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DIARIO DO GOVERNO

me a que apresentasse eu um Projecto: foi então, Sr. Presidente, que forçado eu pelo convite do Sr. Senador a quem me refiro, me decidi a apresentar este Projecto. Agora, e depois desta pequena digressão, eu voltarei ao ponto de que estava tractando.

Sr. Presidente, o ponto principal é a necessidade que ha deste Projecto, e para o combater na sua generalidade, é este ponto que deve ferir-se. Para mim tenho que elle é tão necessario, quanto é mingoada e triste a sorte do agricultor; porque se ella foi má o anno passado, este anno é peior, para o anno que vem será pessima (oxalá que eu me engane no meu prognostico). Eu confesso, Sr. Presidente, que com esta Lei não se evitará todo o mal; mas estou persuadido que se ella se executar, algum bem provirá á agricultura, e se alguma cousa em seu favor lhe resultar, eu ficarei satisfeito. Sr. Presidente, quando a Regencia em 1820, publicou o Aviso que eu ha pouco citei, o estado do paiz nesse tempo era muito peior a respeito da producção de Cereaes do que hoje é; mas já então se conheceu ser necessaria esta medida. Por certo não se lembraria então um Lavrador que o seu trigo, iria em um navio, sulcar o Thamisa e abastecer Londres, nem que a Hespanha viria buscar trigos a Portugal: no entretanto vê-se, que hoje a differença é tal, que talvez tenham sahido de Portugal por agua, e portos para mais de dezeseis mil moios de trigo. Ora, Sr. Presidente, é um facto sabido, e para contestar o qual eu convido o illustre Senador o Sr. Miranda, que hoje não ha nas Provincias quem possa vender um alqueire de trigo por mais de trezentos réis, ou trezentos e vinte; e que além disso vende aos Almocreves; porque não ha ninguem que queira negociar em grande nisto; e a razão é porque os depositos estão atacados; e se assim continuar este estado; daqui a dois annos custará por certo um alqueire de trigo em Portugal mais de oitocentos réis {apoiados). Parecerá talvez isto um absurdo; mas não o é, Sr. Presidente, porque o Lavrador como perde este anno, simplifica para o anno que vem a sua lavoura, e para o outro anno não lavra nada, e então ahi temos a carestia, e de certo a fome. Sr. Presidente, se as Authoridades não prestam, e não executam as Leis, imponham-se-lhes gravissimas penas, e dê-se uma vez um exemplo em uma, e vêr-se-ha depois que serão fielmente executadas (apoiados). Mas não se diga que são más as Authoridades, e que por isso se não façam Leis. — Sr. Presidente, a necessidade de admittir este Projecto á discussão na sua generalidade, é reconhecida, nem vejo com que razões isto possa ser contrariado. A Lei de 15, de Outubro de 1821 estabeleceu no §. 18, o perdimento de metade dos generos Cereaes apprehendidos, para o apprehensor, e outra metade deu-lhe differente destino: porém a practica tem mostrado que isto só não é bastante para animar um homem a fazer a apprehensão; e por isso, querendo eu remediar este mal tanto quanto fosse possivel, e seguindo a natureza das idéas e das cousas, disse no meu Projecto, que tanto o contrabando apprehendido, como os seus transportes fosse tudo applicado para o denunciante: primeira base do meu Projecto. — Dir-se-me-ha porém, que eu enchi este Projecto de idéas que já estam nas outras Leis; por exemplo, que nas Leis antigas está o processo verbal, e summario, etc. e que isto mesmo lancei eu aqui: — é verdade, Sr. Presidente: mas eu responderei que esses processos voaram, e que tudo desappareceu; porque diante do imperio da moda caíu a utilidade das cousas, utilidade que estava ligada com a natureza dellas! Não é possivel, Senhores, da maneira como a Reforma Judiciaria estabeleceu o processo dos contrabandos, que haja um unico apprehensor ou denunciante, que se queira sujeitar ou por metade da apprehensão, ou pelo todo a ir á Cabeça da Comarca (dahi a 12 legoas talvez), disputar uma demanda em que naturalmente ficaria mal. Quem tem estado nas Provincias sabe, que taes homens têem muito poucos meios, e que por via de regra não possuem de seu cousa alguma que possam depois ir gastar com questões em longas terras; por conseguinte era necessario dar-se-lhe mais esta facilidade, que todas as Leis tinham reconhecido, mas que a Lei de 16 de Maio tinha destruido, e depois a Reforma Judiciaria, ainda que menos amplamente. Então, Sr. Presidente, aproveitando da Reforma Judiciaria tudo quanto era de aproveitar, tractei de evitar que se continuasse a obrigar esses homens a irem tão longe; e de lhes dar um meio pelo qual elles de prompto vissem o proveito do seu trabalho, o que até agora não acontecia. Sr. Presidente, se as Leis que reprimiam o contrabando dos Cereaes, até agora, não eram bastante sufficientes, ellas eram certamente difiicientes, e incapases de produzirem o verdadeiro fim que o Legislador tinha em vistas; porque não tinham imposto uma pena ás Authoridades que fossem desleixadas, ou mesmo conniventes com o contrabando; porque desgraçadamente as ha entre nós (Apoiados). Foi pois para que os Juizes soubessem quaes são as Leis applicaveis a cada um dos factos, que eu as incluí no meu Projecto; porque é impossivel que uma Lei seja bem executada, quando ella não tenha penas applicaveis a cada um dos factos que possam dar-se. Entre nós, Sr. Presidente, ha uma palavra bannal que é a palavra — responsabilidade qual se se tivesse riscado do nosso Diccionario, talvez que todos os nossos males estivessem remediados, porque ella só serve para meter medo; mas quando se quer applicar fica sempre em nada pelo vago da sua significação. Sr. Presidente, a Lei não é uma Lei nova, é uma Lei que se funda na Legislação já existente, e no pensamento de todos os Legisladores que têem havido em Portugal, isto é, desde 1820; e que com ella quizeram, e conseguiram excitar as sympathias da Nação; e sendo uma Lei que tem em si estas idéas, e que, a meu vêr, se torna necessaria para se tirar o pertendido resultado, parece estar no caso de dever approvar-se, na generalidade. (Apoiado.)

O Sri Miranda: — O illustre Senador auctor do Projecto em discussão, representou as minhas opiniões n'um sentido mui diverso daquelle em que eu as apresentei. Não combati o Projecto na sua generalidade, nem me oppuz, nem opponho a que elle seja approvado na sua generalidade; disse sim, e ponderei acerca da providencia restrictiva da introducção dos Cereaes, em geral, os inconvenientes que pódem resultar de tomar-se qualquer resolução sem conhecimento dos factos indispensaveis, para se attender aos diversos interesses dos lavradores e consumidores de todas as Provincias pela minha parte, confesso que presentemente taes conhecimentos não tenho. Ha, bem o sabemos, uma Lei sobre Cereaes; porém sabemos nós até que ponto é bem ou mal cumprida? Sabemos se as difficuldades da execução vem das authoridades, ou das circumstancias em que se acham os Povos, ou da opposição entre os seus interesses, e as providencias dessa Lei? Eu o ignoro. Sabemos todos os resultados que tem apresentado a execução dessa Lei, em todas as Provincias do Reino? Eu não o sei. Concebo que no Alemtéjo, e principalmente neste anno, seria conveniente atalhar o contrabando dos Cereaes mas as reflexões que eu fiz em contrario á regra geral, eram especiaes, e relativas as Provincias do Norte, as quaes certamente não estão no mesmo caso. É por este motivo que eu disse que muitas vezes as Leis se não executam; por que ellas não são applicaveis ás circumstancias locaes; porque se não tiverem em vista os interesses reciprocos dos consumidores, e dos productores: então a causa principal desta falta procede das disposições da Lei, e não das authoridades; está da imprevidencia do Legislador que estabeleceu regras sem attender aos casos, e ás circumstancias: por isso, é que muitas vezes Leis promulgadas com intenções as mais beneficas, em vez de bens esperados produzem males imprevistos. A questão dos Cereaes, não é uma questão abstracta e isolada, é necessario considerar-se em todas as suas relações. Em agricultura, em commercio e em industria não ha objecto que seja destacado: e os exemplos dos males que os governos tem causado pela sua ingerencia regulamentar são muito maiores em numero que os dos bens que tem produzido. Já ponderei que nas Provincias do Norte os Hespanhoes, em troco dos Cereaes que importam para abastece-las, exportam muitos generos do Paiz, que em partes, não é proprio para a cultura dos Cereaes, e em outras não se cultivam como no Douro; porque no Douro, não ha senão vinhas cujo producto é muito mais valioso. E então como póde esperar-se que se possa cumprir, naquelles Districtos pelos productores, quando ella é opposta a uma tão numerosa classe de consumidores. Uns ricos productores de outros generos, outros pobres, outros jornaleiros, e alguns que se empregam no pequeno commercio e giro interno dos Cereaes. Ha de permittir-me o meu illustre Collega que eu invoque, em apoio do que digo, o resultado da Lei dos Cereaes das Côrtes de 1822: então se apresentou esta mesma idéa, ponderou-se a differença entre o Alemtéjo, e as Provincias do Norte; no entretanto fez uma Lei geral; mas o Governo viu-se na necessidade de ceder ás circumstancias, e ao clamor dos Povos, fazendo relaxar nas Provincias do Norte o rigor da Lei.

Fallo, como pessoa menos mal informada, porque eu sou lavrador, e não dos mais pequenos da Provincia de Traz-os-Montes, e não se me poderá applicar o dito de Molière = Mr. Josse vous êtes orfèvre = se eu tenho algum interesse nisto, é como lavrador, e commum ao dos lavradores meus visinhos.

Quando estive na Provincia, depois da publicação daquella Lei, fallei com muitos dos meus visinhos, que se achavam nas mesmas circumstancias, e todos convieram que nenhum beneficio, e graves inconvenientes poderiam resultar de uma providencia desta natureza; e quasi todos elles eram productores. Quando a Lei vai contra a opinião publica, e contra os interesses que a mesma Lei devia promover, as authoridades não tem força para a pôrem em execução.

Portanto, repito que me não oppuz á discução do Projecto em geral, o que ponderei foi a necessidade de se haverem informações para se poderem dar providencias adequadas a todas as localidades. É provavel que no Ministerio do Reino algumas informações haja a este respeito, porque, depois que se publicou a Lei, as Administrações Geraes, devem ter participado ao Governo as vantagens que tem resultado de sua execução, ou os inconvenientes que della se tem seguido.

Concluo, que não me oppuz, nem me opponho a que este Projecto passe na sua generalidade; porque em fim eu appello para a experiencia; entretanto muito conviria que o Sr. Ministro do Reino assista á discussão, para auxiliar esta Camara com as informações que o Governo póde ter ácerca desta materia.

O Sr. Trigueiros: — O illustre Senador que acaba de fallar está perfeitamente satisfeito pelo que pertence ás suas exigencias. — Em 4 de Fevereiro fiz eu o que elle deseja se fizesse agora, e se não foi em tanta amplitude como eu mesmo desejava, que até queria a opinião e o Governo, sobre esta materia, comtudo fui bastante explicito para obter as informações que eu julgava necessarias. A resposta que deu o Administrador da Alfandega Grande, pelas ter havido dos differentes Administradores das Alfandegas menores, existem na Commissão, e lá foram ponderadas: por conseguinte, não pense o illustre Senador que andámos tanto de leve nesta materia que não consultassemos as informações, e esclarecimentos necessarios, ou que os não possuimos para obrar com acerto: foi isso o que diligenciámos; o Administrador da Alfandega respondeu que por toda a parte se fazia contrabando, e que não havia meio de fiscalisação nos portos do Sado e Téjo, onde concorrem os Cereaes das Provincias da Estremadura e Alemtéjo; e que por conseguinte não era possivel evitar o contrabando, attribuindo isso á desorganisação em que se acham as Alfandegas, e accrescentando, que em quanto o grão fosse caro entre nós, haveria sempre contrabando. Ora, sendo elle actualmente tão barato, penso que o Administrador, quer que elle seja gratuito, meio infallivel de afugentar para longe de nós o estrangeiro. Por consequencia, se o illustre Senador procura factos que demonstrem a necessidade desta Lei, e mesmo de outra que se possa propôr justificadamente com penas ainda mais graves, acha-los-ha em todas as Provincias do Reino, menos em Traz-os-Montes, segundo diz, porque na Beira estou persuadido que o contrabando é immenso como me tem constado. Depois que tive a boa ou má sorte de apresentar este Projecto, tem-me chovido cartas pedindo que eu promova o seu andamento; e não sou só eu que as posso mostrar; o Sr. Bergara tem-me feito o favor de me confiar outras que se lhe têem dirigido nos mesmos termos, algumas das quaes aqui se leram, contendo factos de maior escandalo; por toda a parte ha um clamor geral. Não duvido que não haja em algum ponto de Traz-os-Montes, menos productivo de Cereaes, e que por isso lucrem em os ter mais baratos: mas seria melhor, depois de remediar os males que o contrabando produz nas outras Provincias, fazer um Projecto excepcional para as localidades