandeira; Barões, da Vargem da Ordem, de Foscoa; Mello e Carvalho, Avila, Pereira Coutinho, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Costa Lobo, Margiochi, Silva Carvalho, Aguiar, Soure, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Baldy, Silva Sanches, Vellez Caldeira, Sebastião José de Carvalho.

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