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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES,

Sessão de 24 de Abril de 1839.

(Presidencia do Sr. Leitão.)

PELA uma hora estava aberta a Sessão, e presentes 41 Srs. Senadores. Approvada á Acta da precedente, participou o Sr. Cotta Falcão que o Sr. Vellez Caldeira não comparecia por incommodo de saude.

Mencionou-se depois a seguinte correspondencia:

1.° Um Officio, pelo Ministerio dos Negocios do Reino, remettendo, em observancia do Decreto de 29 de Março de 1834, copia do de 12 de Abril do corrente anno, pelo qual foi dissolvida a Guarda Nacional de Olalhos, Concelho de Thomar. — Foi remettida á Commissão de Administração.

2.º Um dito, pelo Ministerio da Marinha, satisfazendo o Requerimento do Sr. L. J. Ribeiro, e incluindo uma nota dos preços por que naquella Repartição se tem pago cada ração de bolacha, desde Julho de 1838 em diante.

O Sr. Luiz José Ribeiro: — Sr. Presidente, quando eu pedi os esclarecimentos que se acabam de lêr, pelo Ministerio dos Negocios da Marinha, não foi com a intenção de censurar pessoa alguma, porque isso é mais facil de fazer do que de provar: além disso eu estou bem certo, que cada Chefe na Repartição que dirige, emprega todo o zêlo para economisar tudo quanto póde a beneficio da Fazenda Publica. A minha intenção foi rectificar um facto que de mim era já conhecido, porém que eu queria o fosse tambem officialmente nesta Camara. Tem-se declamado, bem ou mal, contra o preço porque o Commissariado paga cada ração de pão que se fornece em Lisboa ao Exercito; porem custando cada ração 38 réis, e estando-se fornecendo á Marinha, na mesma Capital a 44 réis, deixo á consideração da Camara o tirar da combinação destes dous factos as consequencias que quizer: devo porém advertir, que me parece não ser essa conta ainda muito exacta; porque examinando eu a ultima Conta da Marinha, e dividindo a quantia dispendida em rações de pão pelo numero das que se forneceram, vem ao quociente 50 1/2 réis, que é o preço porque até Junho de 1838 alli se pagou cada ração de pão, ou bolacha. Eu não pretendo entrar agora na moralisação destes factos, só quiz mostrar que na Repartição que eu tenho tido a honra de dirigir ha mais algum zêlo do que alguem presume; e que as praças da Marinha poderiam sem grande custo ser fornecidas pelo mesmo preço, porque o está sendo o Exercito sem o prejuizo de seis réis em cada ração. (apoiados.)

O Officio foi mandado para a Secretaria.

O Sr. Bergara: - Foi-me remettida uma Representação dos habitantes do Rocio de Abrantes, pedindo ser elevados á cathegoria de Freguezia: direi duas palavras a este respeito. Os Supplicantes querem desannexar-se da Freguezia de S. João de Abrantes; motivam que nas occasiões em que ha as grandes cheias do Téjo, fica aquella parte incommunicavel com a Villa, (o que é verdade) ficando assim privados dos soccorros espirituaes; além disso, comprehende 215 fogos, tem Cidadãos muito capazes, e que eu conheço pessoalmente, para servirem os cargos de Parochia, e se forem desannexadas, como é de Justiça, ainda a Freguezia de S. João ficará com 368 fogos. Peço portanto que a Commissão de Administração se occupe deste objecto.

José Valerio Rodrigues dos Santos, na qualidade de tutor das filhas do fallecido Brigadeiro graduado José Julio de Carvalho, o qual commandando o Batalhão N.º 10 quando o Usurpador chegou a Portugal, que foi o primeiro Corpo que se uniu á Divisão que se achava no Porto; hoje esta familia acha-se morrendo de miseria, e pede uma pensão ao Corpo Legislativo, como tem concedido a outras familias, que não estão certamente no caso em que esta se acha.

A Representação foi mandada á Commissão de Administração, e o Requerimento á Commissão de Petições.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, como Relator da Commissão de Fazenda, leu e mandou para a Mesa quatro Pareceres dellas, relativamente a outros tantos Projectos de Lei, enviados da Camara dos Deputados, sobre os seguintes objectos: — conceder a Cêrca do extincto Convento de S. Francisco de Lisboa, para se edificar um Theatro Nacional: — exceptuar da venda dos Bens Nacionaes os edificios dos extinctos, Hospicio da Terra Santa, e Conventos de S. Francisco e Boa-Hora de Lisboa: — confirmar a concessão do edificio, onde esteve o Thesouro Publico na Praça de D. Pedro, á Camara Municipal de Lisboa: — conceder a Antonio Feliciano de Castilho a pensão annual e vitalicia de 400 mil réis.

A pedido do mesmo Sr. Relator, foi dispensada a impressão de cada um delles, para serem opportunamente discutidos.

Apresentou depois o seguinte Parecer.

«Francisco Xavier Teixeira de Magalhães expõe que por Ordem do Thesouro Publico do 1.° de Março de 1838, se lhe exige a quantia de 193$784 réis, importancia dos novos e velhos Direitos de Mercê do Officio de Escrivão de Direito do Julgado de Monte Alegre, que lhe fôra conferido por Decreto de 25 de Junho de 1836, e que pela Reforma Judiciaria, e Divisão do Territorio, fôra extincto em Janeiro de 1837, sem que elle chegasse a encartar-se, ou a servir tal Emprego — que fôra depois nomeado Escrivão do Juiz Ordinario da mesma Villa de Monte Alegre, de que tirara a competente Carta — que prestara serviços á Causa Constitucional na emigração, e em quanto outros que serviram o Usurpador estão servindo Officios, sem se lhes exigir direitos ou emolumentos, se lhe fez sequestro em seus bens, para pagamento dos direitos do primeiro Officio extincto antes de elle o servir, e que por isso não deve pagar: Pede que os Srs. Senadores lhe defiram sobre o pagar ou não pagar. — A Commissão é de parecer que seja remettido ao Governo. Sala da Commissão, 23 de Abril de 1839. = Visconde do Sobral = Conde do Farrobo = Barão de Villa Nova de Foscôa = José Cordeiro Feyo = José Ferreira Pinto Junior = Luiz José Ribeiro = Barão do Tojal.»

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Pereira de Magalhães, Relator da Commissão de Administração, leu e mandou para a Mesa dous Pareceres della, respectivos a cada um dos Projectos de Leis, enviados da Camara dos Deputados sobre: estabelecimento de uma Companhia de Incendios em Villa Nova de Gaya, no Districto do Porto; — e conceder á Companhia de Transportes = União = da Cidade do Porto, isenção dos direitos de importação de oito Omnibus, e seis cabriolets.

Sobre requerimento do Sr. Castro Pereira foi dispensada a impressão do estylo, para se discutirem opportunamente.

O mesmo Sr. Relator apresentou o seguinte Parecer.

«Á Commissão de Administração Publica foi presente a Petição de Henrique José do Couto, Lente Honorario da Cadeira de Grego do extincto Estabelecimento do Rocio, que pertende ser nomeado Lente Honorario da Cadeira em que seu pai foi provido no primeiro Lyceu de Lisboa, com o fundamento de que se lhe deve fazer effectiva a Graça que obteve de Sua Magestade Imperial, quando Regente, nomeando-o Lente Honorario daquelle extincto Estabelecimento, aonde prestára serviços, que merecem ser considerados: ao que diz tem todo o direito, na conformidade do Decreto de 17 de Novembro de 1836, que manda attender aos Professores que ficassem lesados na Reforma da Instrucção Secundaria.

«Pelos Documentos que o Supplicante junta, mostra-se que por Portaria de 30 de Janeiro de 1834 fôra provisoriamente encarregado da regencia da Cadeira de Grego do Estabelecimento do Rocio, ficando reservados os seus serviços, e os de seu pai, para serem havidos em justa contemplação na refórma geral dos Estudos — que effectuada esta refórma pelo Decreto de 17 de Novembro de 1836, requerêra ao Governo; e depois ao Congresso Constituinte, pedindo a applicação das disposições do mesmo Decreto aos Professores que serviam anteriormente: o Governo não deferiu ao Supplicante, e o Congresso Constituinte, approvando o Parecer da Commissão de Instrucção, resolveu que devia requerer ao Conselho Geral Director de Instrucção Primaria e Secundaria, como effectivamente requereu, pedindo ser nomeado Lente Honorario das Cadeiras de Grego dos dous Lyceus de Lisboa. Aquelle Conselho indeferiu esta Petição com o fundamento de que não havia Cadeiras Honorarias; — e é em consequencia desta decisão do Conselho Geral de Instrucção Primária e Secundaria, que o Supplicante recorreu ao Senado, pedindo ser nomeado Lente Honorario da Cadeira em que seu pai foi provido no primeiro Lyceu de Lisboa, provimento este que não compete ao Poder Legislativo, e por isso a Commissão de Administração é de parecer que a pertenção do Supplicante não póde ser attendia por este Senado, e que deve requerer a quem compete fazer esses provimentos. Sala da Commissão, 24 de Abril de 1839. = Manoel de Castro Pereira de Mesquita = Barão de Prime = Agostinho Pacheco Telles de Figueiredo = Felix Pereira de Magalhães = Barão de Villa Nova de Foscôa = Anselmo José Braamcamp.»

O Sr. Bergara apresentou o seguinte

Requerimento.

«Requeiro que se peça ao Governo, pelo Ministerio dos Negocios do Reino, informação sobre os motivos que deram logar á dissolução do Batalhão da Guarda Nacional do Concelho de Abrantes. Sala do Senado, em 24 de Abril de 1839. = José Maria Moreira de Bergara.»

E accrescentou: — Este Batalhão era composto de 400 a 500 praças, e os seus individuos são homens de conhecida probidade, e que têem que perder; a maior parte delles são proprietarios.

O Requerimento ficou para segunda leitura.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira foi inscripto para propôr um Projecto de Lei.

Passando-se á Ordem do dia, entrou em discussão especial o Parecer das Commissões de Legislação e Agricultura, sobre o Projecto de Lei para repressão do contrabando dos Cereaes. (V. Diario N.º 95 a pag. 540, col. 2.ª)

Foi lido o Artigo 1.º (das Commissões e do Projecto originario).

Das Commissões. — Os generos Cereaes do contrabando, e os respectivos transportes apprehendidos com o contrabandista, serão applicadas para o apprehensor, ou denunciante.

Do Projecto originário. - O contrabando de Cereaes que o Alvará, com força de Lei, de 15 de Outubro da 1824 dava por metade ao denunciante, ou apprehensor, fica-lhes pertencendo por inteiro, assim como os transportes.

Teve primeiro a palavra

O Sr. Trigueiros: — Parece-me que este Artigo ficaria muito mais bem redigido desta maneira (leu); porque da fórma que o está no Projecto parece que o contrabando é tambem applicado para o apprehensor.

O Sr. Visconde de Porto Côvo: — Sr. Presidente, eu presto o meu fraco apoio a este Artigo por fazer parte de uma Lei que tende a cohibir os contrabandos; e declaro que hei de votar por todas aquellas que tenderem ao mesmo fim; porque estou persuadido que sem Lei desta natureza nem a Agricultura se poderá desenvolver entre nós, nem poderá ser grande a prosperidade do Paiz. Não posso porém deixar de notar, Sr. Presidente, que me não parece muito explicita esta redacção, nem tanto quanto, por certo, a illustre Commissão a quereria enunciar; porque o Artigo diz assim (leu). Talvez que eu me abalance a muito em pretender alterar esta redacção; mas direi que eu desejava muito que o Artigo se reduzisse a dizer, que o producto liquido dos Cereaes tomados por contrabando, e os respectivos transportes, sendo apprehendidos com o contrabandista, ficarão pertencendo ao denunciante, ou ao apprehensor; e além disto accrescentaria mais um Artigo, no qual se dissesse a parte que ficaria pertencendo a um, e a outro, quando se désse o caso, de serem ambos que tenham parte na tomadia; caso que eu não vejo prevenido no Projecto. Se V. Ex.ª me der licença eu mandarei para Mesa uma emenda neste sentido. (Apoiados.)

O Sr. Visconde de Beire: - Eu tenho alguma duvida a este respeito, e desejaria por isso que alguns dos illustres Membros da Commissão me esclarecesse; porque a passar isto tal qual está no Artigo, parece-me que não satis-

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faz, nem é util; porque póde dar-se o caso de ser denunciante o mesmo contrabandista: ora sendo-o, já se vê que depois lhe é entregue o trigo e por esta fórma segue-se que nenhuma pena terá o contrabandista, e que ficará impune. Eis-aqui pois o motivo da minha duvida.

O Sr. Trigueiros: — Eu creio que o illustre Senador ficará satisfeito se eu lhe disser que o que está em discussão é o Artigo 1.º do Parecer, e não o do Projecto originario; e nesse Artigo está prevenido o caso que S. Ex.ª apontou o pois nessa parte foi emendado o que eu exarei no meu Projecto, emenda que eu declarei já tinha adoptado com muito boa vontade, por me parecerem muito ponderosas as razões que para isso dá a Commissão. O Artigo, pois, que está em discussão, e que a Commissão offerece, diz assim (leu): desta maneira fica pois desvanecida toda a incompatibilidade que se poderia dar com o fim desta Lei; por quanto, não ha ninguem que queira ser apprehendido com o contrabando, porque todos querem evitar as penas corporaes, que pela mesma Lei lhes são impostas. Com esta explicação creio eu que o Sr. Visconde de Beire se dará por satisfeito.

O Sr. Visconde de Beire: — Fico satisfeito de algum modo; mas não completamente; pela razão de que os generos que vêem de Hespanha são tão baratos, que por isso se não tira (como já disse) o pertendido resultado, nem fica inteiramente cohibido o contrabando, por esta fórma.

O Sr. Luiz José Ribeiro: — Sem pretender impugnar a redacção do Artigo, devo com tudo dizer, que me parece não estarem ainda completamente desvanecidas as objecções ponderadas pelo illustre Senador o Sr. Visconde de Beire. Eu bem sei que é muito difficil prevenir todos os casos em que uma Lei pôde ser illudida, e tanto que já um dos nossos escriptores mais celebres disse: =....Pensata la Legge, pensata la malizia. Por muito efficazes que sejam as providencias tomadas pelo Legislador, muito maiores são as diligencias que se empregam para illudir as Leis: — eis-aqui pois a razão porque eu não vejo suficientemente prevenidas as duvidas propostas por S. Ex.ª o Sr. Visconde de Beire. Pode dar-se o caso de que um contrabandista esteja combinado com outro da sua facção, e que sendo o primeiro apprehendido, seja o segundo quem vá fazer a denuncia, para tornarem a vir os generos á sua mão. Esta hypothesis póde dar-se; mas não sei se poderá prevenir-se convenientemente nesta Lei: - não me acho habilitado para inculcar um remedio que ponha termo ao mal que se receia, mas parece-me que a duvida do Sr. Visconde de Beire ainda subsiste.

O Sr. Presidente: Mas segundo eu vejo nem o Sr. Luiz José Ribeiro, nem o Sr. Visconde de Beire, mandam para a Mesa nenhuma emenda.

O Sr. Visconde de Beire: — Eu não proponho emenda nenhuma, só quiz chamar sobre este ponto a attenção do illustre Auctor do Projecto, para que elle veja se é possivel que na Lei vá o remedio para elle.

O Sr. Trigueiros: — Não é possivel, a meu vêr, satisfazer plenamente aos desejos do nobre Senador; — porque, o que se ha de dar? Não se póde dar menos de metade para o interessado; nem se póde dar mais de metade: em consequencia, se ha algum meio que lembre eu o adoptarei, e creio que tambem a Commissão nenhuma duvida terá em o adoptar: mas eu confesso que não posso atinar qual ella seja.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Segundo entendi, alguns Srs. Senadores figuram uma hypothesis que não está prevenida neste Artigo; mas eu digo que o está. (Apoiados.) Eu entendi a hypothesis desta maneira: — que podia dar-se o caso de que o denunciante fosse o mesmo contrabandista combinado com um individuo da sua mesma facção para servir de conductor, e fugir no acto da apprehensão para por este meio os generos tornarem a vir á mão do contrabandista pela denuncia, e fazer assim a introducção. Esta hypothesis, Sr. Presidente, é verdade que não estava prevenida no 1.° Artigo do Projecto originario; mas o seu illustre Auctor convencido das mesmas razões que produziu o Sr. Visconde de Beire, consentiu em que o Artigo fosse redigido da maneira que o offereceu a Commissão; e por esta forma fica prevenida essa hypothesis. (Apoiados.)

O Sr. Bettencourt: — Eu tinha-me reservado para fallar sobre este objecto; porque tinha as mesmas idéas do illustre Senador o Sr. Magalhães; e por isso direi tambem como S. Ex.ª, que os fins que se querem tirar estão aqui muito bem enunciados neste artigo. Srs. os contrabandistas são tantos, e tem taes ardis, e estudam tanto de dia e de noite para illudirem as Leis, e fazerem os contrabandos a seu geito, e com a maior cautella e vigilancia, que apesar de terem tido sempre os Contractadores do Tabaco uma mais exacta e activa fiscalisação, do que têem tido as Authoridades constituidas como originadas do Governo, assim mesmo essa fiscalisação tem sido muitas vezes illudida! Isto, Srs. apesar de ella ser a melhor possivel, porque os homens que estão á testa da administração do Contracto do Tabaco, lucram com essa boa fiscalisação, porque ella redunda em proveito dos seus interesses: — e fazem-na com dobrados meios que o Governo não tem tido para levar aos fins as suas providencias. Apesar de tudo isto, Sr. Presidente, elles já se viram nas circumstancias de não quererem saber nada dos apprehensores do contrabando (e eu fallo diante de quem póde ter muito voto sobre a materia). Os Contractadores do Tabaco são quasi que os compradores desses generos apprehendidos, de cuja medida elles têem tirado muita utilidade; porque assim se animam os homens a ser denunciantes, e apprehensores pela certeza que têem de que logo acham quem lhes compre os generos, e haverem dinheiro por elles. Sr. Presidente, esta Lei tem muita analogia a bem da moralidade dos bons Negociantes; porque são estes aquelles que mais interesse tem com ella; porque como a sua boa fé, regularidade dos seus livros, e as suas especulações são fundadas na Lei, que elles respeitam, e conhecem para pagarem os Direitos nas Estações competentes, e em um verdadeiro conhecimento de causa; comprehendem por isso nas suas especulações o vêr aonde ha generos mais baratos para os mandarem vir; mas não são assim os contrabandistas, que nos seus calculos levam logo, como ganho, o que roubam aos Direitos, e como se subtrahem á apresentação das Alfandegas, por este facto, e dolo, são superiores em vantagem, e na concorrencia com os Negociantes de boa fé, e de honra, que tendo os seus generos mais carregados com o que pagaram de Direitos e Despachos, os não podem vender, e se os vendem, perdem. Os contrabandistas, Sr. Presidente, atrevem-se a fazer o que ainda ha pouco aconteceu no Algarve, isto é, a levarem aos portos daquella Provincia embarcações de differentes tamanhos e construcção, carregados de contrabando de differentes generos, como chá, fazendas diversas de lã e seda, cereaes, tabaco, etc. etc. vindos de Gibraltar, e desembarcarem-no debaixo do auxilio de contrabandistas que em força appareceram alli armados para protegerem o desembarque; obrigando até os Officiaes da Alfandega a acompanha-lo! Isto é um facto, Sr. Presidente, e á vista delle torno a repetir que os Srs. Senadores que me ouvem, não tenham duvida em estabelecer as penas mais severas, e as medidas mais restrictas; porque a malicia filha da sede dos interesses ha de illudir quanto fôr possivel: um genero que dá 20 ou 30 por cento de ganho convida muito os especuladores de contrabando, em prejuizo do Negociante honrado e probo, que é o mais opprimido. Por conseguinte voto pelo Artigo da Commissão, porque realmente está muito bem redigido.

Julgando-se a materia discutida, foi lida a seguinte Substituição.

«O producto liquido dos generos Cereaes introduzidos por contrabando, e os seus respectivos transportes, quando porém apprehendidos com o contrabandista, fica pertencendo ao apprehensor. — V. do Porto Côvo.

Posto a votos o Artigo (das Commissões) ficou approvado, salva a redacção.

Leu-se depois o seguinte (da Commissão.)

§. unico. Não sendo apprehendido o contrabandista, os ditos transportes, e generos serão applicados nos termos do Alvará de 15 de Outubro de 1824.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Pedi a palavra não para impugnar a disposição do paragrapho unico, mas para lhe fazer um additamento. Diz elle: (leu.) Os termos em que está concebido o Artigo 18 do Alvará de 15 de Outubro de 1824, são que o producto dos generos de contrabando e seus transportes serão applicados para a Fazenda Publica Nacional: ora eu que desejo muito (assim como todos os Membros desta Camara) promover a Agricultura, e toda a Industria, proporia que em vez de se dizer = nos termos do Alvará de 15 de Outubro 1824 = se dissesse que os generos e transportes apprehendidos serão exclusivamente applicados para a construcção é melhoramento de estradas no Concelho em que se fizer a apprehensão. (Apoiados.)

O Sr. Castro Pereira: — Desejaria fazer um novo additamento ao que já apresentou o meu amigo, o Sr. Luiz José Ribeiro a fim de poder interessar neste objecto todos os habitantes dos Concelhos onde as apprehensões tivessem logar, porque (geralmente fallando) a experiencia tem mostrado que aquelles habitantes, longe de perseguirem os contrabandistas de Cereaes, são elles mesmos quem os encobrem: entendo por tanto que a importancia do producto das apprehensões deve ser applicada para as despezas das Camaras dos respectivos Concelhos, onde as apprehensões se fizerem, porque nessas mesmas despezas entram as das estradas e caminhos.

O Sr. Trigueiros: — Este additamento tem um fim differente do Projecto; eu o que pertendi foi evitar o contrabando; agora a applicação das apprehensões póde ser a que quizeram, e eu adopto qualquer, uma vez que seja nacional.

O Sr. Bergara: — Concordo na Substituição do Sr. Luiz José Ribeiro, mas na applicação da metade dos productos dos Cereaes apprehendidos, é que eu quero dar um destino na Lei. Tanto no Regulamento actual do Terreiro, como nos Projectos apresentadas pelo Sr. Luiz José Ribeiro, e por mim, ha um Artigo pelo qual se dispõe que o remanescente do producto dos Impostos seja applicado para obras publicas: ora eu desejava que o producto destas metades entrasse no cofre daquella Repartição, do contrario vejo que cada um dos Concelhos não tomará interesse n'isto porque se não fica sabendo qual é a Authoridade que ha de tractar das obras. Proponho por tanto este additamento: — Entrando nos cofres do Terreiro para serem applicadas ás obras de estradas, canaes, e pontes.

O Sr. Tavares d'Almeida: — A commissão não se oppõe ao additamento do Sr. Luiz José Ribeiro, ainda que entende de nada servirá se não houver fiscalisação verdadeira: o melhor seria approvar o paragrapho como está, porque a Fazenda tambem tem bastante necessidade.

Julgada a materia discutida foram lidas as seguintes Substituição e Emenda.

«Não sendo apprehendido o Contrabandista, metade do producto dos generos e dos transportes será exclusivamente applicado para melhoramento ou construcção de estradas, no Concelho em que se fizer a apprehensão pelos meios estabelecidos nas Leis, e a outra metade para o denunciante ou apprehensor. = Ribeiro.»

«Em logar dos = termos do Alvará = se diga = serão applicados para as despezas da Camara Municipal do Concelho aonde se fizer a apprehensão. = Castro Pereira.»

Tendo o Auctor desta declarado que a retirava para adoptar aquella, o Sr. Presidente poz a votos a Substituição, e foi approvada, julgando-se tudo o mais prejudicados

O Sr. Presidente: — Parece-me não ter logar pôr-se em discussão o Artigo 2.º, visto que o Sr. Trigueiros, Auctor do Projecto, conveio com a Commissão em que fôsse supprimido.(Apoiado.) Por consequencia passa-se ao seguinte, que é o

Art. 3.º Os Manifestos de Cereaes dentro das cinco legoas proximas á faia na Provincia do Alemtéjo, e nas demais Provincias adjacentes á Hespanha, que a Lei de 14 de Setembro de 1837 manda fazer perante os Regedores de Parochias nas terras que não forem Cabeça de Concelho e as guias que lhes incumbia passar nas mesmas terras; da publicação desta Lei em diante taes Manifestos unicamente serão feitos perante o Administrador do Concelho, e as guias por elle tão sómente passadas.

Teve a palavra

O Sr. L. J. Ribeiro: — Parece-me seria mais conveniente que em logar de dizer neste Artigo = cinco legoas = se marcassem dez, porque julgo demasiadamente oppressivas as disposições contheudas no paragrapho unico como no Artigo se diz, que os generos Cereaes serão acompanhados de guias em todo o Reino, talvez que o paragrapho se podesse eliminar como desnecessario. Faço estas observações aos illustres Membros da Commissão, para que as tomem na devida consideração.

O Sr. Trigueiros: Tendo eu concordado em tudo com todos aquelles illustres Senadores que têem querido fazer substituições, emendas, e additamentos, já ao Projecto originario, já ao Parecer da Commissão, não posso comtu-

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do, por esta occasião, dar a minha approvação ás ideas do illustre Senador que acaba de fallar. — Sr. Presidente, a experiencia tem confirmado a necessidade e utilidade deste espaço marcado para nelle; haver este manifesto; todas as Leis têem marcado este espaço, e não houve outra razão para introduzir no Projecto: confesso que não é bastante forte esta só razão, mas sempre é alguma cousa. Entretanto, ainda que não esteja em discussão o paragrapho unico, que é a razão que o Sr. Luiz José Ribeiro queria produzir para se marcar um maior espaço do que se acha no Artigo 3.º, eu fallarei delle, porque com a alteração, que convenho se lhe faça sobre guias, ficam removidas as razões por que se pretende marear um maior espaço para os manifestos.

O que disse o illustre Senador não me convence: eu jámais poderei convir em que as guias se passem no interior, e deixem de exigir-se para o transito, apesar de convir numa emenda que julgo se pretende apresentar nesta Camara, sobre os locaes em que se devem exigir. Se acaso se marcar um maior espaço, por exemplo é de oito ou dez legoas, os inconvenientes serão para o commercio interior os mesmos e maiores, e os cuidados para evitar o contrabando serão baldados, e pouco embaraço se porá com isso ao contrabandista, e ò Lavrador ou Negociante ficará muito mais embaraçado. Eu cuido que ha uma suficiente intelligencia do que significam estas cinco legoas, a que se referem, não só as Leis que até aqui as marcavam, mas tambem o Artigo; é um raio de cinco legoas para áquem da raia; A difficuldade para contrabandista seria um pouco maior, admittida a idéa do Sr. Luiz José Ribeiro; mas aconteceria quê elle, em vez de correr cinco legoas, correria mais duas ou tres; e então elle calcularia isso para sahir de uma paragem duas ou tres horas antes, e alcançar transpor o espaço que se propõe, e depois de o ter conseguido filiava-lhe logo seguro a seu contrabando, porque fóra deste espaço tinham cessado os embaraços; Esta razão para mim é muito forte porque é preciso notar que o contrabandista, pela natureza do seu trafego, tudo calcula, tudo medita, e é muito experto, previne tudo, e facilmente descobrirá meios de illudir a fiscalisação marcada dentro das dez legoas, e exercida por authoridades sempre mais indolentes: o que se torna indispensavel é persegui-lo desde a raia de Hespanha até ao logar do consumo do contrabando; é preciso que se lhe exija um documento, pelo qual prove a origem nacional do genero que conduz. Segundo a idéa lembrada pelo illustre Senador; e de certo que com a melhor boa fé, o que o contrabandista necessita é maior trabalho, mas não se evita cousa alguma: o inconveniente para o commercio interno é o mesmo, é muito mais injusto, por obrigar o povo de um maior raio a exigencias muito penosas, que só a extrema necessidade justifica naquelle das cinco legoas, estabelecido no Projecto. Em consequencia não posso combinar com o illustre Senador; com tudo apoiarei aquella emenda que eu disse pertendia fazer ao paragrapho unico, a fim de se não exigirem guias dentro dos Concelhos no interior do Reino, fóra das cinco legoas para o livre transito dos Cereaes, nem ella vai fóra da mesmas idéas, como logo provarei.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Estamos todos conformes em opinião; se alguma differença ha é nos meios de a levar a effeito. — Os contrabandistas no meu conceito são, depois dos assassinos e salteadores, os peiores de todos os homens, e os mais infames de todos os criminosos; porque elles illudem a boa fé dos Negociantes, e dos especuladores probos e honrados que negociam debaixo da salva guarda das Leis; são, no meu conceito, a peste da Sociedade. Desejo, como todos os ilustres Senadores, que se tomem as medidas mais efficazes para evitar o contrabando dos Cereaes, mas não desejo que a titulo de fazer um bem, vamos causar maior oppressão aos proprietarios; e uma vez que o illustre Relator da Commissão diz que haverá alguem que proponha uma emenda no sentido de remediar esses males, eu não tenho duvida em deixar de insistir no que disse, pois que não deixaram de me fazer pêso as reflexões do nobre Senador: o meu fim é que um proprietario que tiver uma fazenda, e quiser mandar os seus generos para d'alli uma legoa, não fique sujeito a um novo despotismo a titulo de guias; pois que algumas povoações haverá em que não existam as Authoridades que as devem passar; por consequencia não tenho duvida em approvar a primeira parte do Artigo, com tanto que se evitem os males que eu e toda a Camara desejamos remediar.

Julgando-se a materia discutida, foi o Artigo 3.° posto á votação e approvado.

Leu-se depois o §. unico do mesmo Artigo (assim o do Projecto originario, como o modificado pelas Commissões).

Do Projecto originario — Nas demais terras do Reino, aonde se não exige manifesto, os Administradores dos Concelhos passarão as guias que provem a origem nacional, ou do Concelho, dos Cereaes que se transportarem para os portos do Téjo ou Sado, ou para os mercados publicos, as quaes serão vizadas pelos Empregados Fiscaes nos portos ou mercados aonde fôr presumivel o contrabando. Os Cereaes que transitarem sem as referidas guias, e para os destinados locaes, serão tomados para a Fazenda Nacional, ou poderão ser apprehendidos.

Das Commissões — Fóra destas cinco legoas, os Cereaes que se dirigirem aos mercados publicos serão acompanhados com guias dos Administradores dos Concelhos, ou dos Regedores das Parochias, pelas quaes se prove a nacionalidade dos generos, é o Concelho de que provém. Os Cereaes que forem encontrados sem; guia, ou que se provar serem estrangeiros, terá logar a respeito delles, neste ultimo caso, a disposição do Artigo 1.°; e sendo nacionaes perderão, em pena de falta de guia, uma decima parte para a Fazenda Publica.

Sobre a materia disse

O Sr. Tavares de Almeida: — Eu já na Commissão fiz algumas reflexões sobre este Artigo, e ainda hoje não estou resolvido a dar-lhe a minha approvação se não fôr modificado, e julgo que o illustre Relator da Commissão, e meu amigo, o Sr. Trigueiros, estará de accordo em todo, ou parte, com as modificações que lhe vou propôr.

Pela Legislação anterior, isto é pela Lei de 14 de Setembro de 1837, só eram necessarias as guias quando os generos Cereais sahiam fóra dos Concelhos situados nas cinco legoas da raia de Hespanha; de fórma que dentro do circulo de cada um dos ditos Concelhos o Commercio está livre, e sem dependencia dessas guias: e agora mesmo esta Legislação ainda fica em vigor; porque no paragrapho que ha pouco approvámos sómente foram mudadas as attribuições dos Regedores de Parochia, em quanto ás guias que agora sómente podem passar os Administradores do Concelho, subsistindo em quanto ao mais a mesma Legislação.

Passando agora ao paragrapho do Artigo 8.° que legisla para fóra das cinco legoas, diz elle que fóra destas cinco legoas, isto é em todo o Reino, em todos os Concelhos, em todas as terras, ninguem mais poderá sahir de sua casa com os seus generos, sem ír acompanhado de uma guia, e se o fizer, embora os generos sejam Nacionaes, podem ser apprehendidos, e o mais barato é perder á decima parte delles, e as custas, que muitas vezes valerão mais que o todo, por serem porções pequenas. Ora esta necessidade das guias para levar ao mercado da Villa os generos das quintas, casaes e Aldêas, que nem todas têem Regedor, e que nem sempre está em casa, e prompto para as passar; esta necessidade, digo, é que eu acho tanto embaraçosa para o Commercio dos generos Cereaes. Quantas vezes o Lavrador deixará de vender para remediar urgentes necessidades, porque o Regedor não estava em casa para lhe passar a guia a elle ou ao Almocreve, e por esse modo perdeu a occasião da venda? Em consequencia destas considerações, quereria eu que quando o paragrapho diz: = os Cereaes que se dirigirem aos mercados publicos serão acompanhados com guias etc. = fôssem exceptuados, e não se entendessem os mercados dentro do Concelho, e creio que não haverá duvida em adoptar estas idéas; mas eu ainda desejava ír mais adiante, e alargar mais esta liberdade: por quanto para se negociarem estes generos muitas vezes se levam aos mercados dos Concelhos que ficam proximos e visinhos, e ás vezes mais perto do que o local do mercado dentro do proprio Concelho; e para estes igualmente deve ser dispensada a guia. Eu sei mercados nas Provincias aonde concorrem centenares de compradores, e muitos delles para tornarem a tender, e todas estas transacções se concluem em meio dia; será impossivel que o Regedor, ou Administrador possa passar centenares de guias em tão breve espaço; o resultado será sahirem sem ellas: dahi seguirem-se tomadias, e um tal labirintho de rixas e contestações que torne a Lei impossivel. Quiz por tanto declarar estes inconvenientes, e exonerar a minha consciencia; louvando todavia a illustre Commissão e as seus Membros, que com a melhor boa fé, talvez não viram o negocio pela face que eu o vejo, e mandarei para a Mesa uma emenda, que vem a ser: (leu.) Assim vamos a prohibir sem as guias sómente o longo transito dos generos, cujo contrabando vem ordinariamente para Lisboa e Porto; para estas longas viagens será boa a necessidade das guias; mas para aquelle negocio diario e frequente, entre logares proximos, será isso tão embaraçoso que talvez a Lei não seja exequivel, nem possa ír por diante.

O Sr. Trigueiros: - Eu lisonjeio-me muito que o illustre Senador tenha as mesmas idéas que eu tive, e para que isto não pareçam palavras destituidas de prova, eu vou lêr o meu Projecto, e lá se achará o proprio pensamento (leu.) Aonde fôr presumivel o contrabando, porque eu calculei tudo o que o illustre Senador acaba de apresentar, e então parecia-me que este paragrapho estava bom, depois das informações havidas de todos aquelles que as podessem fornecer, declarar por uma Lei regulamentar quaes eram os pontos aonde isto se podia fazer: a Commissão não achou isto bom, e eu nesta parte não fui de accôrdo mas condescendi. Agora já se vê que eu vou com as idéas do illustre Senador quando ellas eram as minhas; eu não sei se o illustre Senador designou as cinco legoas, porque ahi é de absoluta necessidade, ahi os Concelhos não podem ser exceptuados, se fôssem vinha a proteger o contrabando; quanto ás cinco legoas mesmo dentro do Concelho, se deve exigir guias até para a mais pequena porção, e seja bem entendido isto, porque sem isso seria uma porta aberta para o contrabando. Eu sou inteiramente da opinião do illustre Senador, quanto aos Conselhos limitrophes, por não ter inconvenientes, e accedo a essa emenda de boa vontade.

O Sr. Miranda: - Ainda que não me conformo, em parte, com algumas das disposições deste Projecto; muito mais liberal me parece o paragrapho que apresentou o seu auctor, em quanto se limita aos Cereaes dirigidos aos portos do Téjo e Sado; do que o paragrapho da Commissão. É necessario considerar bem as consequencias immediatas da medida que se apresenta para favorecer a cultura dos Cereaes; a fim de que, desejando-se fazer um bem aos Lavradores, não se faça aos Lavradoras e aos consumidores um mal certo, e em proporção muito maior, entorpecendo, e embaraçando a circulação dos Cereaes dentro do Paiz. Bastam para isto as providencias estabelecidas para a larga orla, ou faixa das cinco legoas ao longo da raia: basta a excepção quanto dos Cereaes que vão com direcção ao Téjo e Sado, já que assim se quer. Mas, quanto ás outras Provincias do Reino, não poderem transitar os Cereaes no seu interior, e áquem das cinco legoas da orla da raia, é uma providencia por extremo oppressiva, e necessariamente acompanhada de graves inconvenientes, que são obvios, e entre outros alguns que muito bem expendeu o meu illustre Collega que se assenta deste lado. Assim eu prefiro o paragrapho do Projecto original, em quanto limita esta providencia ao Além-Téjo, se é que eu o entendo bem (leu); e em quanto aos Cereaes que vão com direcção ao Téjo e Sado; porém sem mui graves inconvenientes, esta providencia não póde ser extensiva ao interior das Provincias do Norte, quero dizer, ao Norte do Téjo; até eu não posso comprehender como possa ser admissivel em tanta generalidade; e neste sentido mandarei para Mesa uma emenda ou declaração, caso seja necessario.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu creio que se conciliam todas as opiniões, se V. Ex.ª tiver a bondade de pôr á votação o paragrapho do Projecto originario despresando o da Commissão; eu approvo o outro, e rejeito este, porque vejo que tem idéas mais claras, e mais liberaes; e que com elle se consegue o mesmo fim.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, tanto o paragrapho unico do Projecto, como o da Commissão têem duas partes muito distinctas: — a primeira é a que diz assim: - fóra destas cinco legoas, os Cereaes etc. até ás palavras = de que provém: e a segunda é a que principia: - os Cereaes que forem encontrados sem guia etc. até ao fim. Eu pedia pois a V. Ex.ª que pozesse a votos a primeira parte, e depois se passaria á segunda; porque eu não hei de votar pelo paragrapho do Projecto primitivo, mas sim pelo da Commissão, e quando delle se tractar direi o por que.

O Sr. Tavares de Almeida: - A Commissão

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teve alguma razão para emendar o paragrapho do Projecto originario, para a fórma que se lê no seu Parecer; e fê-lo assim porque quis que o contrabando dos Cereaes tivesse mais obstaculos e tambem que os Lavradores tivessem mais garantias contra esse contrabando. A Commissão viu que o Projecto originario só fallava nos portos do Téjo e Sado, e ella sabia que na Beira-Alta, e Beira-Baixa, e outras Provincias entram muitos generos por contrabando, vindos da Hespanha; e por isso foi que a Commissão quiz tambem que estes generos podessem ser fiscalisados no transito, e não unicamente nos portos. Eis aqui porque julgou necessario que isto se entendesse a mais outras partes do que ao Téjo e ao Sado. Agora cabe fallar na emenda do Sr. Miranda, a respeito da qual direi que eu desejo que o beneficio desta Lei se estenda tambem para o Norte do Téjo; porque tambem na Beira nos faz muito mal a introducção dos Cereaes de Hespanha, com os quaes não podemos concorrer no mercado; mas se o Sr. Miranda quer a excepção para o Norte do Douro fique-lhe lá muito embora.

O Sr. Barão do Almargem: — Está providencia deve-se estender tambem para o Minho; porque alli entram muitos Cereaes por contrabando, o que concorre para que diminuam muito os preços dos generos do Paiz, pela barateza dos que entram por contrabando. (Apoiados.)

O Sr. Miranda: — Mando para a Mesa a minha emenda concebida nestes termos: (leu.) Agora, já que se fallou na raia da Beira, direi, que alli é impossivel evitar-se o contrabando, quando para esse effeito não se empregarem outros agentes, senão os que presentemente ha, isto é, os Guardas das Alfandegas. Vejamos o que são as Alfandegas, e os Guardas das Alfandegas da raia da Beira. Em poucas palavras o direi. Em toda a fronteira desde o Téjo até ao Douro ha sete Alfandegas. O seu producto total é de 970$000 réis, e as suas despezas de 930$000. Por ellas recebe o Thesouro 40$000 réis! E em todas ellas não havia um só Guarda em 1837, e provavelmente será hoje o mesmo!! E então, com meios tão efficazes, não se executando a Lei vigente naquella parte da fronteira, poderá conseguir-se o resultado que se deseja exacerbando as providencias, opprimindo os povos, embaraçando a circulação interna dos productos da Agricultura Portugueza, e corrompendo a moral publica com o excitante estimulo que se offerece aos delatores! Porém se assim se quer; se assim o desejam os meus Collegas, aos quaes mais particularmente cumpre velar sobre os interesses daquella Provincia, na convicção de que as minhas opiniões são em demasia abstractas, ou talvez exaggeradas; seja embora: a experiencia nos mostrará as vantagens que virão aos povos do rigor destas medidas em toda a extensão de Portugal. Assim, Sr. Presidente, eu limito a minha excepção á raia da Provincia de Traz-os-Montes, em que, mais do que qualquer outra, é necessario a livre circulação dos Cereaes, attendendo-se ás especiaes circumstancias em que se acham os habitantes do Douro, que já tenho ponderado. Este meu pedido espero seja apoiado pelos meus Collegas daquella Provincia, e por aquelles que têem perfeito conhecimento das circumstancias especiaes em que ella se acha, como já fez o meu illustre Collega o Sr. Castro Pereira.

O Sr. Trigueiros: — No meio de todas as emendas, substituições, additamentos, Projecto originario, e Parecer da Commissão, parece-me que não ha nada mais proveitoso, e que deva approvar-se, do que a Substituição que apresentou o meu illustre amigo o Sr. Tavares d'Almeida; por quanto, Sr. Presidente, as pequenas porções de Cereaes não passam ou do proprio Concelho, ou dos Concelhos limítrofes: ellas de certo não sahem para fóra, por ser um objecto pequeno e que dá muito incommodo sem merecer a pena de o levar mais longe. Em consequencia parece-me, que tudo se concilia, não ficando o conductor obrigado atirar Guia no Concelho de producção, e Concelhos limítrofes. — Em quanto porém ás reflexões do Sr. Miranda direi, que me parece que ellas são alguma Cousa fóra da ordem; porque não é agora a occasião propria para se reconhecer se as Alfandegas cumprem ou não cumprem com a Lei. Sr. Presidente, o para que nós estamos aqui é para fazermos Leis, e ao Governo é que cumpre executa-las; nem nós podêmos fazer-nos cargo da boa ou má execução que as Authoridades lhes derem: – façamos pois a Lei boa, e imponham-se penas ás Authoridades que as infligirem. (Apoiados.) A emenda, porém, do Sr. Miranda parece-me, que não importa nada menos do que mostrar a necessidade que ha de introduzir-se o contrabando nas Provincias do Norte; por que segundo S. Ex.ª diz é da utilidade da Provincia que elle entre.

O Sr. Miranda: — Eu não disse tal.

O Sr. Trigueiros: — Então estarei eu enganado; mas parece-me que essa é a conclusão que se deve tirar da emenda do Sr. Miranda; porém como o illustre Senador diz que a sua idéa não é esta, eu então nada mais continuarei a dizer a este respeito. Concluirei por tanto dizendo, que eu jámais consentirei em que se tome uma medida pela qual se consinta que entre contrabando em Portugal. (Apoiados.) Voto por tanto pela emenda do Sr. Tavares de Almeida, por ser aquella que concilia tudo, como já disse.

O Sr. Miranda: — Eu restringi-me a fallar sobre a Provincia de Traz-os-Montes: mas desejava que o illustre Senador que acaba de fallar me dissesse, se alli se colhe o pão que é preciso para o seu consumo? E se não se colhe, aonde quer então o illustre Senador que aquelles habitantes o vão buscar? Quando o illustre Senador me responder a estas duas perguntas, eu então confessarei que estou enganado, se elle me convencer; mas por ora persisto na minha opinião; porque naquella Provinda não se colhe um alqueire de pão. — Sr. Presidente eu sustentarei sempre que Portugal ha de ser muito rico, mas que só o será quando entender bem qual é a sua posição: por agora não digo mais nada sobre este objecto; mas peço a V. Ex.ª que ponha a votos a minha emenda. — Devo com tudo declarar que eu não accusei o Governo, como ouvi dizer; porque aonde está um pensamento meu, aonde uma só expressão que possa chamar-se não censura, e muito menos uma accusação feita ao Governo? Referi-me sim ás circumstancias do Paiz, e a essas é que eu liguei a maior parte das minhas considerações. Estas circumstancias não devem ser desattendidas, antes, e a todos os respeitos, maduramente examinadas e ponderadas, para se conhecer quaes são as necessidades do Paiz, e para se remediarem os males que actualmente pesam sobre os povos. Sr. Presidente, fallando como fallei, cumpri uma das minhas obrigações, como Representante que sou da Nação. Fallei, não no sentido limitado e restricto da proposição principal, o que me reduziria a uma simples affirmativa, ou negativa; mas tambem não sahi do vasto circulo das importantes e necessarias relações que este artigo tem com o interesse, e bem geral dos povos. Por conseguinte não sahi fóra da questão; muito menos fóra da ordem.

O Sr. Trigueiros: — Se eu disse que o illustre Senador estava fóra da ordem, no que não estou presente, foi uma expressão mal empregada; porquanto o que eu entendia era que o Sr. Miranda estava fóra da questão, tractando das Alfandegas, e de cousas que lhes são relativas.

Aproveito a palavra para responder ás perguntas que o mesmo illustre Senador me dirigiu, isto é, se as Provincias de que fallou colhem pão para isso, e (no caso negativo) donde lhe ha de vir? Concluindo eu disto que quer que venha da Hespanha. Donde ha de vir? Eu o digo: das outras Provincias do Reino.

O Sr. Castro Pereira: — Levanto-me para apoiar simplesmente a opinião do meu illustre amigo o Sr. Miranda. Eu desejo como elle, que os Cereaes, depois de terem atravessado a faxa das cinco legoas em que precisam Guias, tenham livre transito para toda a parte; e se a Camara julgar não dever estender este beneficio a todo o Reino, ao menos fique disposto para a Provinda de Traz-os-Montes; e muito sinto que se não possa estender á parte da Beira, aonde tenho bens. Caso, porém, se não consiga, então concordo com o Sr. Tavares de Miranda que os mesmos generos passem, sem Guias do Concelho respectivo para todos os Conselhos limítrofes, porque em fim do mal o menos. — Quanto a dizer o Sr. Trigueiros que deseja não entrem Cereaes dos paizes estrangeiros para o consumo das nossas Provincias; respondo que o desejo tanto como o illustre Senador; mas não posso comprehender como os Cereaes produzidos no Alemtejo possam chegar ás margens do Douro, á Provincia de Traz-os-Montes, e mesmo a alguns pontos da

Beira de fórma que se possam comprar por um preço razoavel. – Tractando-se do Requerimento do Sr. Trigueiros, sobre contrabando deste genero já foi por mim demonstrada a impossibilidade de o evitar com as Alfandegas pelo modo que se acham estabelecidas; fiz vêr que era impossivel fiscalisar o transito dos Cereaes na extensão de uma raia secca de 120 legoas, accessivel por toda parte, e se condescendi com o que propoz o Sr. Trigueiros, foi sómente para dar uma satisfação aos Lavradores de Portugal, que a tal respeito estão laborando n'uma idéa equivocada; consenti no que pareceu um remedio, mas bem persuadido de que com elle se remediaria. Diz-se que a Lei é boa se o Governo a fizer cumprir; e eu digo que se quando lucros que d'ahi resultarem poderem habilitar o Governo para uma fiscalisação severa, a Lei será boa; mas isto é o que eu não presumo possivel. — Hoje voto pelo Projecto sómente por não desgostar as pessoas que julgam isto um remedio; mas peço á Camara não queira pôr todos os productores de Portugal, grandes e pequenos, na triste necessidade de andarem sempre com Guia de uma para outra parte, quando conduzirem o producto do seu trabalho; porque disso ha de certamente resultar um mal maior do que o bem que se deve esperar desta Lei, quando mesmo ella oôsse exequivel, que nunca o ha de ser.

O Sr. Trigueiros: — Devo fazer uma reflexão á objecção que tem feito dois illustres Senadores, um dos quaes me precedeu; e vem a ser, que é preciso precaver o caso em que nas Provincias do Norte faltem os Cereaes. Tudo isto está providenciado na nossa Legislação; já o estava na Lei de 1824, e depois o foi de differente modo na Lei de 1837. Na Lei de 1824 era taxado o trigo, para ter logar a introducção, no caso de exceder certo preço; e na Lei de 1837 se diz que o Governo exigirá dos Administradores dos Concelhos, onde fôr necessaria a introducção dos generos Cereaes, se os existentes para a consumo, sementes etc. chegam os não, e se será precisa ou não a introducção. Então tudo está remediado se, por exemplo, nas Provincias do Norte se não poder dar o trigo bastante para o consumo de seus habitantes, fica-lhes o meio de recorrerem ao Governo, e dizer-lhe o que teem e o que precisam; e então o Governo tomará as suas medidas, e dará as providencias necessarias. — Parece-me que esta consideração destroe as difficuldades para se não fazer uma Lei geral sobre evitar o contrabando: é necessario firmar a regra geral, porque a excepção lá está estabelecida para o caso da mingoa de que se fallou; e se a Lei não tomasse esta providencia seguir-se-hia que em dois annos nem todo o dinheiro das Provincias chegaria para pagar os Cereaes, pelo alto preço, a que podiam subir; mas tudo está em harmonia, e ficam de nenhum pêso as reflexões que se fizeram.

O Sr. Bettencourt: — Pedi a palavra logo depois que ouvi ao meu nobre, sempre leal e muito antigo amigo, o illustre Senador o Sr. Miranda; e não posso deixar de dizer que com muita satisfação, ouvi delle uma confissão que póde bem entrar em prova do muito que agora se tem dito; vem a ser: ouvi a um mui illustre amigo que a Lei de 1821 tinha produzido muito bons effeitos no Alemtejo; porém o Sr. Miranda luctou comigo naquelle Recinto em que esta questão de Cereaes foi tão debatida, e em que havia um Deputado (a quem nós, por uma especie de ironia, chamávamos o João Baptista Say), o qual está hoje em melhor vida, o illustre João Rodrigues de Brito, que se debateu constantemente comigo nas Côrtes das Necessidades; elle seguindo essas theorias abstractas de Economia Politica, sobre liberdade da Commercio, e eu as que a pratica, e a experiencia confirmavam, com o exemplo mesmo das Nações onde se tinham imprimido esses Livros de Economia Politica; posso dizer que o meu illustre amigo, o Sr. Miranda, combateu todas as minhas opiniões a este respeito, ao mesmo tempo que tanto eu como elle líamos pelos mesmos livros, que se apregoaram com essas bellas theorias de Economia Politica sobre a liberdade ao Commercio, e em muitos pontos concordávamos; mas tive a desgraça de que sobre, a applicação desses principios geraes, principalmente em Cereaes, não concordei com elle, ainda que reconheço que matematicamente podem ser exactos em thesis, em abstracto; mas em pratica, principalmente do nosso Paiz, não é muito

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feliz a sua adopção; e as idéas que desenvolvi nesse tempo, e que ahi estão estampadas nos Diarios das Côrtes, reconheceu-se que eram exactas pelos factos posteriores, como ha pouco se confessou: não aconteceu o mesmo, nesta parte, ao meu illustre amigo o Sr. Miranda talvez pela sua remontada imaginação, e pelo uso constante de andar pelas estrellas, assim como por essas regiões muito mais levantadas a que eu ainda não cheguei. Tal é o resultado de querer applicar as idéas abstractas, e os principios theoricos a todas as cousas, quando se tracta de Legislar.

Quando se tracta de Legislar vai-se á probabilidade dos effeitos que terão as diversas medidas nos paizes em que se legisla: um aggregado de factos, é que deve justificar a verdade das theorias. Os abusos daquella epocha eram constantes, e foi preciso reprimi-los: as Leis desse tempo participavam do defeito de serem muito geraes, e passou-se a estabelece-las segundo as necessidades do Paiz. Mas recordando-me que o meu illustre e bom amigo tanto combatera certas doutrinas, cujo bom resultado elle agora confessa no Alemtejo; e sendo outras as circumstancias, e as necessidades da sua Provincia; eu lhe imploro que apresente todas as excepções relativamente ao seu Paiz, que as hei de sustentar e apoiar. Eu já disse, quando se tractou esta questão em geral, que quando a materia se discutisse por Artigos, ver-se-íam as providencias que se haviam, de dar, e então teriam logar as excepções: todas as Leis têem Artigos positivos, e podem ter, tambem outros excepcionaes. Se o meu illustre amigo está persuadido de que a sua Provincia não póde passar sem que hajam meios para que tenha em si a sustentação mais necessaria, qual é o pão, eu hei de apoia-lo sempre; mas pelos principios oppostos aquelles que o Sr. Miranda tanto sustentou — não ha de ser consentindo o contrabando, ha de ser por meios legaes.

As terras de Hespanha proximas á raia têem como principal producção os generos Cereaes, producção muito superior ao seu consumo; mas como não tem portos de mar, qualquer especulação lhes faz desafiar a vontade de os trazer a Portugal; não só porque lá não têem valôr nenhum, tendo aliàs uma producção mais extraordinaria que a do nosso solo, mas porque nos mesmos transportes em que conduzem os Cereaes revolvem para lá todos os generos de que elles necessitam. Isto é o que causa a introducção dos Cereaes de Hespanha e os contrabandistas Hespanhoes colocados com os Portuguezes fazem o que querem, porque estes lhes facilitam todos os meios de levarem as fazendas que até agora vinham de Inglaterra: isto é que faz com que no meio da abundancia exista a fome, e a miseria dos Lavradores, e dos Proprietarios; e mesmo nos Povos que não têem dinheiro, nem meios de o ganharem. O meu illustre amigo, que é realmente um sabio, e dignissimo de toda a contemplação, e a quem consagro muito respeito, ha de lembrar-se que quando se falla de Lavradores, é preciso ter comprehensão que no nosso Paiz se julgam os Lavradores classe miseravel, classe que só depende de terras alheias; mas eu não fallo de Lavradores neste sentido. Quando digo que a Lavoura do Paiz deve ser protegida, vou á primeira de todas as garantias da Sociedade, da primeira, da mais solida, real, e fecunda fonte da riqueza das Nações, que é a propriedade territorial. Senhores, a propriedade territorial, é sustentada pelos Lavradores, por essa classe tão perseguida e tão mortificada; é ella que sustenta a propriedade dos grandes proprietarios de Lisboa, e das grandes Cidades, onde existem á sombra de todas as commodidades, á sombra de todos os interesses e de toda a segurança, trazendo-lhes a casa as suas rendas para as comerem com muito socego e tranquilidade. A esses Proprietarios ha de chegar um dia, talvez não esteja longe essa epocha, por ser consequencia necessaria de tantas convulsões Politicas, em que a sua propriedade territorial seja nulla, seja nominal, uma vez que se não tenha em vista que, a propriedade territorial do Paiz não sendo manipulada pelos Lavradores, que são quem paga os Maneios, e todas as alcavalas, essa propriedade pouco servirá. É preciso que nesta Camara se firme a idéa de que os Lavradores não são os rendeiros, porque esses quando perdem, e lhes não faz conta, largam os arrendamentos; fazem como eu fiz, que trazendo no Ribatejo, da casa do Marquez de Castello Melhor, uma grande lavoura, a larguei; pagava-lhe vinte mil cruzados daquella lavoura, ahi está hoje em cinco, com algumas pitanças, e encargos, e ha de vir tempo que nem por isso a queiram. — Isto são factos, e quem resistir a elles, saiba que em logar de dizer que agora é dia, diz que é noite. Lavradores, são iguaes aos Proprietarios, e estes áquelles; o interesse é reciproco, a existencia de uns, depende da existencia dos outros. — Eu volto á discussão do Projecto, mas foi precisa este divagação, esta expansão do meu tal ou qual enthusiasmo para fazer reconhecer que sendo a terra o primeiro capital da Sociedade, para que do fructo della se tirem o seus resultados, é preciso que haja coherencia entre as despezas, e os rendimentos della, de contrario o proprietario territorial, é que fica perdido em consequencia toda a Nação: o Proprietario deve por tanto tomar todo o interesse nesta questão, porque ahi está o principio vital da sua existencia; porque estou certo que quando elles se virem das circumstancias de fazerem por sua conta as suas terras, tendo Feitores, comprando gados, tendo abegoarias, e fazendo o custeamento indispensavel e semanal, então conhecerão o que é ser Lavrador: elles entrarão no conhecimento dos capitães que alli estão sempre empregados por uma necessidade, que póde ser renovada de momento a momento.

Voto por tanto pela Substituição do Sr. Tavares de Almeida, porque effectivamente comprehende todos os pontos. As medidas até aqui tomadas, deviam ter sido calculadas em relação ao estado do Paiz; mas estão mui to longe ainda desse caso; é preciso que haja uma nova construção em todos os ramos da Administração publica, que haja uma generalidade legal em toda a industria: da reunião de todos estes elementos é que póde resultar a população, que produza braços para Agricultura, Commercio, e Fabricas. — Quem tal diria, que estamos hoje sem ter gente para os trabalhos agricolas. Esta Primavera foi chuvosa, tem reproduzido muita erva por entre o trigo; que sendo necessario monda-lo, tem chegado uma mulher a ganhar dois tostões cada dia: já se vê, que a despeza é enorme, que sobrecarrega a producção.

Quando se diz, que o trigo do Alemtejo está em Lisboa a cruzado o alqueire, não é exacto; por exemplo, de Elvas para se pôr em Lisboa um alqueire de trigo gasta-se oito vintens pelo menos, o seu preço lá, é de dois tostões, que é o preço corrente agora; chega a Lisboa, offerecem por elle a 300 réis: quem o ha de trazer, á vista deste facto, que oxalá não fôra verdadeiro? As despezas são consequencia das longitudes, das nossas estradas reaes estarem arruinadas, e as transversaes intransitaveis, os Canaes e Rios obstruidos, e entulhados com lodo e arêas. Quando vir que os Representantes da Nação, e o Governo olham para estes objectos com vistas da felicidade publica, então direi, que Agricultura prosperará, o Commercio, as Artes, e todos os ramos da Industria; senão se fizer assim, ainda ha de haver fome em Lisboa (uma voz do centro: — Não ha de.) O Orador: — Não ha de?! Sim, Senhor, ha de, pois já a ha, apesar da abundancia de Cereaes que ha em Lisboa, na Estremadura, e no Alemtejo; porque não ha dinheiro para os comprar, nem meios de o ganhar; não haverá quem traga Cereaes nossos a Lisboa, e a agricultura de Cereaes se abandonará, pois está de pura perda, ha de haver Cereaes no Alemtejo; porém esses não estando em Lisboa não abastecem a Capital, e o illustre Senador, ha de morrer, e muitos de fome, no meio da abundancia, como de sede, se diz na Fabula — morrêra Tantalo de sede, no meio da agua; ha de, por desgraça nossa, se as cousas não mudarem em bem geral; ha de chegar tempo de eu pedir ao meu amigo o illustre Senador, uma fatia de pão, e apesar de seus desejos, e bom coração, não o ter para m'o dar, e talvez nem para si: para lá caminhamos.

Julgando-se o paragrapho discutido, foram lidos os seguintes additamentos e substituições: a Os Cereaes que se dirigirem aos mercados publicos fóra do proprio Concelho, e dos Concelhos limitrophes. — T. de Almeida.»

«Proponho que as providencias deste Artigo, se não estendam aos Concelhos da raia de Traz-os-Montes. — Miranda.»

«Proponho que á primeira parte do paragrapho da Commissão, se anteponha a do Projecto originario. — L. J. Ribeiro.»

O Sr. Presidente pôz á votação a primeira parte do paragrapho unico (do Artigo 3.°) isto é, até ás palavras = de que provém = foi approvada, conforme a redacção das Commissões, e com o additamento do Sr. Tavares de Almeida.

Foi então concedida a palavra a

O Sr. Pereira de Magalhães: — Como se votou o paragrapho unico não tenho nada a dizer, visto que não ha quem o impugne; sómente peço que se redija na conformidade do que se venceu: se porém houver alguem que lhe obste eu o sustentarei.

Não se offerecendo outra observação, foi posto a votos e approvado o resto do paragrapho, para ser redigido conforme o vencido no Artigo 1.º.

O additamento do Sr. Miranda foi rejeitado, e a substituição do Sr. L. J. Ribeiro, julgou-se prejudicada.

O Sr. Presidente, tendo convidado as commissões a reunirem-se no dia seguinte, annunciou que a Ordem para Sexta feira (26) era a discussão dos quatro Pareceres da Commissão de Fazenda, sobre diversos Projectos de Lei, enviados da Camara dos Deputados; mais, a dos dous da de Administração, sobre outros, objectos da mesma Camara; e a, final, a continuação do de contrabandos dos Cereaes: fechou a Sessão pelas quatro horas menos um quarto da tarde.

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