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DIARIO DO GOVERNO.

Entraram os Srs. Presidente de Conselho de Ministros e Ministro da Justiça: havendo aquelle obtido a palavra, disse

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros:

- Peço perdão por interromper os trabalhas desta Camara; mas sou obrigado a faze-lo porque a minha presença póde ser necessaria na dos Srs. Deputados.

Venho hoje a esta casa unicamente para declarar que nem os meus desejos, nem os meus interesses domesticos, nem o estado da minha saude (porque certamente não é boa) me permittiam que eu ambicionasse o honroso logar em que estou collocado: porém, muito respeito e muita gratidão ao Chefe do Estado, e, até certo ponto, a persuasão mesmo de que, depois de tantas negociações mallogradas, eu poderia fazer algum serviço ao meu Paiz, concorrendo para um arranjo Ministerial (que tirasse a Corôa e o Parlamento do embaraço em que se achavam) foram os motivos, que me determinaram a acceitar um logar no Gabinete. Dos meus nobres Collegas posso affirmar outro tanto.

A Administração não teve tempo para fazer um programma, nem isso é essencial; entretanto não sahirei daqui sem declarar — que havemos de executar com zêlo e lealdade a Constituição da Monarchia; que havemos de servir com o mesmo zêlo e lealdade o Chefe do Estado; que havemos de distribuir justiça igual, franca e imparcial a todos os subditos da RAINHA; que havemos de admittir todos os meios de refórma e economia que forem compativeis com o serviço Publico; que havemos de concorrer para o melhoramento das Leis existentes, em tudo aquillo que fôr reclamado pela experiencia, assim como de boa vontade concorremos para a factura das que se possam julgar necessarias. Terminarei com tuna declaração que me e pessoal. Nunca tive a honra de fazer parte de uma Administração, por isso não tenho precedentes. Espero por tanto dos illustres Cavalheiros que compõem esta Camara, me farão justiça, a mim e a meus nobres Collegas, de esperar pelos nossos actos para nos julgar; se elles forem bons, que nos continuem a sua benevolencia, se forem maus que nos estigmatisam. (Apoiados.)

Continuando o assumpto interrompido, teve a palavra

O Sr. Miranda: — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para fazer uma observação ácerca deste Projecto. Este Projecto refere-se ás communicações commerciaes e reciprocas dos Portuguezes e Hespanhoes da nossa fronteira; e eu desejaria que se visse até que ponto qualquer resolução a este respeito póde ser vantajosa ou inconveniente, porque entendo que procurando-se, e com as melhores intenções, fazer um bem á Agricultura, póde em parte causar-se aos Lavradoras de outros Districtos algum detrimento: uma Lei de Cereaes no sentido de outras que depois têem apparecido, foi discutida e approvada nas Côrtes de 1822, com o fim de dar um impulso á Lavoura Portugueza. Esta Lei foi, geralmente fallando, muito bem recebida; mas na pratica, e em toda a extensão da fronteira deste Reino, não produziu o effeito que se desejava; porque no Alemtéjo aonde a cultura dos Cereaes é muito extensiva, porque o terreno é proprio para esta cultura, produziu muito bom effeito, mas não aconteceu o mesmo em Trás-os-Montes, nem na Beira; porque naquellas Provincias a cultura dos Cereaes não é tão extensa como no Alemtéjo; ha outras culturas de igual ou maior vantagem commercial, e ha Districtos muito ricos e extensos como o Douro, aonde os Cereaes se não cultivam, donde resulta a necessidade de se attender aos interesses recíprocos; e então é necessario tambem combinar os interesses dos productores, e dos consumidores. Eis aqui a razão porque os Lavradores daquellas Provincias, em geral, não têem grande interesse em que se obste á introducção dos Cereaes. Acrescem a estas razões outras da utilidade que lhes vêem da exportarão dos seus generos pela raia seca, porque em troço de Cereaes de que o Paiz carece, lhe levam o seu vinho, e outros: generos de sua producção; e se os Hespanhoes deixarem de trazer os Cereaes deixarão tambem de levar em troco aquelles generos que para a nossa cultura são em muitas partes de muita maior que os Cereaes. E tanto isto assim, foi em 1822, e 23, que apezar das Authoridades e das Leis terem então mais vigor do que teem hoje, nunca foi possivel evitar-se de todo o contrabando. O que, naquella parte da fronteira, acontecia da parte de Portugal, acontecia tambem da parte de Hespanha; porque occasiões tem havido em que o Governo de Hespanha prohibiu a sahida dos Cereaes para o territorio portuguez, por medidas as mais rigorosas, e até por um Cordão de tropas. Apresento estas idéas, para mostrar que a mesma regra geral não póde terá mesma applicação para todas as Provincias, porque poderá ser conveniente para umas, e não para outras; tanto mais que neste Projecto se exigem algumas providencias addicionaes que poriam os Lavradores de alguns Districtos em maiores embaraços; quanto ás suas transacções internas, e á sua franca, e livre communicação bastam os Passaportes que não têem outro fim pratico senão o de augmentar os emolumentos de alguns Empregados. Em materia de tanta importancia, e em que se acham complicados tão diversos interesses, mui conveniente seria, como se pratica em outros Paizes, encarregar as Authoridades Administrativas de haverem das Municipalidade e dos proprietarios mais illustrados as informações, e opiniões relativas ás correspondentes localidades; posto que só assim, e por esta maneira é que se podem dar providencias conformes com um principio e regra geral, a da protecção dos interesses geraes da Agricultura. Regia o principio que seriam violados quando se tomassem providencias geraes e indistinctamente sem attenção ás localidades. Eu não me opponho a que se discuta o Projecto na generalidade; mas o que desejaria era que se não fizesse extensivo a todo o Reino sem distincção de Provincias, e que o Sr. Ministro do Reino estivesse presente quando se tractar da discussão especial.

O Sr. Presidente: — Então propõe V. Ex.ª o addiamento desta questão?

O Sr. Miranda: — Não senhor, quero simplesmente fazer sentir a necessidade de se pedirem informações a este respeito.

O Sr. Bettencourt: — Sr. Presidente, todos têem a sua opinião, e a minha ácerca das discussões dos Projectos na generalidade, é de que para mais nada servem do que para se saber se com effeito ha, ou não, necessidade daquella Lei: — é isto o que me tem mostrado a experiencia que tenho tido nos Congressos aonde tenho estado; porque tudo o mais que se diz sobre á generalidade, uma vez que não tem applicação aos Artigos de que o Projecto é formado, são vozes no ar, é tempo perdido: — são estas pois as razões por que eu não serei milito extenso a este respeito. Ouvi ha pouco dizer ao Sr. Miranda que as idéas que estão incluídas neste Projecto, são as mesmas que já regulavam em 1820: — isto é uma verdade, Sr. Presidente, porque aqui se lêem cousas que já foram lembradas naquella epocha; porém de então até hoje a experiencia nos tem mostrado que todas as providencias dadas para evitar o contrabando de Cereaes são sempre illudidas, e desfiguradas: e se nada sé póde conseguir em outro tempo, quando as Authoridades tinham maior vigor, nascendo dahi abusos que hoje existem; o que ha de acontecer presentemente, e quando ou não conheço que haja authoridade; porque ellas são só nominaes! Muito peior decerto: e então estarmos nós a tomar providencias para evitar o contrabando; mas não lerem as authoridades força para as levar a effeito, é o mesmo que nada, segundo o meu pensar (apoiado). Digo por consequencia, que se não gaste agora muito tempo com a discussão sobre a generalidade, e que nos limitemos simplesmente a conhecer se esta Lei é ou não precisa. Que ella é necessaria eu não sou o primeiro a dize-lo; porque esta é a minha opinião, e sempre o foi; nem eu posso deixar de ser em favor de todas as Leis que tenham penas proporcionadas ás disposições da mesma Lei: por quanto, Senhores, Leis sem penas é o mesmo que escrever na arêa, nem d'ellas fazem caso os povos; porque quando lhes parece levantam-se aos trinta ou quarenta, armam-se, e fazem o que querem, porque não têem medo de ser castigados, nem ha authoridades que se façam respeitadas. Eu contarei o que observei haverá dois mezes. Passando pelo Alemtejo para ír uma feira de porcos aonde se comprava e vendia, vi um grande ajuntamento de gente ao pé da estrada, e julgando eu não serem ladrões, fui-me chegando para vêr o que era, e que vi? Um cadaver que se dizia ter sido homem, comido já em parte pelos cães! E fazendo eu algumas perguntas soube que aquelle homem tinha ido negociar em porcos, e que sabendo os ladrões que elle trazia algum dinheiro, o vieram esperar áquelle sitio, e que o roubaram, e mataram: mas dizendo eu que deviam ter dado parte á Authoridade, para que ella tivesse noticia daquelle acontecimento, respondeu-se-me, que não era preciso; porque se presumia quem o matou, e que como o matador tinha dinheiro para dar ás Authoridades, de nada servia o dar-se parte! Eu á vista desta resposta não quiz ouvir mais nada, e fui-me andando antes que me acontecesse o mesmo (Riso). Em consequencia, Sr. Presidente, digo que em quanto não houver severidade e penas, para se imporem aos criminosos, nada se conseguirá (apoiados). Mas, voltando a fallar dos Cereaes direi, que é preciso uma Lei que tenha penas proporcionadas para se applicarem aos contrabandistas delles: e direi tambem que o Projecto em discussão tem em si providencias para atalhar o contrabando (que se tem tornado tão usual que já não é crime), e por isso acho muito bom, fallando na generalidade. Mas, Sr. Presidente, pela mesma razão que eu ha pouco fallei no Artigo 76 da Constituição, direi tambem agora (porque é occasião de o fazer), que o que é bom para uma Provincia não o é muitas vezes para uma, ou outra; porém como aqui estão bastantes Srs. Senadores naturaes de differentes Provincias, cada um delles durante a discussão requererá que se faça, ou deixe de fazer aquillo que entender não convém, ou não poder ter para ella a mesma applicação. E estando nós todos aqui da, melhor boa fé possivel, como eu o creio, nada é mais facil do que entrarmos por esta forma na discussão deste Projecto, o qual como já disse, approvo na generalidade, (apoiados.)

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, atacar este Projecto na sua generalidade, é atacar a Legislação existente: — eu me explico. A respeito de contrabando, e de penas repressivas do contrabando, eu no meu Projecto simplesmente aggravei e reformei o que existia; appliquei differentemente a pena sem a augmentar, por quanto, o Aviso de 18 de Março de 1820, a Lei de 19 de Março de 1821, e a Lei de 15 de Outubro de 1824, e a de 1837, todas ellas estabeleceram o que eu propuz no meu Projecto; porque o que elle faz é procurar reprimir de um modo mais efficaz (ao meu vêr) o contrabando de Cereaes, que por Lei é prohibido. O illustre Senador que impugnou o meu Projecto na generalidade, fê-lo tambem na especialidade, porque desceu a tractar das Guias no interior; mas com quanto eu respeito o illustre Senador, não posso deixar de dizer-lhe, que a esse respeito se deve reservar para quando se discutir o Projecto na sua especialidade; porque agora só se tracta da generalidade delle; saber se ha de ser reprimido o contrabando, e parece-me que a generalidade deste Projecto não póde com justiça ser atacada; por que como já disse, a prohibição, da entrada dos Cereaes em Portugal, é estabelecida por muitas Leis, e este Projecto o que faz é procurar a sua repressão: porem a idéa do illustre Senador é outra, e vem a ser, que estas providencias não são precisas para a Provincia de Trás-os-Montes; mas se o illustre Senador assim o entendeu, o que devia fazer era apresentar um Projecto excepcional para as Provincias do norte; mas não atacar este Projecto na generalidade; porque atacando-o, é o mesmo que dizer que o Projecto não é vantajoso, e que o contrabando deve existir. Não deixarei, porém, de dizer nesta occasião, que muito me admirou vêr quando o illustre Senador emittia esta sua opinião, que um outro Sr. Senador dissesse apoiado (foi o Sr. Castro Pereira), quando este Sr. approvou o meu requerimento que em 4 de Fevereiro apresentei a esta Camara, no qual pedia esclarecimentos ao Governo sobre a materia deste Projecto. Deixando porém isto, e voltando a tractar da idéa offerecida pelo Sr. Miranda direi que a quero combater, e que me opporei a ella com todas as minhas forças.

Sr. Presidente, quando eu apresentei o Requerimento que acabei de referir, pelo qual queria que o Governo desse todas providencias para evitar a escandalosa introducção dos Cereaes, não tinha então nenhuma tenção de fazer um Projecto a este respeito, por reconhecer (como o Sr. Bettencourt) que as Authoridades em Portugal são difficientes, e que por isso seria mui difficultoso o haver uma boa Lei a este respeito, porque boas Leis, sem boa execução, é o circulo quadrado. Mas, um illustre Senador que então aqui estava sentado (e a quem eu por modo algum desejo offender com o que digo), combateu o meu Requerimento, e até o tachou de inutil, dizendo, que nenhum resultado se tirava delle, e provocou-