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DIARIO DO GOVERNO.

se deve requerer a faça effectiva. Se o Ministro o não fizer póde ter uma accusação na outra Camara; assim é que eu o entendo, e parece-me que o Requerimento não está no caso de ser atendido.

O Sr. Barão do Tojal: - Eu não trago para aqui o meu caso, Sr. Presidente, trago aqui uma violação de Lei; o que eu peço é que o meu Requerimento vá á Commissão de Legislação porque, depois de considerar a materia, apresente um Parecer nesta, Camara em que diga se a Lei é ou não extensiva aos Cereaes: o meu caso não vem para aqui; eu, sim, vim no conhecimento de que aquella Lei não era executada em consequencia do que aconteça comigo mesmo, e entendo que o deve ser: eu não tenho interesse nisto; não sou negociante de Cereaes; o meu negocio é em Vinhos da Madeira; mas como Senador venho aqui promover a execução da Lei porque recebi um Mandato para esse fim; ponho fóra da questão os meus interesses, isso não é nada, a minha questão com o Terreiro é sobre a violação da Lei vigente que ainda hoje a Commissão continúa a praticar com grave escandalo, e prejuizos dos interesses geraes da Nação; isto não quanto a mim mesmo, mas contra muitos outros individuos como é voz geral, e mesmo consta de varios Requerimentos que não têem sido deferidos pela Commissão. Isto é um acto despotico da Commissão, e então eu estou no meu direito, como Senador, Representante da Nação, de vir pugnar aqui pela execução da Lei, dever que me impõe a mesma Constituição; não faço similhante Requerimento aqui por um mesquinho interesse pessoal que não tenho, nenhum, nem ha em Lisboa um unico individuo menos interessado no commercio de Cereaes do que eu. Se o Povo Portuguez não fosse o mais docil do mundo, havia de ter resistido ha muito tempo contra a existencia de similhante Estabelecimento, como o do Terreiro Publico, um monopolio abusivo, e escandaloso no extremo, em opposição a todas as Leis de liberdade de Commercio, e direito de propriedade. Em Londres, por uma questão de muito menos abuso do que esta, qual era — que em quanto o preço do trigo não chegasse a oito tostões o alqueire, não poderia ser importado o trigo estrangeiro, levantou-se o Povo todo em massa, e eu vi trastes riquissimos de Membros do Parlamento lançados pelas janellas fóra, não obstante os grandes troços de cavallaria que rondavam pelas ruas, e aquella Lei não vigorou. Eu invoco, no meu caracter de Representante da Nação, aqui a execução da Lei; não venho advogar os meus interesses particulares: o Sr. Mousinho da Silveira, uma auctoridade muita respeitavel neste caso, disse na outra Camara que outro dia ao desembarcar de França chorou de alegria, vendo que já de Portugal se exportavam Cereaes. E ha de a Commissão do Terreiro obrar em contravenção da Lei, contra tão desejado e importante objecto, privando assim a sahida dos nossos Cereaes, porque ninguem de certo os exportará tendo de pagar dezoito tostões por moio quando os exporta? - Nós na Madeira podemos consumir muito bem dez mil moios cada anno a Portugal. Eis-aqui o que eu advogo, e admira-me muito que o nobre Senador me quizesse lançar em rosto uma tal imputação: o que eu peço, por tanto, é que o meu Requerimento vá á Commissão do Legislação; isto pedi sempre porque não queria levar a Camara de salto. Ella dará a sua opinião sobre a materia, se a Lei de 16 de Janeiro de 1837 é extensiva igualamento aos nossos Cereaes, assim como aos mais generos de producção Nacional, ou não; e então a Camara decidirá sobre qual é o passo que convirá adoptar á vista do Parecer que ella der.

O Sr. Miranda: — Esta discussão versa, sobre um objecto, que é muito importante, e por isso ainda que se divague alguma cousa, o tempo não será perdido; em compensação, não entrarei nos pormenores da questão particular, porque me parece de facil solução; por quanto, a Camara dos Senadores não deve intervir neste negocio fazendo os officios da accusador; intervém, sim, como parte que é do Poder Legislativo, tomando conhecimento de um facto em que a Lei foi violada, e que envolve considerações de summo interesse, não só em relação a este facto, mas tambem a um principio que admittido poderia vir a ser funesto á Agricultura do Paiz. Entendo, por tanto, que este Requerimento deve remeter-se ao Ministerio, para que, tomando-o em consideração, faça cumprir a Lei em todo o seu rigor, e dar para esse effeito providencias necessarias. Estou bem certo que o Ministerio assim o fará, e tambem o estou de que a Commissão do Terreiro, vendo-se ameaçada de todas as consequencias de uma grande responsabilidade, não se aventurará a fazer, em beneficio proprio, interpretações excepcionaes a uma regra geral estabelecida em favor da Agricultura deste Reino.

Sr. Presidente, as idéas ácerca das conveniencias sociaes, a alguns respeitos, ainda não estão tão desenvolvidas, como convém, para a prosperidade do Paiz. O direito da propriedade, a primeira e principal condição das Sociedades, é entre nós, geralmente fallando, uma concessão restricta; e praticamente sujeita a excepções arbitrarias e perniciosas.

Mas o goso da propriedade não consiste sómente na posse exclusiva dos objectos materiaes que legitimamente adquiriu, consiste tambem no livre exercicio de todos os seus meios intellectuaes e industriaes, de que póde dispôr em beneficio seu, sem manifesto damno ou prejuizo da Sociedade. Todas as excepções em que não forem justificadas por um motivo de interesse geral, são altamente offensivas do direito de propriedade, e contrarias aos interesses geraes de um Paiz, por isso mesmo que empecem, e entorpecem o desenvolvimento e progresso da Industria, cuja origem está essencialmente na acção individual.

Neste caso, em meu entender, acha-se o Estabelecimento do Terreiro.

O Terreiro Publico de Lisboa é um daquelles poucos Estabelecimentos inuteis, que encaparam á maça do Hercules das reformas, o Senhor D. PEDRO; provavelmente porque a sua attenção se achava occupada com negocios de mais monta, não porque ninguem o podesse convencer da utilidade deste Estabelecimento.

Este Estabelecimento, como Estação da Receita do Estado é inteiramente inutil. Para este fim, a Alfandega e as Sete Casas são as Repartições competentes e suficientes. Quanto aos beneficios que póde fazer á Lavoura, esperarei que alguem tome a seu ccargo, provar-nos que os Lavradores lucram em venderem mais barato os seus Cereaes, do que venderiam em um mercado livre, e sem os embaraços procedidos da tutella regulamentar daquelle Estabelecimento. Quanto ao beneficio dos Consumidores, esperarei igualmente que alguem se dê ao trabalho de provar no que os Consumidores têem interesse, e lucram em comprar mais caro.

Mas, o Terreiro de Lisboa é necessario para prevenir qualquer falta accidental de Cereaes na Capital, e para evitar as consequencias de uma fome publica! Este é o phantasma com que se tem querido atterrar as Assembleas Legislativas, que por ventura queiram tocar naquelle Estabelecimento. A mim lembra-me muito bem (e V. Ex.ª que lá estava, ha de igualmente lembrar-se) que nas Côrtes das Necessidades se espalhou em certa occasião, um boato ameaçador de uma fome, excitado por certos especuladores, e auxiliado pelo Terreiro; mas as Côrtes conservaram-se firmes, os Cereaes Estrangeiros não foram, por excepção, admittidos, e não houve nem fome, nem a escassez de Cereaes que se annunciou haveria nesta Capital.

Hoje, Sr. Presidente, é quasi impossivel haver fome em Lisboa em quanto houverem Cereaes em Londres, nos Estados-Unidos, nos portos do Mar-negro, nos de Baltico etc. Porque actualmente apenas se sabe que um genero principia a escacear em qualquer parte, os especuladores expedem as suas ordens, e já os navios estão de vela, e qual primeiro, concorrem á porfia, para aproveitarem as vantangens do mercado. Recordemo-nos de facto bem notorio e bem moderno — o Cerco do Porto. Nesta Cidade chegou-se ao extremo de não haver uma mancheia de farinha. Mal se soube em Londres, immediatamente appareceu na barra do Porto, quanta farinha era necessaria para um abundante supprimento E se este não foi immediato, é porque o desembarque era perigoso e difficil. Assim a velha idéa da necessidade de um deposito de Cereaes em Lisboa, poderia ter logar em outro tempo; hoje não é admissivel, e o unico proveito que se tira do Terreiro, limita-se ao exercicio de alguns Empregados que podiam, sem prejuizo delles, e com vantagem do Publico, passarem para a Alfandega, ou para as Sete Casas.

Tenho-me demorado por idéas geraes, porque acho conveniente insistir nellas. E porque é muito estranho que n'um tempo que geralmente se chama de progressos, e com razão, porque nunca houve, como hoje ha, tão universal tendencia, para o desenvolvimento da Industria, e de todos os melhoramentos sociaes, se pertenda, conservar qualquer obstaculo ao augmento da Industria deste Reino; e que para manter-se qualquer Estabelecimento vicioso, se tractem de innovadores ou de visionarios, aquelles temerarios que ousam alevantar a sua voz em beneficio do Bem Publico.

Lembremo-nos que de puros theoristas e de visionarios foram tractados, e não por gente ignorante e rude, os homens que neste seculo concorreram para os descobrimentos espantosos, que tão uteis são para o Commercio e civilisação dos povos.

Quando Fulton se offereceu a Napoleão para construir barcos de vapôr, para facilitar o seu projectado desembarque em Inglaterra, estava então elle em Bolonha, foi tractado por um visionario; quando Oliver Evans se apresentou á Assembléa Legislativa de Philadelphia, pedindo uma Carla de Privilegio pela invenção dos carros de vapôr movidos por maquina de alta pressão, tambem foi tractado por um visionario; mas, não decorreram muitos annos; as fantazias daquelles visionarios tornaram-se em realidades, e em realidades que fazem epocha na historia das Sciencias, das Artes, do Commercio e da Civilisação.

É muito extraordinario, Sr. Presidente, que em tempo de tantos progressos e de tanto movimento, nós tenhamos tanta tendencia, para nos mantermos na conservadora inercia da immovibilidade, e que hajam muitas tentativas, e tantas tentações para manter ou para restabelecer Tutellas Regulamentares, e até Monopolios, ou exclusivos injustos, e no gráu mui eminente, funestos ao desenvolvimento e augmento de prosperidade dos Portuguezes, e da riqueza da Nação.

Porém forçoso me é descer da altura a que me tenho elevado — entro na questão especial, volto ao Terreiro; e em quanto se não refórma (a minha opinião é que neste caso a refórma consiste na extracção) por ser uma barreira nociva que embaraça todo o movimento, e livre communicação dos Productores e Consumidores (apoiados) apoio o Requerimento em discussão para se remetter ao Governo, a fim de dar as providencias que julgar conveniente, para que os Cereaes entrem na regra geral, estabelecida para todos os productos da Industria Portugueza.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, ainda que fui prevenido em parte do que tinha a dizer, por alguns dos illustres Oradores que se anticiparam a pedir a palavra; direi com tudo, alguma cousa em apoio ao illustre Senador Auctor do Requerimento em questão, o qual o trouxe aqui com a melhor boa fé, e no exercicio do seu direito.

O Artigo 38 da Constituição, no § 2.º, diz que compete a cada uma das Camaras examinar se a Constituição, e as Leis tem sido observadas: eis aqui o fundamento legal do Requerimento de S. Ex.ª, o Sr. Barão do Tojal como um dos Representantes da Nação; parecendo-me improcedente a supposição de que um Cavalheiro, como elle, trouxesse perante este Senado uma questão de interesse particular. O seu Requerimento é judiciosamente bem fundado, porque o illustre Senador se persuade, e eu tambem, que a Lei tem sido despresada e então, havendo esta persuasão, o Sr. Barão do Tojal, assim como qualquer outro Representante da Nação, é pessoa muito habil, e idonea para desejar saber se a Lei foi cumprida, ou se nella houve alguma infracção. Por conseguinte, caem completamente as observações que o illustre Senador o Sr. Tavares de Almeida produziu, sem duvida, com as melhores intenções, e em muito boa fé.

Direi mais, que estando de perfeito accôrdo com a doutrina theorica expendida pelo eloquente Orador, o Sr. Miranda, peço licença para observar a S. Ex.ª, que eu lhe desejo alguma limitação na pratica. Conheço muito bem que, segundo a opinião dos melhores Economistas, a liberdade geral de Commercio não póde ser impugnada em thesis; todavia para haver igualdade absoluta de transacções ou de communicações entre Nação e Nação, é necessario que haja tambem igualdade de circumstancias; quer dizer, que haja igualdade de civilisação, igualdade de industria, igualdade de capitaes, etc, por exemplo, se fizessemos um Tractado com a Inglaterra, a qual está duzentos annos adiante da nós a todos os respeitos, e nelle se estipulasse perfeita reciprocidade, a