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DIARIO DO GOVERNO.
tes daquelles illustres Varões que introduzirem a Fé nos paizes mais remotos, e que tanto os igualam assim na pureza da Religião como no valôr marcial;
O Governo tem feito todos os esforços para concluir esta negociação, conforme o exige o decoro da Nação. É certo, que não só pelo nosso Encarregado de Negocios em Roma, mas por outras Nações amigas e aliadas, se têem feito esforços para desvanecer a ma impressão que os inimigos de Portugal têem feito prevalecer na Côrte de Roma, mas por muito tempo estes esforços foram baldados; nem o nosso Encarregado, nem os de França e Inglaterra poderam conseguir cousa alguma: entretanto o nosso habil Encarregado de Negocios não desanimou; continuou a procurar o Summo Pontifice, até que conseguiu ser acolhido benignamente; e ainda que não consentiu que por escripto se pozessem as condições para se tractar a negociação; com tudo verbalmente lhe foram declaradas duas condições que a Santa Sé exigia para poder tractar com elle: primeira que o Governo Portuguez tornasse a admittir aos Bispados, ás Igrejas, e aos beneficios, todos aquelles Ecclesiasticos que d'elles tinham sido expulsos; segunda que restabelecesse as communicações dos Fieis com a Côrte de Roma, isto é, que nenhum Portuguez fôsse inhibido de ter communicações com o Summo Pontifice. — Esta segunda condição não posso deixar de a reputar satisfeita, porque me não consta da existencia de Decreto algum pelo qual se prohibisse a communicação dos Portuguezes com a Côrte Romana, desde a restauração do Governo Legitimo em 1833: sei que os houve em 1738, e em 1760; sei que algumas vezes tem havida essa prohibição, mas pelo Governo da RAINHA não sei que a houvesse; sendo certo, por outro lado, que o Governo tem tractado com a maior indulgencia alguns que têem obtido graças Pontificias sem terem observado o que determinam as Leis do Reino: repito portanto, que aquella condição se devia reputar satisfeita. Quanto á primeira, isto é, a chamar os Bispos, Parochos, e Beneficiados aos Bispados, Igrejas, ou beneficios, acho que O Governo não podia aceder a ella, porque isso não póde fazer-se sem atacar os inalienaveis direitos da Corôa Portugueza, sem se atacar o decoro da Nação, e sem se perturbar a tranquilidade publica. — Quaes são os Bispos que se dizem expulsos? Nenhum foi expulso, e os que se dizem taes, uns fugiram para fóra do Reino, como eu já disse, outros ausentaram-se de suas Dioceses, e todos cooperaram effectivamente para a rebellião; foram sectarios do usurpador, prégaram a sedição, e defenderam com todas as suas forças a causa da usurpação: logo, de maneira nenhuma póde o Governo mandar estes Bispos para as Dioceses. Em quanto áquelles que foram apresentados pelo Usurpador, de modo algum se podia convir em os chamar ás Sés, porque estes homens não são Bispos de taes Sés: não negamos que tinham o caracter episcopal, que lhes foi conferido pela Sagração; mas o que não podemos consentir, é que tenha effeito a designação especial das Sés para que foram apresentados: o mesmo seria chama-los ás Diocezes, que reconhecer o direito do Usurpador para os apresentar. A usurpação foi notoria em toda a parte; á Côrte de Roma se fez saber muito a tempo que nunca se reconheceriam essas nomeações feitas pelo Governo usurpador. Além d'isso esta denegação é fundada no Direito Canonico, porque nelle é expresso que é nulla a collação dos beneficios feita invito patrono, e até mesmo quando a ordenação era annexa ao beneficio, houve tempo em que a propria ordenação era reputada nulla uma vez que o Clerigo se ordenasse contra a vontade do Padroeiro. Ora a Côrte de Roma foi avisada muito a tempo, e prevenida de que nunca em caso algum se havia de reconhecer a apresentação dos Bispos feita pelo Usurpador. Quanto aos outros apresentados pela Authoridade legitima, já indiquei razão por que o Governo não podia reintegra-los nas suas Dioceses: esses homens são criminosos, foram sectarios activos da usurpação; estão actual mente escondidos, e promovendo a desobediencia ás Leis, e perturbando a consciencia dos Fieis. Agora pelo que respeita aos Parochos e Beneficiados expulsos, estão na mesma razão; muitos deli os pregavam a revolta, e até o assassinato dos Subditos fieis da RAINHA: e como póde encarregar-se o regimen das Parochias a homens que estão inhabilitados para as reger, mesmo pelo Direito Canonico? Muitos que se queixam de ser expulsos, segundo as Leis Canonicas pelos seus actos ficaram suspensos ipso facto, e os Vigarios Capitulares têem obrado muito conformemente áquelle Direito, entregando as Parochias a encommendados. E que perigos para a tranquillidade publica, se se tornassem a admitir indistinctamente esses cabeças de motim ás Parochias e aos Beneficios? Poderá crer-se que o Governo Portuguez fôsse tão desprevenido, que quizesse pôr em perigo a segurança dos Povos, admittindo ás Igrejas homens manchados com esses crimes, homens cuja missão, pela Lei do Evangelho, era prégar a concordia, o esquecimento das injurias, e a obediencia ás Authoridades; mas que em vez disto pregavam a guerra e o assassinato; e foram os que mais contribuiram para o estabelecimento da tyrannia? Felizmente durou pouco tempo; mas estes homens cobertos assim de crimes, e que se serviam da cadeira da verdade para transviar os Povos, incutindo na imaginação de seus ouvintes a molestia de espirito, negra e sombria, de que elles estavam possuídos para exterminar os Subditos fieis da RAINHA; estes homens, digo, era impossivel que o Governo Portuguez os restituísse, (apoiado.) Entre tanto, convenho que nas circumstancias em que temos estado, póde ser que alguma irregularidade tenha occorrido, e que alguns Parochos haverá que estejam privados das suas Igrejas sem motivo justo, porque, em fim, alguma irregularidade se póde ter commettido em presença d'essas circumstancias; toas o Governo em casos destes sempre se tem prestado a fazer justiça, e os Parochos que não estiverem carregados de crimes tão atrozes (como áquelles que mencionei), devem saber que o Governo sempre esteve prompto para remediar alguma irregularidade de que fôssem victimas, e que involuntariamente podiam ter tido logar pélas circumstancias das cousas. Demais, o Governo nunca proveu Igreja nenhuma, que não estivesse vaga, porque o Governo sabia que não póde privar da propriedade de um beneficio sem uma sentença, ainda mesmo que o Parocho seja criminoso, e não tem feito mais do que nomear encommendados para as que estavam neste caso, e só tem provido as que se achavam vagas. Sempre que o Governo tem conferido alguma parochia, procurou obter as informações necessarias sobre a capacidade, saber, e morigeração do Clerigo; e por tanto não posso condescender com o que lia pouco acabei de ouvir a um illustre Senador, que (se me não engano) accusou uma grande parte dos Parochos, despachados pelo Governo da RAINHA, de immoraes. O Governo não despachou Parocho nenhum sem ter obtido antes as informações das pessoas mais authorisadas, e ter todo o conhecimento das suas qualidades; é possivel que com algum se tenha enganado, porque em tudo póde haver engano; mas, em regra, preferiu sempre os que mostraram ter feito maiores serviços á Patria, tendo alguns combatido o Usurpador com as armas ha mão; porém que tambem tinham maior abonação em sciencia e bons costumes; mas se acaso um ou outro exemplo houver de Parochia que tenham deslizado da moral e da virtude, isto não prova contra a regra geral; um ou outro Parocho immoral sempre houve em todos os povos, é nas nações mais cultas e civilisadas: o Governo não tem provido (como já disse) senão as Igrejas vagas, e despachado os Clerigos de quem tem boas informações. Más em fim, se o Governo deve ser justo não consentindo que Parochos indignos exerçam o seu ministerio, é preciso que tambem vá pondo em esquecimento todas as discordias s para acabarem as conspirações: por tanto aos que daqui em diante tiverem bom comportamento, e que não estejam manchados com é crime de assassinato (como me consta que alguns ha), deve o Governo estar, prompto para adoçar a sua sorte, fazendo em beneficio d'elles aquelle favor que fôr compativel com a segurança do Estada, e a tranquillidade publica, sem por maneira nenhuma violar as Leis existentes. O Governo, tambem me persuado, estará prompto a procurar que se mudem alguns abusos, que por ventura se possam ter introduzido na Igreja de Portugal, é já para isto se deu um passo como preliminar com o Decreto de 9 de Junho ultimo, que eu referendei sendo Ministro da Justiça. Nomeou-se uma Commissão para propôr os meios mais convenientes de restabelecer as relações com a Côrte de Roma, e examinar se existiam alguns abusos na disciplina da Igreja Portugueza, que fôsse necessario remediar: os nomes que se acham neste Decreto são de pessoas notaveis, que abonam o procedimento do Governo; pessoas respeitaveis por todos os motivos, e do cujos trabalhos, sabedoria, e assiduidade, se devia esperar o melhor resultado. Entre tanto é certo que algumas medidas que se possam julgar necessarias não caberão nas attribuições do Governo, terão de ser propostas do Corpo Legislativo, e estou bem certo que este Senado, quando se tracte d'essas medidas, ha de concordar conforme o que se acha indicado no paragrapho em discussão.
Sr. Presidente, torno a repetir o que já disse: na Côrte de Roma têem-se accumulado accusações calumniosas contra os Portuguezes: agora mesmo que o Summo Pontifice parece estar mais disposto a nosso favor, porque bem conhece a fidelidade da Nação Portugueza, e está bem certo de que nós estamos indissoluvelmente unidos com a Santa Sé, e que havemos de conservar a Religião de nossos pais; agora, mesmo ha quem não cessa de buscar meios de aggravar a interrupção! Os sectarios do Usurpador estão em conspiração permanente; são dous principalmente os meios de que se servem t procuram indispor os povoa contra as Authoridades para as desacreditar, e tirar o respeita ás Leis; o outro meio de que as servem são as cousas da Religião, tiram partido das difficuldades que têem havido para restabelecer as relações com a Côrte de Roma para semear a discordia entre nós; repito que esses homens estão em conspiração permanente; nós caminhamos sobre fogos encobertos debaixo de cinzas, é necessario vigiar os miguelistas; as discordias entre os liberaes são meramente de certas opiniões: todos nos estamos promptos a dar mãos fraternas contra os sectarios do Usurpador; esses é que são os nossos inimigos comuns, é preciso não os perder de vista. Estes pretextos Religiosos servem-lhes de muito para cá; e para Roma continuam a mandar suas falsas accusações; mas o Santo Padre começa a dar provas da Sua Solicitude para coto os Portuguezes, e estou persuadido que não ha de tardar a epocha em que b Ministerio terá a gloria de restabelecer as nossas relações com a Côrte de Roma sobre bases solidas e decorosas para a Nação; então Sua Santidade fará patente a todo Orbe Catholico, que nós bem longe de ser scismaticos como querem persuadir os sectarios do Usurpador, somos obedientes ás Leis da Igreja.
Effectuado o restabelecimento das nossas relações com a Côrte de Roma, a Igreja Lusitana lia de florescer protegida pela vigilancia das Leis Civis, e regida por Ecclesiasticos ornados de virtudes Christãs, e possuídos do amor da Patria.
Parece-me que tudo quanto acabo de dizer é sufficiente para mostrar, que o paragrapho merece a approvação desta Camara. (Apoiado.)
O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa = Sr. Presidente, eu levanto-me para sustentar o paragrafo do Projecto, porque entendo que a maneira como elle está redigido exprime mais a verdade do que a emenda apresentada pelo Sr. Trigueiros. O paragrafo diz assim: (leu). — A questão, Sr. Presidente, é, pela maior parte, fanatismo, e não de maldade: e, se se duvida disto, eu perguntarei aonde é que 6 monachismo começou? No Bispado de Bragança. E quem o prégou? Aquelles Ecclesiasticos que foram discipulos d'esse antigo Bispo da mesma Diocese, que sendo aliàs homem de grandissimos talentos, sempre que se mettia em materias religiosas, ultrapassava a doutrina d'ellas. E tanto isto é assim, que até o Sr. D. Joio 6.°, Principe de muita Religião, e piedade; foi forçado a manda-lo recolher no Bussaco, em S. Vicente, etc. E porque seria isto? E quem se apresentou a pregar o monachismo? Foi um frade de Vinhaes, e alguns daquelles Parochos que tinham perdido os seus beneficios, porque haviam sido, não sequazes, mas instrumentos e pregadores da Usurpação. Aonde é, Sr. Presidente, que existe o monachismo? E nas Villas? Não. É nas Cidades? Menos. Aonde elle existe, é nas aldêas, aonde os homens mais credulos, e as mulheres mais ociosas, entendem que não ha meio termo entre excomunhão, e suspensão de relações com a Côrte de Roma. Ha padres de má fé; mas tambem ha padres constitucionaes que vacilam, e não por maldade. Este monachismo nem está tão propagado, nem tem a importancia politica que me parece querer dar-se-lhe. É verdade que ha miguelistas que se cobrem com esse
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