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DIARIO DO GOVERNO.

começar para evitar um mal, que se hoje é nada, póde, não se extinguindo, vir a ser de futuro muito grande, e incómmodo.

Parece-me pois, que eu tenho demonstrado que a má fé, e o interesse de partido, é quem tem produzido isso a que a illustre Commissão chamou fanatismo. Concluirei pois, Sr. Presidente, dizendo, que se os desejos da illustre Commissão, e de todos os Portuguezes são que se faça promptamente o restabelecimento das antigas relações entre a Santa Sé e a Nação, não devia então dizer, que é o fanatismo quem tem pertendido seduzir alguns incautos; porque por estas expressões, que começam com as palavras = não obstante = e que ficam contra-postas ao que se disse, parece que este fanatismo pertende o não restabelecimento dessas relações, e essa união com a Santa Sé, o que não está em harmonia com a verdade dos factos. É pois por todas estas razões que eu fiz uma emenda, que tenho a honra de apresentar, e que é a seguinte: = Proponho que depois das palavras = não obstante; = em logar da palavra = fanatismo = se escreva = maldade = accrescentando depois da palavra = incautos = as seguintes = com o unico fim de perturbar a Ordem. =

O Sr. Leitão: — O objecto deste paragrapho é tão importante, e tão delicado que eu receio não ter as forças necessarias para fallar a respeito delle como merece: não obstante, como tive a honra de servir algum tempo o cargo de Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e da Justiça, julguei que tractando-se desta materia o meu silencio seria improprio; e por estes motivos pedi a palavra, esperando que os respeitaveis Membros desta Camara me desculparão e relevarão quaesquer erros que eu possa commetter.

As nossas relações politicas com a Côrte de Rama têem estado interrompidas, mas não se creia que esta interrupção possa ter motivo proprio para se presumir que os Portuguezes deixem de reconhecer a authoridade do Summo Pontifice: os Portuguezes, como diz este paragrapho, estão indissoluvelmente unidos com a Santa Sé pelos vinculos da Religião. Não se pense, nem se tire argumento da suspensão das nossas relações politicas, porque então o mesmo argumento se podia tirar a respeito de outras Nações, em que essas relações tambem têem estado suspensas, e comtudo ninguem jámais ousou dizer que taes Nações desconheciam a authoridade do Summo Pontifice. Não só outras Nações, mas até mesmo Portugal tem, por differentes vezes interrompido suas communicações politicas com Roma, em tempo que governavam estes Reinos os Soberanos da mais notoria piedade, e que se consideravam filhos obedientes da Sé Apostolica. Entretanto, a necessidade de pôr fim a esta suspensão de relações não póde ser desconhecida nem pelo Governo nem pela Nação; e o Governo tem sido sempre coherente em dar, conformemente a esta reconhecida necessidade, todos os passos necessarios, empregando todos os meios que eram convenientes para este fim. (Apoiado.) A necessidade do restabelecimento das nossas relações politicas com a Côrte de Roma é exigida imperiosamente pelas circumstancias do Paiz, e o Governo que bem o sabe, e que bem o tem conhecido, deve progredir incessantemente até que finalmente possa concluir este negocio, tendo sempre em vista, tendo sempre respeito a estas bases que aqui se apresentam no paragrapho em discussão; é necessario que nestas negociações se attenda, e não soffram a menor quebra - os Sagrados fóros da Igreja Lusitana, os inviolaveis direitos e prerogativas da Corôa Portugueza, e os justos interesses da Nação. (Apoiado.)

As nossas circumstancias actuaes exigem (como eu disse) imperiosamente o prompto restabelecimento das nossas relações politicas com a Côrte de Roma, porque todos sabem que começa a levantar-se um Scisma, principalmente nas Provincias do Norte, Scisma em que a Religião é só o pretexto, Scisma em que os seus auctores e propagadores se servem da Religião como meio de levar adiante os seus criminosos fins, que são promover a revolta a favor do usurpador proscripto; os principaes conspiradores procuram e servem-se do fanatismo para conseguir seus damnados desejos, e empregam toda a sua astucia para promover a cegueira dos incautos; e com o fanatismo é que esperam pôr o Reino em uma conflagração geral, com os fins de destruir o Governo Legitimo, e substituir-lhe a usurpação debellada. (Apoiado.)

O Governo não tem ignorado que o Scisma só tinha verdadeiramente em vista um fim Politico; mas o Governo tem-se achado em uma posição delicada, porque ninguem ignora que a severidade, em certos objectos, em certas occasiões, não faz mais do que dar força ás doutrinas erroneas: (Apoiado) e então era rasoavel que combinasse o rigor da lei com a brandura necessaria em relação áquelles que não eram conspiradores principaes, mas inteiramente seduzidos; rigor da lei para os chefes da conspiração; brandura, moderação e meios suaves para todos os outros. Eis-aqui o caminho que o Governo tem trilhado, e neste sentido expedio ordens ás Authoridades tanto Administrativas, como Judiciarias e Ecclesiasticas; a todas recommendou sempre a brandura, porque o fanatismo não diminue com a força, augmenta-se, e só a luz da razão dissipa suas trévas. Era necessario que o Governo não perdesse de vista estes principios, para proceder como convinha; e com effeito assim tem procedido coherentemente com as razões que o deviam guiar sobre este objecto. Mas os principaes conspiradores não têem cessado, têem continuado a mover os povos: os seus principaes clamores são contra as reformas que no temporal da Igreja dimanavam da Alta Sabedoria do Augusto Duque de Bragança, reformas que cabiam nas attribuições do Poder temporal, e que derivavam da instituição e fins da Authoridade Civil; reformas que foram aconselhadas pelos Ecclesiasticos mais conspicuos em letras e virtudes: mas os chefes da conspiração (ou Ecclesiasticos conspiradores) não se contentam com o que as Leis do Evangelho, e da Igreja attribuem aos Ecclesiasticos, movem-se antes pelos caducos interesses mundanos; e eis-aqui porque tractam de sacrilega a abolição dos dizimos, porque tractam do mesmo modo a abolição do fôro privilegiado dos Ecclesiasticos, assim como a extincção dos Frades; mas todas estas reformas cabiam dentro da esphera do Poder Civil, e foram empregadas em occasião propria e em proveito certo da Nação Portugueza. (Apoiado.)

Aquillo contra que elles mais insistem é a Authoridade Ecclesiastica dos Vigarios Capitulares e Governadores Temporaes, e chamam-lhes intrusos; clamam que os Vigarios Capitulares não tem jurisdicção, que todos os seus actos são illegaes, e contrarios aos Sagrados Canones, porque segundo estes (dizem) não lhes é attribuida a authoridade que elles até aqui tem exercido; então, principiando por não reconhecer a Authoridade dos Vigarios Capitulares e Governadores Temporaes, seguem com a illação que elles naturalmente tiram relativamente aos Parochos, aos Beneficiados e outros Clerigos que dizem todos estão intrusos e irregulares, por tanto (segundo elles) não se deve ir á Missa nem desses receber Sacramentos. Insultam com os maiores improperios o Clero Portuguez, e não se pejam de levantar sua voz diffamadora contra Varões eminentes em virtude e sciencia, e que são o ornamento da Igreja de Portugal; declaram toda a Igreja Portugueza como Scismatica, e mesmo como herege. Visto que este é o objecto fundamental em que os conspiradores mais tem insistido, peço licença para fazer algumas observações relativamente á Authoridade dos Vigarios Capitulares.

Segundo as regras do Direito Canonico o regimen da Igreja vaga devolve-se para o Cabido; e não por privilegio nem por mandato algum, mas pelo direito proprio e primitivo com que o Cabido regia a Igreja com o Bispo; passa para o primeiro toda a jurisdicção ordinaria do segundo, tanto quanto permitte a natureza deste interregno, e não podendo com tudo fazer aquillo que fôr em detrimento dos direitos episcopaes: mas tendo mostrado a experiencia que a administração de muitos, neste caso, não era conveniente á Igreja, e tendo-se ponderado este inconveniente no Concilio de Trento, determinou-se que logo que vagasse a Igreja, e dentro de certos dias, o Cabido elegesse uma pessoa idonea, versada nos Sagrados Canones, e que tivesse as qualidades necessarias para administrar a Diocese: esta é a lei Ecclesiastica actualmente vigente. E que tem feito o Governo Portugues? Isto mesmo que manda o Concilio de Trento: nunca nomeou Vigario Capitular algum por si mesmo; todos tem sido nomeados na fórma daquella lei: o que o Governo tem feito neste caso, é recommendar ao Cabido a pessoa que lhe parece idonea e com as qualidades que requer o referido Concilio, e com aquellas que as circumstancias extraordinarias da Nação exigem; mas de maneira nenhuma tem elle por si nomeado Vigarios Capitulares. Mas (dirão) os Governadores Temporaes que tem sido eleitos? Esses sim, tem sido nomeados pelo Governo; mas quem lhe ha de contestar esse direito de boa fé? Só quem ignorar os primeiros principios de Direito Publico Ecclesiastico, e os primeiros principios de Direito Publico Civil: isto só póde ser contestado por aquelles que negarem que o Soberano, ao mesmo tempo que deve defender a Igreja e manter illesas as suas Santas Leis, deve tambem ter cuidado que por doutrinas de alguns Ecclesiasticos não aconteça algum mal ao Estado, ou se não introduzam abusos nocivos: só póde ser contestada por quem ignorar que os nossos Reis os mais religiosos teem nos differentes tempos promulgado leis as mais sabias sobre objectos Ecclesiasticos, as quaes dimanavam da natureza, e da indole da Sociedade Civil. É verdade que o Governo tem recommendado aos Cabidos que a eleição dos Vigarios Capitulares recáia nos Governadores Temporaes; mas quem poderá contestar este direito ao Governo? Estas recommendações sempre se fizeram em todos os tempos e em todas as Nações Catholicas, e são fundadas no Direito Canonico expresso. O direito de apresentar os Bispos para as Dioceses e a parte mais nobre do Real Padroado Portuguez; e então se a Corôa tem o direito de apresentar o proprio Bispo, e se a sua instituição ha de ser conforme a esta apresentação, como se poderá negar-lhe a recommendação do Vigario Capitular, ou dizer que ella não é conforme ao Direito Canonico! Não se têem feito as nomeações de Vigarios Capitulares senão para Igrejas vagas: chamam-se Igrejas vagas para o fim de se devolver o regimen della ao Cabido, não só quando o Bispo morreu ou renunciou ou foi transferido ou deposto, mas tambem quando por um impedimento de facto, ou de direito não póde reger a Igreja. Não julgo necessario citar agora os Canones em que se acham estas determinações, basta só fazer a applicação delles ás circumstancias de Portugal. Para onde se tem mandado Vigarios Capitulares? Para aquellas Igrejas onde acontecêra que os Bispos tivessem morrido, ou que pela sua rebellião estavam impossibilitados de reger as Igrejas, pois que uns tinham sahido para fóra do Reino, e outros que haviam seguido o usurpador não podiam reger as Dioceses estando d'ellas ausentes, e escondidos; em consequencia os Vigarios Capitulares regendo as Igrejas vagas, e tendo sido nomeados pelos Cabidos com recommendação do Governo, estão legalmente exercendo as suas funcções. - Estes principios são evidentes, mas os sectarios do usurpador resistem a esta evidencia, porque o seu fim é promover a anarchia, promover a revolta, promover uma conflagração geral a favor de usurpador: para isto não cessam de trabalhar, e têem feito chegar perante o Summo Pontifice as informações mais calumniosas contra os Portuguezes: não cessam, e em consequencia é da primeira necessidade tirar-lhes esse pretexto, procurando meios de restabelecer as nossas relações com a Côrte de Roma. Talvez que ainda depois elles continuem a resistir, e mesmo eu poderia apontar alguns exemplos historicos semelhantes, e provar que os maiores propugnadores da Authoridade Pontificia, os defensores do ultramontanismo mais exaltados, depois que os Pontifices pronunciaram contra as suas doutrinas, foram os primeiros a faltar-lhes ao respeito: estou por tanto persuadido que os chefes da rebellião, ainda quando acabe a suspensão das nossas relações com a Côrte de Roma, hão de resistir e faltar ao respeito do Summo Pontifice: mas então os seus esforços serão inuteis, e esses conspiradores incorrigiveis (que presumem ser mais realistas que os Reis e mais Catholicos que os Papas) hão de ser punidos pelas leis da patria ultrajada.

Desejo agora mostrar como se tem procedido a este respeito, e que esse procedimento foi conforme as bases que a Resposta ao Discurso do Throno considera como necessarias para concluir a negociação. Espero que a gravidade da materia conciliará a attenção da Camara (apoiado): todas as vezes que eu tractar de provar aos inimigos da Nação que nós somos filhos obedientes do Vigario de Christo na Terra, e que desejamos conservar intacta a Religião de nossos pais, estou certo que toda a Camara se conformará comigo; nem podia deixar de ser porque vejo aqui os descenden-