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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 4 de Maio de 1339.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

ABERTA a Sessão, pouco antes da uma hora, verificou-se estarem presentes 37 Srs. Senadores.

Leu-se, e foi approvada a Acta da Sessão antecedente.

Foi remettida á Commissão de Administração uma Representação da Sociedade Pharmaceutica Lusitana.

Passando-se á Ordem do dia, continuou a discussão do Parecer da Commissão de Fazenda, sobre varias emendas propostas ao Projecto de Lei para a creação do Tribunal de Contas. (V. Diario N.º 105, a pag. 608, col. 2 ª) Começou pelo 5.º periodo, relativo ao paragrapho 1.º de uma Substituição do Sr. Pereira de Magalhães, cujo debate ficára addiado na antecedente Sessão: é o seguinte:

«(A Commissão de Fazenda) não adopta o paragrapho 1.º da Substituição, em que impõe ao Procurador da Fazenda a obrigação de fiscalisar que os responsaveis para com o Thesouro apresentem as suas contas nas epochas determinadas, por ser obrigação do Tribunal, e se acha consignada nos §§. 5.° e 6.º do Artigo 8.º»

§. 1.ª da Substituição.

«O Procurador da Fazenda... pertence-lhe fiscalisar que os responsaveis para com o Thesouro apresentem as suas contas no Tribunal nas epochas determinadas pela Lei, e requerer contra os omissos a applicação das penas correspondentes.»

Teve primeiro a palavra, e disse

O Sr. Pereira de Magalhães: — Resumirei em poucas palavras assim os fundamentos da minha Substituição, como os do Parecer da Commissão. Reconhece ella que é necessaria a fiscalisação, mas diz que pertence ao Tribunal: eu digo que o Tribunal sendo juiz, não póde ao mesmo tempo ser Fiscal, e se o fôr, ha de unicamente fiscalisar a sua parte economica; mas para aquillo que diz respeito a responsabilidade, o Governo é que deve ser o Fiscal por meio do Procurador da Fazenda: este é que vigia se os responsaveis dão contas ou não, e não as dando, passa a requerer a imposição das penas, e tudo mais que estiver determinado nas Leis: este é o primeiro fundamento da minha Substituição. Já mostrei que este paragrapho é copiado da Legislação Franceza; e assim como alli se julgou necessario, eu tambem o julgo aqui. — Em vista do que, a Camara decidirá se quer que está fiscalisação seja do Tribunal, ou se convirá antes que fique pertencendo ao Governo pelo Procurador da Fazenda; devendo fazer-se a differença que a fiscalisação do Tribunal não é a mesma que eu attribuo ao Procurador da Fazenda: o Tribunal marca um praso para o responsavel apresentar suas contas, mas póde acontecer que algum as não apresente dentro desse praso; e como o Governo é interessado na sua apresentação (por isso que o Governo tem esse interesse, em nome do Estado), então é preciso que o seu Agente, o Procurador da Fazenda, vá saber a razão por que tal responsavel não deu as suas contas, para depois requerer a imposição das penas em que por similhante falta incorrêra.

— Eis-aqui o fundamento principal da minha Substituição.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Farei a diligencia por chamar -festa questão aos seus devidos termos, a fim de vêr se ella termina.

Tendo a Camara determinado que o illustre Senador que acaba de fallar se unisse á Commissão para esclarecer o que julgasse necessario sobre as emendas por elle offerecidas a este Projecto, teve a bondade de convir com os Membros da mesma Commissão no Parecer que aqui se acha enunciado, convindo ella tambem em que o Artigo 6.º do Projecto fôsse substituido pela doutrina estabelecida pelo illustre Senador; quer dizer, que se sanccionasse em um Artigo que o Procurador da Fazenda exercia dentro do Tribunal as funcções do Ministerio Publico. Por esta disposição, já approvada pela Camara, entendo eu, e creio que entenderá toda a gente, que o Procurador da Fazenda não está inhibido de requerer no Tribunal tudo quanto julgar conveniente, não só ao seu ofício, mas igualmente aos interesses da Fazenda. Portanto, o que me parece que ha a pôr á votação é — se a Camara approva o Parecer da Commissão, isto é, que fiquem rejeitados todos estes paragraphos da Substituição do Sr. Magalhães, os quaes a Commissão julgou que não devia adoptar Decidida esta votação, entra-se logo na ordem regular da discussão, que é passar ao Artigo 7.° O Procurador da Fazenda tem muito mais latitude para exercer tudo quanto diz respeito ao seu dever, pela fórma que está redigido o Artigo 6.º do Projecto, do que pelo modo do proposto na Substituição; pois que, por este, só teria a fazer o que nella está descripto: de maneira que o illustre Senador, sem o pensar, está argumentando contra os seus proprios desejos. Não entro agora no miudo exame do que se faz em França, tudo isso será muita bom para lá; porem consta de livros que correm impressos, e que cada um de nós póde vêr quando lhe pareça. Approvado o Parecer acabou esta questão. O Sr. Pereira de Magalhães: — Já hontem comecei agradecendo á Commissão a deferencia que teve em me chamar ao seu seio; e ahi expuz as razões que tive para apresentar a Substituição: a Commissão approvou o paragrapho 1.º della, e admittiu alguns outros additamentos em referencia a diversos Artigos, como depois se verá; mas nem o Parecer da Commissão, nem a minha Substituição são a Lei, a Lei ha de faze-la a Camara. Portanto, como eu apresentei uma Substituição é preciso que eu dê os motivos della, assim como a Commissão aquelles em quê se fundou, e a Camara decidirá o que melhor entender.

Disse o illustre Senador (e já hontem fez esse argumento), que uma vez decidido que o Procurador da Fazenda exerça as funcções do Ministerio Publico ante o Tribunal, o Artigo fica mais lato do que a Substituição: já na Sessão passada respondi, que uma cousa são as funcções do Ministerio Publico, Outras as de que tracta a Substituição: exercem-se as funcções do Ministerio Publico quando nos processos das contas o Procurador da Fazenda defende os direitos e interêsses do Estado, e vigia se se guardam as formulas, e cumprem as Leis; mas as attribuições consignadas nos outros paragraphos da Substituição não teem nada com o Ministerio Publico, isto é uma fiscalisação que pertence ao Governo, exercida pelo Procurador da Fazendo que é o seu agente no Tribunal; e portanto não fica comprehendida no que se chama Ministerio Publico; o Ministerio Publico é para os processos, e as attribuições que o paragrapho impõe ao Procurador da Fazenda é para estar constantemente vigiando se os responsaveis apresentam as contas, se o Tribunal faz sessões regulares, e se os Empregados são assiduos no trabalho, etc. que são cousas inteiramente differentes; e que, segundo elles, o Procurador da Fazenda, além do Ministerio Publico que exerce junto ao Tribunal, tem mais obrigação a desempenhar. O illustre Senador diz que se ponha á votação o Parecer da Commissão: se este entende por Parecer da Commissão o que diz respeito a este paragrapho, convenho; mas se quer que se vote já no Parecer a respeito dos outros, não póde admittir-se a sua Proposta, porque e preciso que eu expenda os motivos em que fundei cada um delles.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Esta questão, bem que incidente, já levou quasi toda a Sessão de hontem, e vejo-a em termos de nos consumir a de hoje. — Quer o Sr. Magalhães que o Ministerio Publico fiscalise os responsaveis que não apresentarem suas contas nos prasos marcados. E que meios tem o Ministerio Publico de o saber? Nenhum: é preciso que o Tribunal lhe diga — tal responsavel que devia apresentar as suas contas em tal tempo, não as apresentou — e então é que deve proceder-se contra elle; mas o Ministerio Publico não póde conhecer isso, porque não conhece as epochas fixadas pelo Tribunal: portanto e inutil similhante incumbencia. Mas diz-se que o Tribunal subornado póde disfarçar o praso marcado para a apresentação das Contas de algum responsavel: não é assim; porque no fim de seis mezes ha de ír vêr o saldo do Thesouro, e dizer se as Contas geraes da Fazenda estão conformes com as parciaes de todos os responsaveis; por conseguinte o Tribunal não póde dispensar nenhum delles de as prestar foi competente praso. — O Artigo que o illustre Senador apresenta não importa o mesmo que o da Legislação Franceza: e que diz este que o Procurador Geral se certifique da apresentação das contas, pedindo uma lista ou relação dos responsaveis que são obrigados a apresentar suas Contas, e o Tribunal certificará ou denegará se são exactos; isto é, o Procurador Geral só sabe aquillo que o Tribunal lhe disser, e a este e que verdadeiramente compete a fiscalisação. Quanto a dizer-se que na expressão geral que aqui esta consignada, é que a Commissão lançou, não estão comprehendida todas as attribuições do Ministerio Publico; respondo que a Commissão lançou este Artigo nos termos em que se acha, por condescendencia com o Sr. Senador, usando da terminologia da Legislação de 1832: transplantaram-se desde então para cá os Ministerios Publicos, assim como os Prefeitos etc.; mas, a respeito daquelles, incluem-se todas as suas obrigações neste simples enunciado; pois que a Lei de 16 de Maio diz que o Procurador Regio terá a lista de todos os feitos, e requererá tudo que fôr a bem da justiça, e portanto o Procurador da Fazenda terá tambem vista de todas as contas, e se quererá tudo que fôr a bem da Fazenda; por isso, naquellas expressões geraes o que a Commissão quiz dizer foi que o Procurador da Fazenda tem de officio, e é do seu dever requerer tudo que fôr a bem dos interessas da mesma Fazenda; e por mais que o illustre Senador faça, não ha de obter especificar todas as attribuições daquelle agente do Governo, portanto julgo que a Commissão teve todo a fundamento para rejeitar a substituição do Sr. Magalhães.

Julgando-se a materia discutida, approvou-se o periodo 5.º do Parecer da Commissão.

Leu-se o periodo 6.º do mesmo Parecer, e em seguida o paragrafo 3.° da Substituição; são estes:

«(A Commissão) não adopta o paragrafo 2.º da Substituição, na qual incumbe ao Procura» dor da Corôa o vigiar que o Tribunal tenha regularmente as suas Sessões e os Empregados cumpram com seus respectivos deverei; porque esta ultima parte é da competencia do Presidente, e a primeira é indecorosa ao Tribunal.

§. 2.º da Substituição

«(O Procurador da Fazenda... pertence-lhe) vigiar que o Tribunal de Contas tenha regularmente as Sessões marcadas no seu Regimento, e que os Membros e Empregados do Tribunal cumpram seus respectivos deveres, dando conta ao Governo das irregularidades que se commetterem.»

Disse

O Sr. Pereira de Magalhães — Este paragrafo funda-se nas mesmas razões do 1.º e não posso deixar passar o principio de que é indecoroso para o Tribunal que o Governo, pelo Procurador da Fazenda fiscalise se faz as suas Sessões com regularidade. Sr. Presidente, a belleza do Systema Constitucional, consiste na fiscalisação que têem as Authoridades umas sobre outras, e não acho que seja indecoroso que o Governo fiscalise se os Empregados cumprem com as suas obrigações e deveres, por meio do Procurador da Fazenda. E quaes são as faltas que os Membros de Tribunal, ou os Empregados delle podem cometter? Os Membros, deixando de fazer as Sessões do Tribunal; e os Empregados não trabalhando com assiduidade e zêlo no desempenho de suas funcções. Mas, como ha de o Governo saber uma ou outra cousa? Ha de o tribunal mandar-lho dizer? Não por certo: e então é claro que o Governo só o poderá saber por meio do seu Agente. Em França tem o Procurador junto do Tribunal esta mesma attribuição, roas nem por isso se queixou ainda ninguem contra esta attribuição nem foi julgada indecorosa; e então tambem entre nós o não deve ser. - Diz o Parecer que esta attribuição pertence ao Presidente do Tribunal; mas eu já mostrei, e é claro a todas as

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luzes, que não se póde esperar que seja o Presidente quem participe ao Governo que deixaram de fazer as suas Sessões no Tribunal a que nelle pertence; porque de certo elle não dará conta de uma falla que elle mesmo commetteu. Eu leio, Sr. Presidente, o que lia em Fiança a este respeito: (leu). Ora se em França se julgou isto necessario, porque o não será tambem entre nós? Creio que sim: e foi por esse fundamento, e pelas razões que acabo de expôr, que eu lancei esta Substituição: a Camara porém resolverá o que melhor lhe parecer.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Examinando eu a nossa Legislação ainda não achei nella que o Procurador da Corôa fôsse feito bedel aos Tribunaes de Justiça saber se nelles ha ou não Sessão; nem vi tambem que o Procurador Regio fôsse a qualquer das Relações vêr se nellas ha ou não Sessão: e então digo eu que tambem não vejo essa precisão no caso em questão. Além de que, em França o que se diz é = que o Procurador junto do Tribunal indagará, ou que saberá (s’assurera); mas impôr-se como obrigação ao Procurador da Fazenda esta incumbencia, pela fórma que se pertende, isso é que a meu vêr é muito indecoroso. (Apoiado.) Pelo que respeita porém á segunda parte, isto é, sobre o vigiar se os Empregados cumprem com suas obrigações, é isso uma attribuição em toda a parte dada aos respectivos Presidentes, porque são elles quem vigia a conducta dos Empregados, assim como V. Ex.ª o faz para com os desta Camara. É pois o Presidente quem deve vêr se os Empregados do Tribunal cumprem com o seu dever; e é por isso que eu rejeitando a Substituição, sustento o Parecer da Commissão.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Perdoe o illustre Senador que acaba de fallar que eu lhe diga que está enganado; porque, o que se observa em França é o seguinte: (leu).

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Não é exacto. O que lá está admittido é o que eu acabo de dizer, e o prova este livro que tenho na mão.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Esse livro é Fleuregion, é muito antigo, o que eu li é tirado das respectivas Ordenanças, e de escriptores mais modernos; e não é necessario que o Procurador da Fazenda seja = Bedel = para saber se os Empregados são assiduos no trabalho; o resultado dos processos de contas que apresentarem, é que lhe ha de provar assiduidade. Repetirei pois, que lá não só vigia os Empregados; mas vigia tambem se o Tribunal faz Sessões regulares = si les chambres tieneent régulièrement léurs scéances =, e nem o Tribunal, nem o Procurador Geral considera que esta fiscalisação seja indecorosa; se o é em Portugal não se adopte!

O Sr. Miranda: — Se nós querem os estabelecer este Tribunal de maneira que fique independente do Governo, como o deve ser, então deve organisar-se de modo tal, que nunca possa o Governo ter ingerencia alguma nos seus actos, nem exercer sobre elles fiscalisação alguma. A Commissão diz no seu Relatorio que é indecoroso para o Tribunal que o Procurador da Fazenda vigie, em que os seus Membros não faltem ás Sessões para dar parte ao Governo, e o illustre Auctor deste Artigo quer sustentar o contrario; porem eu não posso deixar de seguir antes a opinião da Commissão; porque tambem no exercicio das funcções publicas deve haver respeito á decencia, e ao decoro. (Apoiado.) Note-se porém que no Artigo da Lei do Tribunal de Contas de França, de que este foi extrahido, não se diz que o Procurador Geral da Fazenda dê parte ao Governo; mas sim que dê parte ao Presidente do Tribunal, o que é mui differente cousa. Ora se isto se observava no tempo de Napoleão, e em um Governo muito differente do que nós temos, como se poderá querer que entre nós, em um Governo Constitucional, e quando se vai crear o Tribunal de Contas, se não de a este toda a independencia, e toda a dignidade de que deve achar-se revestido? Não o acho justo, nem ha razão para se inverter assim a ordem natural das cousas. Em consequencia voto que se elimine esta Artigo, porque não ha razão, nem conveniencia alguma para poder admittir-se neste Projecto, no que vou de acôrdo com o Parecer da Commissão.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Eu já mostrei que queria o Tribunal tão independente, como o querem os illustres Senadores. Mas direi agora, para provar os principios em que me fundo, se por que ha Procuradores Regios, é por ventura dependente do Poder Executivo o Poder Judiciario! Certamente não de mais, Sr. Presidente, o Ministerio Publico que ha em Portugal ainda não é aquelle que requer a boa organisação do Poder Judiciario; outros são os principios em que se devia firmar; mas creou-se como esta por motivos, dos quaes eu sei mui bem a historia toda; mas peço á Camara que consinta que a cale.... Assim como o Poder Judiciario é sómente independente, no acto de julgar, sendo em tudo o mais dependente do Governo, porque nomêa os Juizes e mais Empregados, suspende-os, manda-os processar, e tem junto de cada Tribunal um agente seu para velar na execução das Leis, e não é isto indecoroso nem para os Tribunaes, nem para os agentes do Ministerio Publico. Assim tambem a respeito do Tribunal de Contas é independente quando verifica, liquida, e julga as contas. Fóra deste acto ha de depender do Poder Executivo; porque até este mesmo Projecto estabelece que o Governo póde pedir á Camara dos Deputados a revogação dos seus Membros quando não cumprirem os seus deveres; para o Governo saber se os cumprem deve ter o direito de fiscalisar, esta fiscalisação ha de exercê-la pelo Procurador da Fazenda, que é o seu Agente junto daquelle Tribunal. Não posso pois entender como esta fiscalisação seja indecorosa.

Dando-se a materia por discutida, foi o periodo 6.° do Parecer entregue á votação, e approvado.

Os seguintes periodos (7.º, 8.º, e 9.°) do Parecer da Commissão, foram approvados sem discussão, havendo declarado o Auctor da Substituição que convinha nelles.

Parecer da Commissão.

Sobre o §. 3.° relativo ás fianças e hypothecas, a Commissão julga conveniente para mais segurança, que no fim do §. 6.° do Artigo 7.° do Projecto se addiccione — podendo o Procurador da Fazenda requerer tudo quanto convier á segurança da Fazenda Publica, e para esse fim terá copia authentica das Escripturas constitutivas das ditas fianças e hypothecas.

O §. 4.° sobre sollicitar a revisão das Contas em que houver erro contra o Thesouro, acha-se já providenciado, (além de ser uma obrigação do Procurador da Fazenda) no additamento offerecido ao Artigo 12.°, nas palavras — ou a requisição do Procurador da Fazenda.

O §. 5.º é desnecessario, e o 6.° não póde ter logar neste Projecto.

Substituição.

(O Procurador da Fazenda pertence-lhe)...

Requerer tudo o que convier á segurança da Fazenda Publica sobre as fianças e hypothecas prestadas pelos responsaveis para com o Thesouro Publico; e a esse fim o Tribunal lhe remetterá copia authentica das Escripturas constitutivas d'esses fianças e hypothecas.

4.º Sollicitar a revisão pelo Tribunal das Contas em que houver erro contra o Thesouro Publico.

5.º Tomar conhecimento de todos os negocios e contas em que julgue necessario exercer o seu Ministerio.

Art. 6.º O Procurador Geral da Fazenda corresponde-se com todos os Ministerios, nos negocios respeitantes a cada um delles.

Entrou, em discussão o paragrapho 1.º do Artigo 7.° do Projecto principal: e assim concebido:

(O Tribunal tem a seu cargo) § 1.º Verificar e liquidar as contas da Receita e Despeza do Estado, e as de todos os responsaveis para com o Thesouro; as do Estado por exercicio, e as dos responsaveis por gerencia annual.

Obtendo a palavra disse

O Sr. Pereira de Magalhães: — O paragrapho 1.º do Artigo 7.º diz assim: (leu). Mas eu queria quo se dissesse assim: (leu). — Mando pois o meu Additamento para a Mesa. (É o seguinte;)

«... Julgar com audiencia do Ministerio Publico, e do responsavel. = Pereira de Magalhães.»

O Sr. L. J. Ribeiro: — O paragrapho 1.° do Artigo 7.º parece-me que não é objecto que possa entrar em duvida, porque elle contém quasi expressamente o que diz a Constituição no §. 1.° do Artigo 135, e que é o seguinte: (leu). É pois a doutrina que se acha consignada pela Commissão a mesma da Constituição; e creio que ella preenche todos os fins, e que nada mais haverá a restringir, nem a ampliar. (Apoiado.) — Agora emquanto ao additamento, ou emenda que o illustre Senador mandou, para a Mesa, intendo que a materia nelle contida é exactamente a que consta do Artigo immediato ao que esta em discussão.

O Sr. Pereira de Magalhães: - É verdade que este Artigo tal qual está, é o da Constituição; e se eu pedisse que o additamento fôsse para supprimir algumas destas palavras, fazia um pedido contra a Constituição; mas eu não pedi tal, nem nunca o pediria; e quando eu digo verificar, e liquidar, accrescente julgo com audiencia do Ministerio Publico, e dos responsaveis, já de algum modo regulamento esta disposição da Constituição; e peço á Camara toda a attenção sobre isto por que as contas sejam julgadas com audiencia do Ministerio Publico por parte do Estado e do responsavel, que poderá tambem apresentar os seus documentos. Ora eu estou certo que o Ministerio, esclarecido como é, quando fizer os Regulamentos, ha de tudo prevenir, e não lhe escapará esta cautela; mas muito bom é que esta Camara já o diga aqui, porque o Tribunal ha de dar uma sentença em sessão publica com audiencia do Ministerio Publico, e do responsavel. Sobre isto chamo a attenção da Camara. muito particularmente porque julgo necessario que este principio se estabeleça na Lei, para irmos entrando no progresso do regimen constitucional, aonde não póde haver processos senão publicos, e aonde não póde haver sentenças senão dadas com audiencia das Partes interessadas; evitando-se por outro lado a tendencia que teem todas as Repartições Fiscaes de decidirem inquisitorialmente.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, o additamento que apresenta o illustre Senador, está no meu entender comprehendido no que já se estabeleceu por occasião que se approvando o Artigo 6.º que alli se diz que o Procurador da Fazenda exercerá junto do Tribunal as funcções do Ministerio Publico; e por isso entendo eu que elle fica authorisado para requerer tudo quanto lhe convier, e exercer todas as suas funcções; portanto não vejo que seja necessario o additamento nem tambem que possam resultar delle vantagens algumas.

Diz o illustre Senador, que o Tribunal ha de julgar as Contas, e eu creio que do abuso que aqui se tem feito da palavra julgar, provêm os maiores embaraços que se têem opposto a esta questão. (Apoiados) O illustre Senador, entende que o Tribunal ha de julgar segundo os termos porque julgam os Tribunaes da Justiça; porém o caso é muito diverso: eu serei forçado a fazer algumas explicações sobre O modo pratico de examinar, ou julgar as Contas, e peço á Camara que me desculpe esta impropria digressão. Que qualidade de decisões tem a tomar o Tribunal de Contas? Talvez eu possa demonstrar quaes elles são, que para as dar são necessarios conhecimentos juridicos. O Tribunal tem que dar decisões que hão-de produzir tres effeitos diversos. 1.º Póde decidir que o responsavel está quite, e absolve-lo; e quando se verifiquem taes circumstancias não póde haver grande contestação: 2.° Póde decidir que, pela combinação das Contas, será o responsavel devedor á Fazenda Publica Nacional; e então é claro que elle ha de ser ouvido, e desde que o Tribunal estiver convencido de que elle é devedor á Fazenda, remette o resultado da sua decisão ao Governo; e este manda por meio dos Tribunaes Judiciarios executar o devedor. 3.º Póde decidir que o responsavel á credor ao Estado, e então este ha de ser ouvido, e o Tribunal dá parte ao Governo para estabelecer os meios de lhe pagar. Agora farei vêr que todas as decisões que tem a dar o Tribunal, e todo o seu julgado, vem a ser sôbre conhecimentos de factos. Se os Povos foram obrigados apagar maiores quotas do que deviam, qual é o meio de saber isto? É confrontando a receita accuzada nas Contas, com os lançamentos dos impostos; portanto não vejo para aqui nenhuma necessidade do additamento. O Tribunal tem a conhecer se algum responsavel despendeu maior quantia do que a que lhe foi destinada pelo Poder Legislativo, ou se a applicou para differente fim; e o modo de a conhecer é examinar a despeza accusada nas Contas com as verbas respectivas, que constarem do Orçamento; e logo se vê se houve alguma quantia dispendida demais: tambem para aqui não vejo necessidade alguma de conhecimentos Juridicos. O Tribunal tem a conhecer se nas Contas ha erro de calculo; o meio de o verificar é por operações arithmeticas; tambem para isto não são precisos conhecimentos Juridicos. — O Tribunal deve conhecer do merito intrinseco, ou extrinseco dos documentos; e isto verifica-se pela inspecção ocular delles. Ora

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para conhecimento de todos estes actos não póde o Procurador da Fazenda ter conhecimento algum previo, porque tudo ha de versar de documentos que estarão no interior das Repartições subalternas porque só depois das Contas estarem examinadas, e extractadas, é que se apresentam no Tribunal para tomar conhecimento dellas, e é então para esse caso que o Ministerio Publico tem logar de exercer as suas funcções.

De tudo quanto tenho expendido, e, de que peço perdão á Camara, concluo eu que a existencia do Ministerio Publico não é de tanta importancia como se quer inculcar, porque o Tribunal, é que é o verdadeiro Fiscal. (Apoiado, Apoiado.) Portanto julgo desnecessario o additamento porque do modo que está redigido o artigo 6.º, fica prevenido tudo quanto dezeja o illustre Senador; e o paragrapho está muito bem redigido.

O Sr. Miranda: — Levanto-me para fazer uma observação á Camara, a fim de que não admitta esta emenda, no sentido em que é apresentada. Verificar, e liquidar as Contas; é principal attribuição do Tribunal, e esta é a sua especial obrigação; mas, para cumpri-la não e necessaria a presença dos responsaveis: porque se esta regra fôsse geral, então seria necessario que todos, e cada um delles, assistissem ao exame e verificação das suas Contas por si, ou seus procuradores; e ainda quando podesse admitiria a possibilidade de assim o fazerem, não era possivel vir com todos os seus livros de Contas, e com todos os documentos porque é pelas Contas remettidas pelos agentes responsaveis que o Tribunal fórma o juizo da sua exactidão, ou das faltas que nellas apparecem. Por consequencia esta regra não pode estabelecer-se em principio, segundo a emenda; a saber, que a liquidação seja feita em presença dos responsaveis; isto só póde ter logar no caso especial quando algum responsavel requer o exame de suas contas, ou quando para este effeito fôr chamado perante o Tribunal. Assim a regra geral não se póde admittir, porque cada agente responsavel tem obrigação de remetter ao Tribunal as suas Contas, e em muito má figura estará elle se as não apresentar quando a Lei o determina; e quando as suas Contas estão tão obscuras e confusas que para serem entendidas se fez a sua presença necessaria.

Em consequencia acho que ainda mesmo quando seja admittida aquella indicação, se reserve para o logar competente, quero dizer, para quando se tractar do caso especial da contestação das contas em que seja necessario ouvir as razões justificativas dos agentes responsaveis, materia que não tem logar no Artigo que se acha em discussão.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Responderei aos argumentos dos illustres Senadores.

Diz o Sr. L. J. Ribeiro que uma das attribuições do Tribunal é vêr, se os povos têem sido obrigados a pagar mais do que deviam, se o Governo gastou mais do que lhe foi arbitrado; e vêr se os documentos eram bons, ou maus. É necessario fazer distincção. — O Tribunal quando verifica as Contas póde encontrar tudo isto que diz o Sr. L. J. Ribeiro, pode encontrar dispendidos maiores quantias do que as que se votarem; mas o Tribunal não conhece desses excessos, nem os julga, limita-se a referi-los á Camara dos Deputados para fazer effectiva a responsabilidade dos Ministros; mas eu faço amanha emenda sómente para quando o Tribunal exerce as suas funcções: eu vou explicar o que deve ser; digo o que deve ser; porque actualmente, é nada; porque ninguem dá contas; o que ha de ser não o sei eu, porque não sou Governo, direi pois o que deve ser; porque isso pertence-me. O Tribunal marca certa epocha pata os Contadores da Fazenda trazerem as suas Contas ao Tribunal; o Contador da Fazenda de Lisboa, por exemplo, pega nas suas Contas e apresenta-as no Tribunal; a primeira operação do Tribunal é mandar estas Contas a uma das Contadorias, aonde são examinadas, verificadas e liquidadas, e deste exame faz-se um relatorio em que a Contadoria interpõe a sua opinião; este relatorio sobe ao Tribunal para as examinar e julgar; não é na operação da Contadoria, e ao exame do Tribunal, que se ha de ouvir o Ministerio Publico e a Parte, é quando se tracta de julgar. = Póde comtudo a Contadoria pedir esclarecimentos, e mais estes, ou aquelles documentos ao responsavel; póde este requerer quanto entender que é conveniente para que as suas Contas sejam bem entendidas: póde o Procurador da Fazenda requerer tambem o que quizer a favor do Estado; mas tudo isto são actos preparatorios do processo, e que precedem o julgamento das Contas. Durante estes actos ainda se não póde saber qual ha de ser a sentença do Tribunal; e findos elles é que tem logar dar-se vista ao Procurador da Fazenda e ao Responsavel, para em suas cazas examinarem os papeis e tomarem os seus apontamentos; e é depois de tudo isto que o Tribunal em Sessão publica, ouvindo o Procurador geral da Fazenda, e o Responsavel, julga como Juiz. — É a este julgado que eu me referi, e fiz esta explicação para ser bem entendido.

Agora responderei ao illustre Senador, que disse que em regra o Tribunal não julgava. Não sei como elle faz opposição á minha emenda, firmando-se nessa asserção, quando no Artigo 11.º do Projecto da Commissão se lêem estas palavras: = O Tribunal julga as contas dos responsaveis etc. Eu podia reservar para aqui o meu additamento, a fim de que este julgamento fôsse com audiencia do Ministerio Publico, e do responsavel; mas isto aqui fica mal collocado, e deve ser transferido para o §. 1.º deste Artigo aonde em regra geral se estabelecem as funcções do Tribunal.

Tem-se dito por differentes vezes neste Senado, que os emigrados trouxeram de França novidades, novidades que muito mal tem feito ao Paiz! E a respeito de Administração de Fazenda tem-se elogiado a Lei de 1761. — Sr. Presidente, a fórma do Governo de Portugal mudou; aquillo que estava estabelecido para a organisação do governo absoluto não serve de nada para o Governo Constitucional, a não se querer fazer uma mistura que em resultado traga o entorpecimento da acção governativa; d'ahi é que provém todos os males que actualmente pezam sobre a Nação. Eu tambem estive em França; estudei a sua Legislação sobre a organisação politica, mas tambem sei alguma cousa da Legislação Portugueza. A respeito da organisação politica, direi de uma vez para sempre, que as instituições do governo absoluto, como fundadas no principio d'aquelle governo não serve para o Governo Constitucional; e porque se tem misturado, tem-se feito males quasi irremediaveis. Vamos á Legislação Portugueza. — Que se fazia pela Lei de 1761? É honroso o que por ella acontecia; para uns essa Legislação era motivo de fortuna, para outros de desgraça: eu sei o que se fazia nas antigas estações de Fazenda de Portugal, porque conheço a nossa organisação em todos os differentes ramos, desde o principio da Monarchia. — O Marquez de Pombal, esse grande homem, fundou o Erario Regio, deu-lhe uma Lei magnifica para os seus fins a de 1761: mas quer a Camara que eu diga o que era essa Lei? Esse homem extraordinario, que era eminentemente politico, e um grande economista, pela Lei de 1761 fundou um systema de finanças tal, que nenhum dos empregados do Erario podesse saber senão, aquillo que lhe passava pelas mãos; o empregado de uma Repartição ignorava completamente o que se passava na outra: deste modo nenhum delles sabia quaes eram os recursos, nem as despezas do Estado; e tambem não podia ser comprado pelos estrangeiros para lhes revelarem os segredos do Erario, que para todos era uma inquisição. Eis aqui a bondade daquella Lei, e d'aquelle systema, obra comtudo de um grande homem, a cujos fins era sobre modo proveitoso. Passarei ao ponto principal da questão.

Pela Lei de 1761, assim como por todas as outras Leis fiscaes, que nenhum dos illustres Senadores quererá que continuem, fazia-se o seguinte. — Um individuo qualquer tomava certas rendas á Fazenda; ou elle era feliz ou desgraçado. No ultimo caso, passando algumas tropas pelo sitio daquellas rendas, comiam-lhe os fructos por outra vinha o Assento, hoje Commissariado, ordens de differentes Repartições, e tomavam-lhe todo o pão e vinho das mesmas rendas, e apenas se lhe passava um vale; chegava o tempo do pagamento das rendas, e se esse rendeiro não satisfazia, fazia-se-lhe sequestro em todos os seus bens: gritava o rendeiro = eu não posso pagar á Fazenda; porque as tropas, e porque o Assento me tirou os fructos, e eis aqui este vale, para se me levar em conta; = diziam as Justiças, diziam as Repartições fiscaes, = pague o que deve á Fazenda, e vá haver della o pagamento do seu credito!!!! E eis aqui uma familia perdida! Eu conheço algumas, que deste modo ficaram arruinadas, porque a Fazenda nunca lhes pagou; e d'ahi procedem a maior parte desses Titulos de Divida Publica que quasi não tem

valôr! Vejamos o que acontecia aos felizes. Havia um homem que chegava ás Repartições publicas, e tomava quaesquer rendas do Estado; não pagava, mas como tinha protectores, ninguem o obrigava a dar contas, morria, e depois nunca similhantes dividas se podiam haver. Eis aqui porque nos Procuradores Regios de Lisboa e Porto, e outras terras estão centos e centos de contos de réis em processos da Fazenda que provavelmente em tempo nenhum se poderão cobrar, apezar da facilidade que por dous Decretos se deu aos pagamentos de taes dividas. Ninguem tenha pois saudades do systema de Fazenda, estabelecido pelo Marquez de Pombal porque sómente nas mãos delle podia ser util. Ninguem deseje que taes instituições existam no Governo Constitucional; porque senão casam, e basta ponderar que no governo absoluto tudo é segredo, tudo e inquisição; no Governo Constitucional tudo é publicidade. Ora isto é que eu não quero que continue; quero um Tribunal de Contas que tenha publicidade, não emquanto as contas estiverem na Secretaria, mas quando se tractar de as julgar, de dar uma sentença, quero toda a publicidade, e que o Procurador da Fazenda fiscalize os interesses do Estado, e que o responsavel fiscalize tambem os seus interesses; e que prestadas e julgadas as contas seja condemnado se ha alcance, ou seja quite se o não ha. Quem é no systema da Lei de 1761 obtinha uma quitação do Erario? Ninguem, a não ter muito dinheiro, ou muitas protecções. Nunca hei de ser Membro do Tribunal, nem tambem lhe hei de prestar contas, posso afoutamente dizê-lo; mas eu sou empenhado em que a Lei dê as necessarias garantias tanto ao Estado, como ao responsavel; é justo que cada um tenha a sua defeza, e saiba no fim da sua gerencia se deve ou se lhe devem, de outro modo nunca havemos de ter bons. responsaveis, e a sorte de muitas familias ficára ligada eternamente á Fazenda Publica, como acontecia no antigo systema de Fazenda. Quantas ha em Portugal que se julgam na opulencia que talvez não possam assim permanecer se se liquidarem as contas que tem com a Fazenda? Estabeleça-se a regra geral que o Tribunal deve julgar com audiencia do responsavel e do Ministerio Publico (e repare-se que eu não digo que verifique, mas sim que julgue), para que os interessados sejam ouvidos, e ouvidos antes da sentença; porque depois della não ha recurso; verdade é que n'um Artigo deste Projecto dá esse recurso ordinario, mas hei de combatê-lo e propôr se estabeleça um recurso extraordinario para o Supremo Tribunal de Justiça, não porque seja proprio para conhecer de recursos interpostos de contas, mas provisoriamente e em quanto não houver o Tribunal Supremo Administrativo a quem compete, porque são Administradores, e não Julgadores que devem provêr taes recursos.

Concluo insistindo que este é o logar proprio do meu additamento; onde se deve estabelecer o principio e neste §. 1.º do Artigo 7.° e não no 11.°, como diz a Commissão.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Parece-me que o illustre Senador se exaltou mais do que convinha, sem motivo fundado; eu, em defeza da Commissão e pela consideração devida a todos os Membros que compõem este Senado, sou obrigado a dar alguma explicação relativamente ao que elle disse. Nem a Commissão, nem Membro algum desta Camara quer inquisição no Tribunal de Contas, (apoiados) todos querem publicidades, e que as contas sejam examinadas com imparcialidade; e o illustre Senador quando foi enunciando todos os seus argumentos, pareceu dar a entender que a Commissão apresentava um Projecto no sentido inquisitorial, ou do Governo absoluto: a Commissão não deseja isso, quer que se proceda nos termos Constitucionaes, e se dêem aos responsaveis, e á Fazenda Publica, todas as garantias que estiverem em harmonia com a Constituição do Estado. A Commissão pois, entende que o additamento do illustre Senador, não preenche os fins que elle se propõe: por conseguinte, uma grande parte do que expendeu, apesar de ser muito bem dito, perdôe-me elle, parece que vem pouco a proposito para a questão de que se tracta. Disse o illustre Senador que quando o Tribunal exercesse as suas funcções, pelo modo que as acabei de enunciar no meu precedente discurso, não podia nesse acto dar decisão alguma. Eu não disse cousa alguma de que se podesse tirar tal conclusão; não disse que quando o Tribunal visse que se tinha pago alguma quantia de mais ou de menos,

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isso trouxesse comsigo uma decisão immediata, que importasse um julgado definitivo nessa occasião; porque eu sei muito bem, assim como o sabe o illustre Senador, que a obrigação do Tribunal na occasião de se examinarem esses actos, é tomar nota de tudo para dar conta ás Côrtes em tempo habil; — sendo essa a occasião propria para mencionar tudo quanto tiver colhido, relativamente ao modo por que os responsaveis tiverem exercido as funcções de seus cargos. É verdade que antigamente, quando se tomavam contas aos responsaveis á Fazenda, se praticavam muitas injustiças; mas essas injustiças tambem hoje se fazem da mesma fórma, e talvez com maior excesso: hoje é muito difficil obter uma quitação do Thesouro, ou solução prompta de qualquer negocio; abunda-se muito em formulas, expedientes apparatosos, e em etiquetas; de modo que é quasi uma sciencia saber por onde se ha de entrar ou sahir em qualquer negocio. Pelo que me respeita farei votos para que se proscrevam, tanto os abusos antigos como os actuaes, porque a machina Administrativa, a Fiscal, e a Judiciaria, acham-se n'um estado de confusão, que se não sabe se os males de outro tempo eram maiores do que são os actuaes.

O illustre Senador fez-se cargo de explicar as razões por que o Marquez de Pombal, organisou o Erario Regio de um modo quasi inquisitorial: muitas pessoas ha que sabem a razão disso; e não ha duvida que muitos dos Empregados ignoravam o que era estranho á sua Repartição especial, e que só o Thesoureiro Mór e o Escrivão da Mesa do Erario, sabiam do estado dos negocios em ponto grande: mas isto mesmo tinha algumas vantagens politicas naquelle tempo, como era o não saberem todos quaes eram os recursos do Estado.

Em quanto a dizer o illustre Senador que o Marquez de Pombal tentára fazer um grande Edificio em logar elevado da Cidade, para com a sua sumptuosidade exterior impôr aos Estrangeiros, mostrando com elle que eramos uma grande Nação, ainda que dentro não existisse um real; estou bem certo que ninguem hoje quereria impôr por tal fórma (incluindo o illustre Senador). A grandeza das Nações consiste na sua riqueza verdadeira, na sua industria, na sua boa fé, e na pontualidade com que satisfaz as suas obrigações para com os Nacionaes e Estrangeiros. (Apoiados.) Concluo insistindo em que o paragrapho seja approvado nos termos em que foi redigido pela Commissão; nelle se dispõe o preceito necessario; e quando o Tribunal tiver de dar a sua decisão final sôbre alguma conta, lá está o Artigo 11.º; é para esse logar que deve ter cabimento a Proposta do illustre Senador, porque o Tribunal não ha de dar decisão final, senão quando as contas estiverem em estado claro, depois da apresentação de todos os documentos, ou de se verificar a falta delles; então é que é necessaria a audiencia do Responsável, e a concorrencia do Ministerio Publico; e para isso lá estão os Artigos 11.º e 13.º que providenciam este caso, e é para a occasião em que delles se tractar, que devem considerar-se as razões allegadas pelo illustre Senador. Podia ser mais longo, e responder ainda a muitos dos seus argumentos, mas dispenso-me de o fazer para não prolongar a discussão que já vai bastante protrahida, e para não abusar por mais tempo da paciencia da Camara.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Se o illustre Senador responde por parte da Commissão, que o meu additamento entra no Artigo 11.°, eu não me opponho a isso, porque o meu desejo é que se reconheça o principio.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O principio está de certo reconhecido, nem póde deixar de o estar, e então parece-me que estamos com uma questão inutil, e fóra de logar.

Julgando-se a materia discutida foi o paragrapho 1.° do Artigo 7° (do Projecto principal) posto á votação e ficou approvado.

Leu-se depois o periodo 10.° do Parecer da Commissão (o qual se havia reservado para este logar) relativamente a um additamento do Sr. Pereira de Magalhães, apresentado em Sessão de 5 de Abril (V. Diario N.º 84, a pag. 469, col. 3.ª) aquelle periodo e como se segue: Em quanto ao additamento ao paragrapho 1.° do Artigo 7° do Projecto, enumerando os Cofres e Estações a que o Tribunal tem de tomar contas, parece á Commissão, que não póde ter logar, porque as enumerações têem o perigo de não serem completas, e as palavras genericas do Artigo são assás amplas para comprehender a todas.

Teve a palavra

O Sr. Pereira de Magalhães: — Eu fiz esse additamento ao paragrapho para dar toda a clareza á Lei, pois esses são os meus desejos. O Artigo diz assim: (leu.) Mas, Sr. Presidente, gerentes, e responsaveis ha por dinheiros do Estado, que todavia se não consideram responsaveis para com o Thesouro Publico: e porque? É porque em Portugal se costuma muito dizer «tal Repartição rege-se por Leis particulares» e com este enunciado esquivam-se ao cumprimento de muitas Leis, uns de boa fé, e por assim o pensarem, e outros por maldade. Eu mesmo entraria talvez em duvida, se mui tos dos Cofres Publicos que temos no nosso Paiz, estavam comprehendidos nesta Lei; e por isso mesmo que é materia a respeito de que póde haver duvida, é isso a meu vêr quanto basta para que elles se devam enumerar. Outro tanto, Sr. Presidente, fizeram os Francezes, que não póde negar-se terem em muito boa ordem as suas Finanças; e se lá se julgou isto preciso, não vejo razão para que o não seja tambem entre nós.

O fundamento com que a Commissão se oppõe ao additamento, é o do poder escapar algum Cofre; mas isso póde remediar-se em se accrescentando estas palavras: = e outros similhantes que presentemente existem, ou houverem de existir para o futuro. = Eu pedia pois a V. Ex.ª que pozesse primeiro á votação se deviam enumerar-se esses Cofres, ou não? E decidindo-se que sim, então a Commissão poderia aproveitar o meu additamento, e accrescentar-lhe os mais que lembrassem.

Agora, Sr. Presidente, direi que além do referido, tem o meu additamento outra vantagem, e é a de obrigar que para o futuro Orçamentos geraes sejam acompanhados dos Orçamentos parciaes das Repartições, a cujos Cofres ha de tomar contas o Tribunal, o que até agora não acontecia; por quanto naquelles que têem sido apresentados em Côrtes, não são acompanhados dos Orçamentos parciaes para por elles se conhecer o estado dessas Repartições em quanto ao seu pessoal e material, e em quanto á sua receita e despeza; o que é uma grande falta, e até mesmo embaraço para as Côrtes, se quizerem entrar na indagação dessas addições. (Apoiados.) E se isto é para as Côrtes, tambem o será para o Tribunal de Contas, e ainda mais, porque alli apparecem as addições em globo; por exemplo a verba «Correio geral» vê-se lançada na receita geral uma addição do que recebeu, e na despeza geral do Estado o que se dispendeu; mas não se vê miudamente de que procede a receita, nem a despeza, nem se as despezas são feitas legalmente, o que conviria saber-se. É em consequencia de tudo isto é que eu sustento, que a approvação do meu additamento é sobre modo necessaria e util.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A Commissão julgou desnecessario o adoptar a emenda do Sr. Senador, em que faz a enumeração dos Cofres que devem dar contas ao Tribunal, e a razão é, porque quando se tracta de enumerar, devem as enumerações ser completas para se não dar duvida a respeito dellas. Se um Cofre omittido, ou se um Cofre é estabelecido de novo, ei-lo ahi fóra da Lei, e isento de dar contas. (Apoiados.) O estabelecer pois isso em regra geral é o mais conveniente; mas o principio está incluido aqui nestas palavras (leu.) Em quanto porém á segunda parte sobre a organisação dos Orçamentos, essa pertence a uma Lei de Fazenda, e não aqui: faça-se pois essa Lei, e diga-se então nella o modo e fórma como os Orçamentos hão de ser organisados. Além de que nesse additamento enumeraram-se simplesmente os Cofres; mas nós não tractamos de fazer com que o Tribunal de Contas as tome só aos Cofres; porque elle as deve tomar a todas as pessoas que manejarem dinheiros publicos. (Apoiados.) E por conseguinte, o que ahi está abrange todas as hypotheses.

Julgada a materia por discutida, votou-se sobre o periodo do Parecer, e ficou approvado.

Mencionou-se depois a seguinte correspondencia, que se acabava de receber na Mesa.

1. ° Um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, enviando uma Mensagem com um Projecto de Lei da referida Camara, sobre serem as Juntas Geraes de Districto authoridades a collectar para sustentação doa Expostos. Remetteu-se á Commissão de Administração,

2. ° Um dito do Presidente da Camara Municipal de Lisboa, remettendo exemplares impressos de uma Representação da mesma, dirigida á Camara dos Deputados. Foram distribuidos.

O Sr. Trigueiros: — Antes de se passar ao paragrapho seguinte, queria eu pedir á Camara que consentisse que o illustre Relator da Commissão dissesse, o que ella entende por esta expressão generica, de que o Tribunal de Contas, só as tomará áquelles a quem o Thesouro as tomava; por quanto, como as Camaras Municipaes não davam contas ao Thesouro, e devem-nas prestar (na minha opinião) ao Tribunal de Contas, talvez que não indo aqui declarado isso faça duvida no futuro. A fallar a verdade, Sr. Presidente, não ha nada mais mal administrado do que é o Cofre das Camaras; porque gasta-se delles como, e no que se quer, sem haver quem as cohiba nos seus gastos. Embora se diga que o Conselho de Districto lhas toma; porque devendo isto ser assim o não é, porque essas contas são muito mal tomadas, porque no exame dellas não ha zêlo nenhum. Espero pois ouvir o illustre Relator da Commissão.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A Commissão não leve em vistas o comprehender as Camaras Municipaes, porque o tomar-lhes contas é attribuição do Conselho de Districto, e é por isso que a Commissão não teve nunca tenção de as sujeitar ao Tribunal de Contas. Em França mesmo, só aquellas Camaras que têem de rendimento para cima de dez mil francos é que são sujeitas ao Tribunal de Contas. Entre nós, porém, julga-se desnecessario o chamar as Contas das nossas Camaras Municipaes ao Tribunal de Contas, por isso que o rendimento do geral dellas é pequenissimo.

O Sr. Trigueiros: — Pela informação do illustre Relator da Commissão vejo eu que não foi da mente della o incluir as Camaras Municipaes, e então não fica, a meu vêr, evitado um grande mal, que podia ser remediado nesta Lei; porque na verdade (como já disse) não ha nada mais mal administrado do que os cofres das Municipalidades. Argumenta-se contra isto, dizendo-se que em França se lhes não tomam pelo Tribunal; muito embora se lhes não tome lá, mas tome-as cá. Tambem se dá como razão contra o terem as nossas Camaras muito poucos rendimentos; mas, Sr. Presidente, não é tanto assim, porque ha Camaras que os têem muito grandes, como são, por exemplo, a de Lisboa e Porto; e de uma sei eu, que só de rendimento de fóros recebe sete mil cruzados, dinheiros que são muitas vezes mal consumidos, ao mesmo passo que se não paga ás amas que criam os expostos, as quaes andam a pedir esmola! Mas as Camaras teem os rendimentos que. querem, porque lançam os tributos que lhes apraz; e ainda que tivessem pouco, isso mesmo é muito para os seus Municipios; e esta razão de pouco rendimento de maneira alguma deve fazer emprasar a sua fiscalisação.

Sr. Presidente, eu fallo nisto guiado só pelo bem do meu Paiz, e por conhecer que é absolutamente necessario tomar alguma providencia a este respeito; porque vejo os povos sujeitos a fintas, e a muitas imposições, e correrem os dinheiros para os cofres das Camaras, sem se saber ao que elles são applicados. (Apoiados.) Os povos, Sr. Presidente, estão hoje mais vexados pelos tributos que as Camaras Municipaes lhes lançam, do que por aquelles que affluem para o Thesouro! (Apoiados.) Parece-me pois, Sr. Presidente, que os illustres Membros da Commissão acharão razão em que a Tribunal de Contas fique authorisado tambem a toma-las aos cofres das Municipalidades.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Eu só tractei de responder á pergunta que se fez; porém agora direi mais, que acho um grande inconveniente em que o Tribunal conheça das Contas das Municipalidades, reconhecendo com tudo que ellas são muito mal administradas. — As despezas do Estado ou são geraes ou municipaes: as geraes são para utilidade do publico em geral, e as municipaes são só para as localidades, e sobre estas não tem o estado absolutamente nada que fazer senão vigiar pelas Authoridades locaes a sua applicação. Eis-aqui pois no que eu acho algum inconveniente para o que o Tribunal tome contas ás Municipalidades, mesmo porque ellas têem o direito de disporem do seu dinheiro com a simples authorisação das Authoridades locaes, que é quem está no caso de conhecer das necessidades do povo, e não o Tribunal de Contas, que está muito longe das localidades. (Apoiados.}

O Sr. Bergara: — Eu votei pela substituição do Sr. Felix Pereira de Magalhães, e um dos

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motivos foi porque comprehendia os cofre das Camaras Municipaes; eu sou homem de pratica e experiencias, em presença das quaes despreso as theorias; o que vejo é que as Camaras Municipaes não dão contas a maior parte dellas apesar o Codigo Administrativo ordenar que lh'as tome o Conselho de Districto. Diz-se que ha muitas Camaras pobres, e eu digo que ha outras muito ricas: a estes corpos deu-se-lhes attribuições legislativas, porque votam impostos. — Eu sei de algumas Camaras a onde se têem feito obras de interesse particular; por exemplo, fez-se uma estrada que conduz á quinta, do Presidente da Camara, em quanto se deixam os povos no inverno muitas vezes sem podérem communicar, por falta de uma ponte sobre um rio, e outras obras de interêsse publico ficam em menos preço. — Sr. Presidente, eu sei a maneira por que as Camaras hão de dar contas (o que nada altera a sua instituição; mas para se levar a effeito é preciso que ellas tombem os seus bens, o que falta a muitas; isto feito, e todos os annos o orçamento de suas despezas, facil é calcular o importe dos impostos que hão de votar, e por esta fórma é facil tomarem-se taes contas. Fundado pois nestes principios, voto pela emenda do Sr. Trigueiros, posto que ainda a não ouvi, mas concordo n'ella segundo as idéas que o nobre Senador expendeu.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Tudo quanto tem expendido os illustres Senadores que me precederam é verdade, e carece de remedio efficaz; mas apesar de tudo quanto elles têem exposto, dalli não posso eu concluir que seja motivo bastante par» se incumbir ao Tribunal de Contas o verificar aquellas porque são responsaveis ai Municipalidades As Camaras Municipaes estão vexando consideravelmente os povos com imposições de toda a qualidade; e eu já aqui disse que ellas têem mais authoridade que as Côrtes: as Camaras Municipaes reunem de facto os tres poderes politicos, porque para lançarem impostos são = Poder Legislativo, Rei, e Ministros d'Estado; = accumulam tudo, e obram a seu bel-prazer como querem, Sem que ninguem as cohiba. Se dão, ou hão dão contas, isso não sei eu; porém sei que o Codigo Administrativa prescreve o modo de se lhes tomarem, e designa as Authoridades para isso competentes, que são os Conselhos de Districto. Se os povos quando os elegem não escolhem bem, á culpa é sua; sendo esta uma das razões por que eu sou pouco affeiçoado a Authoridades electivas; e se adoptarmos esta proposta, posso assegurar que nem o Tribunal de Contas Verificará as Contas do Estado, nem das Municipalidades. Além de que, eu não sei se nisso haverá alguma incompatibilidade, porque os dinheiros de que o Governo dispõe sob a sua inspecção immediata é o que se chama rendimentos do Estado; e os das Camaras Municipaes são considerados como rendimentos particulares ou locaes: as Camaras Municipaes as immensos; não estou agora no caso de poder dizer quantas. (Vozes: — São 900.) Serão 900: o caso é que basta esse numero para ser incompativel o impor-se ao Tribunal de Contas a obrigação de tomar ou verificar as Contas das Municipalidades de todo o Reino; com tudo reconheço que é de absoluta necessidade tomar uma providencia qualquer a este respeito, e então seria prudente que o illustre Senador apresente um Projecto, por meio do qual se torne effectiva a responsabilidade d'essas Authoridades, e para isso lhe prestarei o meu fraco apoio e auxilio; mas opponho-me a que tal providencia se consigne na actual Lei; e direi mais, que se acaso se estabelecer em regra que o Tribunal tome taes Contas, elle nem servirá para remediar os males presentes, nem os futuros. Por todas estas razões opponho-me ao Artigo addicional proposto pelo illustre Senador, reconhecendo que será aliàs de muita utilidade dar providencias por outro qualquer meio, mas não por este.

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, concedem os principios, e negam as consequencias. Ainda nenhum dos nobres Senadores, que impugnou o meu additamento, deixou de me achar razão, pelo escandaloso abuso com que as Camaras Municipaes tractam os negocios dos seus cofres. Diz o illustre Senador que o Codigo Administrativo previne o modo de tomar as Contas: o Codigo Administrativo diz, que o Conselho de Districto tome as Contas; mas elle não o faz, ou se o faz é de um modo inefficaz; tomam-se, mas e o mesmo que as não tomar, e então, pela disposição do Codigo, não se faz nada: a esperiencia tem mostrado que os meios estabelecidos não são bons, que nos Conselhos geraes de Districto ha as mesmas paixões, os mesmos defeitos, e ahi temos nós os cofres das Municipalidades entregues á dilapidação e ao roubo. São rendimentos particulares, diz o illustre Membro da Commissão; não ha nada particular quando se tracta da fiscalisação das cousas pertencentes ao bem publico; os negocios das Camaras são dos Municipios, e estes o que constituem o Estado; e eu digo que não ha nada da particular quando se tracta de impostos; que importa que seja para um Municipio, se os povos pagam, e o que elles pagam importa em quasi todos os Municipios tanto, e mais que os tributos geraes; o commercio interno soffre, a publica prosperidade é altamente affectada, e comtudo o resultado de tantos sacrificios desapparece, ou são distrahidos em objectos para que não deviam ser applicados! Será isto de menos importancia do que um qualquer outro objecto? Certamente não. Em consequencia esta razão, quanto a mim, é uma razão muito especiosa, porque este negocio interessa tanto ao bem publico, como interessa aquillo que mais o interessa, porque a somma dos Municipios e o total da Nação.

Diz mais o illustre Senador, que me convida para eu fazer um Projecto. — O meu Projecto está nesse additamento; queria o illustre Senador mais uma Tribuneca, mais um pessoal para ella, que dispenda mais alguns contos? Deos nos livre disso (Apoiados). Quando eu fallo assim não entendo que elle o quer; mas uso desta fórma de argumentação, e deste modo de responder: lá está o Conselho de Districto, e nada faz; e então é necessario que a acção da fiscalisação se reuna quanto mais, melhor; em todas as cousas a reunião da acção e sempre uma grande vantagem, quanto mais dispersos estão os elementos mais perdem do sua força; o que e no fysico, é no moral. Diz-se, mas ha contas antigas que se não podem tomar; eu não instarei para isto, por que embaraçaria a acção do Tribunal de Contas; talvez o meu additamento esteja ma! concebido, mas o que eu quero, é que o Tribunal de Contas as tome depois do Conselho de Districto, e neste caso não são novecentas, são dezassete. Tambem não farei questão de se tomarem as contas antigas; o que lá vai, lá vai; basta que nos possamos endireitar para o futuro, e isso seria muito bom; mas eu vejo muito poucos meios para isso: e por tanto não tractemos de renovar o que a esponja do tempo tom apagado; alguma medida se póde tomar para a liquidação de contas antigas, mas isso não deve embaraçar o estabelecer aqui a regra.

Continuo a estar na minha primeira idéa, e peço á illustre Commissão haja de attender ao que tenho exposto.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Se eu tivesse negado o que o illustre Senador disse, teria elle razão no que acaba de expôr. — Agora o que eu sustento ainda é que é inadmissivel que o Tribunal de Contas possa verificar com reconhecida utilidade aquellas por que forem responsaveis as Municipalidades. Disse o illustre Senador que o Tribunal de Contas teria de as tomar sómente a dezesete Districtos, e que por este meio se facilitava a operação; e eu digo que isso não é exacto, porque essas contas dos Districtos serão forçosamente o complexo das de todas as Camaras Municipaes; — direi mais que essa fiscalisação não será de utilidade alguma, porque como ha de o Tribunal conhecer se uma Camara obrou bem ou mal mandando, por exemplo, fazer uma ponte, e cortar ou plantar umas arvores, sem estar proximo do local aonde se praticarem taes factos? É por tanto minha opinião que só poderá haver fiscalisação util, sendo exercida por pessoas que tenham conhecimento das localidades, e tenham visto, e vigiado as operações desses individuos. Por conseguinte admittindo-se o additamento em questão, complica-se o negocio, e não se ha de tirar vantagem alguma real; eu reconheço a necessidade de se por termo a esse mal, mas não aponto o meio: o que digo e que o Tribunal de Contas não me parece proprio para isso, e que não ha de tirar utilidade alguma de tal medida, no caso de se admittir o Additamento de que se tracta.

O Sr. Miranda: — Levanto-me para sustentar a Proposta do Sr. Trigueiros, que em rigor, não e additamento ao Artigo de que se tracta; mas se se approvar a sua doutrina, a Commissão a collocará no conveniente logar; entretanto a materia é muito importante e não ha inconveniente algum em sé consignar este principio no Projecto em discussão: um principio que o uma attribuição necessaria do Tribunal de Contas. Que é o Tribunal de Contas? Uma garantia que se offerece ao Publico de toda a Administração do Estado; ora sendo a gerencia dos fundos Municipaes uma parte daquella, deve ficar sujeita á fiscalisação, o contrario seria admittir-se o caso do statu in statis, hypothesis inadmissivel; e mormente se attendermos a que uma parte dos rendimentos Municipaes dá entrada no Thesouro. Segundo os principios do Governo Representativo não ha um só Empregado publico, e nenhuma Authoridade que deixe de ser responsavel; mas é necessario que essa responsabilidade pode se torne effectiva. Em Portugal as Municipalidades sempre foram responsaveis pela gerencia dos seus rendimentos, e sempre foram a este respeito fiscalisadas. A este respeito observa-se o que sempre se fez, e não se faz innovação alguma. — Tem-se alludido a que em Fiança, o Tribunal de Contas não fiscalisa, e examina as contas das Municipalidades; isto não é exacto: tenho á mão a Lei Franceza, da organisação e attribuições do Tribunal de Contas; e aqui está o Capitulo que tem a epigrafe — Da Competencia do Tribunal de Contas -o qual principia por estabelecer, Artigo 11, o seguinte: — O Tribunal é encarregado do juizo das contas (du jugement des comptes) das receitas do Thesouro, dos Recebedores, geraes de departamento, e da gerencia e administração das contribuições indirectas, tias despezas do Thesouro, dos Pagadores geraes, dos Pagadores ao exercito, e das Divisões militares, dos Districtos (arrondissemens) maritimos e dos Departamentos; das receitas e despezas, o dos fundos especialmente applicados ás despezas dos Departamentos, e das Municipalidades, cujos orçamentos são definitivamente approvados pelo Imperador. — Ora se em França ha, e é exequivel esta fiscalisação, porque a não será em Portugal? Pelo receio da complicação dos trabalhos do Tribunal, não; porque o pessoal do Tribunal que se acha estabelecido, supposta a differença da população dos dois Paizes é proporcionalmente muito mais numeroso em Portugal do que em França; e por tanto se em França se dá expediente a todas as contas que acabei de relatar, muito mais facilmente se poderá dar em Portugal. Demais, é preciso notar que o Tribunal não examina as contas das Municipalidades immediatamente, mas sim depois de coordenadas, examinadas, e resumidas pelos Conselhos de Districto; e ha muita differença entre examinar uma conta que já está verificada, e coordenada por qualquer outra Authoridade, e examinar a verificar a mesma conta em todas as suas minimas parcellas, e pormenores.

Quiz-se entrar em especialidades, e perguntou-se como era possivel verificar tão variadas contas: eu digo que da mesma maneira que se verificam quaesquer outras; mas ainda que escapasse alguma despeza mal applicada por miuda, sempre se consegue um resultado util; porque se sabe ha sempre o receio de que possa saber-se que se fazem despezas que aliàs ficariam no escuro. O que não se conseguiria, se estas contas não fôssem tomadas. E além disto quererá alguem que as Authoridades Municipaes sejam irresponsaveis por seus actos? Um illustre Membro da Commissão ponderou muito bem que as Municipalidades tinham mais podér para impôr contribuições do que as Camaras Legislativas, e (o que parece incrivel) ha menos garantias contra os arbitrios das Municipalidades, do que contra os abusos dos primeiros Poderes do Estado! Qual é pois a unica garantia que resta aos particulares, e ao publico? O conhecimento das receitas, e a certeza de que as despezas dos Concelhos hão de ser sujeitas á um exame, pelo qual se conheça se foram feitas na conformidade da Lei; assim ao mesmo tempo que se tomam contas ás Municipalidades, examinam-se as dos Conselhos de Districtos, as quaes devem igualmente ser examinadas, e fiscalisadas: e desta sorte, em quanto ás contas da Municipalidade, ha um processo com duas Instancias; a primeira no Conselho de Districto, a segunda, no Tribunal de Contas. Considerada a questão deste modo, ninguem póde negar a necessidade, e a utilidade do additamento: adopto-o, portanto, para; ser convenientemente collocado entre os Artigos do Projecto em discussão.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Estou persuadido que se não póde encarregar esta incumbencia ao Tribunal de Contas: isto

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DIARIO DO GOVERNO.

são despezas locaes que sahem immediatamente dos povos; por tanto a sua administração pertence a elles debaixo da vigilancia do Governo. E como será possivel que um Tribunal, que está a sessenta legoas de distancia de tal ou tal Municipio, possa saber da legalidade das suas despezas? O mais que se poderia fazer era fiscalisar a operação material das cifras que encontrasse no papel. Conheceu-se isto tanto em França, que sómente as contas das Municipalidades que têem mais de dez mil francos de renda, é que são fiscalisadas pelo Tribunal de Contas, e as que se acham nesse caso talvez não sejam vinte: naquelle paiz ha um numero tal de Municipalidades, que o Tribunal teria de examinar milhares dellas, e reconheceu-se que isto era impraticavel. Ora, em Portugal é certo que ha um numero de Municipios incomparavelmente menor; mas ainda quando fôsse admissivel submetter as contas de todos elles á fiscalisação do Tribunal, esta reduzia-se ao calculo dos algarismos. Por tanto, se o illustre Senador limitasse a sua Proposta ás contas das Municipalidades que tivessem de renda dois contos de réis, ainda se poderia approvar, mas querer que aquellas que não têem cem mil réis de renda, levem as contas ao Tribunal é impossivel; e repare-se que ha muitas neste caso, cujos Vereadores estão arrenegados porque as despezas do Concelho sahem da algibeira delles, e por isso fazem o maior empenho para sahir dos cargos. As despezas locaes dos povos circumscriptas a um terreno sabido, não são da competencia do Tribunal de Contas.

O Sr. Bergara: — Para fallar nesta questão, é preciso ter conhecimento das Provincias, e dos locaes onde as Municipalidades costumam empregar os rendimentos que têem, ou sejam o resultado de impostos, ou a renda de seus bens. A maior parte das Camaras não têem inventario nem tractaram de tombar os bens do Concelho, e para conseguir este importante fim bastará inserir no Projecto um Artigo pelo qual fique competindo ao Tribunal de Contas o toma-las ás Municipalidades, porque então ellas terão o cuidado de fazer o inventario de seus bens. Sr. Presidente, o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, (pessoa que muito respeito em suas opiniões, menos agora) disse que o Tribunal de Contas estava distante dos locaes das Municipalidades; e os Conselhos de Districto estarão longe? Não. A primeira operação que têem a fazer as Camaras é o orçamento das obras, e quando apresentarem aos Conselhos de Districto a relação dessas obras, este ha de averiguar se ellas eram as mais necessarias, examinando tambem a despeza feita: isto é o que se deve fazer, e o que se não tem feito (Apoiado). Por tanto sustento a Proposta do Sr. Trigueiros, porque não vejo impossibilidade ou incompatibilidade em que o Tribunal tome contas as Municipalidades; embora estejam longe, porque milita a mesma razão para os Conselhos de Districto.

Julgando-se a materia discutida, votou-se o seguinte additamento, e ficou approvado

«Proponho que os Cofres das Municipalidades dêem suas contas ao Tribunal das mesmas, depois de tomadas pelo Conselho de Districto. = Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros = Conde d'Avillez = J. T. de Aguilar = J. O. do A. Sarmento = F. T. d'Almeida Proença = Manoel Ignacio de Sampaio e Pina = M. G. de Miranda = J. M. M. de Bergara. =»

O Sr. Presidente: — Agora segue-se o ultimo periodo do Parecer da Commissão sobre as emendas do Sr. Vellez Caldeira.

O Sr. Leitão: — Ainda que me parece que as emendas do Sr. Vellez Caldeira se devem discutir depois de votado o Artigo; com tudo como o mesmo illustre Senador felizmente se acha melhor da grave molestia que tem padecido, e creio que não tardará muitos dias em vir a Camara; requeria por isso a V. Ex.ª queira propôr á votação se o Senado convém em que este ultimo periodo do Parecer da Commissão, fique addiado até que seja presente o Sr. Vellez Caldeira, (apoiado).

Consultada a Camara, annuiu a esta Proposta.

Sobre pedido do Presidente da Commissão de Legislação (o Sr. Leitão), resolveu a Camara que o Sr. Tavares de Almeida ficasse fazendo parte della.

O Sr. Presidente deu para Ordem do dia a discussão dos Projectos de Lei, sobre isenção de impostos nos Cereaes que se exportarem, e sobre formar-se uma nova Freguezia dos habitantes do Rocio de Abrantes; e bem assim a discussão do Parecer da Commissão de Fazenda, sobre o Projecto da Camara dos Deputados, para um dos Membros da Junta do Credito Publico ser Bacharel formado em Direito: fechou a Sessão depois das tres horas e meia da tarde.

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