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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES

Sessão de 8 de Maio de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

ABERTA a Sessão, meia hora depois do meio dia, verificou-se a presença de 35 Srs. Secadores.

Leu-se e foi approvada a Acta da Sessão antecedente.

Mencionou-se a correspondencia:

1.º Um Officio do Sr. Conde de Avillez, pedindo licença para ír por algumas semanas ás Caldas de Cabeço de Vide, a fim de se tractar.

2.° Um dito do Sr. Macedo Pereira, participando precisar ír a sua casa, nos Campos de Coimbra, em razão de molestia de pessoa de sua familia.

Não se achando a Camara em numero, ambos estes Officios ficaram sobre a Mesa.

Foram distribuidos exemplares impressos da Conta da receita e despeza da Casa-Pia de Lisboa, relativa a Março do corrente anno; para esse fim enviados pelo Sr. Conde de Porto Côvo.

O Sr. Pacheco Telles: — Mando para a Mesa uma Representação dos Lavradores do Termo de Lisboa, em que pedem seja approvado Projecto de Lei, apresentado pejo Sr. Luiz. José Ribeiro, sobre a refórma do Terreiro Publico.

O Sr. Presidente: — Como a Representação versa sobre a materia do Projecto que hoje deve entrar em discussão, não tem logar mandar-se á Commissão; fica sobre a Mesa em quanto julgar essa discussão, e depois será remettido para a Secretaria.

A Camara conveio.

Por parte da Mesa, apresentou o Sr. Secretario Machado uma Proposta para a admissão dos dous Praticantes de Tachygraphia.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sena bom que essa. - Proposta se mande imprimir, para entrar em discussão quando lhe competir; então cada um dos Senadores dirá o que convier, porque me parece não será muito regular, e entrar já em discussão logo depois de apresentada.

O Sr. Presidente: — Não ha duvida nenhuma nisso, até mesmo porque a Camara não está em numero sufficiente para poder votar: entretanto, não é costume mandar imprimir taes Propostas. Esta é feita em consequencia de um Requerimento dirigido á Mesa anterior, que sendo examinado pela actual, julgou que sobre elle devia dar o seu Parecer.

O Sr. Bergara: — Como V. Ex.ª fallou na Mesa anterior, eu vou esclarecer a Camara do que se tem passado a esse respeito. Esse Requerimento sendo presente á Mesa, foi a informar ao Tachygrapho-Mór; eu não vi a informação, mas creio que é favoravel aos Suplicantes: quando se tractar da materia, eu direi qual é a minha opinião a este respeito.

O Sr. Presidente: — A Proposta fica sobre a Mesa para que os Srs. Senadores a possam vêr, assim como a informação (apoiado), e depois se tractará deste assumpto.

A Camara se conformou com ele arbitrio.

Havendo entrado o Sr. Ministro dos Negocios do Remo, e bem assim, alguns Srs. Senadores, passou-se á Ordem do dia.

Foi pôsto em discussão, na sua generalidade, o Parecer da Commissão de Agricultura, a qual tendo examinado os dous Projectos de Lei apresentados pelos Sis. Bergara, e Luiz José Ribeiro, sobre a refórma do Terreiro Publico de Lisboa, em resultado offerece um novo Projecto de Lei (*)

Teve primeiro a palavra, e sobre a materia disse

ordem do dia.

O Sr. Bettencourt: — A materia que fez hoje o objecto da Ordem do dia é por certo, Srs. Senadores, a mais importante que tem vindo a este Senado; ella por si mesma se recommenda, por isso mesmo, que tractando da refórma de uma tão ponderosa Repartição, qual é o Terreiro Publico de Lisboa, tem uma relação intima com a subsistencia de uma grande capital, qual é Lisboa, é todas as suas vizinhanças, suburbios e dependencias; e demais a subsistencia de uma população ambulante que é porto de Lisboa, aonde vem immensas embarcações, que não só costumam abastecer-se para a sua sustentação em quanto aqui existem, mas tambem para quando passam a regiões remotas, levando daqui a sua sustentação para um, dous, tres, e quatro mezes, e mais, conforme a distancia para onde navegam, sendo a principal biscoutos de que fazem grande provimento, e deposito em calculo de Sobejo: esta igualmente tem relações com os productores, isto é, com a Agricultura, esta Mãe fecunda que dá vida a toda a industria, que faz produzir a terra os generos cereaes para o abastecimento da Capital, pois que se os não houverem nossos, isto é, do nosso paiz, do nosso Reino, de certo hão de vir de fóra, isto é, dos estrangeiros, pois não se póde viver, sem comer pão, alimento da primeira necessidade; e se isto é um bem os illustres Senadores o dirão. Lembrem-se da epocha de 1817, 1818, e 1819. Tem relações com o Commercio, por isso mesmo que não produzindo Lisboa generos cereaes para seu consumo, e do porto de Lisboa, que deve entrar muito em conta, é preciso que elles venham das Provincias da Estremadura e do Alemtéjo, celleiro da Capital, e então qual é o agente para trazer os generos Cereaes para sustentação?.... É por certo o Commercio, isto é, esses Negociantes, que exclusivamente se deram a entreter seus capitaes neste ramo de Cereaes, fundados na Legislação que regula o Terreiro Publico, e que faz que elles tendo a certeza da exclusivo local da venda no mesmo, façam os depositos, que affiança a subsistencia da grande Capital de Lisboa, no que fazem um serviço muito importante, e que faz descançar o Governo, seguro da subsistencia dos habitantes de Lisboa, supprindo estes Negociantes, o que o Governo em París tem a seu cuidado: lá iremos. Em consequencia temos, que esta materia é importantissima, porque se tracta de tres objectos assás recommendaveis pelas suas circumstancias, por sua natureza muito transcendentes: a sustentação da Capital, e do porto de Lisboa; a Agricultura productora, e o Commercio de generos Cereaes para os conduzir ao Terreiro Publico

Eu sinto muito ter de emittir as minhas opiniões ácerca da generalidade deste Projecto, que tanta connexão tem com a Agricultura do nosso Paiz, e que é preciso que todos os mais ramos de industria, que são fonte da riqueza, e prosperidade publica, se harmonizem entre si, para se tirar um bem geral; porém as minhas opiniões, são resultado de experiencia, e tenho conhecido, que as theorias não têem logar neste ramo de generos cereaes, e que a liberdade de Commercio em thesis, é prejudicial nesta hypothesis de cereaes; póde ser em thesis, admittida nas Nações constituidas, que têem todas as Repartições Publicas organisadas, que têem segurança pessoal, e de propriedade; e estaremos nós nessa posição!? Digam os Srs. Senadores: desta magica palavra, Liberdade, tem-nos vindo muitos males!! Desgraçadamente, ou felizmente, sendo combatidas minhas opiniões, o resultado tem mostrado, que theorias vagas, e não applaudidas, não sendo applicadas com conhecimento de causa, e em applicação ás nossas circumstancias, teem tido um máo effeito. Sinto muito, que apresentando-se dous Projectos, e igualmente um Parecer da Commissão, sendo estes Projectos apresentados por Senadores tão respeitaveis, e com quem tenho muitas relações de amizade; e vendo igualmente que os Srs. Senadores que hoje compõem a Commissão de Agricultura, com quem tenho a honra de ter amizade, pela sua sabedoria, capacidade, e probidade se fazem credores da minha consideração: torno a repetir, que sinto muito o ver-me obrigado a expender a minha opinião, que é contra o principio, que foi ma a base do Parecer da Commissão, pois entenda, que o Mercado livre de Cereaes em Lisboa, abolindo-se o exclusivo da venda dos Cereaes no Terreiro Publico, é a ferida mortal daquelle Estabelecimento.

O Projecto n.° 8, no seu primeiro Artigo, é coherente com as minhas idéas, porém o outro n.° 20, e o Parecer da Commissão é de certo contrario na minha opinião, mas de muito boa fé; e pacificamente eu exporei as minhas idéas, e razões, sem querer, nem ter a presumpção, nem a esperança de que ellas tenham mais força do que a convicção dos illustres Senadores que formam a Commissão de Agricultura; mas não posso entrar ainda na Categoria do seu Parecer e Projecto sem fazer algumas reflexões historicas deste Estabelecimento, que por certo muita ligação têem com a discussão da generalidade do Projecto n.° 48.

Tracta-se do Terreiro Publico de Lisboa: este Estabelecimento que marca uma epocha muito além dos tempos, por quanto, segundo o Alvará de 24 de Janeiro de 1777, lhe dá dous seculos de existencia, e o Alvará de 12 de Junho de 1779 ainda lhe accrescenta mais, porque diz que tinha o seu principio ha mais de tres seculos; já se vê por esta antiguidade, que um Estabelecimento que tem esta duração, e que tem passado per baixo de tantas tempestades politicas, de diversidades de circumstancias, de reformas, segundo as idéas que reclamam as necessidades, as variedades, e as mudanças dos tempos, elle tem constantemente grava, do em si o cunho indelevel de utilidade, porque a sua duração deveria ter acabado se não tivesse sido preenchido o fim da sua instituição; mas a final sobreveio o fatal terremoto de 1755, de cuja epocha é que hei de principiar, por isso mesmo que tudo que até alli existia ficou destruido debaixo das ruinas daquelle terremoto calamitoso. Existiam umas vendedeiras que estavam debaixo da Inspecção do Senado, e que occupavam desde o terreiro do Paço até quasi ao principio da fundição, com immensas casas de madeira, telheiros e barracas; mas era o que servia então de Terreiro, tudo isto estava incumbido ao Senado de Lisboa, de quem todas as semanas haviam varias posturas, que umas muitas vezes destruíam ás outras, e o Marquez de Pombal, junto com o terremoto, deitou em esquecimento tudo isso; e então entraram aquelles vendedoras a espalhar-se por toda a Cidade e Termo, deixou de haver um local centralisado, exclusivo, e em consequencia a commodidade dos padeiros, moleiros, e consumidores encontrarem n'um ponto, mui circumscripto, todas as qualidades de generos, e de poderem conseguintemente, cotejando-os em preço e qualidade, preferir o que mais conta lhe fizesse; accrescendo a difficuldade da fiscalisação, e da sanidade dos Cereaes, e mesmo da existencia, tudo consequencia do vago do local; e então conheceu aquelle grande Estadista, a quem abrasava o zêlo do bem publico, que era necessario, e util fazer um edificio a que se podesse chamar a venda de todos os Cereaes, evitando os inconvenientes que se experimentavam, tudo consequencia do disperso, e incerto do local das vendas dos Cereaes, e dando a essa venda uma direcção uniforme, e regular, como garantia dos proprietarios, que se queixaram de serem muito lesados pela vendedeiras, que, não eram affiançadas, e ao mesmo tempo, como segurança do abastecimento desta Capital. O Senado não tinha dinheiro para a construcção da obra, a que se deu o nome de Terreiro Publico, a qual foi feita desde o alicerse, e debaixo de um risco, para preencher o fim da sua edificação; então o Marquez de Pombal, em nome do Senhor D. José 1, por um Decreto cego, e com segredo, ordenou, que os fundos necessarios se tirassem do Cofre do Deposito Publico, que devia ser indemnisado pelo rendimento do Terreiro, proveniente das vendagens, que passariam a pertencer-lhe. O pagamento deste emprestimo foi progressivamente effectuado, pois era então costume cumprir o que se ajustava, e tanto, que quando em 1779 o Terreiro passou a ser Repartição Publica, independente do Senado da Camara de Lisboa, ainda se devia algum saldo, que eram 50:000$000 réis, que foi pago por Decreto de 30 de Outubro de 1780: é por tanto falsa a tradição de que o Senado fez com dinheiro seu o Terreiro. Por se conhecer, que o Senado não era capaz e proprio para dirigir um Estabelecimento, que começava a ser de tanta importancia, já por Decreto de 6 de Novembro de 1777, tinha Luiz de Vasconcellos e Sousa, então Desembargador da Relação de Lisboa, e depois Vice-Rei do Rio de Janeiro, sido nomeado Inspector do Terreiro Publico, e logo Sua Magestade, por aviso de 7 do mesmo mez, lhe havia mandado remetter um Regimento, que se imprimio, mas que nunca chegou a ter força de Lei, incumbindo-o de dar-lhe execução, na parte que fôsse possivel sem vexame nem prejuizo dos interessados, e encarregando-o de propôr as alterações que parecessem convenientes, assim como toda e qual

(*)Acha-se inserido no Diario N.° 105, a pag. 608, col. 1.ª - Os Projectos dos Srs. Bergara, e L. J. Ribeiro, estamparam-se, o 1.º no Diario N. 64, a pag. 348, col. 1.ª (addicionado no Diario N.º 80, a pag 443, col. 1.ª); e o 2.° no Diario N.° 78. a pag. 427, col. 1.ª