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DIARIO DO GOVERNO.
isso trouxesse comsigo uma decisão immediata, que importasse um julgado definitivo nessa occasião; porque eu sei muito bem, assim como o sabe o illustre Senador, que a obrigação do Tribunal na occasião de se examinarem esses actos, é tomar nota de tudo para dar conta ás Côrtes em tempo habil; — sendo essa a occasião propria para mencionar tudo quanto tiver colhido, relativamente ao modo por que os responsaveis tiverem exercido as funcções de seus cargos. É verdade que antigamente, quando se tomavam contas aos responsaveis á Fazenda, se praticavam muitas injustiças; mas essas injustiças tambem hoje se fazem da mesma fórma, e talvez com maior excesso: hoje é muito difficil obter uma quitação do Thesouro, ou solução prompta de qualquer negocio; abunda-se muito em formulas, expedientes apparatosos, e em etiquetas; de modo que é quasi uma sciencia saber por onde se ha de entrar ou sahir em qualquer negocio. Pelo que me respeita farei votos para que se proscrevam, tanto os abusos antigos como os actuaes, porque a machina Administrativa, a Fiscal, e a Judiciaria, acham-se n'um estado de confusão, que se não sabe se os males de outro tempo eram maiores do que são os actuaes.
O illustre Senador fez-se cargo de explicar as razões por que o Marquez de Pombal, organisou o Erario Regio de um modo quasi inquisitorial: muitas pessoas ha que sabem a razão disso; e não ha duvida que muitos dos Empregados ignoravam o que era estranho á sua Repartição especial, e que só o Thesoureiro Mór e o Escrivão da Mesa do Erario, sabiam do estado dos negocios em ponto grande: mas isto mesmo tinha algumas vantagens politicas naquelle tempo, como era o não saberem todos quaes eram os recursos do Estado.
Em quanto a dizer o illustre Senador que o Marquez de Pombal tentára fazer um grande Edificio em logar elevado da Cidade, para com a sua sumptuosidade exterior impôr aos Estrangeiros, mostrando com elle que eramos uma grande Nação, ainda que dentro não existisse um real; estou bem certo que ninguem hoje quereria impôr por tal fórma (incluindo o illustre Senador). A grandeza das Nações consiste na sua riqueza verdadeira, na sua industria, na sua boa fé, e na pontualidade com que satisfaz as suas obrigações para com os Nacionaes e Estrangeiros. (Apoiados.) Concluo insistindo em que o paragrapho seja approvado nos termos em que foi redigido pela Commissão; nelle se dispõe o preceito necessario; e quando o Tribunal tiver de dar a sua decisão final sôbre alguma conta, lá está o Artigo 11.º; é para esse logar que deve ter cabimento a Proposta do illustre Senador, porque o Tribunal não ha de dar decisão final, senão quando as contas estiverem em estado claro, depois da apresentação de todos os documentos, ou de se verificar a falta delles; então é que é necessaria a audiencia do Responsável, e a concorrencia do Ministerio Publico; e para isso lá estão os Artigos 11.º e 13.º que providenciam este caso, e é para a occasião em que delles se tractar, que devem considerar-se as razões allegadas pelo illustre Senador. Podia ser mais longo, e responder ainda a muitos dos seus argumentos, mas dispenso-me de o fazer para não prolongar a discussão que já vai bastante protrahida, e para não abusar por mais tempo da paciencia da Camara.
O Sr. Pereira de Magalhães: — Se o illustre Senador responde por parte da Commissão, que o meu additamento entra no Artigo 11.°, eu não me opponho a isso, porque o meu desejo é que se reconheça o principio.
O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O principio está de certo reconhecido, nem póde deixar de o estar, e então parece-me que estamos com uma questão inutil, e fóra de logar.
Julgando-se a materia discutida foi o paragrapho 1.° do Artigo 7° (do Projecto principal) posto á votação e ficou approvado.
Leu-se depois o periodo 10.° do Parecer da Commissão (o qual se havia reservado para este logar) relativamente a um additamento do Sr. Pereira de Magalhães, apresentado em Sessão de 5 de Abril (V. Diario N.º 84, a pag. 469, col. 3.ª) aquelle periodo e como se segue: Em quanto ao additamento ao paragrapho 1.° do Artigo 7° do Projecto, enumerando os Cofres e Estações a que o Tribunal tem de tomar contas, parece á Commissão, que não póde ter logar, porque as enumerações têem o perigo de não serem completas, e as palavras genericas do Artigo são assás amplas para comprehender a todas.
Teve a palavra
O Sr. Pereira de Magalhães: — Eu fiz esse additamento ao paragrapho para dar toda a clareza á Lei, pois esses são os meus desejos. O Artigo diz assim: (leu.) Mas, Sr. Presidente, gerentes, e responsaveis ha por dinheiros do Estado, que todavia se não consideram responsaveis para com o Thesouro Publico: e porque? É porque em Portugal se costuma muito dizer «tal Repartição rege-se por Leis particulares» e com este enunciado esquivam-se ao cumprimento de muitas Leis, uns de boa fé, e por assim o pensarem, e outros por maldade. Eu mesmo entraria talvez em duvida, se mui tos dos Cofres Publicos que temos no nosso Paiz, estavam comprehendidos nesta Lei; e por isso mesmo que é materia a respeito de que póde haver duvida, é isso a meu vêr quanto basta para que elles se devam enumerar. Outro tanto, Sr. Presidente, fizeram os Francezes, que não póde negar-se terem em muito boa ordem as suas Finanças; e se lá se julgou isto preciso, não vejo razão para que o não seja tambem entre nós.
O fundamento com que a Commissão se oppõe ao additamento, é o do poder escapar algum Cofre; mas isso póde remediar-se em se accrescentando estas palavras: = e outros similhantes que presentemente existem, ou houverem de existir para o futuro. = Eu pedia pois a V. Ex.ª que pozesse primeiro á votação se deviam enumerar-se esses Cofres, ou não? E decidindo-se que sim, então a Commissão poderia aproveitar o meu additamento, e accrescentar-lhe os mais que lembrassem.
Agora, Sr. Presidente, direi que além do referido, tem o meu additamento outra vantagem, e é a de obrigar que para o futuro Orçamentos geraes sejam acompanhados dos Orçamentos parciaes das Repartições, a cujos Cofres ha de tomar contas o Tribunal, o que até agora não acontecia; por quanto naquelles que têem sido apresentados em Côrtes, não são acompanhados dos Orçamentos parciaes para por elles se conhecer o estado dessas Repartições em quanto ao seu pessoal e material, e em quanto á sua receita e despeza; o que é uma grande falta, e até mesmo embaraço para as Côrtes, se quizerem entrar na indagação dessas addições. (Apoiados.) E se isto é para as Côrtes, tambem o será para o Tribunal de Contas, e ainda mais, porque alli apparecem as addições em globo; por exemplo a verba «Correio geral» vê-se lançada na receita geral uma addição do que recebeu, e na despeza geral do Estado o que se dispendeu; mas não se vê miudamente de que procede a receita, nem a despeza, nem se as despezas são feitas legalmente, o que conviria saber-se. É em consequencia de tudo isto é que eu sustento, que a approvação do meu additamento é sobre modo necessaria e util.
O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A Commissão julgou desnecessario o adoptar a emenda do Sr. Senador, em que faz a enumeração dos Cofres que devem dar contas ao Tribunal, e a razão é, porque quando se tracta de enumerar, devem as enumerações ser completas para se não dar duvida a respeito dellas. Se um Cofre omittido, ou se um Cofre é estabelecido de novo, ei-lo ahi fóra da Lei, e isento de dar contas. (Apoiados.) O estabelecer pois isso em regra geral é o mais conveniente; mas o principio está incluido aqui nestas palavras (leu.) Em quanto porém á segunda parte sobre a organisação dos Orçamentos, essa pertence a uma Lei de Fazenda, e não aqui: faça-se pois essa Lei, e diga-se então nella o modo e fórma como os Orçamentos hão de ser organisados. Além de que nesse additamento enumeraram-se simplesmente os Cofres; mas nós não tractamos de fazer com que o Tribunal de Contas as tome só aos Cofres; porque elle as deve tomar a todas as pessoas que manejarem dinheiros publicos. (Apoiados.) E por conseguinte, o que ahi está abrange todas as hypotheses.
Julgada a materia por discutida, votou-se sobre o periodo do Parecer, e ficou approvado.
Mencionou-se depois a seguinte correspondencia, que se acabava de receber na Mesa.
1. ° Um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, enviando uma Mensagem com um Projecto de Lei da referida Camara, sobre serem as Juntas Geraes de Districto authoridades a collectar para sustentação doa Expostos. Remetteu-se á Commissão de Administração,
2. ° Um dito do Presidente da Camara Municipal de Lisboa, remettendo exemplares impressos de uma Representação da mesma, dirigida á Camara dos Deputados. Foram distribuidos.
O Sr. Trigueiros: — Antes de se passar ao paragrapho seguinte, queria eu pedir á Camara que consentisse que o illustre Relator da Commissão dissesse, o que ella entende por esta expressão generica, de que o Tribunal de Contas, só as tomará áquelles a quem o Thesouro as tomava; por quanto, como as Camaras Municipaes não davam contas ao Thesouro, e devem-nas prestar (na minha opinião) ao Tribunal de Contas, talvez que não indo aqui declarado isso faça duvida no futuro. A fallar a verdade, Sr. Presidente, não ha nada mais mal administrado do que é o Cofre das Camaras; porque gasta-se delles como, e no que se quer, sem haver quem as cohiba nos seus gastos. Embora se diga que o Conselho de Districto lhas toma; porque devendo isto ser assim o não é, porque essas contas são muito mal tomadas, porque no exame dellas não ha zêlo nenhum. Espero pois ouvir o illustre Relator da Commissão.
O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A Commissão não leve em vistas o comprehender as Camaras Municipaes, porque o tomar-lhes contas é attribuição do Conselho de Districto, e é por isso que a Commissão não teve nunca tenção de as sujeitar ao Tribunal de Contas. Em França mesmo, só aquellas Camaras que têem de rendimento para cima de dez mil francos é que são sujeitas ao Tribunal de Contas. Entre nós, porém, julga-se desnecessario o chamar as Contas das nossas Camaras Municipaes ao Tribunal de Contas, por isso que o rendimento do geral dellas é pequenissimo.
O Sr. Trigueiros: — Pela informação do illustre Relator da Commissão vejo eu que não foi da mente della o incluir as Camaras Municipaes, e então não fica, a meu vêr, evitado um grande mal, que podia ser remediado nesta Lei; porque na verdade (como já disse) não ha nada mais mal administrado do que os cofres das Municipalidades. Argumenta-se contra isto, dizendo-se que em França se lhes não tomam pelo Tribunal; muito embora se lhes não tome lá, mas tome-as cá. Tambem se dá como razão contra o terem as nossas Camaras muito poucos rendimentos; mas, Sr. Presidente, não é tanto assim, porque ha Camaras que os têem muito grandes, como são, por exemplo, a de Lisboa e Porto; e de uma sei eu, que só de rendimento de fóros recebe sete mil cruzados, dinheiros que são muitas vezes mal consumidos, ao mesmo passo que se não paga ás amas que criam os expostos, as quaes andam a pedir esmola! Mas as Camaras teem os rendimentos que. querem, porque lançam os tributos que lhes apraz; e ainda que tivessem pouco, isso mesmo é muito para os seus Municipios; e esta razão de pouco rendimento de maneira alguma deve fazer emprasar a sua fiscalisação.
Sr. Presidente, eu fallo nisto guiado só pelo bem do meu Paiz, e por conhecer que é absolutamente necessario tomar alguma providencia a este respeito; porque vejo os povos sujeitos a fintas, e a muitas imposições, e correrem os dinheiros para os cofres das Camaras, sem se saber ao que elles são applicados. (Apoiados.) Os povos, Sr. Presidente, estão hoje mais vexados pelos tributos que as Camaras Municipaes lhes lançam, do que por aquelles que affluem para o Thesouro! (Apoiados.) Parece-me pois, Sr. Presidente, que os illustres Membros da Commissão acharão razão em que a Tribunal de Contas fique authorisado tambem a toma-las aos cofres das Municipalidades.
O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Eu só tractei de responder á pergunta que se fez; porém agora direi mais, que acho um grande inconveniente em que o Tribunal conheça das Contas das Municipalidades, reconhecendo com tudo que ellas são muito mal administradas. — As despezas do Estado ou são geraes ou municipaes: as geraes são para utilidade do publico em geral, e as municipaes são só para as localidades, e sobre estas não tem o estado absolutamente nada que fazer senão vigiar pelas Authoridades locaes a sua applicação. Eis-aqui pois no que eu acho algum inconveniente para o que o Tribunal tome contas ás Municipalidades, mesmo porque ellas têem o direito de disporem do seu dinheiro com a simples authorisação das Authoridades locaes, que é quem está no caso de conhecer das necessidades do povo, e não o Tribunal de Contas, que está muito longe das localidades. (Apoiados.}
O Sr. Bergara: — Eu votei pela substituição do Sr. Felix Pereira de Magalhães, e um dos