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DIARIO DO GOVERNO.

versidade, seria o flagello dos povos, se d'alli sahisse immediatamente para Juiz ou Advogado, sem previamente adquirir a pratica do Foro por alguns annos. O mesmo succederia com um Doutor em Medicina, que fôsse curar enfermos sem a pratica dos Hospitaes, ou com um Doutor em Mathematica, que fôsse commandar Corpos sem previamente andar em recruta. — De tudo quanto tenho exposto se conclue, que os conhecimentos praticos de que faz lei são os mais essenciaes, e que estes só podem adquirir-se com o tempo, e pelo uso dos negocios. Por estas e outras razões já eu disse, e o torno a repetir, que não espero da organisação deste Tribunal a grande utilidade que alguem suppõe, não só por ficar isolado, mas tambem pelo vicio da sua origem, que lhe vem da Constituição, o qual não podemos agora remediar.

O Sr. Miranda: — Estou de accordo com as idéas que acabou de expender o nobre Senador; mas cumpre-me reflectir, que a sciencia da parte material de contabilidade, postoque necessaria, não é a primeira; nem a mais essencial e difficil do bom Administrador e do homem de Estado. Um caixeiro de uma Casa de Commercio intelligente e com bons principios, não precisa muitos annos de pratica para ter em bom arranjo os Livros de Contas, ainda que ellas sejam mais complicadas do que as Contas de alguns Estados.

A razão por que as nossas Contas Publicas, estão em grande desordem, e são um cahos, não é porque não tenhamos habilissimos homens de Contas, é porque não se tem tractado, como se devêra, de as apresentar com ordem e clareza. Se os Orçamentos que até ao presente têem sido remettidos ás Côrtes são incompletos, obscuros, e defectivos não é por falta de conhecimentos de contabilidade, é por outras razões, de que mais em particular faltarei quando se discutir o Orçamento, Em geral os nossos Orçamentos reduzem-se á estimação provisoria das despezas futuras; mas as Contas das despezas feitas, comparadas com a Lei do Orçamento, são Contas que ainda não vimos; e então como poderá conter-se, pelas Contas Publicas, o movimento annual das operações do Thesouro, e o da contabilidade dos diversos Ministerios? Quando se estabeleceu e organisou o Thesouro no tempo do Marquez de Pombal, de proposito, das suas operações se quiz fazer um mysterio, é de tal fórma, que mesmo os Empregados do Thesouro, a não ser nas suas Secções respectivas não sabiam o que se passava dentro delle. O conhecimento do balanço geral era reservado para o Presidente do Thesouro, que então era aquelle economico Ministro.

Hoje temos outros principios de Governo, e á publicidade das Contas, é uma das garantias mais essenciaes para a prosperidade publica. Mas estas Contas serão uma pura decepção, se não forem completas, e apresentadas com methodo, ordem, e clareza. Eis aqui porque eu apoio, e apoiarei com todas as minhas forças, a creação de um Tribunal de Contas. Mas é necessario que este Tribunal seja sómente de Contas, e nada mais; porque quando as Contas da nossa Administração forem conhecidas como devem ser, então, e só então, haverá economia, e só então será impossivel especular-se com a ignorancia publica, tanto como até ao presente se tem especulado.

O Sr. Bettencourt: — É a primeira vez que entra em discussão este Projecto depois que tenho a honra de me assentar nesta Camara, e por isso, talvez, eu não possa apresentar as minhas idéas em relação ao que se tem tractado; porque faz muita differença ouvir as discussões neste local, ou leis as que trazem os Periodicos; entretanto vejo que em execução do Artigo 135 da Constituição, foi apresentado um Projecto de Lei para a formação d'um Tribunal de Contas. Eu entendo que são dous os fins para que aquelle Artigo da Constituição manda formar o Tribunal de Contas: pela letra deste Artigo já este Tribunal é muito importante, porque segundo acaba de dizer o meu illustre amigo, o Sr. Miranda, realmente da existencia deste Tribunal ha de seguir-se uma nova formalidade, um novo conhecimento, uma escripturação nova, e methodica de receita e despeza, e muito mais a grande vantagem na verificação de que os Rendimentos Publicos, se têem applicado ao seu devido fim. Diz o §. 1.º deste Artigo: (leu); porém as attribuições do Tribunal de Contas, a quem pertence verificar e liquidar as Contas de receita e despeza do Estado, e as de todos os responsaveis para com o Thesouro Publico, neste Projecto, me parece serem levadas muito além do que tem em vista, e se comprehende da letra, e espirito do Artigo 135 da Constituição; o que mostrarei quando se chegar á discussão do Artigo 7.º deste Projecto, privativo das attribuições do Tribunal.

Parece-me porém que o que está já vencido, é que não devem ser vitalicios os Membros deste Tribunal: isto vai por certo fazer uma grande difficuldade, ao menos segundo o meu entender, de haver homens que se queiram comprometter, e a sua reputação, por servirem tres, ou quatro annos, á maneira de Juizes de Fóra, e Corregedores de Comarca, que em algum tempo haviam, e eram triennaes; por isso mesmo que os Membros do Tribunal hão de ser combatidos com os interesses de todos os Fiscaes, hão de ser, por sua natureza, o objecto do odio, e da intriga, que ha de fazer cahir sobre elles, não só a imputação de factos, mas immensas calumnias, mesmo por uma especie de vingança contra os actos mais fieis, que estes Empregados tiverem praticado a bem do Serviço Publico, e na melhor boa fé. Ainda que me julgassem habilitado para ser eleito Membro deste Tribunal de Contas, eu por certo não acceitaria, se effectivamente fôsse eleito, e por isso esta minha opinião não é suspeita: resumindo as minhas idéas, me parece que se deve fazer uma Lei, que possa ter execução: estou convencido, que ha de haver difficuldade de se encontrarem homens, com todos os requisitos essencialmente precisos para preencherem, e desempenharem legalmente as funcções de tal Tribunal, e principalmente com provada probidade e independencia, que requeiram por tres, ou quatro annos, como agora quer um illustre Senador, arriscar a sua reputação. É preciso ignorar as manobras, as paixões, os interesses, os partidos, que se desenvolvem em Eleições: por estas razões, se eu já estivesse nesta Cadeira quando se tractou de tal questão, votaria a que fôssem vitalicios os Membros deste Tribunal de Contas, como são vitalicios os de todos os Tribunaes; pois Srs. desta certeza, muito depende a mais essencial qualidade, qual é a independencia, a imparcialidade. Em nenhum Tribunal se precisa tanto de virtudes se elles prevaricarem, se não tiverem aptidão, a estes dimittam-os, e áquelles; formem-lhes culpa, e imponham-lhes as penas da Lei; assim como estão sujeitos todos os Tribunaes. Por consequencia, tornando agora ao paragrapho, conheço que as razões que teve a commissão foi debaixo destes principios, e por isso lhe estabeleceu o praso de 10 annos, porque poderá haver homens que tendo talvez 50 annos, ainda poderão em 10 annos de vida tirar-se fructo dos seus conhecimentos e trabalhos; e por isso como está vencido que não sejam vitalicios, eu nesta parte sigo o Parecer da commissão, que sejam os 10 annos: façam-lhe depois as Compensações que quizerem; porém verão as dificuldades, que hão de ter na Camara dos Deputados quando elegerem esses homens, verão a difficuldade que ha de haver em acceitar estes logares, e creio que ha de ser grande a difficuldade em achar homens de probidade conhecida, de conhecimentos praticos de contabilidade tão geral, de experiencia de negocios desta Repartição que os queiram, principalmente se verificarem as attribuições que vejo no Artigo 7.° Por consequencia 10 annos é o que diz a Commissão, e por estes principios sou desta mesma opinião.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu peço a V. Ex.ª que proponha á Camara se a materia está discutida, porque a questão limita-se sómente a se hão de ser 10 annos.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, deu-se a materia por discutida: o Sr. Presidente declarou que a Camara não estava em numero.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa requereu que, não obstante, progredisse a Sessão, tractando se os outros periodos do Parecer em discussão: resolveu-se contra.

Em consequencia, o Sr. Presidente convidou os Membros da Commissão a reunirem-se no dia seguinte: deu para Ordem do dia da Sessão seguinte (que declarou seria na Quarta feira, 1.° de Maio a continuação da discussão do Projecto sobre a creação do Tribunal de Contas; e fechou a presente pelas duas horas e meia da tarde.

Errata — No Diario antecedente (a pag. 598, col. 3.ª lin. 61) a palavra distincto, que se acha no discurso do Sr. Castro Pereira, deve emendar-se para = conspicuo,