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DIARIO DO GOVERNO.

minha voz, para defender minha Patria, e meus Concidadãos das imputações mal merecidas, e mal fundadas, que lhes foram feitas publicamente em Inglaterra, por um dos caracteres mais celebres, por um dos Jurisconsultos e Oradores mais distinctos daquelle Imperio.

Se a illustre personagem aquém o meu dever manda refutar; se Lord Brougham, ex Chanceller d' Inglaterra, não fôsse uma das primeiras notabilidades do seu Paiz, menos valôr daria eu á impropriedade das suas expressões, mas a voz do sabio Lord é retumbante, lançou sobre nós, sem motivo algum, um stigmata profundo, a dignidade da nossa Patria, manda combate-lo e refuta-lo.

Sr. Presidente, no principio do mez á Agosto proximo passado, houve em Birmingham um meeting, um daquelles ajuntamentos tão frequentes em Inglaterra, para celebrar a emancipação dos negros, nas Colonias inglezas da India Oriental. Neste meeting, Sr. Presidente, leu-se uma carta dirigida a Sir E. Welmet, Membro do Parlamento, por Lord Brougham, e nella approuve a S. S.ª introduzir expressões tão pouco exactas, e tão indecorosas a Portugal, que é impossivel a qualquer Portuguez que as leu, deixar de notar a flagrante injustiça de quem as escreveu. Eis aqui, Sr. Presidente, uma copia impressa dessa famosa carta; eu vou traduzir alguns periodos della, para que o Senado julgue a razão que me impelle a discorrer, sobre materia tão desagradavel. «Deseja S. S.ª que as mãos do seu Governo, sejam fortalecidas pela expressão universal das reuniões publicas, contra o trafico infernal da escravatura. Quero dizer, fortalecidas nas providencias que, espero eu, estão a ponto de ser adoptadas para acabar com este systema de roubo e de assassinato (rapine and murder) patrocinado agora pelos Reinos de Hespanha e Portugal. É vergonhoso que as Nações, que absorveram (absorbed) este commercio, permittam que duas das mais insignificantes Nações da Europa, ultragem ainda a humanidade com similhante pirataria em grosso.»

Aqui temos nós, Sr. Presidente, duas asserções differentes, ambas injustas, e mal fundadas ambas. Eu vou combater a primeira, e depois analysarei a segunda.

A fair dealing, uma discussão de boa fé, é a unica cousa que eu peço a Lord Brougham; isto concedido, S. S.ª é muito cavalheiro, é homem muito superior para deixar de reconhecer, que passou contra Portugal uma sentença injusta. Qual é a historia d'abolição da escravatura, em quanto á Corôa de Portugal?

Pelo Tractado de 1810, parto infeliz da nossa Diplomacia, obrigou-se o Governo Portuguez a limitar aquelle trafico. Assim se cumpriu. Pelo Tractado de 22 de Janeiro de 1815, obrigou-se o Governo Portuguez a prohibir o commercio da escravatura nas suas Colonias ao Norte do Equador. Assim se cumpriu. Na Convenção addicional de 28 de Julho de 1817, fixou-se o numero das Commissões Mixtas, formula dos Passaportes, etc. etc. Assim se cumpriu. E por fim no Artigo separado de 11 de Setembro de 1817, que faz parte da Convenção do mesmo anno, assentou-se, que as estipulações desta Convenção, e Artigo sepado subsistiriam, não só em quanto o Governo Portuguez não podesse realizar a total abolição da escravatura em todos os seus Dominios, mas ainda quinze annos depois daquella abolição; se neste intervallo se não fizesse outro arranjamento, como era, e é de desejar. Eis aqui a historia. Depois disto, que fez a Corôa de Portugal? Por um impulso de generosa philantropia, e sentimentos elevados, promulgou o Decreto de 10 de Dezembro de 1836; mas este Decreto não derogou, nem devia derogar a condição do Artigo separado; pois que o Governo Portuguez não podia querer, com um só golpe, destruir, ou perder as nossas Colonias.

Se esta exposição é exacta, é necessario admittir de duas cousas uma, ou que Lord Brougham, distincto homem d'Estado, eminente Jurisconsulto, Mathematico, e até poeta, segundo eu intendo d' uns versos, não muito lisonjeiros, que Lord Byron lhe tributou, não tinha lido a Gazeta Official do seu Governo, em data de 17 de Janeiro de 1837, na qual Lord Palmerston mandou estampar o Relatorio e Decreto de 10 de Janeiro de 1836, pelo qual Sua Magestade a RAINHA Mandou abolir o trafico da escravatura em todos os seus Dominios, e neste caso dormio Homero, ou se o sabio Lord havia lido aquellas peças officiaes e irrefragaveis, a injustiça das suas expressões, e ainda mais flagrante. E com effeito, Sr. Presidente, póde haver documento mais authentico, póde haver acto mais solemne, testimunho mais explicito da boa vontade do Governo Portuguez na extincção do trafico da escravatura? Póde Lord Brougham ignorar que Sua Magestade a RAINHA, Mandou distituir já algumas Authoridades, que pareciam mostrar-se menos zelosas na execução plena e absoluta daquelle Decreto?

Então que deseja Lord Brougham, que pretende Lord Palmerston? Quererão estas illustres personagens, a quem eu respeito muito apesar das suas exigencias, que nós deitemos fogo ás Colonias que nos restam, ou que, em obsequio dos escravos pretos, nós nos declaremos escravos brancos? (Apoiado,) Estranhará Lord Brougham que, no estado, a que nos tem levado infelizes dissenções, nós não tenhamos podido fazer cumprir de repente, e sem contemplação alguma, o Decreto de 10 de Dezembro ao Sul do Equador? Será isto motivo bastante para que um nobre Lord, cujas palavras significam tanto, nos malquiste e desattenda á face do Mundo inteiro? Não, certamente. E eu vou traduzir algumas linhas d'um discurso, proferido por Lord Brougham mesmo na Casa dos Communs, em 15 de Junho de 1810, no qual S. S.ª me fornece argumentos bastantes para rebater a exorbitancia das suas pretenções. «É com grande pesar, dizia então S. S.ª, que eu me vejo obrigado a chamar a attenção desta Casa para os meios empregados neste Paiz, a fim d'illudir as Leis que aboliram o trafico da escravatura. Para se conseguir este detestavel proposito, empregam-se todos, e os mais variados expedientes, que a ingenua perversidade da cubiça mais desenfreada póde suggerir,... Aparelham-se navios, não só em Liverpool, porem mesmo no rio que banha as paredes deste Parlamento, pessoas, que ousam appellidar-se negociantes Inglezes, foram descobertos no acto de mandar um navio de grande lote, arrancar d'Africa para o captiveiro do Brasil, oitocentas creaturas.»

Lord Brougham é muito consistente para recusar na Casa dos Lords, o testemunho de Mr. Brougham na Casa dos Communs; e então, Sr. Presidente, se o Governo Britannico, senhor de tantos e tão grandes meios de execução, não pôde, pelo espaço de alguns annos, pôr freio á sordida cubiça dos traficantes em escravos, como se pretende exigir de nós, em vinte mezes, o que a Inglaterra não pôde conseguir em muitos annos? (Apoiado.)

E se eu estou bem informado, as Leis d'abolição, apesar de certa indemnisação, não estão ainda em cabal execução. E se isto assim é, como ousa Lord Brougham imputar a toda a Nação Portugueza, o patronato d'um systema de roubo e de assassinio? Por minha parte, Sr. Presidente, eu não conheço em Portugal homem algum, que não deteste o trafico da escravatura. (Apoiado.) Porque um, ou outro armador mais immoral e atrevido (e sabe Deus de que Nação, porque os Inglezes foram os primeiros a traficar em tal genero) abusa da nossa bandeira em paragens tão remotas, deveria um Jurisconsulto tão eminente, empregar os seus brilhantes talentos, e a sua picante facúndia em menoscabar fria e calculadamente uma Nação amiga, uma Nação tão intimamente ligada, e por ventura imolada á politica, e aos interesses d'Inglaterra, desde a guerra da Successão? (Apoiado.) Que diria o sabio Lord se eu commettesse o desatino d'imputar a toda a Nação Ingleza, o emprego do Scalping-hnife dos Iroquezes contra os Patriotas dos Estados-Unidos d'America do Norte? Diria que a Nação Ingleza se horrorisára, e que essa atrocidade arrancara lagrimas de indignação a Lord Chatam, e o impellira a proferir o improviso mais eloquente que jamais se ouvira na Casa dos Lords.

Que diria Lord Brougham, se eu imputasse a todo o povo Inglez as barbaridades, e horrores commettidos na India por Mr. Hastings, ou sob o seu Governo? Que pensaria o sabio Lord, se eu dissesse que toda a Inglaterra concorrêra, para que se deixassem morrer á fome, fechadas n'uma casa, as mulheres de alguns principes vencidos na mesma região, e no mesmo tempo? (Sensação) Diria que o povo Inglez dera um grito d'espanto, e que Mr. Burke levara de rastos á barra do Parlamento, os funccionarios delinquentes. Todo o homem versado na historia d'Inglaterra, e das suas Colonias, sabe até onde eu poderia levar este modo de arguição e represalia.

Sr. Presidente, o Decreto de 10 de Dezembro, a voz da humanidade, e os preceitos do Christianismo, impõem-nos a obrigação de realisar, apenas possivel seja, a decretada abolição da escravatura ao Sul do Equador, mas não dão direito algum, nem a Lord Brougham para nos menoscabar, nem ao Governo Britannico para hostilisar a nossa bandeira. Ó Sr. Presidente, pois a Inglaterra, que, por motivos do dominio e commercio, consente ainda hoje que o pavilhão triumphante dos Nelsons e dos Gervis saude os pagodes dos Bramines, em menoscabo, talvez, da Religião de Jesu Christo, a Inglaterra poderá querer expôr-nos a perder, ou pelo menos a destruir as nossas Colonias e se adoptarmos medidas arrojadas e prematuras? Quer a Inglaterra, que se espedace ainda mais a Monarchia Portugueza? Eu não o posso acreditar. E se assim nos tractam nossos Alliados, pouco teremos que receiar dos nossos inimigo (Vozes: — É verdade. — Apoiado.) Mas, teme-se por a nossa bandeira no Sul do Equador.... torno a repetir, eu não o posso accreditar, porque não ha ainda Tractado algum que dê tal direito aos cruzadores Inglezes. Eu tenho mais alta idéa do caracter de Lord Melbourn para persuadir-me, que S. Ex.ª seja capaz d'aconselhar á RAINHA de Inglaterra um insulto gratuito á bandeira da RAINHA de Portugal, não só o mais antigo, porém o mais fiel de todos os seus Alliados. Se Lord Melbourn fôsse capaz de dar um tal conselho desnegaria com elle toda a sua vida publica, e commetteria uma grande iniquidade E não é por certo, o abuso da força que perpetúa a grandeza das Nações. (Apoiado.)

A abolição da escravatura encontrou em Inglaterra poderosas resistencias; a reunião dos nomes mais esclarecidos, e dos oradores mais brilhantes, empenhados naquella abolição, não poderam evitar frequentes derrotas em -ambas as Camaras. Muitas vezes nesta lide a cubiça esteve a ponto de triumphar da humanidade. Pelo contrario, Sr. Presidente, em Portugal não ha opposição: o Rei quer, o Parlamento approva, o Ministerio deseja, e toda a Nação concorre. (Apoiado geral.) Então, Sr. Presidente, por que razão se pretende, violando o Artigo separado de 11 de Setembro de 1817, impedir que nós façamos as regulações que exige a execução absoluta do Decreto de 10 de Dezembro. Sr. Presidente, ninguem detesta mais do que eu o trafico da escravatura. Servi seis annos no Reino do Brazil, nunca tive escravos, e muitas vezes minhas carnes estremeceram ao vêr o martyrio dos negros. Desejo por tanto, que se realise a abolição da escravatura, mas nos termos do paragrapho em discussão, (apoiado.)

Sr. Presidente, eu venho de patentear meus sentimentos a respeito da escravatura; detesto-a, e quizera vê-la terminar sem deshonra da nossa bandeira, ou perda cabal das nossas Colonias; mas confessarei por esta occasião, que nunca intendi bem a philantropia dos Inglezes. Já um Francez escreveu, que essa philantropia estava mais na cabeça que no coração isto é, poderia ser um impulso de vaidade, e não de benificencia, um desejo de figurar n'um artigo de gazeta, e não de consolar a humanidade. — Seja o que fôr, a verdade historica deixa vêr, que em quanto em Inglaterra sé declamava dentro e fóra do Parlamento contra a escravatura dos negros, os Argelinos capturavam os brancos no Mediterraneo, e vendiam-os como escravos, sem que esse ultraje da humanidade excitasse essas efusões de compaixão, que a lembrança dos negros promovia.......... (Apoiado.) Se este desdouro acabou, honra a Carlos X, e não a Jorge IV. E ainda mais, porque motivo não acceitou o Governo Britannico, no Congresso de Verona, as propostas dos Plenipotenciarios de Portugal, que offereceram abolir a escravatura no termo de oito annos, se o Governo Britannico quizesse consentir na abolição d'esse fatal Tractado de 1810? N'essa occasião o lucro fallou mais alto que a philantropia, e as propostas foram rejeitadas! Oxalá que Lord Brougham, cuja nome merece na Europa inteira influencia tão grande, levantasse a sua voz elegante a favor de Polacos, que soffrem hoje nas minas da Siberia peior tractamento que os pretos nas fossas do Brazil. (Grande sensação.)

Tenho mostrado, Sr. Presidente, que a Nação não merece as imputações que Lord Brougham lhe liberalisou, e que ainda mesmo os maiores homens d'uma Nação, aonde se publicou em 1830 The Report from the select comitee in Aborigenes, não tem direito de notar a qualquer outra acções Isoladas, commetti-