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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 23 de Março de 1839.

(Presidencia do Sr. Leitão.)

Começou a Sessão meia hora depois do meio dia; presentes 38 Srs. Senadores. Os Srs. Barão do Almargem, e Ferreira Pinto fizeram, participar á Camara que não compareciam por molestia.

Leu-se, e foi approvada a Acta da precedente Sessão.

Mencionou-se a correspondencia:

1.º Um Officio do Ministerio do Reino, informando ácerca do Requerimento do Sr. Barão do Tojal, approvado pela Camara, relativamente aos Direitos que se pagam no Terreiro Publico de Lisboa pela exportação dos generos nacionaes de uns para outros portos do Reino. — Para a Secretaria.

2.° Outro dito pelo mesmo Ministerio, enviando as Actas e mais papeis que dizem respeito á Eleição que ultimamente teve logar no Circulo de Santarem, para um Senador e um Substituto. — Á Commissão de Poderes.

Foi remettida á Commissão de Agricultura uma Exposição da Camara Municipal de Lamego, em que pede o restabelecimento da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, como tem sido requerido por outras Municipalidades do mesmo Paiz.

Leu-se a ultima redacção dos Projectos de Lei, — authorisando a Camara do Porto para contrahir emprestimo, a fim de concluir as obras necessarias para o Matadouro; — dando authorisação á mestria Camara para similhante meio com applicação ao Cemiterio da mesma Cidade; — e authorisando a cobrança dos impostos até 30 de Junho do corrente anno. — Foi approvada, e se mandaram redigir os respectivos. Decretos sendo nomeados para formar a Deputação que os deve apresentar á Sancção Real, os Srs. Conde do Farrobo,

Castro Pereira,

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DIARIO DO GOVERNO.

Machado,

L. J. Ribeiro,

Barão de V. Torpim,

Gomes de Oliveira,

Barão de Prime.

O Sr. L. J. Ribeiro inscreveu-se para apresentar um Projecto de Lei.

Por parte da Commissão competente apresentou o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa o seguinte

Parecer.

«A Commissão de Poderes examinou a Acta da Junta do Circulo Eleitoral de Guimarães, a qual achou regular. Não consta da referida Acta o numero de Actas parciaes que concorreram á Cabeça do Circulo, nem as ditas Actas foram remettidas a esta Camara, naturalmente porque a Lei o não ordena; entretanto consta da Acta geral que todas continham outhorga de poderes, tanto os geraes como os especiaes, relativos ao Artigo transitorio, nem faz menção de se terem encontrado irregularidades em alguma das Actas parciaes. O numero dos votantes foi de 1:552, vindo a obter maioria absoluta o Sr. Visconde de Porto Côvo de Bandeira com 925 votos, e o Sr. Visconde de Laborim com 893: pelo que, é a Commissão de parecer que seja approvada a Eleição do Circulo Eleitoral de Guimarães, proclamado Senador da Nação o Sr. Visconde de Porto Côvo de Bandeira, e convidado a vir tomar assento no Senado.

Sala da Commissão, em 23 de Março de 1839. = Manoel Duarte Leitão = Bazilio, Cabral = José Cordeiro Feyo = João Cardoso da Cunha Araujo = Barão de Villa Nova de Foscôa.

Foi approvado sem discussão: e depois disse

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Além desta Eleição existe tambem na Commissão a Acta de Alemquer, na qual vem nomeado o Sr. M. G. de Miranda; consta tambem que o Sr. M. G. de Miranda foi nomeado Senador por Braga, e então entende a Commissão que será melhor esperar que venha a Eleição de Braga para vêr-se por que logar o Sr. Miranda vem mais votado; porque se tomar agora assento por Alemquer, e vier mais votado por Braga, ou não se cumprirá a Lei, continuando a occupar este logar, ou largando-o para entrar por Braga, virá a ficar outra vez vago o Circulo de Alemquer; e por isso por parte da Commissão faço estas explicações.

O mesmo Sr. Barão, como Relator da Commissão de Fazenda, leu e mandou para a Mesa dous Pareceres sobre dous Projectos de Lei enviados da Camara dos Deputados; um para ficar em deposito no cofre da Alfandega, para ser entregue a quem devidamente o reclamar, o producto das fazendas que forem vendidas nos termos do Art. 7.°, Cap. 5.° do Decreto de 30 de Julho de 1834; e o outro sobre conceder á Camara Municipal de Torres Novas alguns edificios para usos publicos. — Ficaram na Mesa para se discutirem, havendo sido dispensada a impressão, em vista da sua simplicidade.

O Sr. Visconde de Semodães mandou para a Mesa uma Representação da Camara Municipal do Concelho de Sanfins, Districto de Vizeu, sobre Congruas de Parochos. — Passou á Commissão de Legislação.

O Sr. Zagallo, como Relator da de Guerra, leu o seguinte

Parecer.

«A Commissão de Guerra, examinando os Requerimentos de alguns Generaes, e um Tenente Coronel reformados, é de parecer que se peçam ao Governo, pelo Ministerio da Guerra, os Requerimentos que os Supplicantes fizeram ás Côrtes Constituintes e ao mesmo Governo, sobre as suas reformas, devendo vir acompanhados de todos os esclarecimentos, que houverem a tal respeito. Sala da Commissão, 4 de Março de 1839. = Duque da Terceira = Conde de Avillez = Visconde de Beire = Barão de Villar Torpim = Bernardo Antonio Zagallo.»

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Castro Pereira, por parte de uma Commissão Especial, apresentou o Projecto de Regimento Interno da Camara.

O Sr. Bergara observando que este Projecto era muito extenso, pediu que se dispensasse a sua leitura.

O Sr. Castro Pereira: — Eu acho que seria conveniente, antes de se mandar imprimir, que o Projecto ficasse sobre a Mesa por alguns dias, a fim de que cada um de nós podesse tomar as competentes notas para depois se fazerem as alterações que se julgarem opportunas, ou para que, no caso em que as não haja a fazer, se imprima definitivamente. Por tanto, peço a V. Ex.ª queira propôr á Camara se o Projecto que tive a honra de apresentar ficará sobre a Mesa, por tres ou quatro dias, para se imprimir depois segundo o que occorrer, evitando-se deste modo uma despeza que póde ser superflua.

O Sr. L. J. Ribeiro: - Eu hei de votar sempre por todas as economias razoaveis, e bem entendidas, mas não entendo que seja economia evitar despezas de reconhecida utilidade, e que versam sobre objectos importantes; eu acho muito util que se mande imprimir este Projecto; porque ficando em cima da Mesa, uns o irão vêr, e outros não, e ninguem estará habilitado para entrar com conhecimento de causa na sua discussão: entendo pois que a impressão é uma economia, e não uma despeza superflua.

O Sr. Trigueiros: — Quando na Sessão passada se tractou da questão se se havia nomear ou não uma Commissão para revêr o Projecto de Regimento; eu não quiz dizer nada sobre este objecto, porque tinha a mesma deferencia com os Membros da Commissão, que tem toda a Camara, e não quiz mostrar menos respeito para os que compõem a Commissão; mas parece-me agora que naquella votação se faltou a uma explicação que talvez nos embarace, e vem a ser; se o Regimento ha de ser discutido Artigo por Artigo, muito bem; mas a não ser assim era melhor ter nomeado a Commissão, que examinando os trabalhos da outra, e dando o seu parecer, se reduziria então o negocio a approvar esta Camara o Parecer; porém como esta questão (uma vez que a Camara a não queira de novo considerar) está passada, parece-me que se não póde prescindir da impressão; porquanto um manuscripto posto em cima da Mesa, é impossivel dar a facilidade aos Membros da Camara de o examinarem; portanto, sou da idéa do Sr. L. J. Ribeiro que me previniu sobre a idéa de o mandar imprimir, porque o julgo indispensavel para se poder examinar.

Não se offerecendo outra observação, dispensou-se a leitura do Regimento, mandando-se logo imprimir.

O Sr. Vellez Caldeira, como Relator da Commissão de Legislação, leu o seguinte Parecer.

«Á Commissão de Legislação foi remettido um Requerimento de Lucas José Dias, que pede a esta Camara haja por bem de formar processo ao Sr. Senador Barão do Tojal, por este o exonerar, quando Ministro das Justiças, da serventia provisoria do Officio de Guarda dos presos desta Cidade. Parece á Commissão que não pertence á Camara o deferir a este Requerimento. Casa da Commissão, em 21 de Março de 1839. = Manoel Duarte Leitão. = Basilio Cabral. = João Cardoso da Cunha Araujo. = Felix Pereira de Magalhães. = Agostinho Pacheco Telles de Figueiredo. = Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros. = Manoel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco.»

O Sr. Vellez Caldeira: — Este Requerimento posto, que concebido em frases pouco decorosas, é, comtudo, simples em seu pedido, e tal como se enuncia no Parecer: pede o Supplicante que esta Camara mande formar processo ao Sr. Barão do Tojal; porque este, quando Ministro das Justiças, exonerou o Supplicante de uma serventia provisoria; nem se mostra que o Sr. Barão esteja nos termos do Artigo 48, §. unico da Constituição, nem que a Camara dos Deputados decretou a sua accusação (Artigo 56): logo não póde a Camara dos Senadores accusa-lo, nem ser deferido o Requerimento.

Sem mais reflexão foi o Parecer posto á votação e approvado.

O Sr. Pereira de Magalhães, na qualidade de Relator da Commissão de Administração, leu dous Pareceres, um relativo ao Projecto de Lei da Camara dos Deputados sobre dispensar dos actos de conclusões magnas alguns Estudantes da Universidade; e o outro ácerca do Projecto de Lei da referida Camara, sobre dispensar os Estudantes, agraciados pelo Decreto de 20 de Outubro de 1834, do pagamento de emolumentos e sellos das suas Cartas. — Mandaram-se imprimir para entrar em discussão.

Passando-se á Ordem do dia, continuou a discussão addiada sobre o Projecto de Lei para a creação do Tribunal de Contas, começando pela questão do addiamento, implicita na Proposta do Sr. Pereira de Magalhães, (V. Diario N.° 71 a pag. 391.)

O Sr. Braamcamp: — Em primeiro logar devo agradecer á Camara a sua delicadeza, em ter esperado que eu podesse assistir á discussão deste Projecto: em segundo logar digo que approvo que a Proposta do illustre Senador vá á Commissão de Fazenda, com tanto que não obste á discussão do principal Projecto; e é de esperar que a illustre Commissão terá para com elle a mesma deferencia que teve comigo.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, eu concordo em parte com o que acaba de expôr o Illustre Senador Auctor do Projecto; porém descordo de algumas das asserções que elle produziu.

São muito louvaveis as intenções do illustre Auctor da Substituição, nem é possivel que alguem de boa fé negue a verdade e utilidade dos principios que elle enunciou, sendo considerados em thesis; e tanto isto é exacto, que na Commissão oppuz eu essas mesmas objecções, parecendo-me extemporanea a occasião da apresentação do Projecto de Lei para a organisação do Tribunal de Contas, no estado de desordem e desarranjo em que tudo se acha em Portugal por causas que não convém agora enumerar, Ninguem desconhece que em um bom systema de Leis organicas sobre Finanças, a de que se tracta deveria, permitta-se-me a frase, ser o fêcho da abobeda do edificio. O Tribunal de Contas tem a desempenhar funcções da maior importancia e magnitude; e como o seu officio deve ser puramente fiscal, só poderá ser bem desempenhado havendo Leis anteriores que tenham definido convenientemente o modo como essas funcções deverão ser exercidas. O Tribunal deve fiscalisar se os contribuintes pagaram justamente as quotas que lhes foram lançadas em relação aos seus haveres, e se essas cobranças se effectuaram nas epochas devidas; e nós (na ausencia de um cadastro, que tarde teremos), não possuimos Lei alguma que tenha fixado essas regras, nem ao menos por approximação. O Tribunal de Contas deve fiscalisar a boa administração, arrecadação, e distribuição dos fundos confiados ao cuidado dos Contadores da Fazenda dos Districtos, e nós não temos Contadorias de Fazenda que tal nome mereçam, porque as que temos é uma monstruosidade administrativa, que converteu os Contadores em Recebedores, Pagadores, e Fiscaes de suas proprias acções, sem ingerencia alguma de quem os fiscalise com independencia. Não ha Lei alguma que tenha definido previamente as attribuições do Thesouro, nem o modo pratico de as exercer; não é conhecido o formulario do processo pratico e uniforme dos Documentos, ou Peças justificativas que devem comprovar cada uma das verbas de Receita e Despeza, base unica de toda a boa Escripturação, porque eu não creio, em Contas extrahidas de Livros, sem estarem presentes os Documentos que a ella a derem origem; e todas estas faltas de Legislação, aliàs da maior importancia, hão de impedir que o Tribunal de Contas corresponda desde logo ao que delle se espera, e são em abono da opinião; do illustre Senador Auctor da Substituição, a qual, sendo em thesis tambem a minha, não é com tudo sufficiente para eu a seguir na presente conjunctura, por quanto:

Tendo tudo o que acabo de ponderar sido debatido Da Commissão a que tenho a honra de pertencer, assentou-se (ao meu vêr com razão) que não podendo o Tribunal de Contas satisfazer desde já a tudo quanto delle se espera, póde com tudo vir a fazer grandes serviços á Nação, occupando-se do muito que está em abandono, e se não faz.

Sr. Presidente: — Uma das causas mais poderosas que tem concorrido para a desgraça do Paiz tem sido o aspirarem todos ao optimismo ideal, sem se lembrarem que, a maior parte das vezes, o optimo é inimigo do util: assim se tem destruido imprudentemente tudo quanto havia, abandonando os poucos beneficios certos que d'ahi provinham, a troco de promessas pomposas, illusorias, e quasi sempre estereis de resultado; e não poucas vezes se ter o deixado de ensaiar as reformas parcialmente, só por que não é possivel apresentar um Projecto geral que comprehenda o systema da refórma em toda a extensão desejada. Debaixo destes principios, parece-me ter demonstrado, que o Tribunal de Contas é de reconhecida utilidade nas actuaes circunstancias, apesar da falta da organisação geral que se propõe, e deseja; e que não têem o pêso que se inculca as asserções oppostas pelo illustre Senador, com o fim de impedir a prompta discussão do Projecto, Sr. Presidente. Em Portugal só dá con-

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tas quem as quer dar, ou tem devoção para isso; devendo notar-se que aquelles que as prestam são de ordinario os a quem se faz maior guerra; porque, na ausencia de todas as Contas, offerecem assumpto para discorrer aos espiritos desinquietos, que sempre têem que censurar, bem, ou mal. É por estas razões que eu considero util o Tribunal de Contas desde já, para ír tomando contas a quem é responsavel por ellas, sem que seja necessario andarem muitas vezes pedindo isso por favor ou mercê a quem tem obrigação de o fazer; não me parecendo conveniente que a Nação fique privada desta vantagem, porque não póde obter todas as possiveis: eu estou persuadido que só com a publicação do Tribunal de Contas ha de muita gente entrar nos seus deveres.

Eu sei muito bem que o Tribunal de Contas, creado nestas circumstancias, não pode apresentar ás Côrtes a Conta Geral do Estado, por não ha para isso os elementos necessarios, o que não será para admirar, porque em Portugal ainda se não apresentou Conta alguma que se podesse chamar Conta Geral do Estado; devendo entender-se que eu não pretendo de modo algum censurar os homens que têem presidido aos destinos da Nação; porque, nesta parte, o defeito provém da organisação das Leis, e não dos homens: as Contas que se têem apresentado até hoje, têem sido, até certa altura, de gerencia pessoal.

Julgo ter respondido ás objecções propostas, e voto contra a Substituição.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Limitar-me-hei simplesmente, conforme o meu costume, ao ponto em questão — a Proposta do Sr. Senador Magalhães. — Disse elle que o Projecto deve voltar á Commissão, a fim de se por em harmonia com a organisação geral da Fazenda. Se acaso o illustre Senador demonstrasse que era impossivel por em andamento o Tribunal de Contas, ou que não é possivel tirar delle alguma vantagem, sem que a sua organisação especial esteja em harmonia com a geral das finanças, eu accederia á sua proposição; mas é isto o que elle não póde demonstrar: mas eu demonstrarei que, ainda mesmo com a actual organisação da Fazenda, muitas vantagens se poderão tirar da creação do Tribunal de que tracta o Projecto em discussão. É necessario reconhecer que as bases apresentadas pelo illustre Senador são as mais luminosas, e que se acham postas em pratica em todas as Nações onde as finanças estão bem organisadas. Com effeito, na Administração da Fazenda ha tres cousas absolutamente distinctas — a Administração propriamente dita, a da receita e despeza, e a fiscalisação: todas estas tres partes devem ser inteiramente separadas umas das outras; porque, quem administra não deve pagar nem receber, nem fiscalisar; quem paga e recebe não deve administrar nem fiscalisar; e quem fiscalisa não deve administrar, nem pagar, e receber, porque estas funcções accumuladas têem incompatibilidade absoluta. Actualmente temos todas estas attribuições reunidas na pessoa do Ministro da Fazenda, e o que d'ahi se segue é que não temos a Administração de Fazenda como cumpria. Mas, supponhamos que destas tres attribuições nós separavamos uma, que é a fiscalisação (em que existe verdadeiramente a incompatibilidade); temos estabelecido uma garantia, e conseguido um grande fim. Seria bom que as outras duas partes estivessem separadas, e já em Portugal se tentou fazer isso, na Constituinte de 1822, quando se quiz estabelecer um Presidente do Thesouro distincto do Ministro da Fazenda, mas não foi ávante: em outras Nações tem havido estas duas entidades distinctas; na França as houve, não só no tempo da Republica, mas ainda no Governo de Napoleão; mas a final acharam que isso era inutil, e hoje estão ambas reunidas. No Ministro da Fazenda é onde reside a intelligencia, o a gerencia della, porque tem obrigação de propor ás Côrtes os tributos, fazê-los lançar, e cobrar; se alguns se devem conservar ou abolir; aquelles que devem novamente estabelecer-se, attendendo ás circumstancias dos contribuintes; em fim é elle quem sabe a estatistica do Reino, e as forças de quem ha de pagar: é elle tambem que faz os emprestimos, contractos, orçamentos, etc. Agora a outra attribuição é simplesmente pagar e receber; por isso no Thesouro póde-se pôr um Depositario ou Thesoureiro, porque elle não tem mais nada a fazer do que pagar e receber, e ter contas exactas da receita e dos pagamentos. Nesta parte o Presidente do Thesouro faz os seus proprios pagamentos, e o dos outros Ministerios; e com os seus conhecimentos de caixa mostra o que fez dos fundos da Nação, de fórma, que toda a sua Administração principia quando os dinheiros entram, e acaba quando os dinheiros sahem, salvo ter contas exactas de todas as transacções, e dar instrucções aos exactores de Fazenda para que tenham uma escripturação uniforme e regular em todo o Reino. Se acaso nós assentássemos em que se dividissem estas duas attribuições, não seria mau, posto que não haja inconveniente em que estejam unidas. Em Inglaterra sabe-se que estão divididas; na Thesouraria onde se paga e recebe, e no Exchequer onde se fiscalisa. Por conseguinte, logo que nós separemos das outras duas, a parte da fiscalisação, repito que teremos conseguido um grande fim: o Ministro da Fazenda, nesta qualidade, tracta das Finanças em geral, e como Presidente do Thesouro tracta da Administração e distribuição dos fundos: por tanto, teremos dado um grande passo quando estabeleçamos o Tribunal que póde fiscalisar o Ministro. É verdade que se a organisação do Thesouro fôsse mais regular, e fossem mais definidas as attribuições entre a Secretaria da Fazenda, e o mesmo Thesouro, muito melhor iria este ramo de serviço; acontece que se um individuo requer ao Thesouro devendo fazê-lo á Secretaria, dá logar a que o proprio Ministro n'uma qualidade officie a si mesmo n'outra qualidade remettendo-se o Requerimento mal encaminhado. São irregularidades que o Governo deve sanar, e é mesmo cousa muito facil, logo que haja um Ministro que tenha tempo para tractar deste objecto: o pessoal e material da Fazenda pertence á Secretaria, e tudo que são execução de actos legislativos pertence ao Ministro, e tudo que é receber e pagar pertence ao Thesouro.

Resumindo-me ao ponto em discussão, digo que me parece faremos um beneficio á Nação se destacarmos desde já o que pertence á fiscalisação da Fazenda, sendo incompativel com os principios da boa Administração que essa parte esteja no Thesouro; por tanto a minha opinião é que continue a discussão do Parecer da Commissão: quanto á Proposta do Sr. Magalhães, não me opponho a que vá á Commissão de Fazenda, ainda que ella me não parece propria para tractar deste objecto; ao Ministerio compete fazer esses trabalhos pelos conhecimentos praticos de que elles dependem, e que só no Governo se devem suppor. (Apoiado, Apoiado.)

O. Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente. Quando eu concebi a idéa de apresentar esta Proposta, reconheci que não tinha os conhecimentos precisos, por serem especiaes, sobre a materia de que ella tracta, e que se os illustres Membros da Commissão de Fazenda me não assistissem com seus abalisados talentos, eu não poderia sustenta-la: hoje, porém, acho-me mais forte porque acabo de vêr reconhecidos pelos mesmos illustres Membros os principios que nella estabeleço; isto é, que reconhecem que toda a organisação de Fazenda se deve dividir em tres grandes partes — administrar — receber e pagar — e dar contas — que são as bases da minha Proposta. Vou examinar portanto os argumentos que apresentaram, a fim de que se não continue a discussão do Projecto para a creação do Tribunal de Contas, sem se organisarem os outros dous grandes ramos da Fazenda, como proponho.

O primeiro illustre Orador, dos dous que acabam de fallar, disse que não podendo nós chegar ao optimo, ao menos chegassemos ao melhor possivel; quer dizer: se nós não podemos organisar já os tres grandes ramos de Fazenda, que, ao menos, organisemos um, que é o Tribunal de Contas. Mas o mesmo illustre Membro disse que o Tribunal de Contas era a abobada do edificio da Administração de Fazenda: ora, Sr. Presidente, qual será o architecto do mundo que principiasse a construir um edificio pela abobada? Eu creio que se a Camara deseja construir o edificio da Administração de Fazenda, não quererá principiar pela abobada, mas sim pelo fundamento; e o fundamento o que é? Antes de haver contas, ha Administração; e antes de haver contas ha receber e pagar; ora, a Administração é a base ao edificio, receber e pagar são as paredes, e o Tribunal de Contas é a abobada. Então cabe o primeiro argumento contra a Proposta, porque certamente ninguem quereria edificar começando pela abobada.

Todos os outros argumentos do illustre Senador tenderam só a mostrar a necessidade que ha do Tribunal de Contas, necessidade que eu mesmo reconheço, julgando essencialmente necessaria a existencia desse Tribunal em um systema representativo. Continuou o illustre Orador que o Tribunal produziria um grande bem, ainda quando isoladamente fosse estabelecido, e era que sendo authorisado a chamar os Agentes do Thesouro a darem contas, não sabendo nenhum delles qual seria o chamado, todos tremeriam, e teriam cuidado de terem suas contas claras para não serem surpreendidos. Eu não quero isto; não quero que o Tribunal infunda receios, quero que os que administram, recebem, e pagam, estejam sempre promptos a dar contas, mas que ninguem seja surpreendido: nem ha Nação que interesse em que algum dos seus Membros seja surpreendido, nem as Leis se fazem para armar laços aos habitantes do Paiz; por exemplo: nós creâmos o Tribunal de Contas, e dizemos que todos os responsaveis do Thesouro sejam obrigados a dar alli conta da sua gerencia; mas como se não marquem as regras de como, nem quando essas contas hão de ser prestadas, diz o illustre Senador que todos tremem do Tribunal; então digo eu, que a existencia de tal instituição é um laço que se arma a todos os responsaveis do Thesouro! Sr. Presidente, todas as Nações têem um Codigo Criminal, mas nenhuma interessa em que se commettam crimes; ao contrario, o interesse geral é que elles não tenham logar, e que as Leis penaes não tenham applicação: portanto, o Tribunal de Contas quer que todos os responsaveis do Thesouro prestem suas contas; mas eu quero que elles saibam como e quando as hão de prestar, e que se regule o modo como hão de administrar, assim como o modo como hão de receber e pagar.

Passarei agora ás ponderações do outro illustre Senador, tambem Membro da Commissão de Fazenda. O seu primeiro argumento foi que uma Lei organica de Fazenda é muito difficultosa de fazer: eu tambem o reconheço, Sr. Presidente; mas eu não peço uma Lei que abranja tudo quanto ha de Fazenda, o que proponho é uma Lei de organisação dos tres ramos da Administração da Fazenda; já ahi está um, faltam dous que são o ramo que ha de administrar, e o ramo que ha de receber e pagar; quem administra é o Ministro da Fazenda, quem recebe e paga é o Thesoureiro. Está reconhecido pelos illustres Membros da Commissão de Fazenda que o Thesouro é uma Repartição muito simples, e tão simples, que se limita a receber e pagar, ou seja pelos requisições do seu proprio, ou pelas dos outros Ministerios: ora é simplesmente a este ponto que eu o reduzo na minha Proposta; E então, Sr. Presidente, haverá grande difficuldade em que uma Lei diga — pertence ao Ministerio da Fazenda tal e tal, ao Thesouro tal e tal? Eu entendo que não. Se assim o não fizermos, dir-se-ha que contando nós dezenove annos de carreira constitucional, ainda não sabemos fazer Leis Constitucionaes: estas devem conter principios geraes muitos simples, e dar campo ao Governo para as dissolver pelos seus Regimentos Mas nós ainda infelizmente não chegámos a esse estado de perfeição e apuro do Systema Constitucional, e pendemos para o antigo prejuizo de reunir a parte essencial das Leis com a sua parte regulamentar. Por tanto, se nos limitassemos a principios geraes e simples, a Lei que proponho não havia de ser tão extensa, nem tão dificultosa como parece. E quando os illustres Membros da Commissão disseram que se não julgavam com forças de fazer tal Lei, isto é modestia: elles têem capacidade não só theorica mas tambem pratica; alli estão illustres Senadores que foram Ministros d'Estado, e Ministros d'Estado distinctos: se não receiasse offender a modestia de alguns, diria que lá está um que fez grandes serviços na organisação Financeira, ou ao menos na parte regulamentar della; que está igualmente um illustre Senador que tem grandes conhecimentos praticos da Administração de Fazenda. Estou por tanto certissimo, Sr. Presidente, de a Camara approvasse a minha Proposta, o Projecto que sahisse da Commissão seria o mais perfeito possivel. O mesmo illustre Membro da Commissão a quem respondo disse, que se eu mostrasse que o Tribunal de Contas não podia funccionar sem a existencia das outras duas Repartições, que então a minha Proposta era muito attendivel: — mas eu vou vêr se posso convencer o illustre Membro de com effeito o Tribunal não poder funccionar. Sr. Presidente, a base donde devem partir as funcções do Tribunal de Contas, é o Orçamento; porque

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este depois de votado pelas Camaras, deve por ellas ser remettido ao Tribunal de Contas, e este na epocha marcada pela Lei chama, primeiro quem administra que são os Ministros d'Estado, e á vista do Orçamento vê as quantias que foram votadas para cada Ministerio, e exige que lhe provem se com effeito despenderam essas quantias, e no que. Provam-no, e declaram quem foram os responsaveis por meio dos quaes ellas se despenderam. O Tribunal então chama esses Empregados, os quaes mostram com Documentos que esses dinheiros foram distribuidos segundo os exercicios para que as Camaras os votaram. Eis-aqui pois, Sr. Presidente, desenvolvido o meu pensamento, e idéa na qual eu não duvido que erre; porque já confessei que não sou forte em Finanças por não é essa a minha profissão, é que d'ellas só tenho conhecimentos geraes.

Ora, se o Orçamento é a primeira base das funcções do Tribunal de Contas, e se este tem que chamar primeiro os que administram, e depois os que recebem, é pagam, deve notar-se antes de tudo, que nós não temos Orçamento em Portugal, como elle o deve ser, é que sirva de base ao Tribunal de Contas, como é reconhecido por todos, e como muito bem o provou um illustre Senador que se assenta perto de mim, e que destas materias tem profundissimos conhecimentos, o qual affirmou que não havia até hoje apparecido em Portugal um Orçamento como o devia ser, o que não tem duvida nenhuma: — e se o não ha, como póde então funccionar o Tribunal? Salvo se fôr chamando um por um, e a pouco e pouco, para darem contas: — mas este methodo não é praticavel: — nem se póde tirar a pretendida utilidade de um Orçamento que não é feito segundo o exije a necessidade do Serviço Publico, é a regular applicação dos dinheiros.

É esta pois a primeira difficuldade que apparece. Vamos agora tractar dos que recebem e pagam: - e perguntarei eu como ha de o Tribunal de Contas chamar os que recebem e pagam para lhes darem contas (o que é verdadeiramente um acto secundario de administração), se isso é absolutamente impraticavel segundo o nosso actual estado de administração da Fazenda Publica, em que esses que recebem e pagam não tem marcado, nem determinado por lei, o modo como hão de fazer os pagamentos? Sr. Presidente, o modo como pelos cofres da Fazenda se fazem os pagamentos é bem sabido; mas não é sufficiente para se formar uma conta legal, e revestida das circumstancias, que exige a boa administração da Fazenda porque é tambem necessario que apresentem os documentos que comprovem a despeza: — isto porém não está assim organisado, o eis-aqui mais uma razão em virtude da qual o Tribunal de Contas não póde funccionar.

Accresce além destas razões ainda outra, e é, que o primeiro que recebe, e paga, é o Thesouro: — e como ha de o Tribunal tomar contas do Thesouro, no estado em que se acha? Não póde ser: — quem é lá o Thesoureiro; e quem é o Pagador? Alli não ha nada disso, e conseguintemente não têem o Tribunal ã quem tomar contas do que alli se recebe e paga, só se para isso chamar o Ministro da Fazenda que é o unico responsavel. Creio por tanto ter mostrado, por todos estes motivos, que não é possivel funccionar o Tribunal de Contas, nem toma-las sem se organisarem as outras duas Repartições. Ora, que todas as attribuições estão hoje reunidas no Thesouro Publico é uma verdade, e e daqui que provém todos os nossos males, que convém remediar para que não progridam, dando uma melhor organisação á Fazenda Publica. (Apoiados.) Agora, Sr. Presidente, repetirei o argumento já produzido, e que não foi respondido por nenhum dos illustres Oradores que me precederam, e o qual é para mim de grande pêso. O thesouro Publico deve ser simplificado no seu Systema pela maneira que eu proponho, isto é, deve reduzir-se a receber e pagar: — mas havendo hoje naquella Repartição uma immencidade de Empregados, os quaes (segundo ouço dizer) são na maior parte muito babeis, e talvez todos o sejam, acontecerá, que sanccionada a Lei para a creação do Tribunal de Contas, elle se instaurará logo, e o Governo nomeará para alli os Empregados que se julgarem necessarios; — mas aonde os irá elle buscar! Ao Thesouro não; porque entende que os que lá estão são precisos, e então segue-se que será nova gente a que irá para alli. Mas, quando se simplificar o Thesouro, o que será dos Empregados que elle tem? Terá o Estado que carregar com esses Empregados todos, e privar-se dos seus serviços, e da muita pratica que elles por corto têem dos negocios publicos: — ou então ha de demitti-los todos, e morrerão á fome! E será isto justo? Certamente não: - e por isso digo eu, que se a minha proposição não fôr approvada, ha de se carregar a Nação com triplicados, ou quadruplicados males do que já hoje pesam sobre ella. Limitar a estas as minhas observações, Sr. Presidente, porque para minha satisfação bastava vêr reconhecidos os principios que eu expendi na minha Proposta; — e recopilando-as direi, que reconheço ser d'absoluta necessidade o Tribunal de Contas; mas tambem reconheço que se elle se organisar sem igualmente serem organisados os outros dois braços da Fazenda Publica, os males da Nação se aggravarão muito mais, e de tal modo que nunca se poderão remediar: — e muito mais o creio assim depois de me ter mostrado a experiencia, que quando um Tribunal não é logo organisado no seu principio, como o deve ser, nunca mais se remediam os defeitos que com o tempo aparecem; porque para os remediar se encontra opposição, allegam-se direitos adquiridos, e até se têem em conta o sentimentalismo (Apoiados.) Concluo insistindo pela approvação da minha Proposta.

O Sr. Luiz José Ribeiro: — Sr. Presidente. — Esta materia é muito grave, e por isso não considero perdido o tempo que se gastar em a discutir com toda a prudencia e madureza, sendo esta a razão porque eu repetirei mais alguma cousa a respeito della. Nenguem por parte da Commissão negou a solidêz dos principios ennunciados pelo illustre Orador que acabou de fallar; mas pelo que ouvi, ou elle me não entendeu bem, ou eu me explicaria mal, que seria o mais certo.

Sr. Presidente no estado actual da civilisação, ha muito pouco que descobrir ou inventar sobre a Sciencia de Administrar, Os principios geraes são conhecidos por todos os homens de senso commum; sendo certo que os mais simples, menos aparatosos, e que assentarem sobre os factos, são os melhores: a grande difficuldade consiste em os desenvolver praticamente, d'um modo exequivel e conveniente, e com attenção aos habitos e costumes do paiz em que houverem de vigorar.

É muito facil, para um homem de letras, lançar em um papel as bazes geraes para um systema qualquer, fundados nas melhores theorias; porém quando se desce ao exame dos factos, e se procura o modo de os sujeitar ás regras geraes annunciadas, é então que se encontram as grandes difficuldades. Eu sei muito bem que toda a organisação é sujeita a uma regra geral invariavel e que será defeituosa toda aquella que não partir da annalyse para a synthese; porém a questão que nos occupa não é precisamente essa; a questão reduz-se a saber, se no estado actual da Administração, será conveniente tomar contas a quem as deve: — seria muito melhor, eu o reconheci; que a lei da creação do Tribunal de Contas, fosse, posteriormente publicada, ou ao menos conjuncta com a lei da organisação da Fazenda Publica: — se porém nós não temos esse complexo de legislação geral e methodica, temos ao menos alguma, em virtude da qual actualmente se administra, recebe, e paga: e ainda que todos esses actos não sejam feitos com aquella regularidade que era para desejar, póde, não obstante isso, tomar-se contas aos actuaes Empregados pelo mesmo modo que elles administram. Disse eu que só a certeza de se estabelecer o Tribunal de Contas, faria com que muita gente entrasse nos seus deveres: — esta asserção, que eu repito e sustento, e a que o illustre Senador deu uma intelligencia demasiado lata, ou opposta á que eu lhe dei; é verdadeira.

Eu não disse que se armassem ciladas, ou se fizessem surprezas a ninguem: disse, e desejo que se tomem contas a todos, chamando, a um por um, e a pouco e pouco; porque nem de outro modo é possivel toma-las; e como nenhum sabe quando será chamado, é certo que esse facto concorrerá para que a maior parte estejam em regra; e ninguem poderá affirmar com justiça, que isto é armar surpresas. Estou persuadido pois, que o Tribunal de Contas estabelecido pelo methodo proposto, não ha de produzir logo todos os resultados uteis que se desejam; mas ha de produzir alguns, e muito vantajosos. Além de que, Sr. Presidente, não sabem

todos que ha Ministros d'Estado responsaveis — 17 Contadores de Districtos — um Commissario de Pagadorias Militares do Exercito, e da Marinha; Arsenaes, etc. — e que a todos estes se devem tomar contas? — Ora como não é possivel toma-las a todos simultaneamente, vão-se chamando a um por um, e tomem-se ao menos áquelles que poder ser. Eis-aqui pois as razões que eu tenho para dizer, que os argumentos do illustre Orador não destruiram os meus, nem os do meu illustre Collega, Relator da Commissão, os quaes ainda estão em pé. A questão pois é verdadeiramente de tempo, e não de principios. Não ha porém duvida que se se podesse desde já apresentar esse complexo de Leis sobre a administração, arrecadação, e distribuição das rendas publicas, as cousas haviam de ír muito melhor do que irão por esta fórma; mas isso não deve obstar, como já disse a que o Projecto se discuta, e delle se retirem as vantagens que são conhecidas, a ninguem poderá impugnar com solidos fundamentos.

Por ora paro aqui, e sendo necessario darei as demais explicações que se exigirem, e couberem nas minhas faculdades.

O Sr. B. de Villa de Foscôa: — O Sr. Senador auctor da Proposta esforçou-se por mostrar que o Tribunal de Contas, não podia funccionar sem a organisação geral da Fazenda, e se por ventura o provasse — era evidente que não podia ter logar a discussão deste Projecto, mas o Sr. Senador não o provou. — Disse que o Tribunal de Contas não póde funccionar porque não temos Orçamento, que é a base sobre que o Tribunal ha de trabalhar, o Sr. Senador engana-se; nós temos Orçamento, e este não é mais que a estimativa da receita provavel; o que nós não temos tido até agora é a conta exacta, da receita e despeza do Estado, e para isso é que se estabelece o Tribunal de Contas; mas nós temos Orçamento, que é como disse a estimativa do que póde produzir a renda da Nação, e qual a sua despeza. O Orçamento é remettido ao Tribunal de Contas, este abre os creditos votados pelas Côrtes a cada um dos ramos do serviço, e debita-os pelas sommas que vão recebendo do thesouro, por conta de seus respectivos creditos, com distincção de capitulos. Em quanto á receita, quando se fazem os lançamentos estes vem remettidos ao Thesouro para serem escriturados, e delle passam ao Tribunal, que debita o Contador pela totalidade da sua importancia, e elle lia de dar conta do dinheiro ou dos recibos que ficaram por pagar, para serem relachados ao Poder Judicial.

Em quanto ás contribuições indirectas como não são fixas, o Thesouro tem obrigação de remetter todos os mezes ao Tribunal, os Documentos por onde conste qual foi a receita, e despeza. Escriturada assim a receita, muito mais facilmente se escritura a despeza porque o Ministro da Fazenda remette todas as semanas ao Tribunal de Contas, uma Relação de todas as despezas que fez; o Tribunal debita cada um dos Ministros, e vê se está conforme com os creditos votados. Em consequencia vê-se que o Orçamento sendo a base sobre que ha de trabalhar o Tribunal que elle póde trabalhar desta maneira. — Diz-se se na desordem em que está o Thesouro se se hão de tomar as contas ao Ministro. Sim Senhor; hão de se lhe tomar as contas porque elle sabe quanto recebeu, e quanto despendeu, porque disso tem e deve ter contas, e todos os annos ha de ser o Thesouro obrigado a apresentar os seus Livros para se verificarem os saldos. Diz-se, mas não se podem tomar contas aos Empregados: póde-se e hão de tomar contas a todos os que forem responsaveis, e no Projecto está acautellado que as darão annualmente: ora se se hão de pedir essas contas todos os mezes, isso depende do Tribunal e da ordem do seu trabalho, porque seria inutil pedir todas as contas ao mesmo tempo: por consequencia vê-se que o Tribunal de Contas póde em virtude do Orçamento tomar as contas geraes da Nação, e ao Ministro, todos os annos mensalmente, ou por semestre, ou como o julgar, e com a apresentação das peças justificativas. Ao Thesoureiro Geral das Tropas por exemplo, mandou-lhe entregar cem contos de réis, elle paga pelas Portarias do Ministro da Guerra, mas todas essas contas depois de passarem pela Secretaria da Guerra, devem passar ao Tribunal. Outra difficuldade que se apresentou foi a respeito dos Empregados, porque havendo tantos vai gravar-se a Nação como novas despezas: o Thesouro não tem mais do que pagar, e receber, mas quantos centos de Empregados é preciso para ter as suas contas em

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dia? É preciso o mesmo numero de Empregados que agora lá tem: é simples aquella proposição mas a execução é dificultosa: o Thesouro precisa e lá tem uma Contadoria para as contribuições directas, para tractar das contas de todo o Reino, relativas a este ramo; tem outra das indirectas, tem outra de proprios; tem outra dos emprestimos e receita extraordinaria que precisa de muitos Empregados, e de muita intelligencia: ha precisão tambem de uma Contadoria Central, e tudo isto tem muitos Empregados, porque não se pede fazer o serviço com pouca gente: por consequencia a razão não colhe! Se acaso se poderem dispensar Empregados que possam ír para o tribunal de Contas que vão para lá, mas quando se tractar de o estabelecer, é preciso ír buscar homens habeis aonde quer que os houver. Nos temos contas: o que não temos e quem as fiscalise, e o,

Thesouro tem todos os elementos necessarios dentro de si, para as contas se poderem regularisar e fiscalisar, mas não está no ponto de ordem tal que se possa dizer: a Nação recebeu tanto e despendeu tanto. Por consequencia não ha mais que reunir todos os elementos no Tribunal, e dar á Fazenda uma fiscalisação que ella não tem.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu não direi nada sobre a necessidade do Tribunal de Contas; porque está determinado no Artigo 135 da Constituição; agora resta só a tractar da oportunidade do seu estabelecimento; e se se ha de discutir o Projecto já, ou se se ha de addiar, até se fazer uma Organisação completa da Fazenda.

É reconhecido que o systema da Organisação das Contadorias está em máo estado entre nós, que em máo estado está a Organisação do Thesouro, mas passando aos fundamentos com que o meu amigo andor do addiamento o apresenta: quatro são elles, 1.º diz que crear desde já o Tribunal de Contas antes de organisar os outros dous ramos é estabelecer uma abobada n'um edificio sem alicerces, nem paredes: 2.° que tem o inconveniente de crear novos empregados, e sobrecarregar depois o Estado com muitos outros que hão de ficar desempregados: 3.° que por este modo nunca se fará a Organisação: 4.º que com o Tribunal de Contas, nunca se poderão tomar as contas.

Parece-me que são estes os fundamentos, que elle apresenta para apoiar o addiamento do Projecto até que a Commissão tenha desenvolvido as bases que offereceu. — Eu devo declarar que na ultima Sessão quando ouvi lêr a indicação do Sr. Felix Pereira de Magalhães; fiquei de acôrdo com as suas idéas, depois fui procurar instruir-me da materia porque não queria dar o meu voto pelo que dissessem os outros; e hoje depois da discussão estou inteiramente convencido de que a sua substituição não póde ser admissivel. — Quanto ao modo de edificar é sem dúvida que ninguem quereria pôr uma abobada sem alicerce; mas sobre um máo alicerce, e más paredes pode-se pôr uma cobertura e remate mesmo, para depois com vagar se remediar uma e outra cousa. — É verdade que a Administração da Fazenda é má, mas não ha dúvida que se póde desde já tomar contas; e mesmo pela difficuldade que neste ha agora, é que se mostra desde já a necessidade de occorrer a ella: aliàs seguir-se-hia, que nunca se poderiam tomar. Quanto aos Empregados o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa já respondeu; teremos desde já os Empregados que forem bons, e empreguemo-los no Tribunal das Contas os outros serão attendidos como convier: — 3.º longe de que o Tribunal de Contas obste a completa organisação de Fazenda, é por elle mesmo — que mais depressa se ha de fazer a refórma do Thesouro; e eu tenho tenção de offerecer um Artigo ao Projecto porque se haja de authorisar o Tribunal de Contas a tractar da refórma do Thesouro. Diz-se que se não podem tomar contas; não é assim. — Diz o Sr. Magalhães que se paga sómente por Portarias. Não senhor. Além das Portarias existem os recibos daquelles a quem se paga; e finalmente existe a escripturação e é possivel tomarem-se as contas. Por ventura diríamos nós: estas contas ponham-se de parte, porque a sua origem é má? Certamente não, concluindo digo que voto com os Membros da Commissão, que tem fallado sobre a materia rejeitando a proposta do Sr. Pereira de Magalhães.

O Sr. Trigueiros: — Muito se tem fallado, e muito bem; e tudo isto é preciso para eu poder entender o de que se tracta. — Tracta-se do addiamento do Projecto da creação do Tribunal de Contas, até se consultarem as bases apresentadas pelo Sr. Pereira de Magalhães; eu não sei o que dizem as bases, nem como hei de votar.

Este negocio é muito importante; eu julgo esta uma das questões mais vitaes, e do maior interesse Nacional que aqui se podem tractar. O Sr. Pereira de Magalhães apresentou umas bases, e eu creio que V. Ex.ª as deu para ordem do dia de hoje, mas eu não vi estas bases, o seu auctor não me fez o favor de mas mostrar como fez ao Sr. Caldeira, (o Sr. Caldeira não mas mostrou.) O Sr. Trigueiros, o caso não é essencial, mas eu não as vi, e por consequencia não posso votar nesta materia: tem-se fallado muito bem, e só por isso eu tenho entendido alguma cousa do que se tracta; mas sem a meditação que é necessaria não posso arriscar a minha consciencia; portanto eu pediria que se mandassem imprimir as bases do Sr. Magalhães, a fim de nos instruirmos, e poder votar com conhecimento da materia.

O Sr. Vellez Caldeira: — O Sr. Magalhães, de quem tenho a fortuna de ser amigo ha muito tempo, não me deu copia do seu Projecto; tractou-se aqui ante-hontem, e se tive uma copia delle é porque a fui pedir á Secretaria, assim como os meus illustres Collegas podiam fazer o mesmo. A isto não quero dizer mais de que não tenho outro instrucção do negocio, que cada um dos Srs. Senadores tem, ou podia ter. Quanto ao addiamento proposto pelo Sr. Trigueiros acho que não tem logar nenhum; a Proposta do Sr. Magalhães torna-se muito simples, e é se ha de continuar a discussão do Projecto, ou se ha de voltar á Commissão.

O Sr. Braamcamp: — A Proposta do Sr. Magalhães acha-se impressa no Diario do Governo de hoje, e todos os illustres Senadores podem ahi tomar conhecimento della; além de que o nobre Senador que me precedeu já disse a que se reduzia a mesma Proposta: portanto parece-me, que a Camara está habilitada para decidir a questão independente de qualquer addiamento.

O Sr. Trigueiros: — Tenho de ficar na minha opinião. Ouvi as razões de um e outro lado, e a todas acho muito pêso: disse o illustre Senador que precedeu o illustre Auctor do Projecto, que a Proposta do Sr. Magalhães era muito simples; não o nego, nem o posso affirmar; porque eu não vi as suas bases, nem as conheço, e ellas são intimamente ligadas com a justiça do addiamento: e como me querem obrigar a que eu vote sobre uma cousa que não conheço? Disse o illustre Auctor do Projecto que a Proposta do Sr. Magalhães se acha já no Diario do Governo, logo de algum modo reconheceu a necessidade da sua impressão: ora o Diario distribuiu-se-me agora; querendo seguir a discussão ainda o não pude vêr; por conseguinte, com justiça, não é possivel que se deixe de deferir ao meu Requerimento: eu não peço senão ter conhecimento de causa, e quem isto pede quando tracta de votar com consciencia, pede uma cousa justa que ninguem lhe póde negar. Não se adianta quando se corre, adianta-se quando se anda com passo seguro e firme. Por ultimo digo e repito que tenho de ficar na minha opinião; e insisto em que a Proposta do Sr. Magalhães fique addiada por tantos dias quantos sejam necessarios para ser impressa e distribuida.

O Sr. Presidente, depois de haver resumido a questão, propoz á votação se a questão preliminar, comprehendida na Proposta do Sr. Pereira de Magalhães, ficaria addiada por tres dias: — resolveu-se que não; pelo que continuou a discussão anterior, e teve a palavra

O Sr. Pereira de Magalhães: — Eu quero simplesmente responder a algumas reflexões feitas por um dos illustres Senadores que ultimamente fallaram.

Sr. Presidente, eu não duvidei, de que nós tivessemos Orçamento, o que eu disse foi que os Orçamentos até hoje apresentados ás Côrtes não eram feitos com o methodo que exige um bom systema de administração de Fazenda; e isso podia eu sustenta-lo com muitos argumentos e com muitas provas, mas agora quero-me limitar a dar algumas explicações, porque a materia está bastantemente elucidada por um e outro lado.

Tendo eu dito que não havia a quem tomar contas na primeira grande divisão de Fazenda, respondeu-o illustre Senador que havia o Ministro da Fazenda sobre quem pesava a administração, arrecadação e pagamentos que era elle quem devia dar contas ao Tribunal. Isto, Sr. Presidente, não póde ser exequivel parque o Ministro da Fazenda administra mas não receba nem paga immediatamente, nem póde ser responsavel pela arrecadação e pagamentos dos dinheiros publicos (no grande ramo de administração, não conto as Contadorias e outras repartições similhantes) porque o Ministro da Fazenda occupa um logar amovivel e de pura commissão, que póde ser mudado tres, quatro ou mais vezes dentro do anno; e neste caso o Tribunal de Contas ha de chamar todos esses Ministros que tenham saído? Não é possivel; é necessario que haja um empregado responsavel pela Caixa, e este não póde ser o Ministro da Fazenda, nem no estado actual nem nunca, dê-se-lhe a organisação que se lhe der; não ha modo de fazer effectiva essa responsabilidade dos Ministros a não ser pelo meio estabelecido para fazer effectiva a responsabilidade geral, é nunca para os obrigar a dar contas ao Tribunal.

Responderei á terceira reflexão; vem a ser a respeito dos empregados. Disse o illustre Orador que a simplicidade do Thesouro, em que tenhamos accordado, não era tal que não precisasse de bastantes empregados: necessita de muitos, mas não de tantos como o exercito que tem; nem de metade, nem talvez da terça parte: eu não conheço os empregados das suas repartições, mas digo que se fossem bem organisadas, a Caixa do Thesouro (ou a Thesouraria geral do o Thesouro Publico) não precisaria de Um numero tão consideravel como tem o actual Thesouro Publico. E então que se ha de fizer a esse exercito de empregados, os quaes só temporarios são cento e tantos, fóra os que existem permanentemente? Por conseguinte essa reflexão não destráe os meus argumentos.

Concluirei que, qualquer que seja á decisão da Camara sobre a minha proposta fico satisfeito. Entendi que a creação do Tribunal de Contas, sem a refórma das outras duas grandes repartições da Fazenda não traria estabilidade alguma: nas Actas da Camara, e no Diario da Governo fica consignada a minha proposta e as minhas idéas; o futuro ha de fazer-ma justiça quando se experimentar que o Tribunal de Contas, isoladamente organisado, não é mais do que um monstro dentro da repartição da Fazenda, como o é hoje o Thesouro, aonde se acumulavam e confundiram todos os ramos de Administração de Fazenda,

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: - Persuade-se o illustre Senador que acaba de fallar, que se não póde tomar contas ao Ministro da Fazenda, porque exerce um logar de commissão. Se se mandar um commissario interino em serviço por alguma Repartição do Estado, toma-se-lhe conta igualmente como se fosse um empregado permanente: supponhamos que dentro de um anno ha dois ou tres Ministros da Fazenda, necessariamente se lhes hão de tomar contas: por estar fóra do emprego não fica nenhum delles isento de responder por qualquer malversação, e a Camara dos Deputados exige a responsabilidade aos Ministros, ainda que já não occupem esse logar. — No Thesouro não entra dinheiro; as Caixas do Thesouro são as Contadorias, mas o Ministro responde por essas quantias, porque não sahe dos Cofres do Estado nem um real senão por Portaria do Ministerio da Fazenda: em consequencia elle ordenou o pagamento s ou em virtude de requisição dos outros Ministros, ou por authoridade sua propria, pois que o Ministro da Fazenda é um Ministro ordenador póde fazer despezas pela sua Repartição (e as faz effectivamente), e então responde pelos dinheiros que mandou pagar; em quanto aos seus, pela legalidade dos pagamentos, e em quanto aos dos outros Ministros, responde pelas quantias que lhes mandar pagar, se excederem o que está determinado no Orçamento. Por consequencia não ha difficuldade em tomar contas, e fazer effectiva a responsabilidade do Ministro da Fazenda, ou seja como ordenador ou como Presidente do Thesouro.

Em quanto a Empregados, o illustre Senador está persuadido que no Thesouro ha muitos, mas a sua opinião não é fundada; eu tambem lá estive e vi que trabalhavam de dia e de noite: ha alli muito que fazer constantissimamente, e nem eu nem o illustre Senador podemos ser juizes se os Empregados do Thesouro são mais do que os precisos, é ao Sr. Ministro da Fazenda que isso pertence.

O Sr. Bergara: — Direi duas palavras para fundamentar o meu voto. — Eu hei de votar pelo addiamento proposto pelo Sr. Magalhães;

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fundo-me na seguinte razão. No Projecto da Commissão de Fazenda para a creação do Tribunal de Contas, vejo que se lhe dá a attribuição de Fiscal, e de Administrador, e não posso conceber como um Tribunal tenha ao mesmo tempo estas duas funcções.... (Os Srs. Braamcamp, e Barão de Villa Nova de Foscôa negam que esta asserção seja exacta; o Orador prosegue: —) Não? Eu leio o §. 2.° do Artigo 7.º do Projecto, e diz: (leu.) Ora, entendo eu que quando o Tribunal examina os contractos, ou approva qualquer Projecto de Obras Publicas, exercita funcções Administrativas: e não é só no §. que li, em outros apparecem cousas similhantes. Por isso voto pelo addiamento proposto pelo Sr. Magalhães; mas se algum dos illustres Membros da Commissão (muito versado nestes negocios que me são alheios) me convencerem de que no Projecto se não confere ao Tribunal parte alguma Administrativa, não terei duvidas em mudar de opinião.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Certo na boa fé e puras intenções do illustre Senador que acaba de fallar, vou responder á sua observação. Se elle não tem nenhuma outra duvida para approvar a Substituição do Sr. Magalhães além da que ponderou, creio que mudará de opinião, demonstrando-lhe que está equivocado. O $. 2.° do Artigo 7.º do Projecto da Commissão quando diz que o Tribunal de Contas eximará ou verificará os contractos que se houverem de fazer sobre quaesquer objectos, não determinados por Lei, estabelece unicamente as regras para o Tribunal exercer fiscalisação previa naquelles actos de Administração em que ella é susceptivel, e por modo algum o sujeita a responder pela Administração que d'ahi resultar: — quando ha por exemplo um fornecimento, uma obra, ou outra cousa qualquer, que se pertenda dar por empresa, commette-se ao Tribunal o exame desse negocio; o que dá mais importancia a esses actos, e uma garantia para a Fazenda Nacional, pela fiscalisação prévia que empregará, a fim de obter as melhores condições com que o contracto ha de ser celebrado: — e depois examina, e vê se quem foi encarregado da sua execução cumpriu rigorosamente cada uma das condições estipuladas. Já se vê pois que não ha taes actos de Administração; porquanto, o Tribunal apenas preside á redacção das condições dos contractos, e mais nada: — á vista disto parece-me, que tenho suficientemente mostrado que a duvida do meu illustre Amigo o Sr. Bergara, não procede neste caso.

O Sr. Zagallo: — Actualmente não se discute o Projecto do Tribunal de Contas, porém observo que se tem entrado na discussão de um Artigo delle, o que é fóra da ordem; e por isso eu peço a V. Ex.ª que não deixe continuar esta discussão, e que a faça limitar unicamente á Proposta do Sr. Pereira de Magalhães, aliàs ficaremos aqui eternamente.

O Sr. Luiz José Ribeiro: — Sr. Presidente! Eu tambem não desejo ficar aqui eternamente; desejo porém que não haja precipitação em negocio de tanta gravidade, e que se não tolha a ninguem a occasião de fallar. Com o que acabei de expôr não sahi fóra da ordem porque, como membro da Commissão de Fazenda, cumpria-me responder á observação que offereceu o Sr. Bergara; é isso o que fiz, e o que me cumpria.

O Sr. Bergara: — Eu citei o Artigo, porque a isso me convidaram: mas respondendo no Sr. Luiz José Ribeiro direi, que o Artigo do Projecto que acabei de lêr, tem relação com a Proposta do Sr. Pereira de Magalhães, e accrescentarei que eu entendo que quando o Tribunal fôr examinar um contracto previo com o Governo, e o approvar, não obstante não o levar a effeito, entra comtudo na parte administrativa. Talvez que esta minha idéa não seja exacta, e que entenda isto mal; mas parece-me que o é: todavia o illustre Orador não me convenceu, e por isso permaneço na minha opinião.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu pedi a palavra sobre a ordem para dizer, que a questão de que agora se deve unicamente tractar é a do addiamento; e nenhuma outra, {apoiados) Se porém no Projecto da Commissão fôr encontrado algum Artigo administrativo na occasião em que elle entrar em discussão, resta aos Srs. que o acharem tal rejeitarem-no, que para o fazerem é então occasião propria, mas não agora (apoiados).

O Sr. Barão do Tojal: — Já bastante se tem dito sobre a materia, e por isso eu me limitarei simplesmente a accrescentar duas palavras, e vem a ser as seguintes:

O illustre Senador, o Sr. Pereira de Magalhães, offereceu uma Proposta para que a Commissão de Fazenda apresente nesta Camara um Projecto de Lei sobre administração e organisação de Fazenda, e que delle se tracte previamente antes de entrar na discussão do Projecto sobre a organisação do Tribunal de Contas. É verdade, Sr. Presidente, que elle é a abobada do edificio (como metaphoricamente se lhe tem chamado); mas tambem é verdade que as paredes do edificio não estão tão estragadas que não se lhes possa edificar em cima alguma cousa. Todavia ao Ministro da Fazenda é a quem propriamente compete apresentar qualquer Projecto para melhorar a administração da mesma Fazenda; porque é elle quem melhor conhece os defeitos da Legislação, e Systema actual, assim como os tropeços que na pratica apresentam; por isso deve elle ser quem proponha esses trabalhos ás Camaras, fundado em experiencia, o que não póde bem fazer uma Commissão da Camara, por não ter actualmente o tempo no meio de trabalhos legislativos, nem estar de posse desses defeitos que tem a actual organisação da Fazenda. Organisação, e administração são duas cousas diversas: tanto uma como a outra, em geral, defeituosas entre nós; mas não o são tanto que se não possa aproveitar d'ellas a Nação, neste momento, para depois as ír melhorando com o tempo, e pouco a pouco. Se attendermos, porém, ás attribuições que actualmente exerce o Ministro da Fazenda, veremos que elle é que executa as attribuições do Tribunal de Contas, porque deve toma-las aos seus subordinados; mas para elle o fazer não tem tempo, além da incoherencia de similhante pratica: é por isso da maior importancia o haver esse Tribunal, que todo o Ministro da Fazenda deve mesmo desejar que haja, e que a Constituição manda crear. No que, porém, póde haver questão, é quanto á epocha em que elle deve crear-se, a qual me parece dever ser já; porque nenhuma conveniencia se dá em addiar um objecto tão importante, e do qual hão de resultar muitos interesses, e boas reformas fiscaes para a Nação; e por isso voto que se prosiga sem demora na discussão do Projecto. (Apoiado.)

Não havendo quem mais tivesse a palavra, julgou-se discutida a questão previa.

O Sr. Presidente propôz então se o Projecto para a creação do Tribunal de Contas voltaria á Commissão de Fazenda, a fim de apresentar um systema de organisação de Finanças, segundo as bases offerecidas pelo Sr. Pereira de Magalhães? Resolveu-se que não.

O Sr. Bergara: — Peço que se dispense a questão sobre a generalidade do Projecto, visto que o debate que acaba de ter logar, ácerca da Proposta do Sr. Magalhães, corresponde a isso. (Apoiado.)

Manifestando grande numero de Membros conformar-se com esta opinião, o Sr. Presidente propôz, e a Camara resolveu que se dispensasse a discussão geral do Projecto para a creação do Tribunal de Contas.

O mesmo Sr. disse que a Ordem do dia para a Sessão de 26 do corrente, seria a discussão dos dous Projectos de Lei, vindos da outra Camara, sobre que a Commissão de Administração apresentára hoje o seu Parecer; e que, havendo tempo, começaria a discussão especial do Projecto sobre a creação do Tribunal de Contas. — Fechou a Sessão um quarto depois das tres horas da tarde.

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