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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 3 de Abril de 1839.

(Presidencia do Sr. Leitão.)

Pela uma hora da tarde foi aberta a Sessão; presentes 39 Srs. Senadores.

Leu-se e ficou approvada a Acta da precedente.

Foi introduzido, prestou Juramento e tomou logar na Camara, o Sr. Manoel Gonçalves de Miranda, Senador por Braga.

Mencionou-se a correspondencia seguinte:

1.º Um Officio do Ministro da Fazenda acompanhando os Authographos de dous Decretos das Côrtes já sanccionados, com as respectivas Cartas de Lei. — Foram para o Archivo.

2.º Outro dito, pelo Ministerio dos Negocios do Reino, remettendo 60 exemplares da Conta do mesmo Ministerio, desde o estabelecimento da sua Contadoria até 30 de Junho de 1836. — Mandaram-se distribuir.

3.° Outro dito, pelo mesmo Ministerio, enviando as Actas e mais papeis relativos á Eleição para um Senador e um Substituto, que ultimamente teve logar no Circulo da Guarda. — Foram remettidos á Commissão de Poderes.

4.° Outro dito, pelo Ministerio da Marinha, remettendo 60 exemplares da Conta da mesma Repartição, referida ao anno economico findo em Junho de 1838. — Distribuiram-se.

O Sr. Cardoso da Cunha pediu ser inscripto para apresentar um Projecto de Lei,

Teve segunda leitura o Requerimento do Sr. L. J. Ribeiro para pedir ao Governo, pela Repartição da Marinha, uma declaração sobre os Preços, de cada ração de pão e bolaxa desde Julho de 1838. (V. Diario N.º 80, a pag, 442.) - Foi approvado.

O Se. Zagallo leu e mandou para a Mesa o seguinte Relatorio, e Projecto de Lei.

Senhores. — A Lei de 15 de Abril de 1835 não cumpre os fins para que foi feita, por ser deficiente; deixando ainda abertas as portas á arbitrariedade, não só em detrimento dos Officiaes Militares, mas tambem em manifesto prejuizo da Fazenda Publica, como demonstrarei em tempo competente: em consequencia, para evitar a continuação dessimilhantes abusos, vou propôr á consideração da Camara o seguinte Projecto de Lei.

Artigo 1.° Nenhum Official poderá ser demittido do seu posto, sem preceder sentença do Conselho de Guerra, em que legalmente se prove o motivo da sua demissão.

Art. 2.° Em tempo de paz se facultará a demissão, que qualquer Official pedir; mas em tempo de Guerra só se lhe concederá quando os motivos que allegar forem muito attendiveis.

Art. 3.° Nenhum Official poderá ser reformado sem o pedir, excepto quando se provar perante uma Junta, composta de tres Officiaes Superiores a elle em graduação e dous Facultativos; que não está capaz de continuar no serviço em que se achar.

§. unico. Quando o Official reformando não tiver tres Officiaes superiores a elle em graduação no Exercito, para formar a sobredita Junta, serão nomeados os que faltarem, dentre os Officiaes de Marinha mais graduados que então houverem, ainda que não sejam da superior graduação requerida.

Art. 4.º A nenhum Official se negará a refórma que pedir, uma vez que esteja, nas circumstancias que a respectiva Lei determinar, comprovadas como prescreve o Artigo antecedente.

Art. 5.° Nenhum Official poderá ser reformado no posto immediato, sem ter pelo menos dous annos de serviço no posto actual.

Art. 6.º Nenhum Official será privado do seu accesso, temporaria ou perpetuamente, sem que primeiro se prove por um Conselho de Guerra, ou por uma Junta igual á do Artigo 3.º, o motivo de tal privação, conforme este fôr criminoso, ou fundado em impedimento fysico ou moral.

Art. 7.° Nenhum Official poderá ser preterido, sem que primeiro se prove o motivo da preterição pela fórma determinada em o Artigo antecedente.

§. unico. Exceptuam-se os dous unicos casos seguintes.

1.° Quando qualquer Official (menos de Coronel para cima) é promovido á patente immediata, ainda que lhe não pertença, por haver defendido um posto importante contra forças superiores, ou praticado em occasião de combate acções de bravura, comprovadas por um Concelho, composto de cinco Officiaes Superiores em graduação ao aggraciando (ou ao menos tres, quando não haja aquelle numero), os quaes tendo assistido á mencionada defensa ou combate, presenciassem as sobreditas acções.

2.° Quando um Official de qualquer graduação que seja, é promovido ao posto immediato, ainda que lhe não pertença, para ír servir no Ultramar; devendo porém não passar a outro no Exercito de Portugal, senão depois de terem sido elevados ao mesmo posto os Officiaes a quem tiver, preterido.

Art. 8.° Os Officiaes da segunda Secção do Exercito só poderão ser promovidos dentro della, quando vagarem os postos immediatos em algum dos quadros das Repartições da mesma Secção, formando-se para isso os competentes quadros naquellas Repartições, em que os não houverem.

Art. 9.º Nenhum Official poderá servir de commissão por mais de tres vezes, fóra da Secção a que pertencer, excepto nos casos em que a Lei o determinar.

Art. 10.° Os Officiaes da terceira Secção do Exercito não podem ser promovidos, em quanto não entrarem em effectivos nos Corpos das Armas a que pertencerem, ou n'alguma Repartição da segunda Secção.

Art. 11.° Os Officiaes que pertencendo actualmente á segunda Secção, não quizerem permanecer nella com a condição do Artigo 8.°, terão o destino que o seu estado fysico, e aptidão para o Serviço Militar determinarem; precedendo para isso a Junta ordenada em a Artigo 3.°, relativamente áquelles que não estiverem em circumstancias de voltar ao serviço activo.

Art. 12º Nenhum Official da primeira ou segunda Secção poderá ser promovido, sem que esteja capaz do serviço, relativo á Secção a que pertencer.

Art. 13.° Nenhum Official poderá ser promovido com accesso para a terceira ou quarta Secções.

Art. 14.° Ficam expressamente prohibidas as graduações de hoje em diante, e bem assim quaesquer despachos ou promoções, que não sejam precisas para preencher vagaturas nos Corpos, Repartições, ou Praças de qualquer ordem que sejam.

Art. 15.° Nenhum Official de qualquer graduação que seja, passará ao posto immediato, sem que a elle sejam promovidos os Officiaes graduados mais antigo na patente antecedente, salvo se estes se acharem incapazes de serviço activo.

Art. 16.° Em quanto houverem Officiaes na terceira Secção e addidos a Praças, ou com destino para ellas, não se promoverão, outros para os logares que vagarem na Arma, Repartição, ou Classe de Praça a que pertencerem, excepto quando áquelles não estiverem capazes do serviço que lhes fôr relativo,

Art. 17.° O Ministro que referendar qualquer Decreto ou Ordem em contravenção do que fica determinado em os Artigos antecedentes, pagará por seus vencimentos e bens, as consequencias que resultarem de similhante contravenção

Art. 18.° Ficam revogadas todas as Leis e Ordens em contrario.

Sala do Senado, em 3 de Abril de 1839. = Bernardo Antonio Zagallo.

Ficou para segunda leitura.

Passou-se á Ordem do dia, que era a continuação da discussão do Projecto de Lei para a creação do Tribunal de Contas.

O Sr. Presidente disse que antes de se passar ao Artigo 3.° se devia votar sobre o 2.°, cuja materia, assim como a da Substituição do Sr. Castro Pereira, e Additamento do Sr. Trigueiros, havia sido discutida na precedente Sessão. (V. Diario N.° 80 a pag. 444 e 445.) Deu então a palavra a

O Sr. Trigueiros: — Eu não posso deixar de insistir que a materia do meu additamento se acha vencida, não quanto á fixação do praso que devem durar os Vogaes do Tribunal de Contas, mas em quanto á idéa; porque, votando-se sobre as Substituições do Sr. Cardoso da Cunha, venceu-se que não fossem vitalicios; e então o que se segue? É que são temporarios; logo está vencida a minha idéa; e não resta mais do que fixar o tempo que hão de durar os Vogaes, e parece-me que sómente sobre isto é que deve recahir a votação. Talvez se queira dizer que são temporarios, e não vitalicios; porque a Camara dos Deputados póde, por proposta de tres, e com votação de dous terços de seus Membros, fazer nova eleição; mas isto seria absurdo; este é o meio de evitar, mesmo durante o tempo da existencia legal de cada Vogal, a continuação de prevaricações, erros, e crimes, se os houver, isto é um direito salvo, que fica contra os Vogaes; é o mesmo que acontece com os Juizes, empregados perpetuos, que podem ser suspensos, processados, e demittidos se tiverem prevaricado. Por consequencia eu pedia a V. Ex.ª que ponderasse á Camara estas minhas idéas, porque não que-

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ria que sobre a mesma cousa houvessem duas votações talvez encontradas.

Não se produzindo outra reflexão, propôz o Sr. Presidente á votação o

Art. 2.º (proceder-se-ha á eleição de todos, ou de parte dos Membros do Tribunal, todas as vezes que para isso houver proposta motivada por tres Deputados, ou pelo Governo, e fôr approvada por dous terços dos Deputados presentes em votação nominal). — Foi approvado, salvas as emendas.

Propôz mais a Substituição do Sr. Castro Pereira: (Proposta da Camara dos Deputados, ou do Governo, discutida e approvada pelos dous terços da Camara dos Senadores, em votação nominal). - Foi rejeitada.

Quando o Sr. Presidente propunha o additamento do Sr. Trigueiros, disse

O Sr. Tavares de Almeida: — O Sr. Trigueiros quer que haja um certo praso, mas não marca nem seis, nove, ou doze annos; e a proposta deste modo é muito vaga.

O Sr. Trigueiros: - Eu fiz esse additamento; mas conhecendo talvez que a votação fosse prejudicada por fixar logo o praso: depois de o ter mandado para a Mesa, declarei que não instava pelo praso, isto é, pelo numero de annos, que sómente se declarasse que haveria um praso; e eu pediria a V. Ex.ª que reformasse na proposição, o meu additamento desta maneira: = Ha de haver um praso, dentro do qual esse ipso jure sem ser necessario proposta, etc.? Eu pedia a V. Ex.ª que propozesse assim.

O Sr. Presidente propôz então: Se nesta Lei deverá marcar-se um praso certo, passado o qual cessem ipso jure os empregos dos Membro do tribunal de Contas; e se decidiu que sim.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa; — Seria bom que o Sr. Trigueiros propozesse o praso: a cousa é tão simples que não é necessario que vá á Commissão; tanto mais que os seus Membros foram de parecer opposto a esta afixação.

O Sr. Trigueiros: — Eu vou fazer a Proposta, sem que me convença o que disse o illustre Relator da Commissão: é verdade que os seus Membros votaram contra; mas vencido que haja um praso, ella deve conformar-se com a decisão da Camara, e seria mais bem pensado pela Commissão do que aqui de improviso; entretanto vou redigir a Proposta.

Assim o fez; é a seguinte: = Proponho seis annos para a duração dos Vogaes do Tribunal de Contas, podendo com tudo ser renovados na fórma do Art. 2.°, dentro de seis annos. = Trigueiros.

O Sr. Tavares de Almeida: — Eu vou propôr outra emenda, que em vez de tres Legislaturas, como diz o Projecto, sejam nove annos: se ha inconvenientes em que os Membros do Tribunal sejam temporarios, muito maior inconveniente haverá, em que o praso seja tão curto; e então se V. Ex.ª me dá licença eu mando esta emenda para a Mesa:

Proponho que o Tribunal de Contas dure nove annos, findos os quaes será renovado por nova eleição. = Tavares de Almeida.

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente, não estou habilitado com os precedentes e informações necessarios para entrar nesta questão; porque eu tinha conhecimento do Projecto Originario, mas não do Projecto Emendado, apresentado pela Commissão, e que, ha pouco, acabei de receber. No entretanto, eu peço licença para fazer algumas observações ácerca da materia que se acha em discussão.

A concepção abstracta de um Tribunal de Contas, segundo o que se acha estabelecido na Constituição, é facil; porém antes de se estabelecer e coordenar toda a Administração, antes de se fixarem as attribuições, as obrigações, e competencias de cada uma das suas Repartições; e sobre tudo sem que se estabeleça um systema regular e uniforme de contabilidade, principiar-se pelo remate, e pelo ultimo complemento de uma organisação tão complicada, parece-me empreza arriscada e difficil; é o mesmo, e pela comparação peço desculpa, que intentar-se talhar o capitel de uma columna, antes de saber-se qual deve ser a sua ordem, e as suas dimensões.

Tendo considerado, ainda que de passagem, algumas das attribuições que se dão a este Tribunal, nos Artigos seguintes do Projecto, entre as quaes ha algumas que carecem de serem muito por miudo examinadas, creio que muito melhor seria principiar-se pela discussão das attribuições do Tribunal, antes de tractar-se da sua organisação, e da duração do tempo de exercicio dos seus Membros.

Inclino-me a esta opinião; por que entre as attribuições do Tribunal, segundo este Projecto, noto algumas que são da exclusiva competencia dos diversos Ministerios, e que poderiam embaraçar e entorpecer, em muitos casos, a acção do Poder Executivo, com grave detrimento do Serviço do Estado. Isto procede, ao que parece, de se haverem adoptado alguns dos principios por que foi organisado o Tribunal de Contas da Nação franceza, principios que entre nós são em parte inadmissíveis, e em parte, para o serem, devem ser modificados e accommodados á nossa Constituição Politica, muito differente a todos os respeitos da Organisação do Imperio francez, ou da Carta franceza depois do restabelecimento do Bourbons; porque, no tempo do Imperio, todas as decisões do Tribunal de Contas eram submettidas ao arbitrio do Imperador, por um dos Artigos da Lei da sua creação, e depois da Carta, ao Conselho de Estado, o qual para esse effeito, e para tudo quanto era relativo a Fazenda, tinha, como ainda tem, uma Secção Especial.

Sr. Presidente, eu não considero o Tribunal de Contas com outras attribuições Fiscaes, que não sejam as do exame e liquidação de todas as contas da Receita e Despeza, e a faculdade de emittir o seu juizo sobre ellas em relação ás Leis, ao Orçamento annual, e com especialidade em relação aos agentes responsaveis pela sua exactidão. E a Constituição não permitte que possam dar-se-lhe outras attribuições, que são da competencia do Poder Executivo.

Eis-aqui a razão porque eu hesito em admittir a opinião de que os Membros Eleitos do Tribunal possam servir por um longo praso, ao menos em quanto a experiencia não mostrar qual convém ser para a boa administração da Fazenda, a organisação, e as attribuições deste Tribunal.

É certo que em poucos annos os Membros do Tribunal não podem adquirir a experiencia necessaria para desempenharem cabalmente os seus deveres. Mas tambem é possivel, que os Membros Eleitos não correspondam ao conceito que mereciam quando se procedeu á Eleição; por esta razão parece-me que seria preferivel a Eleição triennal, assim como o é a da Camara dos Deputados, e admittindo-se a sua reeleição. Porque se os Membros do Tribunal, todos, ou alguns delles, merecem a confiança publica, podem continuar em seu serviço sendo reeleitos; e se a não merecem, depois de uma prova de taes annos, convém ao bem publico, que elles sejam, quanto antes substituidos por outros, que melhor desempenhem seus deveres.

O Sr. Trigueiros: — Está em discussão a emenda do Sr. Miranda; e limito-me a dizer que as reflexões sobre ser o Tribunal electivo, ou não, não nos devem occupar, porque isso é Constitucional; lá está resolvido no Art. 135 da Constituição; por consequencia não é essa uma questão. Agora de prevenção digo, desde já, que acceito todo o praso, por mais breve que seja, porque admittindo a reeleição fica tudo salvo; no que, porém, não posso convir, é que, a eleição dos Vogaes fique dependente de cada Legislatura; porque pela possibilidade da dissolução das Camaras póde acontecer fique muito mais curto o praso; e não ha necessidade, nem conveniencia, delle ser sujeito a esse vago e incerteza, podendo agora marcar-se qualquer, e então parece-me muito mais razoavel um praso fixo; se o illustre Senador assim redigir a sua emenda, eu a aceito, porque quanto mais curto fôr o praso melhor, segundo minhas idéas, e principalmente por causa das primeiras escolhas.

O Sr. Miranda: — É nesse sentido que eu fiz a minha emenda; isto é, que a eleição seja triennal.

O Sr. Trigueiros: — Retiro o meu additamento, e acceito o do Sr. Miranda, porque o meu fim, e o meu desejo, é que o praso seja quanto mais curto.

O Sr. Visconde de Beire: — É preciso que a Camara vote, e permitta que o illustre Senador retire a sua emenda; esta é a pratica que eu peço que se siga agora; eu voto por aquella emenda, e não quero se retire sem o consentimento do Senado; e se se retirar adopto-a como minha, sendo necessario, para ser posta á votação.

O Sr. Cordeiro Feyo: — Direi duas palavras para esclarecer o nobre Senador, que não esteve presente á discussão da parte do Projecto já approvada. O Sr. Miranda não confia em que esta Lei possa ter vigor por muito tempo, e entende que ha de soffrer alterações no que eu tambem concordo, e por isto julga mais conveniente estabelecer um praso curto para a nova eleição dos Membros do Tribunal, para evitar os obstaculos que a sua longa duração pode trazer á introducção dos melhoramentos que houverem de fazer-se, e forem necessarios: mas eu julgo que isto se acha prevenido ao Art. 2.° já approvado, aonde se determina que se procederá a nova eleição, logo que a Camara dos Srs. Deputados o julgue conveniente, a que de certo previne os receios do Sr. Miranda, visto que a nova eleição dos Membros do Tribunal póde verificar-se no 1.° anno, no 2.°, ou em qualquer epocha, segundo o determinado no dito Art. 2.° deste Projecto.

Pareceu-me que este era o fundamento da opinião do nobre Senador, e por isso tomei a liberdade de fazer estas observações, por vêr que ainda hoje tomou logar nesta Camara, e que não tendo por isso assistido á discussão anterior, poderia não estar ao facto do que se acha já vencido.

O Sr. Miranda: — Pedi a palavra porque me parece que não estão remediados os embaraços e os inconvenientes que apontei; por quanto as providencias que se dão no Art. 2°, importam no mesmo, e vem a ser o mesmo que uma accusação. Com effeito, para apresentar uma Proposição destas, uma Proposição para a eleição de novos Membros, não basta apresenta-la pura e simplesmente, é preciso motiva-la. E a exposição dos motivos não é por ventura uma censura, ou importa uma accusação.

Mas esta censura, ou esta accusação, causará, em qualquer occasião que seja, um grande abalo, excitará os partidos, despertará animosidades, e não é por este meio que eu desejara que se atalhassem os inconvenientes que neste artigo se querem prevenir. O meio é a eleição triennal; porque cada um dos Eleitores é senhor do seu arbitrio e vontade, e póde excluir ou reeleger, como julgar conveniente sem recorrer a um meio que em substancia importa o mesmo que a censura ou accusação feita não só a um Membro do Tribunal, mas a todos os seus Membros indistinctamente, o que não só é uma grave injustiça, mas tambem concorre por um modo indirecto, para que nenhum homem de honra e brio queira acceitar um Emprego em que a sua reputação póde ser compromettida. Donde se vê que este Artigo está muito longe de remediar, e de corresponder ao seu fim. Digo isto simplesmente para mostrar, que na doutrina do Artigo não se comprehende a minha emenda.

Não se fazendo outra observação propoz o Sr. Presidente á votação = Se o praso vencido para a duração dos cargos de Vogal do Tribunal de Contas seria, de nove — seis — ou tres annos; = e todos estes arbitrios, foram successivamente rejeitados. — Proseguiu

O Sr. Presidente: — Em vista das votações que acabam de ter logar, resta mandar os diversos Additamentos á Commissão para propôr alguma cousa a este respeito.

O Sr. L. J. Ribeiro: — A materia do Artigo não póde voltar á Commissão, porque está vencido, devendo entender-se prejudicados todos os Additamentos; por consequencia o que ha de ser Lei é o Artigo como está no Projecto, e não ha nada mais que dizer.

O Sr. Trigueiros: — Os Additamentos não foram prejudicados, porque o meu primeiro e essencial foi vencido; decidiu-se que houvesse um, que é a idéa importante; agora a questão é se ha de ser de 9, de 3, 12, 15, etc.: não se vencendo nenhum destes, claro está que ha de ser outra.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Não estou convencido: propozeram-se tres prazos, o de 6 annos, o de 9, e o de 3; foram rejeitados todos estes tres prazos; por tanto foi vencido o artigo da mesma fórma que está no Projecto, sem que seja precisa mais votação alguma.

O Sr. Pacheco Telles: — Já se venceu que houvesse um praso, mas o que não está vencido é qual esse praso deve ser, porque foram rejeitados todos os aditamentos que se propozeram para a sua fixação; por consequencia para completar a primeira votação é necessario que haja ainda uma proposta.

O Sr. Tavares de Almeida: — Queria dizer o mesmo. Não se venceu que o praso fosse de tres, seis ou nove annos; mas desde um até cem (que é a vida do homem) podem ainda haver muitos prasos: por tanto a Commissão, que proponha alguma cousa este respeito, porque não é possivel estar-mos aqui a improvisar.

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A final resolveu-se, - que a Commissão de fazenda propozesse um praso, em conformidade com o que sobre este assumpto se achasse vencido. —

Entrou em discussão o seguinte

Artigo 3.º Póde ser Membro do Tribunal quem póde ser eleito Deputado, com tanto que tenha mais de trinta annos de idade, e que a sua aptidão em materia de fazenda e contabilidade seja geralmente conhecida. — São exceptuados — No acto da eleição:

§. 1.° Membros das Côrtes.

§. 2.° Parentes do Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, ou dos Contadores de Fazenda dos Districtos — Absolutamente.

§ 3.º Os que forem responsaveis directamente por contas á Fazenda Publica

4º Os interessados directamente em qualquer emprego, ou negociação que tenha contas com o Thesouro.

§. 5.° Os parentes ou affins até ao 4.º gráo.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa propoz a suppressão da palavra — absolutamente — que se acha entre o §. 2.º e o 3.°, e deste modo foi approvado o Artigo. Passando-se a discutir os §§. disse sobre o 1.°

O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, que a Constituição prohiba aos Representantes da Nação acceitarem empregos do Governo, entendo eu muito bem; mas que esta Lei prohiba aos Membros das Côrtes serem Vogaes deste Tribunal, cujos logares a Camara dos Deputados ha de conferir, não posso vêr a razão disto: e como tinha de combater este paragrapho, farei antes algumas observações para mostrar que não é o interesse pessoal que me move a isso. Eu tenho muita repugnancia a empregos publicos, e se circumstancias extraordinarias me obrigaram a servir um, por espaço de tres annos, declaro que foi esta a mais violenta épocha da minha vida, soffri mais do que na emigração por causa do Usurpador, e hoje estou na firme resolução de não acceitar nenhum emprego publico, quer seja dado pelo Governo, quer pelas Côrtes; e será necessario que sobre mim tenha cahido grande desgraça, para eu vir ainda a ser empregado publico. Fallo por tanto despido de interesse pessoal, no que desejo ser bem e claramente entendido. Mas sendo os Membros deste Tribunal encarregados de funcções tão importantes, para o desempenho das quaes são necessarios conhecimentos especiaes, e sendo tão pequeno o circulo de homens, que possam ser nomeados, parece-me que é uma grande limitação, que se faz a este circulo o prohibir que os Membros das Côrtes acceitem a nomeação desses cargos, principalmente porque dentro d'ellas ha muitissimos, que eu conheço, com a capacidade precisa para bem os servirem. Por consequencia, só votarei pelo paragrapho no caso que os illustres Membros da Commissão me mostrem razões fortes, que me convençam do contrario. Espero por tanto que elles me expliquem a razão porque fizeram esta limitação, e depois V. Exc.ª terá a bondade de me conceder a palavra para responder, ou me conformar.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O illustre Senador que acaba de fallar excusava de se dar ao trabalho de tomar precauções para mostrar que, quando combatia o paragrapho, não tinha sentido de vir a ser Membro do Tribunal de Contas; eu igualmente direi por parte da Commissão, que o não defendemos com intenção de entrar no mesmo Tribunal, mas porque é o resultado das meditações dos seus Membros, nem no paragrapho ha expressão que não fôsse bem pesada, e cuja significação não esteja nas convicções da Commissão: n'uma palavra, os motivos que ella teve para apresentar o paragrapho são os que vou dizer.

Primeiro: Se um Deputado podesse ser eleito, teria muitos meios de semear a intriga e o suborno entre seus companheiros, e isto póde trazer uma escolha desacertada. Em segundo logar: o Tribunal exige um trabalho muito assiduo, e se se forem tirar para as Camaras algum ou alguns de seus Membros poderia o serviço padecer. Terceiro, finalmente: o mesmo que elegeu o Vogal do Tribunal ha de ser aquelle que tem de o julgar ou julgar-se a si mesmo, se elle está em circumstancias de continuar a servir ou de ser demittido, de fórma que vinha a ser Juiz, na Camara, em causa propria, o que é incompativel.

Foram estas as trez razões que teve a Commissão para excluir da elegibilidade os Membros das Côrtes; e tão convencida está da conveniencia desta doutrina, que no caso de se vencer o §, a Commissão tem de offerecer um additamento para que se algum dos Vogaes do Tribunal fôr eleito Membro do Corpo Legislativo, perca o logar do mesmo Tribunal no dia em que tomar assento em Côrtes.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Responderei aos trez argumentos produzidos pelo Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, pelos quaes quiz mostrar a justiça deste paragrapho.

Dá como razão delle, primeiro: a necessidade de evitar o suborno e intriga que póde haver na Eleição dos Membros do Tribunal, quando recahisse em algum dos Membros da Camara dos Deputados. Eu, Sr. Presidente, de uma Corporação tão respeitavel, e tão numerosa como a Camara dos Deputados, não posso suppôr que entre suborno nem intriga; e sobre este ponto não passo mais adiante. Quanto ao trabalho que exigem as funcções do Tribunal, respondo a este argumento juntamente com outro que é; quando a Camara dos Deputados tem de julgar o Tribunal, não é conveniente que os seus Membros sejam do Tribunal que o ha de julgar. A estes dous argumentos respondo, que se o illustre Senador que acaba de fallar, ou a Commissão de que faz parte, substituirem este paragrapho prohibindo que os Membros do Tribunal possam ser eleitos Deputados ou Senadores, nesse caso voto pelo paragrapho, porque ahi é que está o ponderado inconveniente. Se o trabalho do Tribunal é assiduo; se esta razão serve para que os Membros das Côrtes não possam ser eleitos para o Tribunal (porque é certo que ou elle o seja ao tempo que é eleito ou depois, o trabalho do Tribunal ha de soffrer), então ou esta razão não colhe, ou se colhe é para que os Vogaes do Tribunal não sejam eleitos Membros das Côrtes. Por tanto, se a Commissão faz a este paragrapho um additamento em que diga, que os Membros do Tribunal não possam ser eleitos Deputados ou Senadores, eu tambem voto que os Membros das Côrtes não possam ser eleitos para o Tribunal; porque, torno a repetir, acho muito pequeno o circulo das capacidades para entrar no Tribunal, e se se limitasse este circulo diminuindo o numero dos que haja nas Camaras, talvez que a dos Deputados se veja obrigada a nomear, por isso, menos benemeritas pessoas, e sem as qualidades necessarias para o desempenho de tão importantes funcções.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, ha principios que se annunciam muitas vezes de conveniencia publica, e todavia não são honestos: eis-aqui a base principal por onde vou impugnar as objecções do illustre Senador que acaba de fallar (as quaes me parece não destruiram as que o meu illustre Collega da Commissão tinha produzido) em quanto sustentou que seria conveniente alongar-se a escolha de Candidatos do Tribunal, ás pessoas que tivessem assento em cada uma das Camaras Legislativas.

A Commissão reconhece que sempre nas Camaras hão de ter assento algumas capacidades, quando não fossem maiores, pelo menos tão proprias como outras que houvessem fóra, para preencher estes logares; mas pergunto eu? Haverá alguem que tenha assento nesta, ou na outra Camara que julgue honesto o votar em Membros que a ellas pertençam, sem que por alguem podesse vir a ser increpado até de que votára em si? Não digo que isto se fizesse, mas dava logar a que assim se pensasse. Por tanto o paragrapho como está redigido, é honesto, e é tambem conveniente até certa altura, porque nem tudo o que é util é honesto; e além disso é coherente com a independencia dos Poderes Politicos do Estado.

Pelo que respeita ao additamento em que fallou um illustre Senador, acho-o absolutamente inadmissivel, porque é inconstitucional. Ninguem póde privar Cidadão algum dos direitos politicos que a Constituição lhe confere; e esta Lei (com esse additamento) iria irrogar uma pena a qualquer Cidadão, que offenderia mesmo aquelle que não ambicionasse ser Deputado ou Senador: a Constituição concede o direito de serem eleitos aos Cidadãos que não estão comprehendidos nas exclusões nella marcadas, e a meu vêr, em nenhuma Lei se podem conseguir principios contrarios a este. A Commissão pois não póde acceitar um additamento inconstitucional: o que poderia admittir-se, no que eu convenho por parte da Commissão, é que no caso de algum dos Vogaes do Tribunal venha a ser eleito Deputado ou Senador, fique livre o direito de opção desde o momento em que constar a sua eleição, e que não possa por fórma alguma exercer conjunctamente as funcções dos dois cargos, quero dizer, o de Deputado ou Senador, e o de Membro do Tribunal de Contas.

Por todas estas razões, parece-me que o paragrapho deve passar tal qual está, e que não será facil poder melhora-lo nesta parte, pelas razões que acaba de dar o illustre Relator da Commissão, e por aquellas que eu mesmo acabo de produzir.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Eu não propuz additamento algum, nem proporia aquelle em que fallou o illustre Senador; o que disse foi que o argumento do illustre Relator da Commissão (quando affirmou que o muito trabalho deste Tribunal era incompativel com as funcções de Deputado ou Senador) tanto servia para que um Senador ou Deputado não podesse ser eleito Membro do Tribunal, como para que um Membro do Tribunal não podesse ser eleito Senador ou Deputado. — Se o illustre Relator da Commissão quizesse fazer um additamento em que se prohibisse que os Vogaes do Tribunal fossem eleitos Deputados, disse que votaria por elle, mas não que eu queria propôr.

Agora responderei a outro argumento, e vem a ser: disse o illustre Senador que tendo a Camara dos Deputados a faculdade de eleger os Membros do Tribunal dentro da Representação Nacional, podendo ser algum Deputado eleito, havia o inconveniente de que alguem dissesse que esse Deputado tinha votado em si. Se nada se quizer legislar a este respeito fica livre á Camara dos Deputados nomear algum dos seus Membros ou deixar de o fazer; é livre tambem ao Deputado ou Senador eleito acceitar ou não, e então ahi é que cabe o juizo: se a Camara dos Deputados assentar que o Tribunal não póde caminhar sem que nelle entre a capacidade de um de seus Membros, essa capacidade ha de ser tão geralmente conhecida, que ninguem dirá que é menos honesta a sua eleição, ou que votou em si: fica inteiramente livre não só a escolha á Camara dos Deputados, mas ao Membro da Representação Nacional que fosse eleito. Eu o que não acho conveniente que se diga, é que os Membros das Côrtes não possam ser Vogaes do Tribunal. Pedia por tanto que este paragrapho fosse supprimido, para ficar livre á Camara dos Deputados ír buscar os Membros do Tribunal onde quer que os encontrasse, segundo a capacidade de cada um, e segundo as precisões do mesmo Tribunal; e o que tenho em vista neste meu pedido é sómente a utilidade publica, que muito interessaria em que algumas das grandes notabilidades financeiras, que são Membros das Côrtes, fossem Membros do Tribunal; e não torno a repetir, faço declaração solemne e muito positiva, interesse nem vistas particulares, porque não quero ser Empregado Publico, seja qualquer que fôr a sua cathegoria, ou interesses.

O Sr. Miranda: — Em quanto a este paragrapho não posso deixar de louvar a Commissão de Fazenda, não só pela imparcialidade e independencia que consagra neste Artigo, mas tambem por attender a outros motivos de grande pêso em que elle é fundado, motivos de conveniencia publica, não de falsa vergonha; porque destes nenhuns haveria que impellissem os Membros desta Camara a emittir uma opinião de que resultasse algum prejuizo ao bem do Estado.

Eu creio que a Commissão quiz prevalecer-se e ajudar-se de principio de independencia dos Poderes; pois que esta é uma das primeiras e mais importantes garantias da Liberdade, a qual não póde existir se qualquer dos Poderes do Estado por sua influencia, directa ou indirecta, effectivamente dirigir, ou regular a seu arbitrio a acção de qualquer outro. Segundo a minha opinião um Senador durante o tempo de uma Legislatura não seria mais que um Senador, e o mesmo entendo em relação aos Deputados.

A Commissão quiz por este Artigo anniquilar todas as tendencias que poderiam comprometter a pureza das eleições daquelle Tribunal. Este Tribunal com as attribuições que lhe competem é um meio indispensavel para exactidão das Contas da Fazenda Nacional; e para dar á Camara uma informação exacta de todas as miudezas da Receita e da Despeza Publica, razão porque eu desejava vê-lo fóra do alcance de todas as influencias, e revestido de toda a independencia dos outros Poderes do Estado (Apoiado). Estes são os moti-

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vos, creio eu, por que a illustre Commissão, fundando-se nestes principios, introduziu no Projecto este paragrapho que eu adopto, approvando esta parte do Parecer da Commissão.

O Sr. Presidente propoz á votação o §. 1.º, e foi approvado.

Sobre o 2.°, disse

O Sr. Miranda: — Se as exclusões de que se tracta se limitassem aos Agentes responsaveis, ou a todas aquellas pessoas que tivessem contas pendentes no Tribunal de Contas, ou que houvessem de ser nelle examinadas, muito bem; estas excepções eram de justiça. Mas as excepções que se querem fazer do Ministro da Fazenda, quero dizer, de seus parentes affins, e parentes até quarto grau, taes quaes se acham no Projecto, eu as não approvo; porque a alguns respeitos são amplas em demazia, e, comparativamente, são a outros respeitos mui restrictas.

As contas verificadas pelos Membros do Tribunal de Contas, pelo que respeita á receita, e enviadas ás Côrtes, constituem materia de grande responsabilidade para o Ministro da Fazenda, com especialidade; ainda que nesta responsabilidade não deixam de ter parte os Ministros do Reino, e o da Marinha, como responsavel por todos os ramos de Administração das Provincias de Africa e Asia: porém pelo que toca a despeza, todas são igualmente responsaveis, e não é o Ministro da Fazenda aquelle ao qual cabe, nesta parte, a maior responsabilidade. Então, se a responsabilidade de todos os Ministros se acha evidenciada pelas contas que o Tribunal envia ás Côrtes; por que razão hão de ser inelegiveis os parentes do Ministro da Fazenda, quando podem ser eleitos os parentes dos Ministros seus Collegas. Assim ou aquella excepção é desnecessaria, ou é injusta esta desigualdade.

A demasiada latitude que se quer dar a esta excepção, parece-me a consequencia de uma supposição que eu não julgo exacta. Parece suppor-se que o Tribunal de Contas exerce uma certa superintendencia ficar sobre todos os Ministros; mas isto não é assim; nem esta acção fiscal é compativel com as attribuições do Poder Executivo. O Tribunal não fiscalisa nem embaraça a acção dos Ministros; as Contas do Tribunal põem sim a responsabilidade d'ellas em toda a evidencia; mas a sua responsabilidade está a cargo de outro Tribunal; e este outro Tribunal é a Camara dos Deputados, e a Camara dos Senadores, nas quaes, segundo se acha determinado pela Constituição, podem ser accusados e julgados por qualquer malversação.

Além disto em todo o contexto do Projecto, não ha um só Artigo em que se admitta a prevaricação dos Membros, ou de alguns dos Membros do Tribunal de Contas; e então para obviar patronatos, e para desaffrontar a Eleição dos Membros do Tribunal da influencia immediata do Poder, requeria eu como requeiro, que as mesmas excepções a serem admittidas, além daquellas que estão nos casos do direito commum, sejam igualmente extensivas aos irmãos e parentes mais chegados dos Deputados em Côrtes. (Apoiado.)

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A Commissão entende que este paragrapho deve subsistir, e por uma razão muito obvia; são excluidos os parentes dos Contadores: por quanto se os Contadores têem de dar contas é bem natural que não tenham por seus Juizes os seus parentes; queremos nós que se fiscalisem as contas do Estado? Não póde haver garantia que o parente esteja fiscalisando a conta do seu parente. Em quanto á exclusão dos parentes do Ministro da Fazenda, e não os dos outros, os mais Ministros não estão na mesma cathegoria do Ministro da Fazenda: a Commissão não quiz transplantar da Camara dos Deputados para o Tribunal a responsabilidade dos Ministros: ora se acaso a Commissão dissesse que deviam ser excluidos todos os parentes dos Ministros, vinha a entender-se de que o Tribunal tinha alguma ingerencia sobre elles, quando effectivamente a não tem; o Tribunal não tem nada senão com o Ministro da Fazenda, porque deste é que é a responsabilidade, por si, e pelas contas com os outros Ministros, e m quanto elle lhes concede fundos além dos que lhes são votados no Orçamento. Em quanto o querer o Sr. Miranda que se excluam todos os parentes dos que os elegerem, isso não póde ser difficuldade de saber qual era a parentella de cento e tantos individuos. Parece-me que as razões são fundadas, porque os Contadores são responsaveis; e o Ministro da Fazenda porque está em uma posição muito differente da dos outros Ministros. Julgando-se o § 2.° discutido foi approvado,

Sobre o § 3.°, disse

O Sr. Pereira de Magalhães: — Eu offereço uma emenda a este paragrapho. = Os responsaveis pelos cofres a que o Tribunal deve tomar contas. = Pereira de Magalhães.

Eu faço esta emenda porque diz o Artigo: (leu.) Como isto é uma instituição nova podem admittir-se muitas duvidas, e dar-se muitas intelligencias; e para evitar todas estas duvidas parece-me que os illustres Membros da Commissão, convirão em que o Artigo se redija nestes termos (leu.) Porque quando se tractar da Artigo 7.° hei de offerecer uma emenda, em que os responsaveis por esses cofres hão de ser especificados.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Não posso admittir a substituição porque estou persuadido que não preenche bem o fim, nem exprime toda a idéa do Sr. Magalhães; o Artigo é muito mais amplo, porque comprehende todos, os responsaveis: qualquer encarregado de fazer esta, ou aquella despeza não tem cofre; por consequencia a emenda não exprime bem a idéa, sendo sómente restricta aos cofres; por isso me parece que não póde ter logar.

O Sr. Pereira de Magalhães: — O Tribunal de Contas, segundo o que eu entendo, não tem nada senão com aquelles que recebem e pagam: a estes é que ha de tomar contas; e quem recebe e paga não póde deixar de ter um cofre; e para não estar a enumerar todos os responsaveis pelos cofres, é que eu apresentei essa emenda em que usei da expressão cofre, em logar de fazer a denominação dos responsaveis. Creio pois que ella não póde soffrer objecção: eu votaria pelo Artigo, mas tenho receio que possa dar logar a muitas interpretações; e quem tiver um cofre em que recolha dinheiro da Fazenda, ha de dar contas.

O Sr. L. J. Ribeiro: — O paragrapho parece-me que está redigido com maior latitude do que a substituição apresentada pelo illustre Senador. Quem é responsavel não é só a pessoa que tem o cofre, por isso na phrase do paragrapho, entende-se que tão responsavel é o que recebe 10 réis como 100 contos; nem haverá ninguem que lhe dê outra interpretação, por isso julgo que se poderia approvar supprimindo a palavra directamente.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Com essa suppressão approvo o paragrapho; e retiro a substituição.

Votado o § 3.° foi approvado com a suppressão da palavra directamente.

O § 4.° foi approvado com igual suppressão.

Sobre o § 5.°, disse

O Sr. Trigueiros: — Parece-me que isto é muito extenso, e talvez o paragrapho ficasse bem, sendo a exclusão sómente até o segundo gráu.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu não faço questão da conservação do paragrapho. Introduziu-se esta especie no Projecto, não só porque está na Lei organica da Belgica, donde o illustre Auctor da Proposta originaria a tirou, mas tambem porque entre nós é uso que os parentes até ao quarto gráu não entrem no mesmo Tribunal: não parece por tanto ser fóra de proposito, porque não será conveniente que dois irmãos (por exemplo) façam parte de um mesmo Tribunal. Foi o que a Commissão teve em vista.

O Sr. Miranda pedio que a Commissão declarasse de quem são os affins de que tracta o paragrapho; e respondido o Sr. Relator que deviam intender-se os affins entre si, foi o mesmo approvado com este additamento.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa propoz (em Additamento ao Art. 2.°) que, no caso de algum dos Vogaes do Tribunal ser eleito Membro do Corpo Legislativo, perdesse o logar apenas tomasse assento na respectiva Camara. Como emenda propôz o Sr. L. J. Ribeiro que ao Vogal nessas circumstancias ficasse o direito de opção. Concordando o Auctor, foi o mesmo Additamento approvado com essa modificação.

Lido o seguinte:

Art. 4.° Os Membros do Tribunal vencerão os Ordenados correspondentes ao Membros do Supremo Tribunal de Justiça.

Requereu o Sr. Bergara que se addiasse a discussão até ser presente o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Conde das Antas: — Consta que o Sr. Ministro da Fazenda dera a sua demissão: se pois nós interrompemos os trabalhos á sua espera, ficâmos sem fazer nada. Por mim, digo que acho menos airoso o pouco que esta Camara trabalha: verdade é que não temos muito que fazer, mas era conveniente que fossemos adiantando o que ha (apoiado.)

O Sr. Bergara: — Concordo com o nobre Conde das Antas, porque se interrompemos a discussão deste Projecto, teremos de saír da Sala, porque não está dado para Ordem do dia outro trabalho; entretanto V. Ex.ª poderia dar para ámanhã outro Projecto, e se o Sr. Ministro da Fazenda apparecer, continuaremos com a discussão do Tribunal de Contas.

O Sr. Presidente: — Não ha Projecto que esteja em termos de ser dado para Ordem do dia.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Seria conveniente que o Sr. Ministro da Fazenda, presente ou futuro, assistisse á discussão deste Projecto; entretanto convenho que não ha necessidade absoluta disso, porque o Projecto não é do Ministerio, e mesmo o Sr. Ministro, podia estar occupado na outra Camara em objecto tal que lhe não permittisse vir a esta.

Proposto o addiamento foi rejeitado; approvando em seguimento o Artigo 4.º sem discussão, assim como o

Art. 5.° Nenhum Membro do Tribunal póde deliberar em negocio seu ou da sua familia.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Pelos Artigos até aqui approvados temos Tribunal de Contas; temos igualmente quem póde ser Membro delle, e ordenado estabelecido para aquelles que tiverem a fortuna de ser eleitos; que não hei de ser eu! mas em nenhum dos Artigos approvados se acha ainda providenciada a substituição nos casos de vagatura ou impossibilidade. O numero de Vogaes que se votou é muito pequeno, e por diversas cansas podem faltar com muita facilidade dois, tres ou quatro de seus Membros, e o Projecto não previne este caso, que eu acho de bastante importancia: e então, como eu não sou senhor do systema do mesmo Projecto, não proponho nada a este respeito, mas pedia a V. Ex.ª convidasse a illustre Commissão de Fazenda para que apresentasse uma medida sobre este ponto, propondo como o Tribunal ha de ser preenchido na falta ou impedimento de seus Membros. Isto é necessario e urgente, e tanto que os Tribunaes de Justiça estão alguns delles parados, porque não têem quem substitua os seus Membros impedidos; creio que já se providenciou para o Supremo Tribunal de Justiça, mas quanto ao Tribunal Commercial de segunda Instancia, ainda agora se está tractando na outra Camara do modo substituir a falta de seus Membros. — Por estas razões mando para a Mesa o seguinte

Requerimento.

«Requeiro que se recommende á Commissão de Fazenda que proponha uma medida para substituir os Membros do Tribunal, vagos ou impedidos. F. P. de Magalhães.»

O Sr. Zagallo: — V. Ex.ª permittirá que eu accrescente a esse Additamento um Artigo para que a Commissão diga até que numero poderá deliberar o Tribunal; porque muitas vezes acontece faltarem alguns Membros repentinamente, e póde ser objecto de cujo expediente dependam cousas importantes. — Mandou para a Mesa este

Requerimento.

«Que a Commissão declare o numero de Membros com que o Tribunal póde deliberar. — B. A. Zagallo.»

Tanto este como o precedente Requerimento ficaram para segunda leitura.

Passou-se ao seguinte:

Art. 6.° O Procurador Geral da Fazenda, ou o seu Ajudante assistirá ás Sessões do Tribunal quando a elle fôr chamado, ou os interesses da Fazenda Nacional o exigirem, e terá voto consultivo.

E disse

O Sr. Bergara: — A Commissão julgou mui judiciosamente quando propoz que o Procurador Geral da Fazenda assistisse ás Sessões do Tribunal de Contas, porque ninguem mais do que elle está nas circumstancias de desempenhar as funcções para que ahi é mandado; mas eu tenho a fazer uma consideração a V. Ex.ª — Este Empregado acha-se sobrecarregado com muitos dos trabalhos que pesavam antigamente no extincto Erario, Mesa da Consciencia, Conselho da Fazenda etc. em vista do que pretendo fazer em Additamento ao Artigo em discussão. — O Procurador Geral da Fazenda, que todos conhecemos como homem de probidade, tem um Ajudante habil, mas apesar disso não póde ter os seus trabalhos em dia: proponho por tanto o seguinte

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Additamento que me preencherá o pensamento da Commissão, para o que será nomeado interinamente mais um Ajudante áquelle Ministerio. — Bergara.

Antigamente a despeza que faziam as Repartições, cujas attribuições são em grande parte desempenhadas hoje pelo Procurador Geral da Fazenda, importava em 7 contos de réis (não comprehendendo a verba da Fiscalisação) e hoje este Empregado, o seu Ajudante e um Secretario, apenas gastam ao Estado 3:400$ réis: além disto os antigos Conselheiros accumulavam sempre algum outro emprego. Attendendo pois aos muitos trabalhos que pesam sobre o Procurador Geral da Fazenda, os quaes são superiores as forças humanas, creio que é de justiça dar-lhe mais um Ajudante em vista da nova incumbencia que se lhe dá por este Projecto.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Talvez no estado actual fosse necessario nomear um Ajudante, porque o Procurador da Fazenda está muito sobrecarregado de trabalho, mas devemos esperar que isso cesse. Uma das razões por que este Magistrado está demasiadamente occupado é porque não temos regras, porque é ouvido em objectos que devem ser da competencia de um Tribunal administrativo; acontecendo que um homem só está decidindo da fazenda dos particulares: isto deve cessar. Ahi temos já um principio da refórma da administração de Fazenda que propoz o Sr. Magalhães: ainda se não tractou na Commissão, por isso não sei sela vem alguma providencia a este respeito; mas é de suppôr que o conhecimento das causas mais graves seja dado a um Tribunal, e que um homem só mettido no seu gabinete sem fórma de juizo não continue a decidir as questões mais importantes. — A Commissão não se oppõe a que seja nomeado um Ajudante ao Procurador da Fazenda, mas interinamente e de modo algum para depois ficar permanentemente, porque não ha de ser necessario; as questões em que o Procurador da Fazenda é hoje ouvido, quasi todas deixarão de voltar á sua mão logo que haja Tribunaes, ou que a administração de Fazenda se organise debaixo de um systema completo.

O Sr. Miranda: — É verdade que o Procurador da Fazenda tem muito que fazer, mas não ha necessidade de crear desde já um novo emprego; até mesmo porque com a erecção do Tribunal o Procurador da Fazenda fica alliviado de uma grande parte do seu trabalho, e por isso devendo haver muita parcimonia em crear empregos novo, parece-me muito mais natural approvar-se o Artigo como está, e se no futuro se approvar a necessidade de haver mais um empregado, então se nomeará. Estou persuadido que este Projecto não poderá pôr-se em execução, sem que a Administração de Fazenda esteja mais bem regulada. Então o Procurador Geral da Fazenda ficará com muito menos trabalho, e por isso voto pelo Artigo tal qual está redigido.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Quando se tractou da discussão em geral deste Projecto, eu estabeleci certos principios sobre os quaes se devia fundar a sua organisação; e é conforme estes principios que tenho sustentado ou combatido, os Artigos do Projecto, e é ainda conforme elles principios que eu vou fazer uma Substituição a este Artigo.

Eu estabeleci que para o Tribunal de Contas poder preencher os seus fins, era necessario que tivesse uma jurisdicção independente, e que os sem Vogaes fossem perpetuos; que tivesse Ministerio Publico, e formulas como as Judiciarias. - Ora chegámos agora ao caso do Ministerio Publico: este Artigo abria um campo vastissimo a muitas reflexões, mas limito-me a dizer que cada fórma de Governo tem o seu principio, e todos as suas instituições devem ser conformes a esse principio, quando não tudo é confuso: o Governo absoluto tinha as suas instituições proprias, e que muito bem serviam ao principio daquelle Governo; mudou-se a fórma de Governo e não se mudaram as instituições, e daqui é que vem todos os nossos males; é de nós os homens da geração presente, que educados no systema do Governo Monarchico puro, queremos explicar, as instituições do Governo Constitucional pelos principios daquelle systema, quando é certo que não ha, nem sombra de similhança entre as instituições do governo absoluto, e as do Governo Constitucional, o que me obriga fazer uma prophecia, e é, que em quanto não morrer a presente geração, e não vier outra educada com os principios constitucionaes, nós havemos de estar sempre nesta confusão e desordem; e até porque já se perdeu o tempo em que podiam restabelecer o Governo Constitucional com as instituições que lhe são proprias; que foi em 1833 em que com a Restauração desappareceram as instituições do governo absoluto, e o seu pessoal, ficando o campo raso para nelle se plantar a arvore Constitucional de modo, que produzisse seus saborosos fructos. Não se aproveitou esta propicia occasião. — Destruiu-se tudo, creou-se pouco, e esse pouco uma miscellanea do systema velho e novo, que não póde marchar! Digo pois que ou o Procurador geral da Fazenda não é necessario junto do Tribunal, ou, se o é, ha de ser considerado como Ministerio Publico: no tempo antigo havia um Procurador da Fazenda, haviam muitos Tribunaes; então a vontade do Rei era a Lei; elle podia fazia o que quizesse, seguir s voto deste ou daquelle, ou não se conformar com nenhum: em um Governo Constitucional nada é assim, tudo muda absolutamente: no Governo Constitucional ha tres Poderes que devem ser independentes; o Executivo, Legislativo, e Judiciario: o Poder Executivo consiste em executar todas as Leis do Estado, e compete este Poder ao Chefe seja qualquer que fôr a sua denominação; mas o Chefe do Estado quando é um Rei, como entre nós, é irresponsavel; e então delega o exercicio do Poder Executivo em diversos Agentes, que formam uma Jerarquia de que elle é o Supremo Chefe, a fim de ficar garantida a irresponsabilidade do Rei, e sómente responsaveis os seus Agentes, os primeiros dos quaes são os Ministros, a quem estão subordinados todos os outros Agentes do Poder Executivo, para a execução das Leis que constituem o Direito Publico, a que modernamente se chamam Administrativas, pelo que pertence porém á execução das Leis que constituem o Direito particular, ha Juizes perpetuos, não para utilidades desses Juizes, mas, para que nenhum dos outros Poderes influa nas suas decisões. Com tudo, o Poder Executivo, ou o Rei, como Chefe Supremo do Estado, fica sempre com a superior inspecção sobre esse Poder, fazendo-se alli representar por um Agente seu, e daqui vem a origem do Ministerio Publico.

Postos estes principios é certo que o Tribunal de Contas pertence á Ordem Administrativa, e sendo um Tribunal que julga Contas, junto delle deve o Rei tambem ter um Agente; ora a este Agente do Governo póde dar-se-lhe a denominação de Procurador da Fazenda; e eu quizera que existisse esse Procurador, mas não como até aqui tem existido para consultar sómente; porque isso é uma instituição do Governo absoluto; quero que exista, junto do Tribunal, com as funcções do Ministerio Publico; e neste sentido offereço uma Substituição ao Artigo 6.° - (É a seguinte:)

Substituição ao Artigo 6.°

O Procurador Geral da Fazenda exerce junto do Tribunal de Contas as funcções do Ministerio Publico; e pertence-lhe

1.º Fiscalisar que os responsaveis para com o Thesouro apresentem as suas contas no Tribunal nas epochas determinadas pela Lei, e requerer contra os omissos a applicação das penas correspondentes.

2.° Vigiar que o Tribunal de Contas tenha regularmente as Sessões marcadas no seu Regimento, e que os Membros, e Empregados do Tribunal cumpram seus respectivos deveres, dando conta ao Governo das irregularidades que se commetterem.

3.º Requerer tudo o que convier á segurança da Fazenda Publica sobre as fianças, e hypothecas prestadas pelos responsaveis para com o Thesouro Publico; e a esse fim o Tribunal lhe remetterá copia authentica das escripturas constitutivas dessas fianças, e hypothecas.

4.° Sollicitar a revisão pelo Tribunal das Contas, em que houver erro contra o Thesouro Publico.

Art. 5.° Tomar conhecimento de todos os negocios, e contas, em que julgue necessario exercer o seu Ministerio.

Art. 6.° O Procurador Geral da Fazenda corresponde-se com todos os Ministerios nos negocios respeitantes a cada um delles. Sala das Sessões, em 3 de Abril de 1839. = Felix Pereira de Magalhães.

O Sr. Bergara: — Eu tambem não quero, como o Sr. Miranda, que hajam Empregados superabundantes; mas quero que hajam os Empregados precisos; e então retiro o meu Requerimento concordando com o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, substituindo a palavra interinamente, visto que o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa disse que o estado actual não póde durar; e que a instituição do Tribunal de Contas alliviará de muito trabalho a Procuradoria da Fazenda, no que eu concordo.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, eu opponho-me á Substituição, porque não só a julgo desnecessaria, mas até porque ella involve em si materia que seria offensiva para o Tribunal, se se vencesse, quaesquer que sejam as pessoas que o venham a compôr: é precise attender bem quaes são as funcções que elle tem a desempenhar. As attribuições deste Tribunal são pura e simplesmente Fiscaes; por consequencia tudo quanto se pertende attribuir ao Procurador de Fazenda é o que o Projecto commette ao Tribunal: no Tribunal de Contas não ha que tomar conhecimento de materia contenciosa, todos os seus julgamentos hão de versar sobre factos para a decisão dos quaes senão requerem conhecimentos juridicos. O Tribunal tem a verificar se cada um dos contribuintes pagou as quotas que lhes foram lançadas, e se acaso se lhes exigiu de mais ou de menos: o Tribunal ha de fiscalisar se os Ministros datado, ou outros quaesquer Empregados responsaveis, dispenderem mais dinheiro do que aquelle que lhes estava concedido, ou votado pelo Orçamento; e o modo de verificar essa responsabilidade, é confrontar os lançamentos, e os Orçamento com as contas apresentadas. Vê-se pois com toda a clareza que as funcções Fiscaes são da competencia do Tribunal; que para isso. é elle instituido, e que por modo algum se devem confundir com as funcções proprias do Procurador da Fazenda, se acaso se não quer estabelecer a desordem em logar da ordem que, se pertende Quando houverem questões controversas entre a Fazenda Nacional, e as partes, as quaes requeiram os Officios do Procurador da Fazenda, lá está para isso a providencia dada no Artigo que se discute: diz a Substituição que o Procurador da Fazenda deverá inspeccionar se todos os Vogaes do Tribunal concorrem ás Sessões, e se cumprem com os seus deveres; essas obrigações, competem ao Presidente do Tribunal, e seria offensivo para o Presidente, e Vogaes do Tribunal, se houvesse uma entidade estranha para esse fim.

Tem-se argumentado com o trabalho immenso que tem o Procurador da Fazenda: é certo que esse digno Magistrado tem sobre si um trabalho enorme, mas isso provém da desordem em que estão as cousas; porque antigamente o Governo tinha certos Tribunaes a quem mandava consultar sobre os negocios graves, e que lhe servia de grande auxilio; além disso os Ministros de Estado tinham homens conhecedores do andamento pratico dos negocios publicos, que ajudavam os Tribunaes (e algumas vezes os Ministros); mandavam ouvir os Procuradores Regios da Corôa e Fazenda, para responderem por parte da Fazenda, como Advogados natos desta; e nem os Tribunaes, nem os Ministros tinham obrigação de se conformar inteiramente com as respostas fiscaes desses Advogados por parte da Corôa e Fazenda. Hoje não ha negocio por mais insignificante que seja, sobre o qual se não mande informar os Procuradores da Corôa e Fazenda, e em que se não adopte cegamente o que elles dizem. — Não pertendo com o que digo offender de modo algum o melindre, e bem merecida reputação desses integerrimos Magistrados, a quem tenho a honra de conhecer; pertendo unicamente mostrar a desordem em que tudo se acha por não estarem claramente definidas as obrigações especiaes que devem competir a cada uma das Authoridades, sem confundir as de umas com as das outras. — Contrahindo as minhas idéas, direi, que muito poucos hão de ser os casos em que o Tribunal tenha precisão de ouvir o Procurador da Fazenda, e então parece-me que o Artigo 6.° muito prudentemente determina, que o Procurador da Fazenda concorra quando fôr chamado: eu já fui Membro de Tribunaes a que o Procurador da Fazenda devia concorrer quando fosse chamado, conforme a disposição da Lei e no decurso de dez ou doze annos não chegou a uma duzia as vezes que elle lá foi: elle pouco terá que requerer ou allegar perante o Tribunal de Contas, porque quem ha de decidir se as contas estão legaes, ou não, ha de ser o Tribunal, e não o Procurador da Fazenda; e quando algum funccionario não apresentar as contas no devido tempo, lá está o modo de o compellir no Artigo seguinte; e muito pouca

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authoridade teria o Tribunal, se fosse necessaria uma entidade estranha para lá hir examinar as contas, e obrigar os Empregados a cumprirem os seus deveres; por tanto entendo que não é necessaria a nomeação de um novo Ajudante do Procurador da Fazenda, e que e inutil a Substituição, porque, ou as cousas se hão de pôr na ordem devida, e então tudo irá bem, ou ha de continuar a desordem — existente, e então é melhor deixar-nos disto. - Hoje os Procuradores da Corôa, são mandados responder em cousas em que não deviam ser ouvidos: o Governo está expedindo Portarias sobre objectos, que nunca pertenceram ao Governo; a mim se me tem expedido algumas sobre empregar ou não empregar trabalhadores, e moços; isto nunca foi da competencia do Governo; sendo esta uma das causas por que tudo está fóra dos seus eixos, e os Ministros de Estado não podem cuidar dos grandes negocios de interesse publico, em razão de occuparem o tempo com detalhes minuciosos, que sempre competiram ás Authoridades subalternas. Finalmente, Senhores, quem quer vêr, ou saber tudo, nem vê, nem sabe nada: antigamente estava tudo mais bem montado; e eu ainda sou do tempo em que os Ministros d'Estado despachavam os negocios sem ter quem os solicitasse; hoje não é assim, e os Empregados têem muito mais trabalho; mas é porque estão confundidas as cousas; aonde não ha systema não ha senão desordem. Por tanto torno a repetir que o Procurador da Fazenda ha de ter muito pouco que fazer neste caso, e julgo que o Artigo deve passar, rejeitando-se a Substituição.

O Sr. Trigueiros: — Esta Substituição é muito complicada, a hora está adiantada, e parecia-me que o melhor era manda-la á Commissão para ella dar o seu Parecer, porque de outra maneira não faremos nada.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Um dos illustres Senadores que me precederam para atacar a minha substituição, enumerou quaes eram as funcções do Tribunal, e disse que a mesma substituição as ia encorpar: eu nem estou conforme com o illustre Senador, em que as funcções do Tribunal sejam as que enumerou, nem tambem posso ouvir em que a minha, proposta lhe usurpe as verdadeiras. As funcções do Tribunal de Contas são estas: verificar, por uma parte, se as receitas são conformes ás Leis, e se as contas incluem todas as receitas que existem; e por outra parte, se as despesas foram feitas segundo os creditos votados, e se estão provadas com documentos legaes. Nem estas, nem as que o illustre Senador enumerou, são nem levemente tocadas pela minha substituição: tambem não quero que o Ministerio Publico se intrometta nas attribuições do Tribunal; o que quero é que seja um Agente do Governo para lhe participar tudo quanto se passar no Tribunal, e para fiscalisar por parte do Estado os interesses que alli se tractarem. E como estamos discordes sobre o que contém a substituição, e o que nella se estabelece é conforme aos principios constitutivos do Tribunal, pedia a V. Ex.ª que visto achar-se a hora adiantada e os Srs. Senadores fatigados, ficasse esta materia addiada para esta Sessão; depois que a mesma substituição apparecer impressa, é que os illustres Membros desta Camara a poderão meditar e devidamente avaliar, porque o assumpto é importantissimo.

Quando offereci as minhas emendas a este Projecto, não tinha outra cousa em vista senão diligenciar que o Paiz se vá organisando Constitucionalmente. Não basta haver uma Constituição para que prosperem as instituições livres: a Inglaterra que não tem Constituição (escripta) gosa mais liberdade do que nenhuma outra Nação da Europa, e a França nunca teve menos Liberdade do que nos poucos annos em que fez sete ou oito Constituições. Eu sou de opinião que todas as instituições devem ser organisadas segundo o principio do Governo; e debaixo deste ponto de vista a minha substituição é muito interessante se a quizerem meditar bem. É conforme ao que existe em França, e uma experiencia provada em 32 annos, não deve desprezar-se, ao menos em Portugal onde nada existe a este respeito; e então não temos outro remedio senão ír buscar alguma cousa ás Nações Estrangeiras; é uma importação que se póde fazer sem pagar o direito das Pautas, que tanto medo mettem a muita gente...... (Riso) O nosso velho Direito mandava que tudo que não estivesse nas Leis do Reino, se fôsse buscar ás Nações civilisadas: a Nação Franceza em materia de Administração de Fazenda está neste caso; é pois a que devemos seguir, e esta importação é authorisada pelas Leis velhas. Não duvido que o Tribunal de Contas da Belgica esteja bem organisado, mas não está ainda canonisado pela experiencia como se póde dizer do de França. Um Tribunal de Contas quando tracta de julgar as contas estabelece-se uma questão entre o Estado e o responsavel que as presta; é pois necessario que este defenda as suas contas, por si ou seu Procurador, e a esse fim offerecerei uma emenda em logar competente; e é tambem necessario que o Estado defenda o seu direito, que consiste em fazer verificar se são exactas as contas, e verídicos e legaes os documentos que as comprovam. Eis aqui como se prova a necessidade de que junto do Tribunal haja Ministerio Publico, para defender os interesses do Estado, que é sempre parte no julgamento das contas; é que as suas formulas sejam, o mais que fôr possivel, conformes ás do Poder Judiciario: deve pois o Estado ter alguem que o represente perante o Tribunal, não para influir no seu julgamento, porque neste quero eu que os Vogaes tenham a mais ampla independencia não só do Poder Executivo, mas do Legislativo; mas para requerer e solicitar tudo o que fôr a bem do Estado, requisitando ao Tribunal as providencias que este podér dar, e participando ao Governo quando os Vogaes não cumprirem os seus deveres, para elle propôr a substituição delles á Camara dos Deputados. Por tanto, a minha substituição é de vida ou de morte para a organisação deste Tribunal: se dermos este grande passo Constitucional no Projecto de que tractamos, elle será imitado na organisação de todas as outras instituições em que deve haver algum Agente do Ministerio Publico, porque a falta destes Agentes nas diversas Repartições do Estado é que nos tem posto no estado de confusão em que nos achâmos.

Concluo pedindo a V. Ex.ª queira propôr á Camara o addiamento da materia, para dar tempo a que a minha substituição appareça no Diario do Governo, e a fim de poder ser bem avaliada a sua materia e importancia; e para evitar que aconteça o mesmo que com outra que eu propuz e foi rejeitada, tendo-me depois dito alguns Membros da Camara, que quando votaram não conheciam bem o seu contexto; e assim devia acontecer; porque apenas se linha lido por mim neste logar, e depois na Mesa!

Sendo mais de quatro horas, e não se achando a Camara em numero para deliberar legalmente, disse o Sr. Presidente, que se interrompia a discussão do Artigo 6.° para continuar na Sexta feira (5 do corrente). Nomeou depois a Deputação que deve ír comprimentar a Sua Magestade, A RAINHA, por occasião do Anniversario Natalicio da Mesma Senhora, e do Seu Juramento á Constituição do Estado; ficando composta, além do mesmo Sr. Presidente, dos

Srs. Pacheco Telles,

Bazilio Cabral,

Barão de Villar Torpim,

Zagallo,

Pessanha,

Albergaria,

Cotta Falcão,

Cordeiro Feio,

Bergara,

L. J. Ribeiro,

Visconde de Porto Côvo.

Fechou a Sessão.

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