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DIARIO DO GOVERNO.

quer medida que tendesse a consolidar o novo Estabelecimento.

É a este Inspector Geral, e ao Administrador Antonio José Amado, vulgarmente conhecido pelo Surdo; que morreu pobre, que, em quanto houverem Portuguezes que saibam a historia do seu Paiz, e presarem a honra, probidade, e capacidade, lhe hão de fazer elogios, se devem os primeiros ensaios de ordem e andamento regular do Terreiro Publico. Até esse tempo não consta como se fazia o serviço, nem como se arrecadavam as vendagens, que foi ao principio 10 réis por alqueire que vendiam, o que pelo andar do tempo subiu a 20 réis. Esta é a origem da vendagem que o Regimento de 1779 reconheceu e mandou arrecadar, e que subsiste ainda hoje a respeito de todos os generos nacionaes; porém eu vi uma memoria de que farei logo menção, que tudo era confusão, e tanta, que pareceu indispensavel proceder ás nomeações mencionadas, e á concessão de extraordinaria authoridade que facilitasse a refórma, e désse logar á proposta de uma nova ordem de cousas.

Parece que o Inspector, e Administrador satisfizeram á confiança que tinham merecido ao seu Soberano; e que tendo dado muitas providencias uteis, propozeram o Regimento de 12 de Junho de 1779, sendo já Reinante a Senhora D. Maria I, de saudosa Memoria.

Será pois desta epocha de 1779 em diante, que com mais conhecimento de causa, á vista dos Alvarás e Avisos, poderei fallar mais positivamente, pois em 1819 os examinei com vagar quando se tractou na Junta do Commercio e Agricultura desta renhida questão do Terreiro Publico; que sempre foi contemplado, não só para arrecadar o producto das vendagens em proveito da Fazenda da Camara Municipal, hoje de Lisboa, e então Senado da Camara, que recebe 9:000$000, do Hospital de S. José 26:000$000, da Casa-Pia 4:800$000, e do Hospital de S. Lazaro 4:600$000, para provêr e segurar a subsistencia da Capital; mas tambem para proteger a Agricultura do Reino; o que inculcam todas as providencias com que os Soberanos, repetidas vezes em todos os tempos, e mesmo as Côrtes de 1821, protegeram os Proprietarios, os Lavradores da Estremadura e Alemtejo, e de todo o Reino; tendo-se conhecido nos ultimos tempos que as providencias dadas pela Regencia de 11 de Maio de 1819, até de 18 de Junho do mesmo anno, a de 14 de Setembro do mesmo, a de 9 de Janeiro de 1820, e 18 de Março do mesmo anno, impondo Direitos provisorios nos Cereaes estrangeiros, apenas indicavam o conhecimento e gravidade do mal, e o desejo de lhe dar remedio, e tudo em consequencia dos clamores de toda a Nação, pelas representações dos Lavradores e Proprietarios; que se decretou em 18 de Abril de 1821 a prohibição absolutamente da importação de Cereaes estrangeiros em circumstancias ordinarias. Esta é a Lei do preço regulador, e della começou a nossa Agricultura a receber muitas vantagens; assim como emprestimos e adiantamentos que se fizeram pelo Cofre do Terreiro Publico aos Proprietarios e Lavradores, e do emprego dos Direitos, em pontes e estradas, principiaram a resultar beneficios incalculaveis em proveito igualmente da subsistencia da Capital, que se sustentava com pão nosso, isto é, do nosso Reino: os bens que resultaram da Administração do Terreiro incumbida a homens probos e intelligentes, como os que formaram essa Commissão (um dos quaes se assentou nestas cadeiras, e cujo patriotismo e independencia foi bem conhecido, e honra sua memoria) todos o sabem.

Neste estado permaneceram os negocios do Terreiro Publico até os fins de 1823, em que se conheceu a conveniencia de novas providencias e nomeações, e se reformou a Lei do preço regulador; e por Decreto de 18 de Fevereiro de 1824 foi nesta parte supprimido o seu effeito.

Creou-se uma Junta para propôr a refórma do Terreiro, e merecendo a Real approvação, publicou-se o Alvará de 15 de Outubro de 1824, no tempo em que, Sr. Presidente, V. Ex.ª era Ministro d'Estado dos Negocios do Reino.

Esta Lei veio motivar a maior alteração que tem experimentado o Terreiro Publico, que sendo até então uma Repartição, unicamente encarregada de provêr á subsistencia da Capital e de arrecadar os Direitos estabelecidos, e de dar os soccorros e adiantamentos aos Proprietarios e Lavradores, accumulou a estas obrigações (e com bem justificada razão) a de superintender nas colheitas nacionaes, para calcular o estado provavel da existencia dos Cereaes, para o seu provavel consumo. Passaram-se os acontecimentos bem conhecidos desde 1824 até 1838, em que a necessidade fez apparecer a refórma de 12 de Julho de 1838, promulgada por authorisação dada ao Governo em Carta de Lei de 7 de Abril de 1837, que hoje se pretende refundir e reformar, como contrario á liberdade do Commercio, e oppressivo ao direito de propriedade.

Eis-aqui, Srs. a historia material e legislativa do Terreiro Publico, que eu julguei necessaria para fundamentar a minha opinião, e torno a repetir, que a edificação daquelle edificio foi effeito da necessidade de ser um local exclusivo para a venda dos generos cereaes, pois della resultam os fins para que foi edificado aquelle edificio, e que intendo ainda hoje existem; e debaixo deste ponto de vista são todas as Leis, reformas, e Regulamentos, que em todas as epochas se tem dado áquelle Estabelecimento, e que é preciso muda-las todas, quando se adopte a liberdade em que se basêa este Projecto; principio opposto é o do Projecto do Sr. Bergara, no seu primeiro Artigo, que é coherente com a minha opinião (leu), e que admitte o Terreiro, local exclusivo para a venda de todos os Cereaes em Lisboa.

Agora entro na materia em geral, e vou dizer e repetir, que o Mercado livre, isto é, a faculdade de poder vender quem quizer, onde quizer, fóra do Terreiro, é uma ferida mortal naquelle Estabelecimento. O que se diz, relativamente ao deposito para que se julga servir o Terreiro, tambem não é exacto; porque, o local não contém senão a possibilidade de alojar quatro até cinco mil moios ensacados, e o deposito necessario para o abastecimento de Lis boa deve ser de doze a dezeseis ou vinte mil moios para quatro mezes, porque Lisboa gasta tres, quatro, ou cinco mil moios cada mez, segundo a maior ou menor população e movimento do seu porto; de modo que o que se tem de consumir no mez de Fevereiro é preciso que já esteja em Janeiro, o que ha do consumir-se em Março deve cá estar em Fevereiro etc. etc. Por consequencia, o deposito não póde ser no Terreiro; o deposito são as tercenas; o deposito são os armazens ao noite, ou sul do Téjo, onde os Commissarios têem os generos cereaes á espera de occasião favoravel para os vender segundo a ordem e processo ordinario. Só os mandam para o Terreiro, quando lhes faz conta, alli os estão beneficiando, para em bom estado os conservarem, e quando lhes chega a distribuição, que sempre, em conformidade da Legislação novissima, é quantitativa, não por antiguidade, e que hoje se faz no 1.° de cada mez entram então com os seus generos armazenados para o Mercado do Terreiro Publico. Mas que se seguirá de ser livre o Mercado dos Cereaes? Um côrte immediato na Lavoura, ou nos Lavradores e Proprietarios, que é de quem se deve aqui fallar, porque, se os Lavradores o são de terras proprias, são Proprietarios; se são Rendeiros de terras alheias, hão de pagar as rendas aos Proprietarios; hão de fazer o custeamento nas suas lavouras, hão de ter dinheiros empatados nos seus gados, hão de preencher immensas necessidades que estão todos os dias a apparecer; e é preciso servir-se do producto dos seus generos para todos estes objectos. E por ventura podem elles vi-los vender a Lisboa livremente? Não podem: ou hão de vende-los lá nas suas terras, ou hão de vir a Lisboa tractar aqui com quem lhos compre. Chegam, e não podendo vendê-los logo, infallivelmente hão de procurar quem lhos tome, porque as suas necessidades estão urgindo todos os Sabbados, para ter com que pagar as suas ferias que nunca deixam de se pagar no proprio local; chegando o Sabbado ou o Domingo o Lavra, dor ha de pagar a feria; é uma Letra á vista, que nunca foi protestada, é sacada pelo suor, e trabalho do Jornaleiro, que ha de ser pago por quem recebe a utilidade do seu trabalho, que não lhe importa com cousa nenhuma, nem saber que os generos estejam baratos, nem que estejam caros, nem se se vendem, nem se deixam de vender; ha-de-se-lhes infallivelmente pagar: a Lavoura é representada na pessoa do Lavrador, este ha de servir-se do producto dos seus fructos para os amanhos, por que são hoje muito poucos Lavradores e Proprietarios em Portugal que tenham burras com um capital que possa chegar-lhes para todo o continuado costeamento do anno, visto que as suas despezas são semanaes. Mas, chega o Lavrador a Lisboa, e vai ter com o Negociante com quem quer contractar; tanto este como o Padeiro, como o Moleiro, ou qualquer consumidor, dizem-lhe — eu em quanto o Terreiro estava alli, que era o meu Mercado, podia comprar-lhe o seu genero, agora não posso por que é livre a todo o mundo vender, e tantas são as vendas de generos cereaes, como são as lojas de Lisboa. Ora este infeliz acontecimento já existe, e só bastou pôr-se em Projecto; o que será quando se decida pela liberdade da venda fóra do exclusivo local do Terreiro, que de tempo immemorial tem durado por Leis, até agora!..

O Lavrador, o Negociante concorrendo nó Terreiro, e sendo local privativo da venda, está em iguaes condições nas despezas; a concorrencia dos consumidores áquelle local, garante a facilidade da venda, a quem quer vender, por mais, ou por menos, o que não acontece sendo variados os locaes da venda. Não vejo nisto nenhuma vantagem, desapparece a liberdade que tinha o Lavrador de mandar o seu genero para o Terreiro, e de poder tirar d'alli algum interesse, por isso mesmo que não póde entrar com elle senão quando fôr conveniente; e então o Terreiro fica em circumstancias de não ter fundos para podér prestar aos Lavradores os soccorros que elles alli achavam; e então que hão de fazer? Eis aqui porque ao mesmo tempo que esta liberdade em theoria é boa, relativamente ao Terreiro não a acho eu admissivel. E tambem não julgo que seja conveniente ao proprio commerciante do genero, visto que fica livre a cada um ser Negociante de graos, mas não sei se todos se quererão sujeitar ás circumstancias: tenha cada um a liberdade de negociar no que bem quizer, mas com as restricções que havia no Terreiro desde tempo immemorial. Não é só este Estabelecimento entre nós: estando na livraria do Marquez de Pombal, em Oeiras, por ter alguma curiosidade li uma historia, escripta pela mão propria letra em que tinha as notas que fez quando estabeleceu o Terreiro Publico de Lisboa, e dava as razões porque; dizia que nas suas viagens indo elle a uma Cidade da Suissa, chamada Zurich, cuja Cidade deu nome a um Cantão, viu lá um Estabelecimento igual ao Terreiro; dizia mais, que este Edificio tinha uma legenda em cima da porta correspondente, na qual se lia — Isthoc moles, in lernagi ripa, quam vides asservanda; dividendae que frumentaria annonce distinatur. Quer dizer = Este Edificio que tu aqui vês sobre a margem do Lago Lima, é destinado para conservar, e vender os generos cereaes: = accrescenta elle, que esta viagem, lhe suggerira a idéa de fazer o mesmo em Portugal, quando o Terremoto destruiu, e cobriu de cinzas os logares de venda do trigo, e mais grãos. Um homem que tinha tanta retentiva, que assim conservava o que via em suas viagens, parece que deve merecer alguma contemplação o que elle escreveu; o que elle fez em todos os ramos d'Administração publica assás mostram que o Marquez de Pombal tinha grandes e vastos conhecimentos, e sobretudo promptidão em conceber os projectos, e facilidade e meios de os levar á execução: os motivos, que elle pondera na sua Memoria, eu os tenho expendido — ainda hoje os reconheço existentes. Mas voltemos á liberdade da venda, e aos seus effeitos.... Como se ha de inspeccionar a sanidade do genero, pois que é uma das obrigações de quem governa fiscalisar, e mandar examinar que os generos postos á venda, principalmente os de primeira necessidade, sejam de boa qualidade, sãos, e bem conservados: vejamos o que se diz na Lei de 24 de Novembro de 1795 a este respeito: =E porquanto a conservação da saude publica, constitue per si só um objecto de tal consideração, que se não devem omittir ou desprezar todos, e quaesquer meios, que a experiencia tenha feito descobrir, que possam ser conducentes para aperfeiçoar; e consistindo sem duvida o primeiro, e mais efficaz meio, em que os grãos destinados para o pão commum de todos os dias sejam sãos, bem sasonados, e acondicionados, e que pelo contrario, não padeçam corrupção, avaria, ou outra qualquer nociva infecção, etc. etc. etc. Ora depois delles sahirem da inspecção do Terreiro, para cada um os ir Vender onde quizer, como é possivel que se faça uma inspecção de modo que o Publico não compre pão feito de grao avariado, e farinha já meia podre? Vê-se por tanto que esta é uma das condições que deve ser muito bem ponderada. A liberdade de quem quizer vender trigo, uma vez que não seja em local certo como tem sido até agora, isso julgo eu que tem grandes inconvenientes.