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DIARIO DO GOVERNO.

manto, mas são os mais insignificantes naquelle partido. O Ministerio não tem perdido de vista estes monachos; mas elles têem meios de illudir a policia correccional nos pequenos julgados. O seu livro é a voz da Religião, compendio de quantas pretenções pregou o Ultramontanismo nos seculos passados. Felizmente a maior parte dos monachos não sabem lêr, e por isso vão de graça podar as vinhas daquelles que lhes abrem as portas do Ceo, dispensando-os de se confessarem, e de irem á Missa. (Riso.) Sendo isto assim, Sr. Presidente, eu entendo que o paragrapho está bem escripto, porque é mais exacto, e menos injurioso para aquelles a quem se applica Nada mais direi, porque a materia está bastantemente elucidada.

O Sr. Castro Pereira: — Depois do que acaba de dizer o meu nobre Amigo e Collega, o Sr. Leitão, deveria eu renunciar á palavra, se a minha posição particular me não collocasse na rigorosa necessidade de dar algumas explicações sobre as negociações com Roma, á vista do que li nos Jornaes do dia 8 do corrente, em que se faz menção do que a este respeito referiu em outra parte um meu erudito Collega da Commissão, que o Governo creou para facilitar as negociações com a côrte de Roma.

Disse o douto Orador, que «por vezes o Governo Portuguez quiz entabolar com o Governo Pontificio relações Ecclesiasticas, a que sempre este se evadiu, resistindo a todas a as Propostas que se lhe fizeram; — mas que finalmente o Ministro de Sua Santidade, respondeu explicitamente (ouçam, ouçam) que Sua Santidade não admittiria qualquer Proposta, sem que o Governo de Sua Magestade approvasse as quatro Proposições seguintes:

1.º Que se declarasse aberto e livre o recurso a Roma para as Dispensas Matrimoniaes, etc. ficando tudo no mesmo pé em que estava antes do restabelecimento do Legitimo Governo.

2.° Que fôssem restituídos ás suas Igrejas todos os Bispos que d'ellas estivessem fóra, não só aquelles que receberam a sua confirmação da Sé Apostolica propostos pelo Governo Legitimo; mas tambem aquelles que foram propostos pelo Governo Usurpador.

3.° Que fôssem restituidos ás suas Igrejas todos os Parochos collados que d'ellas estiveste sem ausentes, ou suspensos, da mesma fórma que os Bispos.

E 4.°, finalmente: Que o Governo Portuguez mandaria repor todas as cruzes e nichos da Capital, que foram mandados demolir pela Camara Municipal.»

Um homem tão abalisado por suas luzes e circumstancias, Doutor na Universidade, Conego da Sé Metropolitana, e que já foi encarregado de governar, como Prelado, uma das principaes Dioceses deste Reino, não podia querer dizer, nem disse certamente o que soube, e se tractou no seio da Commissão de que foi Membro. S. S.ª referiu-se unicamente em seu discurso ás noções por elle adquiridas fóra da Commissão; e a prova do que digo está naquelle mesmo que o Orador referiu, tractando da reposição dos nichos, e das cruzes, como condição prévia exigida pela Curia de Roma; porque apenas ouviu a resposta que déra o Sr. Ministro da Repartição competente, se retractou, e confessou que tal exigencia não houvera.

Não, Sr. Presidente, tal condição não foi nunca proposta pelo Governo Pontificio desde 1835 até hoje. E note-se, Sr. Presidente, que a minha posição especial, como Ministro da Corôa, que tive a honra de assignar as Instrucções para a negociação que está pendente, me impôz o dever, que cumpri, de lêr toda a correspondencia que existe nos archivos da Secretaria dos Negocios Estrangeiros a este respeito.

A ultima communicação official entre a nossa Côrte e a de Roma foi a Nota verbal do Cardeal Berneti, dirigida ao nosso Encarregado de Negocios, e por elle remettida ao Governo de Sua Magestade com o seu Officio de 9 de Maio de 1835.

As funcções que exerci, como Ministro, e como Membro da Commissão do Governo, me impõem o dever de não divulgar o que sei da negociação pendente: posso, com tudo, asseverar, e assevero, debaixo da minha palavra de honra, que foram sómente duas as condições previas, propostas pelo Cardeal em nome da Côrte de Roma; e que ambas são relativas a objectos, de jurisdicção ecclesiastica sómente Em nenhuma d'ellas transpira esse sentimento de cobiça, que alguns têem attribuido por vezes á Côrte Romana. Não se falla especialmente de Dispensas Matrimoniaes; e nem uma só palavra se diz ácerca de reposição de nichos, e de cruzes.

Direi, Sr. Presidente, alguma cousa sobre a origem de nossas dissenções com a Côrte de Roma. Morto o Sr. D. João VI em Março de 1826, foi logo reconhecido como Rei de Portugal o Sr. D. Pedro IV, por todas as Potencias da Europa, e por consequencia pelo Papa. A Hespanha, que não havia reconhecido a Independencia do Brasil, por causa da revolta de suas Possessões Americanas, hesitou só por isso reconhece-lo na devida fórma, continuando porém a ter relações com o seu Governo.

Reconheceram igualmente todas as Potencias a Regencia da Senhora Infanta D. Isabel; e foi durante esta que o Santo Padre Leão XII concedeu á nossa Augusta RAINHA a Bulla de Esponsaes, para poder casar com seu Tio o ex-Infante D. Miguel. E note-se que diz a mesma Bulla = Visto não ter Sua Magestade A RAINHA nos seus Estados outro Portuguez de Sua Alta cathegoria = o que bem mostra que já então a reconhecia o Papa como nossa RAINHA.

O Arcebispo de Petra, Nuncio de Sua Santidade, assistiu, como Agente Diplomatico, ao solemne Juramento que o ex-Infante D. Miguel deu, como Regente, em presença das principaes Authoridades do Reino, e de todos os Representantes das Nações Estrangeiras; e permaneceu na qualidade de Nuncio junto ao Governo daquelle Principe até ao momento de sua perfida usurpação.

Foi em casa do mesmo Nuncio que todos os outros Agentes Diplomaticos se reuniram para assignarem o Protesto, que elle: assignou primeiro, contra aquelle acto desleal e perjuro; e quando todos elles se retiraram do Reino, declarou o mesmo Nuncio, que ficava em Lisboa com o caracter particular de Agente de Sua Santidade para o Espiritual sómente.

O Papa Pio VIII, que succedeu a Leão XII, declarou solemnemente, que nunca havia de reconhecer, como Rei, o ex Infante D. Miguel; e cumpriu sua promessa.

Em Fevereiro de 1831 subiu ao solio Pontificio o actual Santo Padre Gregorio XVI. Ao Cardeal Franzoni havia succedido na qualidade de Nuncio, em Portugal, o Arcebispo de Petra, Cardeal Alexandre Justinianni, que não devemos confundir com outro mui respeitavel e virtuoso do mesmo appellido (Tiago), que foi Nuncio em Hespanha, com quem tive boas relações; no tempo em que alli residi como Representante da Nação.

O Justinianni, que por desgraça foi Nuncio em Portugal, protegeu por quantos meios estavam ao seu alcance a usurpação do ex-Infante; ligou-se com os principaes fautores della Seculares, e Ecclesiasticos; e principalmente com o frenetico Fr. Fortunato, que dispunha delle a seu arbitrio. Fomentou perseguições contra os Subditos leaes da RAINHA, servindo-se para isso da sua influencia com o Clero; fulminou Breves contra elles; e o que mais é, mentiu á sua Côrte, desfigurando os factos, e foi por esse modo a causa principal da ruptura de nossas relações com a Santa Sé: porque, pintando as cousas a seu geito, conseguiu illudir o Chefe da Igreja; e por fim determina-lo a reconhecer como Rei o ex-Infante D. Miguel em Setembro de 1831, e a confirmar pouco depois os Bispos por elle propostos: tudo isto em contradicção com seus predecessores, e achando-se já o Senhor D. PEDRO em París, disposto a emprehender a nobre empresa de recobrar o Throno de Sua Filha. Instruído disto o mesmo Sr. D. PEDRO, dirigiu logo ao Santo Padre uma carta em Nome da RAINHA, Sua Filha, protestando contra o Reconhecimento do ex-Infante; e declarando expressamente, que nunca reconhecera como Bispos Portuguezes os propostos pelo Usurpador da Corôa da RAINHA; e note-se que a esse tempo ainda não estavam confirmados os Bispos

A Providencia Divina protegeu a Causa da Justiça, da Razão, e da Humanidade, e o Immortal Regente, DUQUE DE BRAGANÇA, entrou em Lisboa em 28 de Julho de 1833, precedido de parte do Exercito Libertador. Perfeitamente instruido da desleal conducta do Nuncio, receoso de que se servisse de sua immunidade e influencia Religiosa para continuar a perturbar o Reino, e convencido do risco que elle mesmo corria por causa das perseguições que havia promovido, o convidou a sahir de Portugal immediatamente; e para esse effeito poz uma embarcação de guerra á disposição do mesmo Nuncio.

Sahiu com effeito o Cardeal Justinianni para Genova a 5 de Agosto de 1833, deixando na Casa da Nunciatura o Auditor Ph. Curoli. Continuou este expedindo Bulias de Dispensas Matrimoniaes; e ás primeiras que se apresentaram ao Governo do Regente, deu este o = Placet = apesar da conhecida irregularidade de fórma com que eram passadas, todas em nome do Nuncio ausente. Declarou-lhe porem logo o Governo, que as não podia continuar a expedir assim; mas que o faria de boamente, sendo passadas em nome de S. Santidade, ou no delle Auditor, obtida a competente authorisação e Diploma costumado.

Recusou-se a isso o Auditor: e continuando a servir-se da immunidade da sua casa para abrigar nella os inimigos da RAINHA, foi por essa razão mandado sahir de Lisboa, em Março de 1834; e sahiu com effeito, dirigindo ao Governo um protesto ameaçador e altivo, que deixou a um seu agente que o entregou ha Secretaria d'Estado, depois da sua partida.

Nestes termos, privado o Reino do ordinario recurso á Santa Sé, por culpa dos agentes da mesma, recorreu o Governo do Regente aos meios a que haviam recorrido em circumstancias similhantes os Srs. Reis D. João IV, D. Afonso VI, D. João V. e D. José I; e convidou os Prelados Diocesanos a passarem as Dispensas Matrimoniaes, sem comtudo prohibir por Lei os recursos a Roma, como aquelles Religiosos Soberanos haviam feito.

Depois de taes procedimentos dos Agentes de Roma nenhum outro Governo, nenhum outro Povo se teriam conservado tão fieis e tão submissos aos preceitos da Igreja, e aos Decretos legaes do seu Chefe visivel, como o Governo e o Povo Portuguez se conservaram, e conservarão, embora por ahi se falle em Scisma. Que quer dizer scisma? Scisma, Sr. Presidente, quer dizer scisão, separação, ruptura, divisão. Em linguagem ecclesiastica diz-se das pessoas, corporações, ou igrejas, que rompem a Unidade Ecclesiastica, que é a nota característica da Igreja Catholica. Essa Unidade consiste em terem todos os seus membros uma só fé, uma só doutrina, os mesmos sacramentos, e em prestarem todos obediencia ao Chefe visivel da Igreja.

Dirá alguem que existe em Portugal quem tenha rompido essa Unidade? Certamente não. Tal scisma não existe. Scisma é crime; os scismaticos são criminosos; ninguem póde ser reconhecido criminoso sem ser julgado, e julgado por seus legitimos juizes; estes são sómente os Concilios, e o Chefe visivel da Igreja Catholica; e nem aquelles, nem este julgaram ainda scismatica nenhuma porção de Portuguezes. O chamado scisma é uma invenção politica, é a ultima, e a unica poderosa arma dos sectarios da usurpação, como muito bem disseram os Srs. que me precederam. Esta arma com tudo, Sr. Presidente, tem servido, e serve para produzir notavel desinquietação; principalmente nas Provincias do Norte, aonde algumas pessoas de boa fé, e de timorata consciencia, têem entrado em duvida se tal, ou tal Prelado tem, ou não a authoridade legitima; duvida principalmente fomentada por muitos Ecclesiasticos descontentes das mudanças praticadas a respeito de suas temporalidades.

Pareceu-me o mal grave, desejei concorrer para que se lhe desse remedio: e determinei-me a faze-lo quando, poucos dias depois da minha entrada no Ministerio, vi o officio que ao Governo dirigiu o nosso Encarregado de Negocios em Roma, datado em 27 de Fevereiro de 1837. Tomei as ordens de Sua Magestade; propuz o negocio aos meus Collegas; consultei Theologos, Canonistas, e Juristas, dos mais abalisados; e respondi em 30 de Julho seguinte ao mesmo Encarregado de Negocios, mandando-lhe Instrucções para a negociação que está pendente. Apresentei, e fiz approvar pelos meus Collegas desse tempo o Projecto das mesmas Instrucções. Sahio então o Sr. Dias de Oliveira, e entraram nos dous Ministerios, que elle dirigia, os Srs. Julio Sanches e J. A. de Campos; apresentei novamente em Conselho o Projecto de que se tracta, e o enviei, approvado por elles, promptamente ao seu destino.

Sr. Presidente, o discurso do Orador, a que alludi quando comecei a fallar, parece manifestar receio de que o Governo de Sua Magestade não seja assaz sollicito em zelar as prerogativas da Corôa, e em fazer guardar os